CATEGORIAS PROFISSIONAIS INSTITUCIONALIZADAS POR INSTRUMENTO DE REGULAMENTAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
FUNÇÕES INTEGRADAS EM MAIS DO QUE UMA CATEGORIA
Sumário

I - A categoria profissional deve corresponder às funções efetivamente exercidas pelo trabalhador ou, pelo menos, ao núcleo essencial dessas funções.
II - Existindo categoriais profissionais institucionalizadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, deve ser atribuída ao trabalhador a categoria correspondente prevista nesse instrumento, e não aquela que, arbitrariamente, o empregador entenda atribuir-lhe.
III - Caso as funções efetivamente exercidas não se enquadrem em nenhuma das categorias previstas no instrumento de regulamentação coletiva, deve ser atribuída ao trabalhador a categoria que mais se aproxime dessas funções ou, cabendo estas em mais do que uma categoria, aquela que lhe seja mais favorável.

Texto Integral

Processo n.º 2372/23.0T8AVR.P1

(secção social)

Relatora: Juíza Desembargadora Sílvia Gil Saraiva

Adjuntas: Juiz Desembargador António Joaquim da Costa Gomes

Juiz Desembargador Nelson Fernandes


*


Recorrente: AA

Recorrida: “A..., S.A.”


*

Sumário:
……………………………………
……………………………………
……………………………………

(Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)

*

Acordam os Juízes subscritores deste acórdão da quarta secção, social, do Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO[1]:

AA (Autor) instaurou contra “A..., S.A.” (Ré), a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo que a Ré seja condenada:

a) - A classificar o autor como Técnico de Manutenção Industrial desde 01.08.2018 e a pagar-lhe, de acordo com tal categoria, nos termos sobreditos integrando-o atualmente na categoria de 7.1C da grelha interna da Ré.

b) - A pagar ao Autor a quantia global de 14.707,00 € de diferenças salariais que lhe não foram pagas desde 01.08.2018 até efetivo enquadramento a ter lugar em 01.07.2023 e, ainda, as diferenças salariais que se continuarem a vencer a partir do mês de julho de 2023 se em tal data a ré não regularizar a situação e até que seja reposta a legalidade.

c) - Mais requer o pagamento de juros de mora, à taxa legal, desde 01.08.2018, até que seja reposta a legalidade.
Para sustentar a sua pretensão, alegou em síntese, ter sido admitido como trabalhador da Ré em outubro de 2014, como operador (montador de peças e órgãos mecânicos).
Em agosto de 2018, foram-lhe atribuídas funções inerentes à categoria profissional de técnico de manutenção industrial, mas não lhe foi reconhecida tal categoria (nomeadamente o nível 6.1 do escalão salarial B), nem a respetiva remuneração, o que só veio a acontecer a partir de 01 de março de 2023, com efeitos remuneratórios desde 01 de julho de 2023.
A Ré contestou, sustentando que, em 01 de março de 2018, o Autor foi promovido para a categoria profissional de Montador de Peças, Órgãos Mecânicos em Série 1.º, ingressando no Nível Salarial 3.2 – Escalão B da sua grelha salarial interna.
Um ano depois, em 01 de março de 2019, o Autor passou a exercer funções inerentes à categoria profissional de Serralheiro Mecânico de 2.ª, passando a enquadrar-se no Nível Salarial 3.2. – Escalão C da referida grelha salarial.
Em 01 de julho de 2022, o Autor foi promovido ao grau seguinte da categoria profissional de Serralheiro Mecânico, ou seja, a Serralheiro Mecânico de 1.ª.
Em 01 de julho de 2023, o Autor foi novamente promovido, sendo-lhe atribuída a categoria profissional de Técnico de Manutenção Industrial, passando a integrar o respetivo nível e escalão salarial, nomeadamente o nível salarial 6.1. – Escalão B da grelha salarial da Ré.
Por conseguinte, o Autor não tem razão ao alegar incorreta classificação profissional e incorreto enquadramento nos níveis salariais praticados e em vigor na Ré.
Foi proferido despacho saneador em que se fixou o valor da ação em 14.707,00 €.
Dispensou-se a enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, em 03 de junho de 2024, com o seguinte dispositivo:
«Em face do que se decide julgar a ação improcedente e absolver a R. do pedido.
Custas a cargo do A. - art.º 527º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil.
Registe e notifique.» (Fim da transcrição)
O Autor interpôs recurso de apelação da sentença, visando a sua revogação.
Termina as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
A Ré/Recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


*
O Meritíssimo Juiz a quo admitiu o recurso interposto como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

*
Recebidos os autos o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer.

*
O Recorrente respondeu ao parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto.

*
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.

*

II - Questões a decidir:
O objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente [artigos 635.º, n.º3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, ex vi, artigo 1.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo do Trabalho], por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso e da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
As questões a decidir são as seguintes:
- Da impugnação da matéria de facto: reapreciação da matéria de facto, com alteração do ponto provado em 6) da matéria de facto provada e inclusão na matéria de facto provada do último ponto considerado não provado;
- Do erro na aplicação do direito: enquadramento da categoria profissional do Autor.

*

III- FUNDAMENTOS DE FACTO:
Matéria de facto dada como provada em primeira instância[2]
1. A R. dedica-se à atividade de fabricação de componentes e acessórios para veículos automóveis, procedendo, nesse domínio, à montagem de caixas de velocidades e produção de peças e órgãos mecânicos para motores.
2. O A. é trabalhador subordinado da R. desde 01-10-2014, tendo sido contratado mediante contrato de trabalho a termo certo, que em 01-12-2015 se converteu em contrato de trabalho sem termo.
3. O A. foi contratado para, sob a subordinação e direção da R., exercer as funções inerentes à categoria profissional de montador de peças, órgãos mecânicos em série de 2.ª.
4. No âmbito dessas funções, competia ao A. diagnosticar avarias e proceder a reparações, procedendo à manutenção no pavilhão dos motores, agora denominado pavilhão de componentes mecânicos.
5. Desde 01-10-2014 até, pelo menos, meados de 2016, o A. desempenhou as seguintes funções:
a. Cumprir os standards e documentar os indicadores no painel de sua responsabilidade da UET;
b. Cumprir os controlos definidos no Plano de Vigilância e alertar a hierarquia para os disfuncionamentos detetados;
c. Conhecer e respeitar as FOS de mudança de rafale;
d. Identificar, propor e aplicar melhorias KZ/CHAFAB, com o objetivo de reduzir e/ou eliminar as perdas;
e. Contribuir para a resolução da maior parte dos disfuncionamentos nos postos de trabalho (peças de desgaste, centragem processo, análise do Q-DAS);
f. Realizar tarefas de manutenção autónoma;
g. Realizar e apoiar na preparação de paragens PM + Resolução de etiquetas/disfuncionamentos (segurança/ambiente e outros);
h. Realizar e/ou pilotar uma ação de segurança (LUP presqu'accident ou outra);
i. Propor melhorias nas FOS contribuindo para a evolução dos standards;
j. Identificar e corrigir anomalias e propor as melhorias (DCA + melhorias);
k. Participar na melhoria contínua através de ICP’s/ideias/aplicação de BP (de outras l. UET’s /ateliers);
m. Contribuir para a gestão física do armário das peças de desgaste (com especial atenção, os sistemas de aperto peças), de modo a que o stock físico no armário MPM seja garantido e evite perdas de linha;
n. Participar no KM0 de acordo com FOS KM0.
6. Desde 2017/2018 que o A. exerce na R. funções na área da manutenção preventiva e corretiva, integrado numa equipa, lidando com máquinas simples e outras complexas, diagnosticando e reparando avarias, desmontando e montando de novo máquinas que estavam fora da produção, para as recuperar, lendo e interpretando esquemas e desenhos técnicos, em ordem a executar o seu trabalho, com domínio da eletrónica, utiliza equipamentos de precisão, é polivalente, autónomo, e substitui outros técnicos de manutenção industrial nas suas ausências[3].
7. Ao longo do tempo, o A. foi ganhando cada vez mais experiência, conhecimentos, competências e autonomia no exercício dessas funções.
8. A R. implementou, a nível interno e no seio da sua organização, designações específicas para os postos de trabalho existentes, em função das concretas tarefas desempenhadas pelos trabalhadores.
9. A R. elaborou uma grelha interna de enquadramento e progressão salarial dos seus trabalhadores, dependendo a evolução, do tempo de serviço e das avaliações profissionais favoráveis.
10. Na referida grelha salarial interna, em função da respetiva categoria profissional, existem vários níveis de qualificação profissional, a saber: Especializados, Qualificados (de distintos níveis) e Altamente Qualificados, Encarregados e Chefes de Equipa.
11. E em cada uma dessas qualificações profissionais, existem diferentes níveis.
12. As categorias profissionais de Montador de Peças, Órgãos Mecânicos em Série e de Serralheiro Mecânico enquadram-se, na referida grelha interna, na qualificação profissional de Especializados e Qualificados, respetivamente; ao passo que a categoria profissional de Técnico de Manutenção Industrial se enquadra na qualificação profissional de Altamente Qualificados.
13. De acordo com a grelha interna da R., na categoria profissional de Técnico de Manutenção Industrial, a passagem do escalão C para o escalão B e nível salarial seguinte, ocorre decorridos três anos de permanência no escalão C, exceto em caso de inaptidão do trabalhador, devidamente comprovada.
14. A grelha salarial interna da R. prevê ainda uma componente de evolução profissional – Gestão Individualizada – que comporta sete níveis: EPI, EPII, EPIII, EPIV, EPV, EPVI e EPVII.
15. O enquadramento em cada um desses sete níveis de evolução profissional, depende do tempo de permanência no nível anterior.
16. Essa componente de evolução profissional – Gestão Individualizada, não se aplica aos trabalhadores que se enquadram, em função da sua categoria profissional, na qualificação profissional de Altamente Qualificados, em relação aos quais apenas está previsto o seu enquadramento em função de escalões (A, B e C) e até ao nível salarial oito.
17. Aquando da sua contratação, em 01-10-2014, o A. estava internamente adstrito à função de operador de fabricação e enquadrado no Nível Salarial 3.3 – Escalão A, da grelha salarial interna da R.
18. Em 01-03-2018, a R. atribuiu ao A. a categoria profissional de montador de peças, órgãos mecânicos em série de 1.ª, ingressando no Nível Salarial 3.2 – Escalão B, da grelha salarial interna da R.
19. Em 01-03-2019, a R. atribuiu ao A. a categoria profissional de serralheiro mecânico de 2.ª, passando, assim, a enquadrar-se no Nível Salarial 3.2. – Escalão C, da grelha salarial interna da R.
20. Em 01-07-2022, o A. passou para serralheiro mecânico de 1.ª, tendo sido enquadrado no nível salarial 3.1. – Escalão C, da grelha salarial interna da R.
21. Em 01-07-2023, a R. atribuiu ao A. a categoria profissional de técnico de manutenção industrial, tendo sido enquadrado no nível salarial 6.1. – Escalão B, da grelha salarial interna da R.
22. A evolução salarial do Autor no âmbito da grelha salarial interna da Ré, concretizou-se da seguinte forma:

Categoria ProfissionalEnquadramento/nível SalarialProdução de efeitos
Téc. Man. Ind. Nível 6.1. – Escalão B01/07/2023
Serr. Mec. 1.ªNível 3.1. – Escalão C01/07/2022
Serr. Mec. 2.ªNível 3.2. – Escalão C – EP101/03/2021
Serr. Mec. 2.ªNível Salarial 3.2. – Escalão C01/03/2019
MPOMS[4] 1.ªNível Salarial 3.2. – Escalão B01/03/2018
MPOMS 2.ªNível Salarial 3.3. – Escalão C01/12/2015
MPOMS 2.ºNível Salarial 3.3. – Escalão B01/07/2015
MPOMS 2.ºNível Salarial 3.3. – Escalão A01/10/2014


23. Na “Entrevista Anual de Atividade” realizada pela R. ao A., respeitante ao ano de 2018 e reportada ao trabalho prestado no Centro de Custos “B...”, consta na parte respeitante à “Avaliação Global de Desempenho”, «Atende às expectativas: Desempenhou a maioria dos postos esperados na UET. Tarefas, controlos e objetivos são realizados de forma eficiente».
24. Na “Entrevista Anual de Atividade” realizada pela R. ao A., respeitante ao ano de 2019 e reportada ao trabalho prestado no Centro de Custos “B...”, consta na parte respeitante à “Avaliação Global de Desempenho”, «Acima das expectativas: Regularmente excedeu a performance esperada em muitos aspetos: tarefas, controlos e objetivos. Teve alto nível (…)».
25. Na “Entrevista Anual de Atividade” realizada pela R. ao A., respeitante ao ano de 2020 e reportada ao trabalho prestado no Centro de Custos “B...”, consta na parte respeitante à “Avaliação Global de Desempenho”, «Acima das expectativas: Regularmente excedeu a performance esperada em muitos aspetos: tarefas, controlos e objetivos. Teve alto nível (…)».
26. Na “Entrevista Anual de Atividade” realizada pela R. ao A., respeitante ao ano de 2021 e reportada ao trabalho prestado no Centro de Custos “B...”, consta na parte respeitante à “Avaliação Global de Desempenho”, «Acima das expectativas: Regularmente excedeu a performance esperada em muitos aspetos: tarefas, controlos e objetivos. Teve alto nível (…)».
27. Na “Entrevista Anual de Atividade” realizada pela R. ao A., respeitante ao ano de 2022 e reportada ao trabalho prestado no Centro de Custos “B...”, consta na parte respeitante à “Avaliação Global de Desempenho”, «Acima das expectativas: Regularmente excedeu a performance esperada em muitos aspetos: tarefas, controlos e objetivos. Teve alto nível (…)».
28. Nos documentos respeitantes a essas entrevistas anuais, constava como categoria profissional do A. “Serralheiro Mecânico de 2.ª”.
29. Os responsáveis da R. entenderam que só em 1 de julho de 2023 é que o A. reunia as condições e requisitos necessários à sua integração na categoria profissional de Técnico de Manutenção Industrial, nomeadamente ao nível das competências pessoais e/ou socais, linguísticas e técnicas, da formação e da mobilidade.
30. Antes de celebrar contrato de trabalho com a R., o A. já lá tinha exercido funções como trabalhador ao serviço de uma empresa de trabalho temporário.
31. Numa altura em que não trabalhava na R. (como trabalhador subordinado desta ou como trabalhador temporário), o A. frequentou um curso de técnico de mecatrónica.
32. Mais tarde, o A. frequentou na R. um estágio de 4 meses, na área da manutenção.

*

Matéria de facto dada como não provada em primeira instância
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, de entre os alegados na petição inicial e contestação, nomeadamente:
- Que em 2016 a R. reuniu cinco pessoas com cursos de mecatrónica, eletricidade e automação para integrar uma formação de nível 3, entre as quais se encontrava o A.
- Que no âmbito dessa formação, que acabou em 2017, quatro dos cinco elementos (um deles desistiu) foram integrados na manutenção, dois deles no departamento das velocidades e dois no departamento dos motores.
- Que o A. reclamou da R. o pagamento das diferenças retributivas que nos presentes autos peticiona, no valor global de € 14.707,00, e respetiva atualização da qualificação.
- Que a R. admitiu técnicos de manutenção industrial que são mais novos que o A. no desempenho das respetivas funções.
- Que o A. fez todas as formações que lhe foram prescritas.
- (…)[5].

*

Da impugnação da decisão de facto
[reapreciação da matéria de facto, com alteração do ponto provado em 6) da matéria de facto provada e inclusão na matéria de facto provada do último ponto considerado não provado]:
Nos termos do n.º 1 do artigo 640º, do Código de Processo Civil, cumpre ao Recorrente, em primeiro lugar, delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera erróneos, especificando a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida [alíneas a) e c) do n.º 1].
Em segundo lugar, deve fundamentar, de forma concludente, as razões da sua discordância, analisando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, a seu ver, justifiquem decisão diversa [alínea b), do n.º 1].
Sendo ao Tribunal imposto o dever de fundamentar e motivar criticamente a sua decisão sobre a matéria de facto (artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), compreende-se que o legislador, em contrapartida, imponha à parte que pretende impugnar essa decisão o ónus de a impugnar especificamente, expondo, de forma clara e suficiente, os argumentos que, resultantes da sua própria análise crítica dos meios de prova produzidos, justifiquem, no seu entender, uma decisão diferente da proferida pelo Tribunal a quo.
Como observa António Abrantes Geraldes[6], quando o recurso versa sobre a impugnação da decisão da matéria de facto, o recorrente deve observar as seguintes regras:
«a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; (negrito nosso)[7]
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; (negrito nosso)
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (negrito nosso)
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (negrito nosso)
(…).» (Fim da transcrição)
Embora este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso, não se impõe ao recorrente a reprodução integral, nas conclusões, de tudo o que alegou sobre os requisitos previstos no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Tratando-se de recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, as conclusões devem indicar os pontos de facto que se consideram incorretamente julgados e que se pretende ver alterados.[8]
Conforme salientam, Abrantes Geraldes. Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa[9]: «(…) O Supremo tem vindo a sedimentar como predominante o entendimento de que as conclusões não têm de reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por razões de objetividade e de certeza, com os concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação (STJ 9-6-16, 6617/07, STJ 31-5-16, 1572/12, Supremo Tribunal de Justiça 28-4-16, 1006/12, Supremo Tribunal de Justiça 11-4-16, 449/410, Supremo Tribunal de Justiça 19-2-15, 299/05 e STJ27-1-15, 1060/07).» (Fim da transcrição)
Sublinham tais autores que o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a afirmar que, na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640.º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade[10]. (negrito nosso)
Não obstante, a impugnação da decisão de facto não se esgota com a mera discordância do recorrente face ao decidido, expressa em termos imprecisos, genéricos ou descontextualizados, ou com a simples reprodução parcial e descontextualizada de excertos de depoimentos.
Com efeito, é o apelante que impugna a decisão sobre a matéria de facto quem está em melhores condições para indicar, fundamentadamente, os eventuais erros de julgamento a esse nível.
Como refere Ana Luísa Geraldes[11], a prova de um facto não resulta, em regra, de um só depoimento ou de parte dele, mas da conjugação e análise crítica de todos os meios de prova produzidos, ponderados globalmente, segundo as regras da lógica, da experiência e, se aplicável, da ciência.
Assim, neste contexto de apreciação global e crítica da prova produzida: «mostra-se facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências da apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado.» (Fim da transcrição)
Impõe-se, portanto, o confronto desses elementos com os restantes que fundamentaram a convicção do Tribunal (e que constam da motivação da decisão), recorrendo-se, se necessário, às demais provas produzidas e documentadas, apontando eventuais disparidades, contradições ou incorreções que afetem a decisão recorrida.
É hoje jurisprudência pacífica que o objetivo da segunda instância, na apreciação de facto, não é a mera repetição do julgamento, mas sim a deteção e correção de erros de julgamento concretos, específicos, claramente indicados e fundamentados.
Com efeito, dispõe o n.º 1, do artigo 662.º, do Código de Processo Civil que: «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»
Sendo igualmente indiscutível que, sem prejuízo da correção, mesmo oficiosa, de certas patologias que afetam a decisão sobre a matéria de facto, e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova se tenha fundamentado em meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, sujeito às mesmas regras de direito probatório material aplicáveis em primeira instância, os elementos de prova disponíveis imponham solução diversa da anteriormente acolhida.
Descarta-se, pois, a tese de que a modificação da decisão sobre a matéria de facto só possa ocorrer em casos de erro manifesto na apreciação dos meios probatórios ou, ainda, de que o Tribunal da Relação, tendo em conta os princípios da imediação e da oralidade, não possa contrariar o juízo formulado em 1.ª instância relativamente a meios de prova que foram objeto de livre apreciação.
Todavia, se o recorrente impugna determinados pontos da matéria de facto, mas não impugnar outros pontos da mesma matéria, estes não poderão ser alterados, sob pena de a decisão do Tribunal da Relação incorrer em nulidade, nos termos da segunda parte, alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil
É, assim, dentro destes limites objetivos que o artigo 662.º do Código de Processo Civil atribui ao Tribunal da Relação competências vinculadas de exercício oficioso quanto aos termos em que pode ser feita a alteração da matéria de facto, isto é, quanto ao modus operandi de tal alteração.
Como sublinha António Abrantes Geraldes[12], «(…) quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementadas ou não pelas regras de experiência.» (Fim da transcrição)
Ademais, no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova, ou da livre convicção, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas sem qualquer hierarquização pré-estabelecida e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção formada acerca de cada facto controvertido.
Note-se, ainda, o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414.º do Código de Processo Civil, segundo o qual: «a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.»
Sem prejuízo da relevância de tais princípios e sem olvidar que o Juiz de 1.ª instância se encontra, pela imediação com a produção da prova, em condições particularmente favoráveis para a apreciação da matéria de facto (condições que, em regra, não se repetem em sede de julgamento no Tribunal da Relação), não há dúvidas de que a opção legislativa consagrada no citado n.º1, do artigo 662.º [e, ainda, nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo preceito legal] aponta no sentido de o Tribunal da Relação assumir-se:
«(…) Como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem (…), fica claro que a Relação tem autonomia decisória competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.»[13] (Fim da transcrição e negrito nosso)
Retomando as palavras de António Abrantes Geraldes,[14] os objetivos visados pelo legislador quanto ao duplo grau de jurisdição determinam o seguinte:
a) «Reapreciação dos meios de prova especificados pelo recorrente através da audição das gravações e/ou da leitura das transcrições que porventura sejam apresentadas.
b) Conjugação desses meios de prova com outros indicados pelo recorrido ou que se mostrem acessíveis, por constarem dos autos (v.g. documentos, relatórios periciais, atas de inspeção judicial ou relatórios de verificações não judiciais qualificadas) ou da gravação (v.g. depoimentos ou declarações de parte, depoimentos de testemunhas ou esclarecimentos verbais prestados por peritos).
c) Renovação de algum ou alguns depoimentos cuja audição suscite dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou mesmo produção de novos meios de prova que potenciem a superação das dúvidas sérias sobre a prova anteriormente produzida. (negrito nosso).
d) Formação da convicção autónoma em relação à matéria de facto impugnada, introduzindo na decisão as modificações que forem consideradas pertinentes (negrito nosso).
e) Sem embargo da ponderação das circunstâncias que rodeiam o julgamento da matéria de facto, a Relação goza no exercício desta função dos mesmos poderes atribuídos ao tribunal a quo, sem exclusão dos que decorrem do princípio da livre apreciação genericamente consagrado no art. 607.º, n.º 5, e a que especificamente se alude nos arts. 396.º (prova testemunhal), 359.º (presunções judiciais), 351.º (reconhecimento não confessório), 376.º, n.º 3 (certos documentos), 391.º (prova pericial), todos do CC, e arts. 466.º, n.º 3 (declarações de parte), e 494.º, n.º 2, do CPC (verificações não judiciais qualificadas).
f) Consequentemente está afastada, em definitivo, a defesa de que a modificação na decisão da matéria de facto apenas deve operar em casos de “erros manifestos”, assim como é insuficiente que na apreciação do recurso de apelação, na parte que envolva a decisão da matéria de facto, a Relação se limite a aludir a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas, sem efetiva ponderação dos meios de prova que foram produzidos e que se mostrem acessíveis. Sem embargo dos naturais condicionalismos que rodeiam a tarefa de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, desde que a Relação, no quadro da aplicação do art. 662.º, acabe por formar uma diversa convicção sobre os pontos de facto impugnados, deve refletir em nova decisão esse resultado[15](Fim da transcrição e negrito nosso).
Em todo o caso, ou seja, sem prejuízo dos referidos poderes da Relação, no que respeita à reapreciação dos meios de prova produzidos em 1ª instância e à formação da sua própria e autónoma convicção, a alteração da decisão sobre a matéria de facto deve ser efetuada com segurança e rodeada da indispensável prudência e cautela, centrando-se nas desconformidades encontradas entre a prova produzida em audiência final, após a efetiva audição dos depoimentos, e os fundamentos aduzidos pelo juiz a quo e nos quais baseou as suas respostas.
Desconformidades essas que, em conjunto com outros elementos probatórios disponíveis, permitam à Relação concluir de forma diversa quanto aos concretos pontos de facto impugnados especificadamente pelo recorrente.
De facto, como sublinha Ana Luísa Geraldes[16], em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida[17], deverá prevalecer a decisão proferida pela 1.ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.» (Fim da transcrição)
Mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.» (Fim da transcrição)
Isto significa que, na reapreciação da prova em 2.ª instância, não se procura obter uma nova (e diferente) convicção a todo o custo, mas sim verificar se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, considerando os elementos probatórios que constantes dos autos, e aferir, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão sobre a matéria de facto.
É necessário, em qualquer caso, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, dessa forma, uma decisão diferente da proferida pelo tribunal recorrido – artigo 640º, n.º 1, alínea b), parte final, do Código de Processo Civil.
Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que se baseou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações do recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente, considerar quaisquer outros elementos probatórios que tenham fundamentado a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Sem embargo, apesar de se garantir o duplo grau de jurisdição, este deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
É certo que, decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1.ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, aos quais o tribunal de recurso já não pode aceder.
Segundo Miguel Teixeira de Sousa[18]: «Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…), estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…). Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º 1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.» (Fim da transcrição)
Assim, para que a decisão da 1.ª instância seja alterada, é necessário averiguar se ocorreu alguma anomalia na formação da respetiva “convicção”.
Ou seja, terá de se demonstrar que, na formação da convicção do julgador de 1.ª instância, expressa nas respostas dadas aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter sido subjacentes, nomeadamente as regras da experiência comum, da ciência e da lógica, a conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos dados como assentes.
Não obstante, e apesar de a apreciação em primeira instância ser construída com recurso à imediação e à oralidade, tal não impede à «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1.ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida (…). Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada.»[19] (Fim da transcrição)
Contudo, importa referir que, no contexto do julgamento da matéria de facto, seja ao nível da 1.ª instância, seja na sua reapreciação no Tribunal da Relação, a reconstrução dos factos não persegue uma verdade absoluta ou uma certeza naturalística (própria de outros ramos das ciências), mas sim um grau de certeza empírica e histórica, baseado numa elevada probabilidade.
Como salienta Manuel de Andrade: «a prova não é certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica).»[20] (Fim da transcrição)
Feito este enquadramento, importa aferir os pontos concretos que devem ser apreciados por este Tribunal:
O Recorrente impugna o ponto 6 dos factos dados por provados pretendendo o seguinte aditamento:
«Que o recorrente tinha o domínio da eletrônica, conhecimentos detalhados de equipamentos de precisão (v.g. eletrônicos), era polivalente, autónomo, exercia funções exigentes e complexas, resolvia avarias e fazia diagnósticos, substituindo outros técnicos de manutenção industrial nas suas ausências.» (Fim da transcrição)
Pretende, ainda, que o último facto julgado não provado (“que o A exerce desde 2017 outras funções para além das referidas no nº 6 dos factos provados”), passe a integrar a matéria de facto provada.
Os factos impugnados têm a seguinte redação:
«6. Desde 2017/2018 que o A. exerce na R. funções na área da manutenção preventiva e corretiva, integrado numa equipa, lidando com máquinas simples e outras complexas, diagnosticando e reparando avarias, desmontando e montando de novo máquinas que estavam fora da produção, para as recuperar, lendo e interpretando esquemas e desenhos técnicos, em ordem a executar o seu trabalho.» (Fim da transcrição)
Não se provou que:
«- Que o A. exerce desde 2017 outras funções para além das referida no n.º 6 dos factos provados.» (Fim da transcrição)
O Tribunal a quo fundamentou os pontos de facto impugnados nos seguintes termos:
«N.ºs 6 e 7: No que se refere às funções que o A. vem desempenhando na R. desde 2017/2018, relevaram os depoimentos nessa matéria prestados pelas testemunhas: BB, que embora nunca tendo trabalhado na área da manutenção, afirmou que o A. ia muitas vezes resolver avarias das máquinas com que a testemunha operava, várias delas complexas; CC, que trabalha diretamente com o A. na área da manutenção, desde há alguns anos a esta parte, designadamente nas revisões gerais, onde são levadas a cabo operações de reparação e reabilitação de máquinas, algumas das quais complexas; DD, que trabalha diretamente com o A. desde 2017/2018, nas revisões gerais; e EE, que embora não fosse chefia direta do A., denotou conhecimento acerca das funções que lhe cabiam executar e do trabalho que era efetuado no sector das revisões gerais onde o A. estava integrado, numa equipa constituída por três trabalhadores (o FF, a testemunha DD e o próprio A.), afirmando que o grau de experiência, competência e conhecimentos desses três trabalhadores não era igual, considerando, designadamente, que o DD está num patamar superior aos outros, designadamente no que concerne ao diagnóstico dos problemas a resolver.
Sendo normal, à luz das regras da experiência comum e da normalidade das coisas, que com o passar do tempo, o A. (tal como qualquer outro trabalhador) vá adquirindo cada vez mais experiência e competências naquilo que faz.
(…)
No tocante à matéria de facto controvertida que não foi considerada provada, a convicção do tribunal assentou na ausência de prova produzida em julgamento passível de a demonstrar.» (Fim da transcrição)
A Recorrida, em resposta à apelação, pugnou pela improcedência da alteração da matéria de facto, alegando que o Recorrente foi progressivamente reconhecido e promovido, quer na categoria profissional, quer no salário, de forma justificada e sustentada.
Importa apreciar e decidir:
Considerando que o Recorrente cumpriu os ónus que lhe incumbem na impugnação da matéria de facto, cumpre reapreciar os factos impugnados.
Analisemos, em primeiro lugar, a reapreciação do ponto 6 dos factos provados.
Para o efeito, procedeu-se à audição da prova pessoal produzida na audiência final, sendo os aspetos essenciais dos depoimentos prestados, face à matéria em reapreciação, os seguintes:
Sessão do dia 11.12.2023:
- Depoimento e declarações de parte do Autor:
O Autor declarou ter sido integrado em 2017 no sector da manutenção. Em 2018, passou a desempenhar funções nas revisões gerais das máquinas, grandes reparações e, adicionalmente às inerentes à serralharia, realizava intervenções e reparações em equipamento de alta precisão.
Afirmou também substituir o Técnico de Manutenção Industrial durante as férias deste. Destacou o seu trabalho com eletroárvores.
Acrescentou que, embora na categoria de Técnico de Manutenção Industrial existam funções que se intersetam com as de Serralheiro Mecânico, a sua função abrange outras responsabilidades técnicas que um Serralheiro Mecânico não detém, sendo mais polivalente e autónomo.
Por fim, referiu que as funções exercidas entre 2018 e 2023 se mantiveram idênticas, tendo apenas acumulado maior experiência ao longo desse período.
- A testemunha GG:
Ex-trabalhador da Ré (onde trabalhou até 2022) com a categoria profissional de Montador de Peças e membro da comissão de trabalhadores, afirmou ter conhecimento dos factos em litígio devido à sua experiência profissional no departamento de manutenção, onde trabalhou com o Autor.
Referiu que, a partir de 2017/2018, o Autor foi transferido para a oficina central, assumindo a responsabilidade pelas reparações em máquinas de grande porte. Devido à complexidade dessas tarefas, o Autor necessita de sólidos conhecimentos técnicos, uma vez que as grandes reparações implicam ajustes precisos na geometria das máquinas e exigem a utilização de instrumentos de alta precisão para a análise de avarias.
Esclareceu ainda que, embora um técnico de manutenção industrial possa realizar algumas atividades de um serralheiro mecânico, as suas funções são mais abrangentes, por requererem conhecimentos em diversas áreas, como mecânica, eletrónica e eletricidade.
Referiu que o Autor mantém, há cinco anos, as mesmas atribuições, realizando análises e diagnósticos de avarias em equipamentos de precisão, demonstrando autonomia e polivalência.
Finalmente, mencionou que a Ré utiliza, na progressão da sua grelha salarial interna, dois critérios principais: a antiguidade do funcionário e a avaliação de desempenho realizada pelos superiores hierárquicos.
Sessão de 06.02.2024:
- A testemunha BB:
Antigo trabalhador da Ré na área de montagem e fabricação de peças até 2024, afirmou ter conhecimento dos factos em discussão, apesar de não ter trabalhado no sector da manutenção, pois interagia com esse sector quando solicitava a reparação em equipamento avariado.
Referiu que o Autor, por volta de 2017/2018, realizou um estágio na manutenção e começou a trabalhar nas grandes reparações de máquinas muito complexas, atividades que transcendem as capacidades de um serralheiro, que não executa esse tipo de reparação.
- A testemunha CC:
Afirmou ter conhecimento dos factos em discussão, visto trabalhar na Ré desde 2005, e referiu que o Autor fez parte de um grupo que transitou para a área da manutenção.
A testemunha destacou a diferença entre as funções de um serralheiro e de um técnico de manutenção industrial. Enquanto o serralheiro executa tarefas mais básicas, utilizando ferramentas menos precisas, o técnico de manutenção industrial trabalha com equipamentos sensíveis e frágeis, o que exige maior conhecimento técnico. A adaptação de um serralheiro para as funções de um técnico é mais complexa do que o inverso.
Atualmente, o Autor e o DD são os responsáveis pela manutenção das eletroárvores, um trabalho que requer análises minuciosas e diagnósticos precisos. Desde 2018, o Autor realiza, autonomamente, análises técnicas e ajustes de geometria nas máquinas.
Explicou ainda que, em 2017, o Autor iniciou um processo de aprendizagem com o Técnico de Manutenção Industrial HH, substituindo-o após a sua reforma em 2018.
A principal diferença entre as duas profissões, segundo a testemunha, reside na autonomia: o serralheiro geralmente segue instruções, enquanto o técnico de manutenção industrial tem a capacidade de identificar e solucionar problemas de forma independente.
Sessão de 20.02.2014
- A testemunha DD:
Afirmou ter conhecimento dos factos em litígio, por ser colega do Autor na área da manutenção, e detém a categoria profissional de técnico de manutenção industrial.
Nessa qualidade, acompanhou de perto a evolução profissional do Autor.
Referiu que este, após concluir um curso de mecatrónica, ingressou no sector das grandes reparações/revisões gerai para aprender a desmontagem, montagem e alinhamento de equipamento.
Em conjunto com a testemunha, o Autor participou ativamente do desenvolvimento do projeto das eletroárvores, demonstrando um profundo conhecimento técnico.
Sob a orientação de HH, um experiente técnico de manutenção, o Autor adquiriu as competências necessárias para executar tarefas complexas, como a montagem de máquinas com peças novas e o ajuste preciso da geometria dos equipamentos.
A testemunha destacou a diferença entre as funções de um técnico de manutenção industrial e as de um serralheiro. Enquanto o serralheiro realiza tarefas mais básicas, a função do técnico de manutenção industrial exige um conhecimento abrangente em eletrónica, eletricidade e mecânica, além de autonomia para diagnosticar problemas, propor soluções e executar reparações com recurso a equipamentos de precisão. O Autor, em particular, demonstra grande capacidade na manutenção de eletroárvores, um sistema mecânico complexo.
Desde 2018, as responsabilidades do Autor na área de manutenção mantiveram-se inalteradas, embora a testemunha admita que as suas capacidades se desenvolveram ao longo dos anos.
Esclareceu que o Autor é capaz de executar as tarefas de um serralheiro quando necessário, mas que o inverso não é verdadeiro, dada a complexidade das funções de um técnico de manutenção industrial.
A testemunha salientou ainda que o Autor o substitui em suas ausências.
- Finalmente as testemunhas arroladas pela Ré:
II (o qual tem conhecimento dos factos em discussão por ser o Diretor dos Recursos Humanos da Ré); JJ (responsável pelo departamento técnico da Ré), e EE (superior hierárquico do Autor desde 2020), salientaram a inexistência de um processo automático de promoção de serralheiro para técnico de manutenção industrial.
De acordo com as testemunhas, o Autor encontrava-se em processo de formação para adquirir as competências necessárias à função de Técnico de Manutenção Industrial, todavia, devido ao seu excelente desempenho, em 2023, foi autorizada a antecipação da progressão de carreira.
De salientar que, questionado pelo Meritíssimo Juiz a quo, o responsável pelo departamento técnico, JJ, demonstrou alguma dificuldade em afirmar categoricamente se as funções do Autor sofreram alterações significativas entre 2018 e 2023, e acabou por admitir que o Autor apresentou, em diversas ocasiões, reclamações relacionadas à sua situação profissional.
Resumido o que foi espontaneamente declarado pelas pessoas inquiridas nas sessões da audiência final, importa avaliar a prova pessoal em conjunto com a prova documental junta pelas partes.
Após a devida ponderação de todo o material probatório constante dos autos, cumpre aditar o seguinte ao ponto 6) da factualidade provada:
- (…) com domínio da eletrónica, utiliza equipamentos de precisão, é polivalente, autónomo, e substitui outros técnicos de manutenção industrial nas suas ausências.
Assim, o ponto 06) dos factos dados por provados passa a ter a seguinte redação:
«6. Desde 2017/2018 que o A. exerce na R. funções na área da manutenção preventiva e corretiva, integrado numa equipa, lidando com máquinas simples e outras complexas, diagnosticando e reparando avarias, desmontando e montando de novo máquinas que estavam fora da produção, para as recuperar, lendo e interpretando esquemas e desenhos técnicos, em ordem a executar o seu trabalho, com domínio da eletrónica, utiliza equipamentos de precisão, é polivalente, autónomo, e substitui outros técnicos de manutenção industrial nas suas ausências
Este aditamento encontra suporte no depoimento das testemunhas arroladas pelo Recorrente (e nas suas declarações de parte) e está documentado nas avaliações anuais de desempenho do Recorrente, desde 2018, que apontam para um desempenho que “Atende às expectativas”, “Regularmente excedeu a performance esperada” e “Deu um excelente contributo.” [cfr., os documentos juntos com a petição inicial (ref.ª 14754158.º citius)].
As avaliações de desempenho mencionam o seu trabalho com eletroárvores, reconhecendo a sua competência numa área que exige elevada especialização.
Acresce que o Autor possui um curso de técnico de mecatrónica [vide, o facto provado em 31)], o que lhe confere conhecimentos em eletricidade, eletrónica e mecânica.
Por último, o documento junto com a contestação (ref.ª 15045238 citius), demonstra que o Recorrente exercia tais funções na “B...”, desde 01.08.2018.
Assim, o último facto considerado não provado deve ser eliminado por redundância.
Pelo exposto, julga-se procedente a impugnação da matéria de facto.

*

IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO:
A sentença recorrida fundamenta a sua decisão na análise das seguintes questões:
A – Se o Autor exerce, desde 01.08.2018, funções enquadráveis na categoria profissional de técnico de manutenção industrial.
B – Se são devidas as diferenças salariais de acordo com a tabela salarial interna adotada pela Ré.
Assim, o Tribunal a quo apresenta o seu raciocínio, nos seguintes termos.
I –Ambas as partes concordam na aplicabilidade à relação laboral do Contrato Coletivo de Trabalho entre a ACAP – Associação Automóvel de Portugal e outras e o SINDEL – Sindicado Nacional da Indústria e Energia, com revisão global publicada no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) n.º 37, de 08/10/2010, e sucessivas alterações/atualizações.
II – Transcreve as Cláusulas 6.ª, 7.ª, 17.ª, 18.ª, 50.ª e 119.º do referido Contrato Coletivo de Trabalho.
III – Descreve as funções constante do Anexo III do Contrato Coletivo de Trabalho para o Técnico de manutenção industrial e o de serralheiro mecânico.
IV - Sendo que, de acordo com o enquadramento das categorias profissionais em níveis ou graus de remuneração, constante do Anexo II do CCT, a categoria profissional de Técnico de manutenção industrial insere-se no nível 6; a de Serralheiro mecânico de 1ª, no nível 8; a de Serralheiro mecânico de 2ª, no nível 9; e a de Serralheiro mecânico de 3ª, no nível 1.
V - No que se refere à integração das profissões em níveis de qualificação, o Técnico de manutenção industrial enquadra-se nos “profissionais altamente qualificados”, e o Serralheiro mecânico nos “profissionais qualificados”.
VI – As funções que o Autor exerce desde 2017/2018, têm pontos de contacto tanto com a categoria profissional de Serralheiro mecânico, como com a de Técnico de manutenção industrial, na medida em que ambas comportam tarefas de reparação e manutenção de máquinas - embora com exceção dos instrumentos de precisão e das instalações elétricas, no caso do Serralheiro mecânico.
VII - A diferença reside no grau superior de formação técnica, experiência profissional, autonomia e polivalência que o exercício das funções de Técnico de manutenção industrial exige e pressupõe, que justifica, de resto, a sua integração no patamar das profissões “altamente qualificadas”, por contraposição às meramente “qualificadas”, em que se insere a de Serralheiro mecânico.
VIII – A caracterização funcional da categoria de Técnico de manutenção industrial não se basta com a mera descrição das tarefas próprias dessa categoria, impondo também que o trabalhador apresente um elevado grau de formação técnica e experiência profissional, bem como uma efetiva polivalência, assente em conhecimentos atualizados relativos a mais de uma profissão nos domínios da mecânica, eletricidade e eletrónica, assim como conhecimentos detalhados dos equipamentos a intervencionar, de maneira a poder atuar com autonomia, mesmo nas atividades de maior exigência, complexidade e responsabilidade, que impliquem, nomeadamente, estudos, projetos, análises técnicas de avarias e de diagnósticos dos equipamentos, assim como propostas de modificações.
IX - O reconhecimento da categoria comporta uma margem significativa de discricionariedade, porque para além das funções objetivamente desempenhadas pelo trabalhador, cabe à empregadora avaliar se atingiu ou não o nível de conhecimentos técnicos, formação, experiência e polivalência necessários para poder ser categorizado como Técnico de manutenção industrial.
X – A R. entendeu que só em 1 de julho de 2023 é que o A. logrou reunir as condições e requisitos necessários à sua integração na categoria profissional de Técnico de manutenção industrial - numa apreciação que, como resulta do descritivo constante do CCT, só à empregadora compete fazer.
XI – Por conseguinte, a ação foi julgada totalmente improcedente.

*
Trata-se de uma sentença bem estruturada e fundamentada, que utiliza uma fundamentação de facto e de direito, assertiva, clara e compreensível.
Importa aquilatar se a solução é a acertada.
De acordo com o Contrato Coletivo de Trabalho da ACAP – Associação Automóvel de Portugal e outras e o SINDEL – Sindicato Nacional da Indústria e Energia e outros, Revisão Global [publicado no BTE n.º 37, de 08.10.2010, e seus Anexo III) e II), com as suas sucessivas atualizações][21], as categorias profissionais em discussão são as seguintes:
Técnico de Manutenção industrial (nível 6 – profissional altamente qualificado):
«É o trabalhador que, pelo seu elevado grau de formação técnica e experiência profissional, a empresa reconhece possuir aptidões, conhecimentos atualizados relativos a mais de uma profissão, de um ou mais dos domínios da mecânica, eletricidade e eletrónica e conhecimentos detalhados dos equipamentos que lhe possibilitem, em efetiva polivalência no âmbito da manutenção corretiva, preventiva e curativa e em qualquer sector do estabelecimento fabril a que pertence, a execução das tarefas de mais de uma profissão e o desempenho, com autonomia, das atividades de maior exigência, complexidade e responsabilidade dessas profissões, nomeadamente as decorrentes de estudos e projetos, análises técnicas de avarias e análises de diagnósticos dos equipamentos, estudo e proposição de modificações. Presta ainda assistência técnica a profissionais de qualificação superior e coadjuva, sempre que necessário, o seu superior hierárquico na orientação, coordenação e controlo da atividade dos trabalhadores de qualificação inferior, podendo substituí-los nos seus impedimentos». (Fim da transcrição)
Serralheiro mecânico de 1.ª (nível 8 – profissional qualificado):
«É o trabalhador que executa peças, monta, repara e conserva vários tipos de máquinas, motores e outros conjuntos mecânicos, com exceção dos instrumentos de precisão e das instalações elétricas.» (Fim da transcrição)
Considerando as atribuições conferidas pela Convenção Coletiva a cada uma destas «categorias profissionais» e as atribuições efetivamente desempenhadas pelo Autor, impõe-se o seu enquadramento na categoria profissional correspondente nos quadros da Ré, desde o dia 01.08.2018, com as inerentes repercussões para o futuro desenvolvimento da sua carreira e progressão profissional na empresa.
Importa, ainda que sucintamente, clarificar o conceito de «categoria profissional»[22].
Conforme salientado no vetusto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.95, in C.J, Ano III, T.I, p. 267.º[23]:
«(…) A posição do trabalhador na organização da empresa em que presta a sua atividade define-se através do conjunto dos serviços e tarefas que formam o objeto da prestação laboral. A essa posição corresponde a categoria do trabalhador, a qual traduz o status do trabalhador na empresa, determinado com base numa classificação normativa e em conformidade com a espécie e a natureza das tarefas por ele efetivamente realizadas no exercício da sua atividade laboral.
A categoria corresponde ao essencial das funções a que o trabalhador se obrigou pelo contrato de trabalho ou pelas alterações decorrentes da sua dinâmica. Corresponde a uma determinação qualitativa da prestação de trabalho contratualmente prevista. É o que se chama de categoria contratual ou categoria-função.
Mas também a nível legal e nos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho se disciplina a matéria de categoria do trabalhador. É o que se chama de categoria normativa ou categoria-estatuto, na medida em que define a posição do trabalhador pelas correspondências das suas funções a uma determinada categoria, cujas tarefas típicas se descrevem. Neste âmbito, a categoria propicia a aplicação da disciplina prevista na lei ou em instrumento de regulamentação coletiva, com repercussão em diversos aspetos da relação laboral, designadamente na hierarquia salarial, operando a integração do trabalhador na estrutura hierárquica da empresa.» (Fim da transcrição)
Lapidarmente, Joana Nunes Vicente[24], sublinha o seguinte:
«A categoria normativa, também designada categoria-estatuto, corresponde basicamente a uma designação abreviada dada pelas Convenções Coletivas de Trabalho e pelos regulamentos internos a determinados conjuntos de funções mais ou menos homogéneos aos quais se associa um determinado estatuto ou tratamento normativo (v.g. em termos de retribuição, regime de carreira). Trata-se de um rótulo ou designação sintética que associa a um certo perfil funcional o correspondente tratamento normativo ou estatuto socioprofissional.
Por aqui se vê a importância que reveste o ato de classificação do trabalhador numa determinada categoria (…).
A respeito desta operação de classificação, passível de controlo externo, tem a jurisprudência dominante sublinhado, de forma consistente, dois aspetos fundamentais: Em primeiro lugar, para o enquadramento do trabalhador em determinada categoria profissional tem de se fazer apelo à essencialidade das funções exercidas, no sentido de que não se torna imperioso que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria, mas apenas que nela se enquadre o núcleo essencial das funções efetivamente desempenhadas. Exercendo o trabalhador diversas atividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais, a sua classificação deve fazer-se em função do núcleo essencial das atividades por ele prosseguidas ou da atividade predominante e, sendo tal diversidade indistinta, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada. Em segundo lugar, a atribuição da categoria deve ter por base as funções realmente desempenhadas, efetivamente desempenhadas pelo trabalhador. Em caso de divergência entre a descrição ou designação formal da atividade contratada e as funções efetivamente desempenhadas pelo trabalhador, são estas últimas aquelas tidas em conta com vista atribuição de uma categoria e à determinação do estatuto do trabalhador.» (Fim da transcrição)[25].
Em essência, consagra-se aqui dois dos três princípios ligados à categoria profissional, o denominado princípio da substancialidade ou efetividade (função efetiva e não nominal), e o do reconhecimento – conforme se depreende a contrario sensu do artigo 120.º, n.º 5, do Código do Trabalho (2009)[26].
No âmbito do Direito do Trabalho, a categoria profissional rege-se pelos princípios da efetividade, da irreversibilidade e do reconhecimento.
O princípio da efetividade determina que, no que concerne à categoria-função, prevalecem as funções efetivamente desempenhadas e não as meras designações formais – primazia da execução contratual sobre a designação atribuída pela (s) parte (s).
O princípio da irreversibilidade estabelece que, uma vez alcançada determinada categoria, o trabalhador não pode ser dela despromovido, considerando-se aqui a categoria-estatuto prevista nos artigos 115.º, n.º e 118.º, bem como a garantia prevista no artigo 129.º, n.º 1, al. e).
O princípio do reconhecimento impõe que, através da classificação, a categoria-estatuto corresponda à categoria-função, devendo, portanto, a categoria-estatuto basear-se nas funções efetivamente desempenhadas.
Assim, sem qualquer controvérsia doutrinária ou jurisprudencial, a categoria profissional define-se pelo núcleo essencial das atribuições conferidas ao trabalhador.
A coincidência em alguns aspetos das tarefas desempenhas por diferentes trabalhadores é irrelevante, sendo mesmo inevitável, sob pena de excessiva especialização e consequente fragmentação da atividade da empresa.
Com efeito, muitas tarefas exigem a colaboração de vários trabalhadores, desempenhando funções semelhantes, ou até idênticas.
As diversas categorias profissionais definem-se pelo núcleo essencial das respetivas atribuições funcionais, pelas tarefas que as caracterizam.
A jurisprudência dominante reconhece consistentemente que a categoria profissional de um trabalhador corresponde à natureza e espécie das tarefas efetivamente desempenhadas, e não à designação arbitrariamente atribuída pela entidade empregadora.
Para este efeito, consideram-se as funções próprias ou específicas do trabalhador, e não as acessórias ou comuns a diversos trabalhadores, o trabalhador deve ser enquadrado na categoria que mais se aproxime das funções que efetivamente exerce.
Por seu turno, a Cláusula 6.ª do Contrato Coletivo de Trabalho estipula:
“1 – Os trabalhadores abrangidos pelo presente CCTV serão obrigatoriamente classificados pelas entidades patronais de acordo com as funções efetivamente desempenhadas.
2 – É vedado às entidades patronais atribuir aos trabalhadores categoriais profissionais e graus de enquadramento diferentes dos estabelecidos neste contrato.”
Enquanto que a Cláusula 7.ª, dispõe:
“As diversas categorias profissionais abrangidas pelo presente contrato são distribuídas em níveis, tendo por base as exigências das tarefas realmente desempenhas, níveis de formação profissional e de conhecimentos técnicos necessários, grau de autonomia das decisões a tomar no desempenho das tarefas, tempo de prática e aprendizagem necessários, como também o esforço físico ou mental e meio ambiente em que o trabalhador desempenhe as suas funções ou tarefas”.
Dado que as atribuições definidas no Contrato Coletivo de Trabalho para as categorias profissionais em questão apresentam semelhanças e diferenças, impõe-se determinar, de forma clara e objetiva, a categoria à qual correspondem as tarefas essenciais desempenhadas pelo Recorrente.
Consta dos factos provados[27] que, desde 2017/2018, o Autor exercia as seguintes funções:
a) Funções na área da manutenção preventiva e corretiva, integrado numa equipa;
b) Operação de máquinas simples a complexas, diagnosticando e reparando avarias, desmontando e remontando máquinas paradas, recorrendo à leitura e interpretação de esquemas e desenhos técnicos;
c) Domínio da eletrónica, utilização de equipamentos de precisão, polivalência, autonomia e substituição de outros técnicos de manutenção industrial nas suas ausências.
Como referido na sentença recorrida, as funções em análise partilham algumas características com as categorias de Serralheiro Mecânico e Técnico de Manutenção Industrial, ambas relacionadas com a reparação e manutenção de equipamentos.
A principal distinção reside no âmbito da complexidade das tarefas: o Serralheiro Mecânico, geralmente, não intervém em equipamentos de precisão nem em instalações elétricas.
O Recorrente, contudo, desde 2017/2018, exerce funções de reparação e manutenção de equipamentos de forma polivalente e autônoma, com domínio em eletrônica e utilizando instrumentos de precisão.
Face ao exposto, constata-se que as funções desempenhadas pelo Recorrente excedem as atribuições inerentes à categoria de Serralheiro Mecânico.
De facto, as tarefas desempenhadas pelo Recorrente na “B...”, desde 01 de agosto de 2018 (data a partir da qual requereu o reconhecimento da categoria profissional de Técnico de Manutenção Industrial), até 01 de julho de 2023 (data em que a Recorrida lhe reconheceu essa categoria), mantiveram-se essencialmente inalteradas, não obstante a progressiva melhoria das suas competências técnicas ao longo desse período[28].
No entanto, o conjunto dessas tarefas, desde o dia 01.08.2018, demonstra maior afinidade com a categoria profissional de um técnico de manutenção industrial, abrangendo um espectro de atividades mais amplo do que as atribuições típicas de um serralheiro mecânico.
Nestes termos, concede-se provimento ao recurso de apelação.
Assim, reconhece-se o direito do Recorrente às diferenças retributivas decorrentes da incorreta atribuição da categoria profissional, com efeitos a 01.08.2018.
O valor exato dessas diferenças será apurado em sede de liquidação, nos termos do disposto no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

*

V. DECISÃO:

*

Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em julgar totalmente procedente o recurso de apelação, e consequentemente, em condenar a Recorrida:
I) A reconhecer ao Recorrente a categoria profissional de Técnico de Manutenção Industrial, com efeitos a 01.08.2018.
II) A pagar-lhe as diferenças retributivas correspondentes, decorrentes da incorreta atribuição da categoria profissional, a apurar em sede de liquidação de sentença.
III) A acrescer juros de mora, à taxa legal, desde 01.08.2018 até integral e efetivo pagamento.

Custas pela Recorrida em ambas as instâncias [em sede de recurso de apelação é devida a taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao Regulamento Custas Processuais (cfr. artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais)].

Valor do recurso: o da ação (artigo 12.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais).

Notifique e registe.




Porto, 13 de janeiro de 2025.

Sílvia Gil Saraiva (Relatora)

António Joaquim da Costa Gomes (1.º Adjunto)

Nelson Fernandes (2.º Adjunto)

________________________________
[1] Segue-se, com ligeiras alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Objeto de transcrição - os factos postos em causa pela Recorrente estão destacados a negrito (e os não provado em itálico).
[3] Matéria de facto na redação por nós aditada na sequência do deferimento da impugnação apresentada.
[4] Montador de peças, órgãos mecânicos em série.
[5] Eliminado na sequência do deferimento da impugnação apresentada.
[6] GERALDES, António Santos Abrantes, in “Recursos em Processo Civil”, 7.º Edição; Edições Almedina, S.A. p. 197-199.
[7] Nota: A apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a), do n.º 2, do artigo 640.º do Código de Processo Civil, neste sentido, veja-se, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19.02.2015, (relator: Tomé Gomes), Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1; (relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza). Processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.  Veja-se, todavia, sobre a admissibilidade da impugnação de factos em bloco, desde que interligados, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.07.2021, Processo n.º 1006/11 (relator: Júlio Gomes), e de 19.05.2021, Processo n.º 4925/17 (relator: Chambel Mourisco), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[8] Cf., neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03.12.2015 (relator: Melo Lima), Processo n.º 3217/12.12.1TTLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt, e o n.º 12/2023 (relatora: Ana Resende), Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 (Recurso para Uniformização de Jurisprudência), publicado no Diário da República n.º 220/2023, I Série, de 13-11-2023, pp. 44.º a 65.º, com a declaração de retificação n.º 35/2023, publicado no Diário da República, I Série, de 28.11.2023, que uniformizou a jurisprudência nestes termos: «Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.». Contudo, da leitura da fundamentação depreende-se que, para cumprir os ónus legais, o Recorrente terá sempre de alegar e levar para as conclusões, sob pena de rejeição do recurso, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, conforme o estabelecido na alínea a), do n-º 1, do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
[9] GERALDES, António Abrantes; PIMENTA, Paulo, e SOUSA, Luís Filipe Pires de, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I (parte geral e processo de declaração), 3.ª Ed. Edições Almedina, S.A., p. 832.º.
[10] Cf., neste sentido, por todos. GERALDES, António Abrantes, PIMENTA, Paulo, e SOUSA, Luís Filipe Pires de, op. citada, p. 822.º, e ainda os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça nele mencionados: de 18.01.2022, Processo n.º 701/19 (relatora: Maria João Vaz Tomé); de 06.05.2021, Processo n.º 618/18 (relator: Nuno Pinto Oliveira); de 11.02.2021, Processo n.º 4279/17 (relatora: Maria da Graça Trigo); de 12.07.2018, Processo n.º 167/11 (relator: Ferreira Pinto) e de 21.03.2018, Processo n.º 5074/15 (relator: Ferreira Pinto), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[11] GERALDES, Ana Luísa, “Impugnação e Reapreciação da Decisão da Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Professor Doutor José Lebre de Freitas”, I volume, pág. 589 e sgs.
[12] Cf., neste sentido, por todos. GERALDES, António Abrantes, op. citada, p. 333.º.
[13] Cf., neste sentido, por todos, GERALDES, António Abrantes, op. cit., pág. 334; e, ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.09.2013, Processo n.º 1965/04.TBSTB.E1.S1 (relator: Azevedo Ramos), disponível in www.dgsi.pt, comentado por SOUSA, Teixeira, nos Cad. De Direito Privado, n.º 44, pp. 29.º e sgs. ou, ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.05.2017, Processo n.º 5164/07.0TLSB-B.L1.S1 (relatora: Ana Luísa Geraldes), também disponível in www.dgsi.pt.
[14] Vide, neste sentido, por todos, GERALDES, António Abrantes, op. cit., pp. 352.º e 353.º; e ainda o Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 07.09.2017, Processo n.º 959/09 (relator: Tomé Gomes), disponível in www.dgsi.pt.
[15] Cf., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.12.2021, Processo n.º 513/19 (relator: Vieira e Cunha), disponível in www.dgsi.pt
[16] Cf., neste sentido, por todos, GERALDES, Ana Luísa, op. cit. Pp. 509.º e 610.º.
[17] Nota: a qual tem de ser reanalisada pela Relação mediante a audição dos respetivos registos fonográficos.
[18] SOUSA, Miguel Teixeira, in “Estudos sobre o novo Código de Processo Civil”, Edições Almedina, S.A, p. 347.º
[19] Cf., neste sentido, SOUSA, Luís Filipe, “Prova Testemunhal”, Edições Almedina, S.A, p. 389.º
[20]ANDRADE, Manuel, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág. 192; no mesmo sentido, vide, ainda, VARELA, Antunes, in “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 435-436. Dizendo este último Professor: «A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto» (Fim da transcrição)
[21] Contrato Coletivo de Trabalho a que iremos fazendo referência, sem menção diversa, e que ambas as partes aceitam ser aplicável ao caso dos autos (vide, ainda a Portaria de Extensão publicada no BTE, n.º 1, de 8 de janeiro).
[22] Note-se que, como salienta, VICENTE, Joana Nunes, in “Direito do trabalho + crise = Crise do direito do trabalho?”,  “Flexibilidade funcional”, Coimbra Editora, 2011, p. 415.º: « (…) o uso da expressão “categoria” sempre foi cunhado por uma grande polissemia no léxico jus-laboral: categoria como estipulação contratual do género de atividade contratada, categoria lida como categoria normativa ou profissional enquanto índice abreviado do tratamento jurídico do trabalhador previsto em convenção coletiva ou regulamento interno (também denominada estatutária ou empresarial).» (Fim da transcrição).
[23] Proferido no âmbito da vigência da LCT, mas cujos ensinamentos são ainda aqui transponíveis (nesta parte).
[24] VICENTE, Joana Nunes, e outros, AMADO, João Leal, ROUXINOL, Milena, SANTOS, Catarina Gomes, e MOREIRA, Teresa Coelho, in “Direito do Trabalho – Relação Individual”, 2019, Edições Almedina, S.A., p. 351.º.
[25] A nível jurisprudencial, veja-se. por todos e, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.09.2014 (relator: António Leones Dantas), e de 27.03.2014 (relator: Melo Lima), p. 184/12.2.TTVLG.P1, S1; e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.09.2022 (relatora: Rita Romeira), Processo n.º 1533/21.0T8MAI.P1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[26] Diploma legal a que iremos fazendo referência, sem menção diversa – vide, o artigo 7.º, n.º 1, do diploma preambular da Lei n.º 07/2009, de 12 de fevereiro.
[27] Na redação dada após a procedência da impugnação da matéria de facto.
[28] Veja-se, por todos, os pontos provados em 7) e 29).