PERÍCIAS MÉDICO-LEGAIS COM RESULTADOS CONTRADITÓRIOS
DECISÃO PARA FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE
EXERCÍCIO DE UMA PROFISSÃO/TRABALHO HABITUAL
IPATH
Sumário

I - A perícia médica constitui um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, do que resulta que o juiz não está vinculado ao resultado da perícia singular ou da perícia colegial, sendo que na fixação da incapacidade deverá ponderar e valorar, segundo o seu prudente juízo, todos os elementos constantes dos autos que permitam determinar a incapacidade de que é portador o sinistrado.
II - Existindo perícias médico-legais com resultados contraditórios, nada obsta a que o tribunal adira àquela que dê maiores garantias científicas, ainda que seja o laudo minoritário se o mesmo se mostrar devidamente fundamentado para suportar a formação da convicção do julgador quanto à fixação da natureza e grau de incapacidade do sinistrado.
III - O exame por junta médica tem em vista a percepção ou apreciação pelo Juiz de factos em relação aos quais o mesmo não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos, sendo os peritos médicos quem dispõem desse conhecimento especializado, cabendo-lhes a eles emitirem ”o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”, reflectido na formulação de conclusões fundamentadas em cumprimento do disposto no nº 8, das Instruções Gerais, do Anexo I, da TNI.
IV - As conclusões do laudo pericial, mesmo que unânimes, não vinculam o Juiz, dado estarem sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (cfr. art.s 389º do CC e 607º do CPC).
V - Na prolação da decisão para fixação da incapacidade, o juiz não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais, mas poderá afastar-se do laudo médico, ainda que unânime.
VI - Os laudos emitidos pelos peritos médicos que integram a junta médica não são hierarquizáveis em termos dever ser sempre seguido o maioritário, podendo acontecer que o minoritário esteja melhor fundamentado e que esteja em maior consonância com os elementos clínicos dos autos, de modo a ser valorado em detrimento dos demais.
VII - O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caracterizado pela execução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional, não se podendo deixar de concluir que a sinistrada fica afectada de IPATH se as sequelas do acidente lhe permitem, apenas, desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual de tal modo que não permitiria que alguém mantivesse, apenas com essas tarefas residuais, essa profissão/trabalho habitual.
VIII - Tratando-se embora a fixação de incapacidade de matéria sobre a qual o juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos, o laudo pericial não tem, todavia, força vinculativa obrigatória, estando sujeito à livre apreciação do julgador, pese embora, uma eventual divergência dever ser fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária.
IX - O juízo a fazer quanto à questão de saber se as lesões/sequelas determinam, ou não, IPATH passa também pela apreciação do tipo de tarefas concretas que o trabalho habitual da sinistrada envolve, conjugado, se for o caso, com outros elementos probatórios e com as regras do conhecimento e experiência comuns, o que extravasa um juízo puramente técnico-científico.
X – Decorrendo dos pareceres e perícias constantes dos autos e estando provado que devido às sequelas apresentadas, devido ao acidente de trabalho sofrido, a A./sinistrada, médica de cirugia geral, foi considerada apta condicionalmente, com a indicação para “não realizar tarefas que impliquem pinçamento sustentado/movimentos repetitivos com a mão direita, incluindo actividade cirúrgica, só se pode concluir que a sinistrada se encontra afectada de IPATH por, funcionalmente, estar impossibilitada de realizar a grande maioria das tarefas compreendidas na sua atividade profissional de médica cirurgiã.
XI – A aptidão para participar em reuniões de serviço e do grupo oncológico, visitar os doentes internados no Serviço de Cirurgia Geral, com intuito de emissão de parecer clínico, quando solicitado ou oportuno e realizar consultas aos doentes”, só permite considerar que a sinistrada está apta a desempenhar actividade meramente residual ou acessória do trabalho habitual que desenvolvia.

Texto Integral

Proc. nº 15407/20.9T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 3
Recorrente: A... – Companhia de Seguros, S.A.
Recorrida: AA

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
Os presentes autos com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrada, AA nascida em ../../1961 médica de cirurgia geral, residente na Rua ... Hab. ..., ... Porto, e entidade responsável a A... – Companhia de Seguros, S.A., NIF - ..., com sede na Rua ..., ..., ... Lisboa, tiveram início face à participação do acidente sofrido por aquela, em 28.08.2018, dado, após a tentativa de conciliação realizada, ter havido discordância entre as partes, frustrando-se aquela, conforme consta do auto junto, datado de 04.03.2021 – que, por o considerarmos relevante, aqui se reproduz, parcialmente, nos seguintes termos: «(…) pela Sinistrada foi declarado:
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por a sinistrada não ter aceite o resultado do exame médico singular (a que a mesma foi submetida em 11.11.2020, como consta dos autos) a que se reporta o art. 105º do CPT e, oportunamente, com advogado constituído, ao abrigo do disposto no art. 117º, nº 1 al. b), do mesmo código, ter vindo requerer, exame por junta médica, formulando para o efeito, de acordo com o disposto no nº 2 daquele artigo, os seguintes quesitos:
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Designado aquele exame por Junta Médica, ficou consignado, no auto junto, datado de 25.06.2021, o seguinte que, se transcreve:
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Realizadas as diligências solicitadas e tidas por necessárias, procedeu-se à realização de novo exame, por junta médica, nos termos que constam do auto de 09.09.2022, que, se transcreve:
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De seguida, pela Mmª juiz foi proferido o seguinte DESPACHO
«Considerando a posição do Sr. perito da seguradora e da não oposição dos demais peritos, solicite a realização dos exames sugeridos pelo perito da seguradora, solicitando, ainda, o envio dos elementos clínicos relativos ao episódio de urgência.
(…).».
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Em 04.03.2021, foi junto aos autos Email, contendo o Parecer realizado, em 16.02.2021, pelos avaliadores -Médico do trabalho e Psicólogo- do Centro de Reabilitação ... onde, em síntese, se lê e concluem que:
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Em 02.06.2023 foi realizado exame por junta médica de Neurologia, no qual se consignou o seguinte:
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Nos termos do auto, de 28.09.2023 foi realizada junta médica de Neurologia (Esclarecimentos), no qual se consignou o seguinte:
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Realizada, junta médica da especialidade de Medicina de Trabalho, nos termos do auto, de 21.02.2024, nele consignou-se o seguinte:
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Notificadas desta, a sinistrada e a seguradora, vieram pronunciar-se.
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A seguradora, nos termos do requerimento junto, em 07.03.2024, veio expor e requerer que:
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Apreciando, a Mª Juíza “a quo”, proferiu o seguinte: «Na sequência da última junta médica realizada e em face do parecer emitido pelo Sr. Perito da seguradora, veio esta requerer a realização de diligências probatórias complementares, concretamente:
a) A notificação do Director Clínico do Hospital ... para vir juntar aos autos descrição pormenorizada das tarefas e funções que a Trabalhadora Sinistrada desempenha, tendo como pressuposto o seu grau na carreira hospitalar, grupo etário, o horário de 40 horas semanais enquanto funcionária pública, no serviço de cirurgia geral, e, bem assim, do horário da Trabalhadora Sinistrada de forma a ser possível a quantificação do tempo de ocupação semanal destinado ao bloco operatório;
b) A elaboração de Parecer pelo Colégio da Especialidade da Medicina do Trabalho da Ordem dos Médicos, pronunciando-se, fundamentadamente quanto à questão da atribuição, ou não, de IPATH.
Não vislumbramos em que medida o ora requerido deva merecer provimento, porquanto o processo reúne já todos os elementos que permitem a prolação de uma decisão. Com efeito, não pode o processo ficar ad aeternum a aguardar por um eventual parecer unânime dos Srs. Peritos que, com toda a documentação e exames complementares de diagnóstico, informações respeitantes ao posto de trabalho da sinistrada, pareceres a este propósito emitidos, tiveram já, no âmbito, quer da junta médica de cirurgia geral quer na junta médica da especialidade de medicina do trabalho (quiçá mais habilitada a pronunciar-se sobre a questão da IPATH), oportunidade de esgrimir argumentos e tomar posição quanto à incapacidade da sinistrada.
Portanto, nem o parecer ora solicitado – em face da junta médica da especialidade em causa já realizada -, se nos afigura ser pertinente, nem a descrição pormenorizada das tarefas e funções desempenhadas pela sinistrada reveste utilidade, porque essa descrição já consta do processo, devendo ser complementada pelo parecer do IEFP, que a esse propósito alude.
Termos em que, se indefere o requerido pela seguradora.».
E de imediato,
Foi proferida sentença, nos termos previstos nos artigos 73.º, n.ºs 2 e 3 e 140.º n.º 1, ambos do Código de Processo do Trabalho, que terminou com a seguinte:
«– DECISÃO.
Nestes termos e ao abrigo das disposições legais citadas, declarando-se que AA foi vítima de um acidente de trabalho:
A) Julga-se que desse acidente resultou para a sinistrada uma IPP de 15% (10% x 1,5), com IPATH, desde 14/09/2020, data da alta clínica.
B) Condena-se a A... – Companhia de Seguros, S.A. no pagamento à sinistrada:
1) Da quantia de €2.034,52 (dois mil e trinta e quatro euros e cinquenta e dois cêntimos), correspondente às diferenças de incapacidades temporárias, acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal, desde 29/08/2018 até efectivo e integral pagamento.
2) Da pensão anual e vitalícia, no montante de €51.242,14 (cinquenta e um mil duzentos e quarenta e dois euros e catorze cêntimos), desde 15/09/2020, actualizável a partir de Janeiro de 2021 (em 2021 manteve-se inalterada; em 2022, €51.754,56, em 2023, €56.101,94 e em 2024, €59.468,06), acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal, desde 15/09/2020 até efectivo e integral pagamento.
3) Do subsídio para situações de elevada incapacidade, no valor de €4.217,80 (quatro mil duzentos e dezassete euros e oitenta cêntimos), acrescido dos juros de mora, contados à taxa legal, desde 15/09/2020 até efectivo e integral pagamento.
4) Da quantia de €12,00 (doze euros), a título de despesas com transportes nas deslocações ao GML e ao Tribunal, acrescido dos juros de mora, contados à taxa legal, desde 05/03/2021 até efectivo e integral pagamento.
C) Condena-se a seguradora no pagamento das custas processuais.
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Valor da acção – €596.471,29 - artigo 120.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
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Após trânsito, remeta certidão desta decisão à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões – artigo 137.º, do Código de Processo do Trabalho.
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Registe e notifique.».
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Inconformada a seguradora interpôs recurso cujas alegações terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
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A A., sinistrada respondeu, nos termos das contra-alegações juntas aos autos, terminando com as seguintes: “CONCLUSÕES:
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Nos termos que constam do despacho de 05.06.2024, a Mª Juíza “a quo” admitiu a apelação, com efeito meramente devolutivo e ordenou a remessa dos autos a esta Relação.
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O Ministério Público teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido de o recurso não merecer provimento, no essencial, na consideração de que: “A sentença recorrida apreciou devidamente os meios probatórios, através da prova documental e pericial. Mais encontra-se correctamente fundamentada, não merecendo qualquer censura, dado o seu rigor argumentativo e o que afasta vício ou erro de julgamento. Quanto à matéria de direito, tem respaldo nas normas jurídicas que aplicou para fixar a IPP e a IPATH, que determinaram os pagamentos que se mostram devidos à recorrida.
De salientar que as XXIII. e XXIV. conclusões, por opinativas, nada impugnam.
Sobre a temática trazida á discussão, a sentença recorrida invocou a jurisprudência dominante.
Sobre o mérito do recurso: improcedem as conclusões formuladas.
A decisão recorrida merece ser mantida na ordem jurídica.”.
Notificadas deste, as partes nada disseram.
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Dado cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2 do CPC, há que decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar suscitadas pela recorrente resumem-se, a saber se a decisão recorrida deve ser revogada, atenta a impugnação deduzida quanto à decisão sobre a matéria de facto, por não se conformar com a resposta dada aos pontos N), V) e U) dos factos assentes e, no essencial, quanto à decisão sobre o direito, por não concordar ter-se considerado provado que a Autora, em consequência do acidente dos autos, ficou afectada de uma IPP de 15%, com IPATH.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos a considerar são os que decorrem do relatório que antecede e que se encontram documentados nos autos.
E, ainda, os que a Mª Juíza “a quo” considerou: “Com relevo para a decisão da presente causa, pelos documentos juntos aos autos e por acordo das partes expresso no auto de tentativa de conciliação, mostram-se provados os seguintes factos:
A) AA nasceu a 07/11/1961.
B) No dia 28 de Agosto de 2018, no Porto, quando prestava serviços de natureza profissional para o Centro Hospitalar ..., AA foi vítima de um acidente de viação/capotamento, do qual resultaram para si lesões.
C) À data, a sinistrada exercia as funções de cirurgiã no Serviço de Cirurgia Geral do CH ... e auferia a retribuição anual de €96.683,28.
D) A responsabilidade infortunística por danos emergentes de acidentes de trabalho encontrava-se transferida, pela totalidade da retribuição auferida pela sinistrada, da empregadora para a seguradora, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ....
E) Em virtude do acidente aludido, a sinistrada esteve em situação de incapacidade temporária absoluta para o trabalho desde 29/08/2018 até 27/06/2019 e de 04/07/2019 até 11/07/2019.
F) E em situação de incapacidade temporária parcial para o trabalho de 40%, entre 12/07/2019 e 02/03/2020.
G) E em situação de incapacidade temporária parcial para o trabalho de 30%, entre 03/03/2020 e 14/09/2020.
H) A sinistrada teve alta clínica a 14/09/2020.
I) A seguradora reconheceu o acidente supra identificado como acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, a data da alta, os períodos de incapacidade temporária, bem como a sua responsabilidade na reparação em face da retribuição anual transferida.
J) A seguradora pagou à sinistrada a quantia de €83.963,28, a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária sofrido por aquela.
K) Em virtude do acidente descrito, a sinistrada sofreu as seguintes lesões: entorse cervical, contusão do antebraço direito com posterior diagnóstico de lesão parcial do nervo interósseo anterior direito com alterações em RM de 22/09/2022, junta a fls. 322 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (Eliminada expressão sublinhada) e Aditado o seguinte:

L) Por via disso, AA é portadora de uma IPP de 15%, ponderadas as seguintes sequelas de que ficou a padecer:
a. Tremor do membro superior direito, sobretudo no 1.º e 2.º dedos, mais notório na pinça, tremor esse de esforço ou de fadiga, observado clinicamente em acção de músculos deficitários ou mesmos não deficitários, mas solicitados no esforço extremo e/ou prolongado.
b. Défices neurológicos correlacionáveis com a lesão do nervo interósseo anterior direito: flexão das últimas duas falanges do dedo polegar e indicador direitos, dificuldade na pinça/preensão, sinal do OK, défice dos flexores profundos do 2.º e 3.º dedos direitos e défice na pronação do punho direito.
M) Segundo o parecer elaborado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP, as tarefas desempenhadas pela sinistrada como cirurgiã, em concreto no Serviço de Cirurgia Geral do CH ..., consistiam, para além do mais:
a. Examinar doentes com patologias esofagogástricas, a fim de estabelecer a indicação operatória, avaliando os riscos da intervenção, o método a empregar e estabelecendo prognóstico, tendo em conta o estado geral dos doentes, a respectiva reacção a tratamentos médicos e história clínica, no âmbito da consulta externa;
b. Solicitar e analisar, sempre que necessário, exames complementares de diagnóstico, nomeadamente no quadro da realização da consulta externa e do serviço de urgência;
c. Decidir a intervenção cirúrgica a realizar e dar instruções aos profissionais de enfermagem e anestesista para preparação do doente, bem como para a preparação dos instrumentos e materiais necessários à realização da intervenção;
d. Executar actos médicos cirúrgicos esofagogástricos, enquanto cirurgiã principal ou cirurgiã ajudante, em colaboração com outros profissionais, designadamente outro cirurgião, anestesista e enfermeiro instrumentista;
e. Assegurar-se da existência de condições materiais - equipamento, pessoal e instalações - necessárias para um pós-operatório adequado, nomeadamente ao nível de cuidados intensivos ou enfermaria;
f. Prescrever os cuidados pós-operatórios essenciais;
g. Seguir os doentes no pós-operatório, acompanhando a sua convalescença mediante visitas diárias, com outros elementos da equipa, durante o período de internamento, nas quais, entre outros, verificar e decidir sobre a retirada de drenagens, introdução de alimentação, bem como, posteriormente, no âmbito da consulta externa, em função dos protolocos aplicáveis às suas situações;
h. Executar estudos digestivos funcionais, mediante a introdução de sondas nos doentes (do nariz até ao estômago) e sinalização dos elementos de avaliação relevantes em monitor de computador;
i. Participar em consultas de grupo de oncologia, conjuntamente com profissionais de diferentes especialidades médicas;
j. Participar em reuniões de serviço semanais, promovidas pelo director do serviço de cirurgia, intervindo, nomeadamente, na discussão de casos clínicos e de patologias diferenciadas, assim como no estabelecimento de participações em seminários.
N) O tempo médio semanal de afectação aos diferentes contextos de execução das tarefas era, sensivelmente, o seguinte: Consulta externa - 2h; Bloco operatório - 12h (acrescidas de mais de quinze em quinze dias); Serviço de urgência - 12h (acrescidas de mais 12h); Visitas a doentes internados - 3h30mn; Estudos digestivos funcionais - 3h30mn/4h; restantes tarefas - tempo restante.
O) O exercício do posto de trabalho exige a adopção, durante a maior parte do período semanal de trabalho, da postura de bipedestação (prestação de serviço no bloco operatório, no serviço de urgência, visita a doentes em enfermaria), mas, também, da postura de sedestação (realização de consultas, de estudos funcionais, reuniões).
Exige, ainda, que a trabalhadora possa efectuar flexões frontais e torções laterais do pescoço, bem como flexões e torsões do tronco, designadamente na execução de estudos digestivos funcionais, de actos cirúrgicos e, mais esporadicamente, no exame de doentes em consulta, caso os tenha que auxiliar a deitar-se para observação.
Requer, também, que possa trabalhar tanto com os braços flectidos como estendidos, nomeadamente aquando da execução de actos cirúrgicos e de estudos digestivos, neste último caso segurando a sonda com a mão esquerda, com o braço em extensão, e sinalizando elementos clínicos relevantes no ecrã de computador, com a mão direita.
P) Em relação a exigências psicomotoras o exercício do posto de trabalho requer coordenação motora, especificamente a coordenação motora mão-mão, braço-braço, ombro-braço-mão e dedos-mão, assim como coordenação óculo-manual e, ainda, firmeza dedos-mão-braço, capacidade de manipular objectos entre o polegar e o indicador e entre o indicador e os outros dedos e, em geral, capacidade para executar movimentos de precisão com controlo e destreza (motricidade fina), (realizar os diversos gestos inerentes aos actos cirúrgicos, manuseando de modo rigoroso bisturis, tesouras, pinças várias com diferentes funções, equipamentos de sutura e de anastomose, fios de sutura, punções, bem como para proceder a entubações dos pacientes, quer quando executa estudos funcionais digestivos, quer nos serviços de urgência.
Q) Em virtude das sequelas acima descritas, a sinistrada está incapaz de:
a. Proceder à intervenção cirúrgica, coordenando os restantes elementos da equipa, monitorizando os sinais vitais dos pacientes e actuando perante situações de perigo;
b. Proceder à colocação de cateteres venosos centrais;
c. Proceder à colocação de drenos torácicos;
d. Recolher sangue arterial para perícia em gasometria;
e. Realizar serviços de urgência, consoante escalas elaboradas pela empregadora;
f. Realizar intervenções cirúrgicas de doentes registados na base de dados SIGIC.
R) Com esforços acrescidos ou mediante determinadas condições de trabalho, poderá eventualmente realizar pensos cirúrgicos e entubação de doentes (entubação naso-gástrica) para realização de estudos funcionais esofágicos do serviço de cirurgia.
S) No período de 01/01/2015 a 18/07/2018, a sinistrada interveio, na qualidade de cirurgiã principal, em 51 cirurgias.
T) Em igual período de tempo, interveio, na qualidade de cirurgiã ajudante, em 592 cirurgias.
U) Após a alta clínica e em virtude de ter sido considerada pelos serviços de medicina do trabalho apta condicionalmente, com indicação para “não realizar tarefas que impliquem pinçamento sustentado/movimentos repetitivos com a mão direita, incluindo actividade cirúrgica”, as tarefas desempenhadas pela sinistrada consistem em:
a. Participar em reuniões de serviço e do grupo oncológico;
b. Visitar os doentes internados no Serviço de Cirurgia Geral, com intuito de emissão de parecer clínico, quando solicitado ou oportuno;
c. Realizar consultar aos doentes.
V) A sinistrada encontra-se incapaz de realizar tarefas cirúrgicas, concretamente actividade cirúrgica programada e serviço de urgência, o que correspondia a mais de 50% do tempo da sua actividade como cirurgiã à data do acidente.
W) Em 04/03/2021, AA reclamou da seguradora o pagamento da quantia de €12,00, relativa a despesas de transporte suportadas nas deslocações ao GML e ao Tribunal.”.
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Previamente e porque os documentos não são factos, eventualmente, meios de prova dos mesmos, ao abrigo do disposto no art. 607º nº4 do CPC, concretizamos o ponto K dos factos provados, eliminando-se a expressão “aqui se dá por integralmente reproduzido” e aditando-se na íntegra o teor do documento em causa, nos termos anotados supra.
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B) O DIREITO
Vem o recurso interposto, como diz a recorrente, da sentença recorrida por não se conformar com o teor da mesma, alegadamente, “por não concordar com a atribuição de IPATH e, nessa medida, com a condenação no pagamento da pensão anual, vitalícia e actualizável de € 51.242,144, devida desde 15 de Setembro de 2020, do subsídio de elevada incapacidade no valor de € 4.217,80, e dos juros de mora”, mas como diz mais adiante, “prévia e preliminarmente, entende que há pontos na matéria de facto que terão de ser eliminados ou alterados em função da prova, documental, produzida.”.
Comecemos, então, pela parte da impugnação, em que a recorrente se insurge contra a decisão de facto, pugnando pela sua alteração, conforme consta das conclusões da sua alegação, alegadamente, “por entender que a resposta positiva do ponto N) e parte da resposta positiva constante dos pontos U) e V) é imprecisa, encontra-se em contradição com a restante matéria dada como provada ou não tem qualquer suporte na prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, impondo-se, por essa razão, a sua reanálise e alteração”, em concreto, defendendo que se impõe: “a eliminação do ponto N) dos factos assentes,
E, bem assim, a alteração da redacção do ponto V), para a seguinte:
“V) A sinistrada encontra-se incapaz de realizar tarefas cirúrgicas, enquanto cirurgiã principal, podendo, acompanhar as mesmas como ajudante ou 4.ª cirurgiã, enquanto função de orientação”.
E ainda, que se impõe a rectificação do ponto U), “passando a ler-se: “Após a alta clínica e em virtude de ter sido considerada pelos serviços de medicina do trabalho apta condicionalmente com indicação para “não realizar tarefas que impliquem pinçamento sustentado/movimentos repetitivos com a mão direita, nomeadamente actividade cirúrgica (…)”.
Vejamos.
Dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC, (diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem) que, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Aqui se enquadrando, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão de facto feita pelos recorrentes.
Nas palavas de (Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 221 e 222) “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1ª instância”.
No entanto, como continua o mesmo autor (págs. 235 e 236), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.”.
Esta questão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e a sua apreciação por este Tribunal “ad quem” pressupõe o cumprimento de determinados ónus por parte do recorrente, conforme dispõe o art. 640º ex vi do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.T., nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando, neste novo regime, os ónus de alegação impostos ao recorrente, impondo-se que especifique, em concreto, os pontos de facto que impugna e os meios probatórios que considera impunham decisão diversa quanto àqueles e deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Ou seja, tendo em conta os normativos supra citados, haverá que concluir que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância, já que só assim, (como se refere no Ac. STJ de 24.09.2013 in www.dgsi.pt (local da internet onde se encontrarão os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação)) poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão do Tribunal “a quo”, exigindo-se à parte que pretenda usar daquela faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de jurisdição sobre tais desconformidades, previamente, apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção - não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem, face ao princípio da livre apreciação da prova que impera no processo civil, art. 607º, nº 5 do CPC, cfr. (Ac. STJ de 28.05.2009).
Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exactidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Além disso, nas palavras, novamente, de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “… Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. …”. E, do mesmo Tribunal no (Ac. de 07.07.2016) observa-se o seguinte: “… para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo art. 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto, que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”.
Neste mesmo sentido, lê-se no (Ac. desta Relação de 15.04.2013, Proc. nº 335/10.4TTLMG.P1, relatora Paula Leal de Carvalho in www.dgsi.pt) que, “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão,…”, (sublinhado nosso).
Transpondo o regime exposto para o caso, verifica-se que não estão em causa depoimentos gravados, apenas, prova documental e pericial e a apelante impugna a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos que tendo sido considerados provados, em seu entender, se mostram incorrectamente julgados e a resposta que considera deverá ser dada aos mesmos.
Quanto àqueles factos que impugna, ainda, que não indique com a precisão que, cremos poderia ter feitos, os elementos probatórios, documentos e perícias, constantes do processo que, em seu entender, justificam a alteração e retificação daqueles nos termos que peticiona, ainda, assim, consideramos, ao contrário do que, alega a recorrida, que estão reunidas as condições para que este Tribunal “ad quem”, proceda à reapreciação da matéria de facto impugnada, eventualmente, alterando a decisão proferida sobre a mesma, ao abrigo do disposto no nº1 do art. 662º.
Apreciando.
No entanto, tendo em conta o processo, em causa, emergente de acidente de trabalho, que se inicia por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público, tendo por base a participação do acidente importa, previamente, a pronunciar-nos quanto àquela primeira questão, tecer algumas considerações genéricas sobre a tramitação deste processo, caracterizado como um processo especial.
Como decorre, dos art. 99º e ss. do CPT, nos processos emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional, numa fase conciliatória, após a realização de perícia médica singular pelos serviços médico-legais, seguir-se-á uma tentativa de conciliação, na qual o Ministério Público promove o acordo, de harmonia com os direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente, o resultado daquele exame médico e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado, conforme art. 109º do CPT.
Nos termos do art. 112º, nº 1 do mesmo código, se, se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída.
Por fim, estabelece a al. b) do nº 1 do art. 117º do CPT, que o início da fase contenciosa tem por base requerimento, a que se refere o nº 2 do artigo 138º, - o qual dispõe que, se na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de junta médica é deduzido em requerimento a apresentar no prazo a que se refere o nº 1 do artigo 119º -, do interessado que se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, devendo esse requerimento ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos, conforme nº 2 daquele mesmo art. 117º.
Precisamente, o caso dos autos, em que, não tendo sido possível alcançar um acordo global na fase conciliatória, - resumindo-se a discordância à questão atinente ao grau de incapacidade -, foi formulado requerimento peticionando a realização de junta médica e abriu-se a fase contenciosa do processo com vista à fixação da incapacidade para o trabalho, nos termos da decisão a proferir, aquela a que se reporta o nº 1 do art. 140º do CPT.
Assim, a decisão proferida e impugnada foi, aquela, a que se reporta o nº 1 daquele art. 140º, o qual dispõe que, o juiz para proferir decisão sobre o mérito deve servir-se da prova obtida pelos meios periciais, cujo valor é apreciado livremente (cfr. art. 389º do CC), destinando-se a fornecer ao tribunal uma especial informação de facto tendo em conta os específicos conhecimentos técnicos ou científicos do perito que se não alcançam pelas regras gerais da experiência, como referem (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág.s 261 e ss. e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág.s 322 e ss.).
Prova, esta, que deve ser apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais, o que implica que o juiz possa na decisão de facto afastar-se do que resultou da perícia, devendo para o efeito fundamentar a matéria de facto que dê como assente, nomeadamente nas situações em que tenha havido uma perícia singular e uma perícia colegial esta requerida por uma das partes, tal como sucede no caso em apreço.
Por isso, resulta da instrução 8ª das Instruções Gerais que constam da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo DL nº 352/2007 de 23/10, que o resultado dos exames médicos é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões. Decorrendo, assim, deste normativo que as respostas aos quesitos ou a fundamentação do laudo pericial deverá permitir com segurança ao julgador (que não é técnico em medicina) analisar e ponderar o enquadramento das lesões/sequelas na TNI e o respectivo grau de incapacidade a atribuir.
Daí que, embora a junta médica aprecie livremente os elementos médicos constantes do processo, designadamente relatórios clínicos e exames complementares de diagnóstico, a par da própria observação do sinistrado, essa livre apreciação não é, todavia, sinónimo de arbitrariedade, razão pela qual aos peritos médicos que intervêm na junta médica se impõe que indiquem os elementos em que basearam o seu juízo e que o fundamentem, de modo a que o Tribunal, o sinistrado e a entidade responsável pela reparação do acidente o possam sindicar.
Assim, se por um lado o exame por junta médica constitui, apenas, uma modalidade de prova pericial, estando sujeita às regras da livre apreciação pelo juiz (cfr. art. 389º do CC e art.s 489º e 607º, nº 5 do CPC), por outro, as perícias médicas, nas quais se incluí o exame por junta médica, não constituem decisão sob o grau de incapacidade a fixar, sendo somente, um elemento de prova que exige especiais conhecimentos na matéria, daí o laudo pericial ter de conter os factos que serviram de base à atribuição de determinada incapacidade de modo a que o tribunal possa interpretar e compreender o raciocínio lógico realizado pelos Srs. Peritos Médicos de forma a poder valorá-lo.
Porque, pese embora, o juiz não esteja adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados e, daí também, como já dissemos, a necessidade da cabal fundamentação do laudo pericial pois que, só assim, poderá o mesmo ser sindicado.
E, contendendo, o objecto daquele exame por junta médica com a apreciação e determinação das lesões/sequelas que o sinistrado apresenta resultantes de acidente de trabalho, bem como com à fixação da incapacidade para o trabalho decorrente das mesmas, o mesmo, não deverá ser considerado pelo Tribunal, se as respostas aos quesitos ou o relatório forem deficientes, obscuros ou contraditórios ou se as conclusões ou respostas aos quesitos não se mostrarem fundamentadas.
Regressando ao caso, resultando da factualidade apurada que a sinistrada requereu junta médica e formulou os seus quesitos, importa analisar se deve, aquela, ser alterada.
Vejamos, então.
E, antes de entrarmos, na apreciação da questão da impugnação da decisão de facto, atento o teor da conclusão I. da apelante e o que alega na motivação da sua alegação, (veja-se ponto, 7. Ou seja, desde logo não se referiu, concreta e individualmente, à prova que considerou produzida e que motivou as respostas dos identificados pontos), importa que se diga o seguinte.
Apesar do ali referido, não invoca a apelante a nulidade da sentença recorrida, sendo sabido que, aquela não é de conhecimento oficioso. Acrescendo que, o que refere não configura qualquer vício da decisão recorrida, susceptível de configurar nulidade da mesma.
Pese embora, isso, no que ao reconhecimento da IPATH, diz respeito, (questão nuclear no presente recurso), no sentido de ultrapassar, desde já, possíveis dissidências, importa dizer que, ao contrário do que diz a recorrente, em nosso entender o Tribunal recorrido observou o dever de fundamentação que se lhe impunha no âmbito do presente processo.
Senão, vejamos.
Aquele Tribunal considerou e concluiu que a sinistrada se encontra afectada de IPATH, extraindo, desta decisão, as consequências jurídicas que entendeu aplicáveis no que concerne ao direito à reparação pelo acidente de trabalho, em análise.
Em termos factuais, a decisão encontra o seu suporte ou justificação nas alíneas K), L), M), N), O), P), Q), R), S), T), U) e V) dos factos assentes. E, explica que deu como provada aquela factualidade porque, «resulta dos autos que, em sede de junta médica, concluíram os peritos, por unanimidade, que a sinistrada padece de uma IPP de 15%, ponderadas as sequelas do foro neurológico de que ficou a padecer, devidamente sustentadas na observação clínica, exames complementares de diagnóstico e informações clínicas juntas ao processo (cfr. fls. 109 a 110 v,º, 111, 144, 145, 292 v.º a 297, 312 e v.º, 314 a 321 v.º, 322). Portanto, quanto à IPP, motivos não existem para o Tribunal divergir do parecer unânime dos Srs. Peritos, que se encontra devidamente fundamentado e que, por isso, se segue.
De facto, embora o Perito da seguradora interveniente na junta médica da especialidade de neurologia tivesse considerado que o trémulo constatado no membro superior direito não constituía uma sequela do acidente, apontando antes para um trémulo bilateral essencial (diga-se, de modo algum observado em sede de juta médica a que presidimos), tal posição foi completamente afastada pelos demais Peritos, incluindo na junta de avaliação do dano corporal.
Por conseguinte, não existem dúvidas de que o trémulo não é bilateral, mas apenas ocorre no membro superior direito, sendo uma consequência da lesão do nervo interósseo anterior direito decorrente do acidente.
No que toca à IPATH, importa ponderar, por um lado, o parecer maioritário dos Srs. Peritos das especialidades de cirurgia geral e de medicina do trabalho (do Tribunal e da sinistrada), no sentido de que a mesma ocorre, tendo em conta que a sinistrada se encontra essencialmente incapaz de levar a cabo actos cirúrgicos (“não consegue fazer a pinça com o 1.º e 2.º dedos da mão direita, pelo trémulo parético que este gesto provoca”), incluindo todas as tarefas melhor descritas no ponto Q) dos factos provados. Tais pareceres são ainda corroborados pela avaliação efectuada pelo IEFP, em idêntico sentido (cfr. fls. 324 v.º a 328).
De igual modo também o CRPG havia concluído (em parecer solicitado pela sinistrada e por esta junto aos autos a fls. 106 a 108 v.º) que a sinistrada se encontra incapaz de executar as tarefas estruturantes da actividade médica por si desempenhada, de cirurgiã geral (cfr. fls. 104 e v.º e 303).
Em sentido contrário, os Peritos da seguradora intervenientes nas juntas de cirurgia geral e de medicina do Trabalho (também secundados pelo Perito do Tribunal na junta de avaliação do dano corporal), assentam essencialmente a sua discordância quanto à IPATH na circunstância de o trabalho de um cirurgião não se restringir à actividade cirúrgica, antes abrangendo outras tarefas, tais como, “consultas, inscrições para cirurgia e orientação na formação de médicos mais novos”.».
Assim, perante estes elementos explícitos, só podemos concluir que o Tribunal recorrido observou o dever de fundamentação consagrado no nº 4 do art. 607º do CPC, aqui, subsidiariamente aplicável, ainda que, com as necessárias adaptações ao presente processo especial de acidente de trabalho em que, a fase contenciosa se destinou, apenas, a dilucidar a questão da incapacidade da sinistrada, em relação à qual não houve acordo na tentativa de conciliação realizada.
A Mª Juíza “a quo” não declarou assente o resultado maioritário da junta médica de avaliação do dano e explicou o motivo porque atendeu aos pareceres periciais maioritários, das especialidades de cirurgia geral e de medicina do Trabalho (corroborados pelos pareceres do IEFP e do CRPG) e porque concluiu que a sinistrada se encontra incapaz de levar a cabo actos cirúrgicos, incluindo todas as tarefas descritas no ponto Q) dos factos assentes.
Cremos, face ao exposto que, ao contrário do que parece fazer crer a recorrente, contém a sentença recorrida os fundamentos de facto que levaram ao reconhecimento da IPATH à sinistrada e que os mesmos têm o bastante suporte documental nos presentes autos, o suficiente para afastar na concreta situação processual, qualquer hipotética falta de fundamentação, susceptível de gerar a sua nulidade que, talvez por essa razão, a recorrente não invocou.
*
Prossigamos, então, com a parte da impugnação, em que a recorrente se insurge contra a decisão de facto, em concreto os pontos N), U) e V), pugnando pela sua alteração, alegadamente, “por entender que a resposta positiva do ponto N) e parte da resposta positiva constante dos pontos U) e V) é imprecisa, encontra-se em contradição com a restante matéria dada como provada ou não tem qualquer suporte na prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, impondo-se, por essa razão, a sua reanálise e alteração”.
Ora, desde logo, importa salientar que se desconhece qual a prova testemunhal produzida nos autos que, alegadamente, imporia a alteração daqueles pontos, nos termos que a apelante defende, já que a mesma não a indica, admitindo-se que tal referência se deva a lapso da mesma. E, ainda que, analisando quer as alegações quer as conclusões, também, não concretiza a apelante em que consiste a invocada “contradição com a restante matéria dada como provada”, limitando-se a fazer a referida afirmação, genericamente.
Mas, vejamos.
Os factos impugnados, como diz a apelante, “Pontos N) e V) (interligados entre si)”., têm o seguinte teor:
“N) O tempo médio semanal de afectação aos diferentes contextos de execução das tarefas era, sensivelmente, o seguinte: Consulta externa - 2h; Bloco operatório - 12h (acrescidas de mais de quinze em quinze dias); Serviço de urgência - 12h (acrescidas de mais 12h); Visitas a doentes internados - 3h30mn; Estudos digestivos funcionais - 3h30mn/4h; restantes tarefas - tempo restante.
V) A sinistrada encontra-se incapaz de realizar tarefas cirúrgicas, concretamente actividade cirúrgica programada e serviço de urgência, o que correspondia a mais de 50% do tempo da sua actividade como cirurgiã à data do acidente.”.
Defende que se impõe: “a eliminação do ponto N) dos factos assentes,
E, bem assim, a alteração da redaçção do ponto V), para a seguinte:
“V) A sinistrada encontra-se incapaz de realizar tarefas cirúrgicas, enquanto cirurgiã principal, podendo, acompanhar as mesmas como ajudante ou 4.ª cirurgiã, enquanto função de orientação.””.
Analisemos.
Além do já referido, a apelante diz entender que em função da prova documental produzida terá de ser eliminada e alterada, respectivamente, aquela matéria dos pontos N) e V), com base na argumentação que desenvolve na sua alegação e, em concreto, na suposição, como diz de que, “para a resposta positiva dos indicados pontos se baseou no parecer do IEFP, em sede de conteúdo funcional e exigências do posto do trabalho. Contudo, tendo por pressuposto que o parecer é elaborado de acordo com as queixas e relatos do trabalhador por “Técnico Superior”, cuja formação ou área de especialização se desconhece e, neste caso, assume particular importância, é evidente que o Tribunal nunca poderia ter dado como provada tal matéria.”.
Mas, não tem razão.
Como se verifica dos elementos documentais dos autos, em concreto, do Parecer do IEFP, o ponto N) tem suporte documental, ao contrário do que a apelante considera. Além de que o Parecer, em causa, também, contrariamente ao que a mesma diz, não foi elaborado apenas de acordo com as queixas e relatos do trabalhador. Como ali se lê. “O parecer resulta da análise da informação recolhida em entrevista de estudo do posto de trabalho realizada com a trabalhadora, em 28.11.2022, em informação do Centro Hospitalar ..., E.P.E. sobre a atividade profissional por esta exercida até 2018, bem como em informação técnica conhecida e consultada sobre a atividade em causa.”
No mencionado parecer, consta do ponto VII do mesmo, para o que aqui interessa, o seguinte:
“I. O conteúdo funcional da atividade desenvolvida pela trabalhadora, ou seja, as tarefas exercidas habitualmente no concreto posto de trabalho que ocupava à data do acidente de trabalho, segundo análise da informação recolhida na entrevista, documentação técnica consultada e informação disponibilizada pelo Centro Hospitalar ..., E.P.E, enquadram-se na profissão de médica de especialidade cirúrgica, sendo as seguidamente indicadas:
1. Examina doentes com patologias esofagogástricas, a fim de estabelecer a indicação operatória, avaliando os riscos da intervenção, o método a empregar e estabelecendo prognóstico, tendo em conta o estado geral dos doentes, a respetiva reação a tratamentos médicos e história clínica, no âmbito da consulta externa;
2. Solicita e analisa, sempre que necessário, exames complementares de diagnóstico, nomeadamente no quadro da realização da consulta externa e do serviço de urgência;
3. Decide a intervenção cirúrgica a realizar e dá instruções aos profissionais de enfermagem e anestesista para preparação do doente, bem como para a preparação dos instrumentos e materiais necessários à realização da intervenção;
4. Executa atos médicos cirúrgicos esofagogástricos, enquanto cirurgiã principal ou eventualmente cirurgiã ajudante, em colaboração com outros profissionais, designadamente outro cirurgião, anestesista e enfermeiro instrumentista;
5. Assegura-se da existência de condições materiais - equipamento, pessoal e instalações necessárias para um pós-operatório adequado, nomeadamente ao nível de cuidados intensivos ou enfermaria;
6. Prescreve os cuidados pós-operatórios essenciais;
7. Segue os doentes no pós-operatório, acompanhando a sua convalescença mediante visitas diárias, com outros elementos da equipa, durante o período de internamento, nas quais, entre outros, verifica e decide sobre a retirada de drenagens, introdução de alimentação, bem como, posteriormente, no âmbito da consulta externa, em função dos protolocos aplicáveis às suas situações;
8. Executa estudos digestivos funcionais, mediante a introdução de sondas nos doentes (do nariz até ao estômago) e sinalização dos elementos de avaliação relevantes em monitor de computador;
9. Participa em consultas de grupo de oncologia, conjuntamente com profissionais de diferentes especialidades médicas;
10. Participa em reuniões de serviço semanais, promovidas pelo diretor do serviço de cirurgia, intervindo, nomeadamente, na discussão de casos clínicos e de patologias diferenciadas, assim como no estabelecimento de participações em seminários.”.
No mencionado ponto VII refere-se, ainda: “O tempo médio semanal de afetação aos diferentes contextos de execução das tarefas é, sensivelmente o seguinte: Consulta externa - 2h; Bloco operatório - 12h (acrescidas de mais de quinze em quinze dias); Serviço de urgência - 12h (acrescidas de mais 12h); Visitas a doentes internados - 3h30mn; Estudos digestivos funcionais - 3h30mn/4h; restantes tarefas - tempo restante.”.
Refere-se, igualmente, no relatório que: “A análise conjugada dos elementos disponíveis, designadamente os recolhidos na entrevista realizada com a trabalhadora, os remetidos com proveniência no Centro Hospitalar ..., E.P.E. e o conhecimento das exigências do posto de trabalho, permitem-nos evidenciar:
1. Das principais exigências para o desempenho das tarefas do posto de trabalho exercido pela trabalhadora à data do acidente de trabalho, destacam-se as seguintes, por se constituírem como mais relevantes para a avaliação da incapacidade permanente para o trabalho habitual:
- Coordenação dedos-mão;
- Capacidade para manipular com exatidão objetos entre o polegar e o indicador e entre o indicador e os outros dedos;
- Firmeza dedos-mão-braço;
- Capacidade para executar movimentos de precisão com controlo e destreza digital.
2. A capacidade funcional do membro superior direito da trabalhadora parece apresentar limitações ao nível da preensão e da motricidade fina (não nos foi enviada qualquer informação clínica acerca das lesões decorrentes do acidente de trabalho e limitações associadas).
3. A trabalhadora é destra.
4. Considera-se que a confirmarem-se clinicamente as limitações funcionais que a trabalhadora aparenta e refere ao nível do membro superior direito, as mesmas não se afiguram compatíveis com as exigências de manipulação exata de objetos entre o polegar e o indicador e entre o indicador e os outros dedos, firmeza dedos- mão-braço e execução de movimentos de precisão com controlo e destreza digital, indispensáveis ao desempenho das tarefas fundamentais do posto de trabalho que ocupava e profissão que exercia à data do acidente de trabalho - médica de cirurgia geral.
5. Com efeito as limitações referidas são impeditivas do exercício da tarefa nuclear da profissão de médica de cirurgia geral - execução de intervenções cirúrgicas -, bem como de outras que têm exigências similares, nomeadamente, tarefas de intubação de pacientes, em contexto de estudos funcionais digestivos ou outros, com implicações, entre outras, na capacidade de ganho da trabalhadora.”.
Verifica-se, assim, que aquela realidade factual, agora, impugnada é referida e decorre do que se refere no relatório do IEFP.
Salienta-se, ainda, que ao contrário do que diz na conclusão XXII da sua alegação e da irrelevância da opinião conclusiva que tece, na conclusão XXIII, (diga-se, também, na XXIV que, como bem diz o Sr. Procurador, nada impugnam e obviamente como a própria recorrente, também, diz, nada mais são do que a sua opinião) o relatório elaborado pelo IEFP (entidade independente), se mostra bastante rigoroso e completo, merecendo a maior credibilidade. Constituindo, ele, um dos meios probatórios periciais produzidos, pela entidade competente a quem foi solicitado.
E, do mesmo resulta, a factualidade descrita nas alíneas N) e V) dos factos assentes, não logrando a apelante, indicar quaisquer outras provas produzidas nos autos susceptíveis de infirmar ou firmar convicção quanto àqueles, nos termos que pretende.
Nesta conformidade, por existir suporte probatório para dar como verificada aquela materialidade impugnada pela apelante, improcede a sua pretensão, mantendo-se aqueles pontos nos precisos termos que constam da decisão recorrida.
*
Pugna, ainda, a apelante que se impõe a rectificação do ponto U).
Este ponto U), tem o seguinte teor: “U) Após a alta clínica e em virtude de ter sido considerada pelos serviços de medicina do trabalho apta condicionalmente, com indicação para “não realizar tarefas que impliquem pinçamento sustentado/movimentos repetitivos com a mão direita, incluindo actividade cirúrgica”, as tarefas desempenhadas pela sinistrada consistem em:
a. Participar em reuniões de serviço e do grupo oncológico;
b. Visitar os doentes internados no Serviço de Cirurgia Geral, com intuito de emissão de parecer clínico, quando solicitado ou oportuno;
c. Realizar consultar aos doentes.”.
Sob a alegação de que “O Tribunal deu como provada, admite-se com base nas fichas de aptidão juntas aos autos e no estudo do posto do trabalho, que “Após a alta clínica e em virtude de ter sido considerada pelos serviços de medicina do trabalho apta condicionalmente com indicação para “não realizar tarefas que impliquem pinçamento sustentado/movimentos repetitivos com a mão direita, incluindo actividade cirúrgica (…)”.” prossegue, “Contudo, e tendo por referência as aludidas fichas (e não o Parecer do IEFP porque apenas as transcreve e adapta), impõe-se a rectificação desse ponto, passando a ler-se: “Após a alta clínica e em virtude de ter sido considerada pelos serviços de medicina do trabalho apta condicionalmente com indicação para “não realizar tarefas que impliquem pinçamento sustentado/movimentos repetitivos com a mão direita, nomeadamente actividade cirúrgica (…)”.” e termina, “Em conclusão, entende a Recorrente, tendo por referência a prova documental junta nos autos, e devidamente identificada, que existiu claro erro na apreciação da prova, impondo-se a alteração nos termos defendidos no presente recurso.”.
Que dizer?
Ora, quanto a este concreto ponto U), importa que comecemos por dizer que, não se entende a relevância da peticionada rectificação daquele ponto, consistente na substituição na sua redacção da palavra “incluindo” por “nomeadamente” (que no contexto em que são referidos, não passam de sinónimos como diz a recorrida), nem o explica a recorrente e, no contexto em que são usadas naquele, quer uma quer a outra palavra, visam expressar o englobamento da actividade cirúrgica, ou seja, que a mesma faz parte das tarefas que a sinistrada, considerada apta condicionalmente, tem indicação para não realizar.
Decorre da motivação, supra transcrita, que a Mª Juíza “a quo” fixou a redacção daquele tendo em conta a apreciação global e conjugada que efectuou de todos os elementos periciais, médicos e técnicos produzidos nos autos, bem como na documentação junta no processo, cremos podendo utilizar uma ou outra daquelas palavras.
Acrescendo que, a apelante pugna por aquela alteração, “tendo por referência as aludidas fichas”, referindo-se às fichas de aptidão juntas aos autos, mas como decorre da sua alegação e conclusão sem proceder à indicação e concretização de nenhuma. E, analisando aquelas, o certo é que, se numas se utiliza a palavra “incluindo”, noutras utiliza-se a palavra “nomeadamente”, como o demonstram, a título de exemplo, as fichas de 20.05.2020 e 15.09.2020 e as de 01.07.2019 e 17.12.2019.
Assim improcede, de todo, este segmento da apelação.
*
Antes de prosseguirmos, na análise da questão nuclear que se coloca nos autos, importa que se diga, também, que a alegação da apelante de que, “Certo é que, considerando as divergências apontadas nos exames periciais, e com vista a esclarecer esta questão, a Recorrente requereu a notificação do Hospital ... para, no fundo, completar a informação previamente transmitida, juntando descrição pormenorizada das tarefas e funções que a trabalhadora desempenha, tendo como pressuposto o seu grau na carreira hospitalar, grupo etário, o horário de 40 horas semanais enquanto funcionária pública, no serviço de cirurgia geral. Mais requereu a elaboração de Parecer ao Colégio de Especialidade de Medicina no Trabalho na Ordem dos Médicos. O que o Tribunal, prontamente indeferiu, mal, na nossa modesta opinião, por entender que “o processo reúne já todos os elementos que permitem a prolação de uma decisão”.”, basta atentar no requerimento de interposição de recurso, em que a mesma diz, “tendo sido notificada da sentença proferida com a referência 458574652 e não se conformando com o teor da mesma, vem, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 79.º, 80.º e 81.º do Código do Processo de Trabalho, dela interpor recurso,…”, para se ter de concluir que a mesma se mostra irrelevante no presente recurso.
Pois, aquela pronúncia do Tribunal “a quo” que ali, parece, questionar não foi proferida na sentença recorrida. E da análise dos autos, não se verifica que daquela tenha interposto a mesma qualquer recurso da decisão em causa, o que poderia ter feito (conforme al. d), do nº 2, do art. 79º-A, do CPT).
*
Assim, como diz e alega a apelante, aqui chegados, analisemos a questão essencial de: “saber se, efectivamente, a trabalhadora, em função das sequelas de que ficou a padecer, se encontra afectada de IPATH, conforme conclui o Tribunal. Ou, se pelo contrário, os elementos apurados nos autos permitem concluir de forma diversa”, como considera e defende aquela.
Comecemos por ver o que, a Mª Juíza “a quo”, na fundamentação da decisão, no que respeita a esta questão consignou, transcrevendo, em síntese, o seguinte: «(…).
Ora, quanto às sequelas que a sinistrada apresenta e à circunstância de decorrer das mesmas a sua incapacidade para exercer actividade cirúrgica, não existem divergências entre os Srs. Peritos. Todos concordam que AA está incapaz de realizar cirurgias, nem de outro modo se poderia conceber, na medida em que é notório o trémulo de que ficou a padecer no membro superior direito (vide ainda as fichas de aptidão para o trabalho de fls. 105 e v.º, 282 a 288, nos termos das quais foi considerada apta condicionalmente para o trabalho, com a indicação de não realização de actividade cirúrgica).
No que toca à IPATH, depois de reunidos todos os elementos sumariamente descritos, julgamos ser de concluir que a sinistrada dela se encontra afectada.
Com efeito, o núcleo essencial da actividade de um cirurgião – e, em concreto, daquela que a sinistrada exercia – reside na realização de actos cirúrgicos, na qual despendia mais de 50% do tempo da sua actividade profissional. Nos dois anos e meio que precederam o acidente, a sinistrada interveio, quer na qualidade de cirurgiã principal quer na de ajudante (com idênticas exigências), em 643 cirurgias, o que corresponde a mais de 20 cirurgias por mês, todas no Serviço de Cirurgia Geral, unidade de cirurgia esofagogástrica (cfr. documentos de fls. 147 a 276); é certo que a sua actividade não se restringia ao bloco operatório, em contexto de cirurgias programadas ou de urgência, pois que realizava ainda consultas aos doentes no serviço de consulta externa (cfr. informação do posto de trabalho de fls. 303). Contudo, nessa actividade complementar não residia o núcleo essencial da profissão por si levada a cabo e à qual está agora restringida – ponto U) dos factos provados (cfr. relatório de estudo do posto de trabalho de fls. 279 a 281).
Afirmar que um cirurgião que dedicava mais de 50% do seu trabalho à actividade cirúrgica não se encontra em situação de IPATH, porque pode dar formação (formação essa que necessariamente tem de revestir também natureza prática, a demandar igualmente a concretização de actos cirúrgicos ou com eles correlacionados) e realizar consultas, era o mesmo que – perdoou-se-nos o prosaísmo -, dizer que um juiz de primeira instância que não pode fazer julgamentos, mas pode despachar processos, não se encontra incapaz para o exercício da sua profissão habitual.
Para além da posição maioritária dos Srs. Peritos em sede de junta médica da especialidade de medicina do trabalho e de cirurgia geral, decorre ainda do parecer do IEFP e também do Centro de Reabilitação ... sobejamente escalpelizada tal incapacidade, à luz das tarefas desempenhadas pela sinistrada no exercício da sua actividade profissional.
Nessa medida, ponderados todos os elementos probatórios aludidos, conclui-se que a sinistrada encontra-se afectada de IPATH.».
Desta conclusão, discorda a apelante invocando, argumentando e defendendo, em síntese, o seguinte: “(…)
Para alcançar esta conclusão – afectação IPATH – considerou o Tribunal de 1.ª instância que “o núcleo essencial da actividade de um cirurgião – e, em concreto, daquela que a sinistrada exercia – reside na realização de actos cirúrgicos, na qual despendia mais de 50% do tempo da sua actividade profissional”.
Não se aceita tal conclusão por uma variada ordem de razões e que passaremos a expor. De facto,
Não existe uma definição concreta do conceito de IPATH.”.
E prossegue, “contrariamente ao que consta da sentença proferida pela 1.ª instância, a actividade da sinistrada não tem como núcleo essencial a realização de cirurgias, antes é composta por várias outras tarefas, cuja execução é possível,
E, por essa razão, o Tribunal deveria ter tido em consideração a qualificação/experiência/competência técnico-profissonal da sinistrada.
(…),
É manifesto que a sentença proferida ao considerar que a sinistrada se encontra afectada de IPATH se encontra desajustada da realidade da trabalhadora.
O Tribunal a quo podia e devia ter decidido de forma diferente, atendendo ao teor dos exames médicos realizados, designadamente avaliação do dano, da restante prova documental junta aos presentes autos, designadamente fichas de aptidão e estudo do posto de trabalho, este último enquadrado pelas tarefas descritas na Parecer do IEFP, ou seja, concluindo que a trabalhadora sinistrada em consequência do acidente de trabalho em apreço nos autos ficou afectada de uma I.P.P. de 15% e que se encontra capaz para o exercício da sua profissão habitual,”.
Mais, alegando ser sua opinião e concluindo o seguinte: “(…), para que a sinistrada estivesse afectada de uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH), teria que resultar da prova clínica e pericial que esta está incapacitada a 100% para o exercício das suas funções de médica, especialidade de Cirurgia, ou seja, que está impossibilitada, em absoluto, de exercer todas as funções ou o núcleo essencial das funções inerentes à referida categoria profissional, embora com (ainda) uma capacidade residual para exercer outra actividade laboral compatível com essa capacidade;
XXV. Porém, mostra-se provado que a sinistrada, após consolidação das lesões resultantes do participado acidente, retomou ao seu posto de trabalho, estando apta a executar, não a totalidade, mas o conjunto fundamental das tarefas inerentes à sua categoria profissional, apesar das limitações funcionais decorrente da incapacidade parcial permanente (IPP) de que ficou afectada;
XXVI. Ao contrário do entendimento plasmado na douta sentença recorrida, os pareceres formulados pelo IEFP e pelo Centro de Reabilitação ... não se mostram de maior rigor científico, nem de maior adequação aos critérios exigidos para a realização da perícia médico-legal em sede de acidente de trabalho;
XXVII. Contrariando, assim, o Meritíssimo Tribunal a quo os pareceres unânime e maioritário dos peritos médicos, que elaboraram o exame médico de avaliação de dano, de acordo com os demais elementos do processo, a saber registo das cirurgias, fichas de aptidão e estudo do posto de trabalho;
XXVIII. Numa questão altamente técnica como é o caso da apreciação das sequelas resultantes de acidente (a de saber se o sinistrado se encontra afectado de uma IPATH), o Juiz não podia deixar de dar relevo ao parecer maioritário dos Senhores Peritos médicos, aceitando-o (cfr. auto JM 15.12.2023);”.
Que dizer?
Face ao que antecede, desde logo, o que se verifica é que a apelante pretende que se proceda à interpretação (de informações e documentos juntos aos autos) e valoração elementos clínicos, nomeadamente, as juntas maioritárias das especialidades de cirurgia geral e medicina do trabalho, o parecer elaborado pelo IEFP e o relatório elaborado pelo CRPG de modo diverso daquele que foi feito pela Mª Juíza “a quo” e determinante para a conclusão, agora, impugnada, em detrimento da posição sustentada pelos peritos da seguradora, naquelas juntas de especialidade e na junta da avaliação do dano (esta também, por maioria, secundada pelo perito do Tribunal). Defendendo a apelante que, a Mª Juíza “a quo”, não podia deixar de dar relevo ao parecer maioritário dos senhores peritos médicos, aceitando-o.
Mas, terá a apelante razão?
E, analisada toda a prova documental e pericial junta, (que, para melhor compreensão, tivemos o cuidado de fazer constar do relatório supra) sempre com o devido respeito, não podemos desde já deixar de dizer que não. Desde logo, porque não concordamos com a mesma, quando defende que se impunha uma decisão diversa da recorrida, quanto a esta questão da verificação ou não de IPATH, no caso, aceitando o entendimento expresso por aqueles Srs. Peritos médicos.
Pois ao, assim, concluir, a apelante está a esquecer, (de modo que não podemos concordar) as demais opiniões de natureza médica constantes dos autos, quer dos Peritos Médicos (da sinistrada e do Tribunal) que realizaram as juntas médicas de cirurgia geral e de medicina do trabalho, quer do Perito da sinistrada que interveio na junta de avaliação do dano, quer dos Peritos Médicos, de Medicina do Trabalho e Psicologia que, através da sua observação clínica e análise do seu posto de trabalho, avaliaram a situação concreta da sinistrada no CRPG, além do parecer técnico elaborado pelo IEFP e, ainda, as informações prestadas nos autos, sobre as funções desenvolvidas pela sinistrada, pela sua empregadora.
Por sua vez, a Mª Juíza “a quo”, como decorre da fundamentação da decisão, quanto ao facto de considerar que, no caso, se verifica a decidida IPATH, convenceu-se, após a apreciação e ponderação que efectuou de todas as informações clínicas e técnicas, refutando o entendimento dos peritos da seguradora, intervenientes nas juntas de especialidade e na junta de avaliação do dano (nesta secundados pelo perito do Tribunal) como refere, porque, aqueles peritos «assentam essencialmente a sua discordância quanto à IPATH na circunstância de o trabalho de um cirurgião não se restringir à actividade cirúrgica, antes abrangendo outras tarefas, tais como, “consultas, inscrições para cirurgia e orientação na formação de médicos mais novos».
Ora, sempre com o devido respeito, não podemos deixar de concordar com esta observação, a qual é pertinente, nomeadamente, para o que a seguir vamos decidir quanto ao que se deve entender por trabalho habitual.
Efectivamente, quanto à interpretação que é efectuada no laudo, (maioritário), sobre a capacidade da sinistrada desempenhar as tarefas que desempenhava quando ocorreu o acidente, tal como o considerou a Mª Juíza “a quo”, também, não podemos deixar de concordar com o entendimento expresso, em todos aqueles outros pareceres, os quais se nos mostram melhor fundamentados, atentas as tarefas habituais da sinistrada e a situação clínica actual da mesma (desde logo, incapacidade de fazer a pinça com o 1º e 2º dedos da mão direita, pelo trémulo parético que este gesto provoca) que os peritos médicos, maioritários, que intervieram na junta médica de avaliação do dano e os peritos da seguradora que intervieram naquelas referidas juntas de especialidade, também, aceitam.
Justificando.
Verifica-se que, a recorrente não põe em causa o enquadramento das sequelas resultantes do acidente, nem o grau de incapacidade permanente parcial que foi atribuído à sinistrada pela junta médica de avaliação do dano e acolhido pelo Tribunal “a quo” na decisão recorrida, cingindo a sua discordância ao facto de ter sido atribuída IPATH àquela.
Ora, como já referido e bem documentado, nesta matéria os Srs. Peritos Médicos não partilham de posição unânime. Conforme consta dos autos, o Perito da sinistrada e também os Peritos do Tribunal que, intervieram nas juntas de especialidade e os Peritos Médicos do CRPG (Médicos de Medicina do Trabalho e Psicologia) entenderam ser de atribuir à sinistrada IPATH, defendendo que as sequelas no membro superior direito apresentadas pela mesma, consequentes ao acidente dos autos, incapacitam-na de realizar "pinça" com o 1º e 2º dedos da mão direita, pelo trémulo parético que este gesto provoca, impossibilitando os gestos finos (ex: bisturi), atos invasivos ou cirúrgicos com a necessária precisão e segurança, atividades essenciais à profissão de um médico cirurgião.
Ao invés, os Peritos Médicos da Seguradora e o Perito do Tribunal (que participou na junta médica de avaliação do dano), pronunciaram-se no sentido da sinistrada não ser portadora de incapacidade parcial permanente para o trabalho habitual, sob a argumentação de que, as cirurgias apenas preenchem parte do horário de serviço da sinistrada e na consideração de que a existência de outras tarefas dentro da especialidade de cirurgia geral, para além das cirurgias, que podem ser efectuadas pela sinistrada nomeadamente consulta, inscrições para cirurgia e orientação na formação de médicos mais novos nas diferentes atividades da especialidade, entendimento que a apelante defende para se insurgir contra a decisão recorrida, após, nos termos que constam da sua alegação ser de opinião que não deve ser acolhido o entendimento expresso por todos os outros peritos e naqueles pareceres do IEFP e do CRPG.
No entanto, como já dissemos, não concordamos que seja desse modo e, de modo algum, com base nos argumentos que invoca para desmerecer o entendimento expresso naqueles e acolhido na sentença recorrida.
Entendemos que, quaisquer dúvidas sobre, eventuais, faltas de competência dos peritos que proferiram os pareceres em causa, apontadas por não serem médicos ou, eventuais, “deficiências e limitações” dos Pareceres, nomeadamente, a apontada ao Parecer do CRPG (veja-se conclusão XX que, diga-se, refutamos de todo), deveriam ter sido atempadamente colocadas, após a notificação daquele, antes da prolação da decisão recorrida, o que manifestamente, não se verifica ter ocorrido ou, então, não foi acolhido, mostrando-se transitados os despachos que a esse respeito foram proferidos.
Aliás, diga-se, sempre com o devido respeito, que não concordamos com as considerações tecidas e opiniões expressas pela apelante (vejam-se conclusões XXI, XXII e XXIII), porque não só, todos aqueles pareceres foram emitidos pelas entidades competentes a quem foram solicitados, (entidades independentes) como, entendemos, se mostram bastante rigorosos e completos, merecendo a maior credibilidade.
Além de que, quem melhor do que os peritos Médicos de Medicina do Trabalho, para se pronunciarem quanto à avaliação efectuada, sobre a possibilidade de exercício da profissão habitual, como bem decorre do relatório do CRPG, junto aos autos, em 04.03.2021, desenvolvida tendo por base exame clínico no âmbito de Medicina do Trabalho e metodologias de Análise da Actividade e do Trabalho. E, ainda, porque ao contrário do que é a opinião da apelante (conclusão XXIV), a determinação da existência ou não de IPATH prende-se com as limitações que a sinistrada apresenta para desempenhar as tarefas que desempenhava aquando do acidente. Tarefas que, como consta daquele Parecer se encontram limitadas, “a alteração funcional da mão direita, que interfere com a capacidade de manipulação e preensão com esta mão, e limita a capacidade de motricidade fina dos dedos, assim como a força de preensão no movimento de pinça por trémulo dos dedos, alterações estas decorrentes do evento traumático em apreço, interferem com a atividade profissional da examinanda, enquanto médica com especialidade em cirurgia geral, pois limitam as suas anteriores competências relacionadas com o movimento (a utilização da mão e do braço), sobretudo para realizar movimentos finos da mão…”.
Do exposto resulta, ao invés do que é a opinião da apelante, que não só aquele parecer, como o parecer do IEFP assumem, especial, relevância para se poder concluir ou não pela IPATH, já que não só são emitidos por quem tem competência para o efeito, como se pronunciam quanto à identificação e caracterização do conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial da actividade profissional dos sinistrados e são elaborados de modo a contribuir para que o Tribunal decida se a sinistrada está ou não capaz para desempenhar o seu trabalho habitual.
E, de igual modo, o parecer do CRPG, como já referimos, foi elaborado por quem tem competência para se pronunciar sobre a capacidade para o desempenho de determinada profissão, com base em elementos que não se resumem ao declarado pela sinistrada, (contrariamente, do que diz a apelante – “limitou-se a atender unicamente às queixas da trabalhadora sinistrada”), designadamente, teve por base exame clínico no âmbito da Medicina do Trabalho e metodologias de Análise da Atividade e do Trabalho.
De modo que, no que respeita à análise de funções/tarefas do posto de trabalho da sinistrada consta daquele parecer o seguinte:
Enquanto médica com a especialidade de cirurgia geral a examinanda cumpria com as seguintes tarefas:
“a) Fazer a história clínica do doente, examiná-lo e requisitar, se necessário, exames auxiliares de diagnóstico (radiografias, análises clínicas, etc.);
b) Tomar conhecimento dos resultados dos testes e exames, correlacioná-los com os dados do exame médico;
c) Fazer o diagnóstico e/ou atuar no âmbito da articulação dos cuidados de saúde primários com os cuidados diferenciados, enviando, sempre que se justifique, o doente para o médico especialista;
d) Prescrever terapêuticas medicamentosas e outras, adequadas às diferentes doenças, afeções e lesões do organismo;
e) Ter em consideração as informações fornecidas pelo médico de medicina geral e familiar ou outro profissional de saúde;
f) Prescrever exames de diagnóstico especializados para determinar a natureza da doença;
g) Prescrever e acompanhar a reação dos pacientes a tratamentos, medicamentos e outros métodos curativos ou preventivos;
h) Registar informação sobre o doente e família próxima e trocar pontos de vista com profissionais de saúde da especialidade para o fornecimento de cuidados de saúde adequados;
i) Examinar o doente, a fim de estabelecer a indicação operatória, avaliando os riscos da intervenção, o método a empregar e estabelecendo um prognóstico tendo em conta o estado geral do doente, a sua reação ao tratamento médico e a sua história clínica;
j) Dar instruções para a preparação do doente, bem como para a preparação dos instrumentos e materiais necessários à realização da intervenção;
k) Criar ou assegurar-se da existência das condições materiais - equipamento, pessoal e instalações necessárias e suficientes para um pós-operatório adequado;
l) Proceder à intervenção cirúrgica, coordenando os restantes elementos da equipa, monitorizando os sinais vitais do paciente e atuando perante situação de perigo;
m) Prescrever os cuidados pós-operatórios essenciais e seguir o doente no pós-operatório, a fim de acompanhar a convalescença;
n) Visitar a enfermaria de internamento, acompanhando a progressão do estado de saúde dos doentes a seu cargo (na unidade esófago-gástrica);
o) Realizar pensos cirúrgicos;
p) Proceder à entubação de doentes (entubação naso-gástrica) para realização de estudos funcionais esofágicos do serviço de cirurgia;
q) Proceder à colocação de cateteres venosos centrais;
r) Proceder à colocação de drenos torácicos;
s) Recolher sangue arterial para perícia em gasometria;
t) Apoiar a mobilização de doentes;
u) Realizar serviços de urgência, consoante escalas estabelecidas pela entidade empregadora;
v) Realizar intervenções cirúrgicas de doentes registados na base de dados SIGIC – Serviço Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (conforme contratualização assumida pela entidade empregadora);
w) Participar em consultas de discussão de grupo oncológico;
x) Cumprir normas de higiene, saúde e segurança no trabalho.”.
Acrescentando, sobre a identificação das exigências funcionais requeridas, o seguinte: “O exercício da função de médica com a especialidade de cirurgia geral suscita a mobilização de diferentes competências:
• Competências de aprendizagem e aplicação de conhecimento: competências de aprendizagem, (estudo continuado), de atenção (atenção alternada, seletiva, sustentada e concentrada), memória, orientação no espaço, cálculo, resolução de problemas, discriminação de semelhanças e diferenças;
• Competências sensoriais: perceção visual, auditiva e olfativa;
• Competências relacionadas com o movimento: permanecer de pé, mobilizar doentes com pesos significativos, utilização da mão e do braço, coordenação braços e pernas, realizar movimentos finos da mão (destreza minuciosa), deslocar-se por diferentes espaços;
• Competências de comunicação: comunicar oralmente e por escrito;
• Competências interpessoais e relacionais: capacidade de regulação emocional (assertividade, tolerância, empatia), lidar com o stresse e outras exigências psicológicas, capacidade de trabalho em equipa, articulação com superiores hierárquicos, colegas, doentes e seus familiares;
• Competências organizacionais: assiduidade, pontualidade, planeamento, organização e tomada de decisão.”.
Mais, consta do mesmo parecer, sobre os impactos das limitações funcionais da sinistrada no desempenho da profissão habitual, o seguinte: “As alterações funcionais atrás identificadas, a alteração funcional da mão direita, que interfere com a capacidade de manipulação e preensão com esta mão, e limita a capacidade de motricidade fina dos dedos, assim como a força de preensão no movimento de pinça por trémulo dos dedos, alterações estas decorrentes do evento traumático em apreço, interferem com a atividade profissional da examinanda, enquanto médica com especialidade em cirurgia geral, pois limitam as suas anteriores competências relacionadas com o movimento (a utilização da mão e do braço), sobretudo para realizar movimentos finos da mão (destreza minuciosa, por exemplo: movimentos finos da mão para incisão cirúrgica, precisão de corte, dissecar, hemostase, situação agravada em cirurgia laparoscópica, dificuldade para utilizar alguns equipamentos nomeadamente máquina de sutura automática). Em suma, incapacitam-na para executar as tarefas descritas nas alíneas l), o), p), q), r), s), u), e v) do ponto anterior (Descrição das atividades que integram o conteúdo funcional da profissão habitual). Consideramos estas tarefas estruturantes para a carreira de médica com a especialidade de cirurgia geral.”.
E conclui-se em tal parecer, “que a examinanda se encontra com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.”.
Conclusão, também, expressa, nas decisões maioritárias constantes dos autos das juntas de cirurgia geral e medicina do trabalho, pelo perito da sinistrada na junta de avaliação do dano e no parecer do IEFP, proferido nos autos.
Aqui chegados, antes de mais, importa relembrar que, estando em causa pareceres técnicos e diversas perícias médicas, estes, estão sujeitos à livre apreciação pelas instâncias em conformidade com o previsto nos art.s 389º e 396º, ambos do Código Civil, assim os laudos emitidos pela junta médica, mesmo que por unanimidade, não são vinculativos para o tribunal.
Neste sentido, lê-se no sumário do (Ac. desta secção de 20-01-2020, Proc. nº 4985/17.0T8MAI.P1 in www.dgsi.pt, como já dissemos – lugar onde se encontram disponíveis os demais arestos a seguir citados, sem outra indicação), que “I - O exame por junta médica tem em vista a percepção ou apreciação relativamente a factos para os quais o Juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos. São os peritos médicos que dispõem desse conhecimento especializado, por isso cabendo-lhe emitirem ”o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”.
II - Contudo, tratando-se de um meio de prova pericial, as considerações e as conclusões do exame, mesmo quando alcançadas por unanimidade não vinculam o juiz, uma vez que estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (art.º 389.º do CC e 607.º do Cód. Proc. Civil).
III - Na prolação da decisão para fixação da incapacidade, o juiz não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais, mas poderá afastar-se do laudo médico, ainda que unânime.”.
No entanto, muito embora o juiz não esteja adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados (devendo proceder a uma apreciação que envolva a valoração conjunta do resultado das perícias médicas e os demais elementos complementares clínicos e de diagnóstico que constem dos autos tendo ainda em atenção todas as circunstâncias especificas do caso). Pois, como se diz no (Ac. do STJ de 30.03.2017, Proc. 508/04.9TTMAI.3.P1.S1), tal poderá ocorrer “(…) quando disponha de elementos que lhe permitam, com segurança, fazê-lo. O que poderá, por exemplo acontecer, se acaso tal Junta Médica não fundamentar as suas respostas ou o fizer em termos que o Julgador não possa captar as razões e o processo lógico que conduziu ao resultado fixado pelos Peritos, ou se o resultado apresentado se apresentar em contradição, ou fragilizado, por outros elementos médicos atestados e incorporados nos autos.
Será, pois, com base na apreciação circunstanciada dos elementos fácticos do processo, da sua natureza e extensão, ponderados os relatórios médicos correspondentes, onde é feita a enunciação das lesões sofridas, das sequelas e das incapacidades que daí resultam, que a valoração e o juízo sobre a incapacidade, a redução ou a modificação da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador/Sinistrado proveniente de agravamento das lesões deverá ser efectuada.”.
De salientar, também, que do referido princípio da livre apreciação da prova resulta ainda que não existe qualquer hierarquia entre as provas, podendo, como tal, o juiz atribuir maior relevância a um elemento do que a outro.
Na verdade, como se lê e refere nos (Acs. do TRE de 14.06.2018, Proc. nº 1982/15.3T8EVR.E1 e do TRL de 24.04.2024, Proc. nº 8276/19.3T8LSB.L1-4), “os laudos emitidos pelos peritos médicos que integram a junta médica não são hierarquizáveis em termos dever ser sempre seguido o maioritário, podendo acontecer que o minoritário esteja melhor fundamentado e que esteja em maior consonância com os elementos clínicos dos autos, de modo a ser valorado em detrimento dos demais.”. Entendimento que subscrevemos, ao contrário do que é o entendimento da apelante (veja-se conclusão XXVIII).
*
Prossigamos, então, com a questão nuclear a dilucidar, referindo o seguinte.
Em concreto, a atribuição de IPATH, pressupõe que do acidente de trabalho decorram para a sinistrada lesões que para além de determinarem um coeficiente de desvalorização permanente para o exercício de outra profissão, determinam também uma incapacidade permanente absoluta, isto é, total, para o exercício do que era o trabalho habitual da mesma, o que significa que há uma capacidade residual menor ou maior consoante o grau de incapacidade, para o exercício de outra actividade ou profissão compatível, mantendo-se assim a capacidade de ganho, embora, em regra mais reduzida.
A este propósito e com interesse para a resolução da questão, em análise, no (Ac. do TRL, de 07.03.2018, Proc. nº 1445/14.4T8FAR.L1-4), lê-se o seguinte: «Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, 2ª ed. a pag. 96, escreve que a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual é “uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, atividade ou profissão”.
Porém, tal não significa que só quando o sinistrado não pode executar nenhuma das tarefas que anteriormente desempenhava no seu posto de trabalho é que se está perante uma IPATH. Significa tão só que se o sinistrado deixou de poder executar todas as anteriores tarefas ou, pelo menos, o seu conjunto fundamental, a incapacidade para o trabalho habitual é considerada total.
De facto, é entendimento do STJ (Ac. do STJ de Uniformização de Jurisprudência de 28/5/2014, Proc. n.º 1051/11.5TTSTB.E1.S1 (Revista), 4ª Secção), com o qual também se concorda, que “...na linha da jurisprudência definida nesta secção os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho.” “A reconversão em relação ao posto de trabalho prevista naquela norma materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade que trabalho que do mesmo decorreram.
Pode, assim, afirmar-se que um trabalhador que foi vítima de um acidente de trabalho é reconvertido em relação ao posto de trabalho que tinha antes do acidente quando o pode retomar, apesar das limitações funcionais de que seja portador em consequência do acidente sofrido.
Quando esse regresso não seja possível, quando essa retoma não seja possível, o trabalhador não é suscetível de reconversão nesse posto de trabalho.”
Assim, não se pode falar em IPATH se o sinistrado retoma a totalidade das suas funções ou, pelo menos, o seu conjunto fundamental, embora com limitações decorrentes das lesões sofridas no acidente. Neste caso, o sinistrado, pese embora os constrangimentos e esforço acrescido continua a conseguir executar as tarefas inerentes ao seu posto de trabalho.
Se não consegue, não é reconvertível em relação ao seu posto de trabalho e, em consequência, está afetado de IPATH.»
São, pois, exemplos típicos de situações de IPATH, aquelas em que o sinistrado não é reconvertível no seu posto de trabalho, sendo que a respeito da determinação do significado da expressão “não for reconvertível para o posto de trabalho” importa considerar o (Ac. do STJ nº 10/2014 de 28/05, publicado no DR, 1ª série, de 30.06.2014), que para efeitos de aplicação do fator de bonificação 1,5 a que alude o nº 5, al. a) das Instruções Gerais da TNI, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: «A expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.»
Lendo-se na sua fundamentação o seguinte: «A reconversão em relação ao posto de trabalho prevista naquela norma materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade de trabalho que do mesmo decorreram.
Pode, assim, afirmar-se que um trabalhador que foi vítima de um acidente de trabalho é reconvertido em relação ao posto de trabalho que tinha antes do acidente quando o pode retomar, apesar das limitações funcionais de que seja portador em consequência do acidente sofrido.
Quando esse regresso não seja possível, quando essa retoma não seja possível, o trabalhador não é susceptível de reconversão nesse posto de trabalho. (…)
Adite-se que na linha da jurisprudência definida nesta secção os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho.»
Por outro lado, como referimos nos (Acórdãos que, também, relatei de 20.01.2020, Proc. nº 3404/18.9T8PNF.1, de 20.09.2021, Proc. nº5216/18.0T8MAI.P1, e desta mesma data, 13.01.2025, Proc. nº 1476/17.2T8VLG.P2, com intervenção do, agora, 2º Adjunto), «O trabalho habitual a considerar será aquele que o sinistrado levava a cabo à data do acidente e que correspondia ao executado “de forma permanente, contínua, por contraposição ao trabalho ocasional, eventual, de curta duração” – cfr. Acórdão da RE 16.04.2015, Proc. 26/14.7TTPTG.E1 (www.dgsi./pt-).
O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caracterizado pela execução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional, não se podendo deixar de concluir que o sinistrado fica afetado de IPATH se as sequelas do acidente lhe permitem, apenas, desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual de tal modo que não permitiria que alguém mantivesse, apenas com essa(s) tarefa(s) residual (ais), essa profissão/trabalho habitual.»
No mesmo entendimento, o (Acórdão desta secção de 30.05.2018, Proc. nº 2024/15.4T8AVR.P1, relatora Paula Leal de Carvalho e subscrito pelo, agora, 2º Adjunto), lendo-se no seu sumário o seguinte: “I - O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caracterizado pela execução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional, não se podendo deixar de concluir que o sinistrado fica afetado de IPATH se as sequelas do acidente lhe permitem, apenas, desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual de tal modo que não permitiria que alguém mantivesse, apenas com essa(s) tarefa(s) residual (ais), essa profissão/trabalho habitual.
II - Tratando-se embora a fixação de incapacidade de matéria sobre a qual o juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos, o laudo pericial não tem, todavia, força vinculativa obrigatória, estando sujeito à livre apreciação do julgador (arts. 389º do Cód. Civil e 489º do CPC/2013), devendo, no entanto, a eventual divergência ser devidamente fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária e sendo que o juízo a fazer quanto à questão de saber se as lesões/sequelas determinam, ou não, IPATH passa também pela apreciação do tipo de tarefas concretas que o trabalho habitual do sinistrado envolve, conjugado, se for o caso, com outros elementos probatórios e com as regras do conhecimento e experiência comuns, o que extravasa um juízo puramente técnico-científico.
III - No caso, e em síntese, tendo em conta a matéria de facto provada e decorrendo do parecer emitido pelo Centro de Reabilitação ... D… que as sequelas apresentadas pelo A. determinam IPATH por, funcionalmente, o impossibilitarem de realizar a grande maioria das tarefas compreendidas na sua atividade profissional de operador de máquinas de produção industrial, deverá ser-lhe atribuída tal incapacidade.”.
Em suma, deverá considerar-se que os sinistrados se encontram afetados de IPATH se se concluir que os mesmos, devido às sequelas decorrentes dos acidentes de trabalho sofridos, não poderão retomar o seu posto de trabalho, ou seja, o exercício do conjunto fundamental das tarefas que caracterizam o seu posto de trabalho, as tarefas nucleares que o delimitam e que lhe estavam atribuídas à data do acidente.
Trata-se, pois, de situações em que os sinistrados, ficando afetados de incapacidade permanente parcial para o exercício da generalidade das profissões, ficam, contudo, afetados de uma incapacidade permanente total de executar aquelas funções habituais.
Conclusão que, implica a apreciação de diversos aspectos, designadamente os que contendem com as concretas funções que os sinistrados habitualmente desempenhavam, que devem ser conjugadas quer com as regras da experiência comum, quer com quaisquer outros elementos probatórios, que vão além do juízo técnico-cientifico, (como bem se considerou no citado Acórdão de 30.05.2018) daí resultando o relevo que deve ser dado, nestas situações, ao estudo do posto de trabalho, o qual se destina a auxiliar os Peritos Médicos e o julgador a compreenderem a especificidade das funções dos sinistrados e as eventuais dificuldades no desempenho de tarefas, desde logo pressupondo a existência de uma incapacidade para o trabalho.
Assim, retomando o caso, ainda que a Junta Médica, por maioria, se tenha pronunciado no sentido da sinistrada não ser portadora de IPATH, o que a apelante defende deveria ter sido acolhido na sentença, mas, não tem razão. A Mª Juíza “a quo” fundamentou devidamente porque não seguiu aquele laudo maioritário e justificou porque considerou ser de atribuir IPATH à sinistrada, como decidiu. O que, sem dúvida, só podemos subscrever.
Pois, na consideração e conjugação das lesões/sequelas de que aquela é portadora, com a incapacidade para exercer cirurgia, nos termos em que o fazia, quer no bloco operatório, (actividade cirúrgica programada) como cirurgiã principal e ajudante (que naturalmente tem as mesmas exigências) quer na urgência, o que ocupava a maior parte do seu período de trabalho semanal (vejam-se factos N) e O)), só se pode concluir, como bem se concluiu na decisão recorrida que, a actividade cirúrgica, constituía, quando sofreu o acidente, o núcleo essencial da actividade da sinistrada (médica cirurgiã) que, como já dissemos, não se discute está incapacitada de realizar (veja-se facto U)). E, nessa medida, como do mesmo facto decorre, o facto de a mesma não estar incapacitada para desempenhar, as tarefas referidas naquele ponto U), que consistem em: “a. Participar em reuniões de serviço e do grupo oncológico; b. Visitar os doentes internados no Serviço de Cirurgia Geral, com intuito de emissão de parecer clínico, quando solicitado ou oportuno; c. Realizar consultar aos doentes”, estas, só podem considerar-se como actividade meramente residual ou acessória do trabalho habitual que desenvolvia, de tal modo que não permitiria que alguém mantivesse, apenas com essas tarefas residuais a profissão de médica cirurgiã que levava a cabo.
Lembrar, que não se discute que, a mesma está incapaz de realizar tarefas cirúrgicas, concretamente actividade cirúrgica programada e serviço de urgência, o que correspondia a mais de 50% do tempo da sua actividade como cirurgiã à data do acidente, dado estar apta condicionalmente, como foi considerada após a alta clínica pelos serviços de medicina do trabalho, com a indicação para “não realizar tarefas que impliquem pinçamento sustentado/movimentos repetitivos com a mão direita, incluindo actividade cirúrgica”.
Logo, não podemos deixar de concordar com a decisão recorrida, ao concluir que a sinistrada se encontra em situação de IPATH.
Na verdade, se a sinistrada não retoma, pelo menos, o núcleo fundamental das suas funções ou das suas anteriores tarefas, ainda que, com limitações, não é reconvertível em relação ao seu posto de trabalho e, em consequência impõe-se concluir que está afectada de IPATH. O facto de estar impossibilitada de realizar a grande maioria das tarefas compreendidas na sua atividade profissional de médica cirurgiã, (as descritas nas alíneas l), o), p), q), r), s), u), e v) (veja-se parecer do CRPG), dado (a alteração funcional da mão direita, que interfere com a capacidade de manipulação e preensão com esta mão, e limita a capacidade de motricidade fina dos dedos, assim como a força de preensão no movimento de pinça por trémulo dos dedos, alterações estas decorrentes do evento traumático em apreço, interferem com a atividade profissional da examinanda, enquanto médica com especialidade em cirurgia geral, pois limitam as suas anteriores competências relacionadas com o movimento (a utilização da mão e do braço), sobretudo para realizar movimentos finos da mão (destreza minuciosa, por exemplo: movimentos finos da mão para incisão cirúrgica, precisão de corte, dissecar, hemostase, situação agravada em cirurgia laparoscópica, dificuldade para utilizar alguns equipamentos nomeadamente máquina de sutura automática), as quais são consideradas estruturantes na sua profissão, com o que concordamos, é nosso entendimento que foi feita prova bastante e credível de que a sinistrada se encontra afectada de IPATH e, consequentemente, a decisão recorrida só pode manter-se.
Acresce ainda dizer que, como supra explicámos, não concordamos com as razões e fundamentos invocados pela apelante que a levaram a discordar dos pareceres do IEFP e CRPG que a conduziriam a aceitar a atribuição de IPATH à sinistrada, tal como foi a posição maioritária dos Srs. Peritos em sede de junta médica da especialidade de medicina do trabalho e de cirurgia geral e com as quais, naturalmente, não podemos deixar de concordar.
Tendo em conta as limitações funcionais de que a sinistrada é portadora, bem como as exigências concretas das tarefas que compõem o núcleo fundamental da sua atividade profissional de médica de cirurgia geral e tendo ficado demonstrado que a mesma, em consequência daquelas sequelas decorrentes do acidente de trabalho, não pode retomar as funções que exercia aquando do acidente, é correto tê-la considerado afectada de IPATH.
Em suma, sufragamos a decisão do Tribunal recorrido que considerou que a sinistrada está absolutamente incapacitada de retomar o seu trabalho habitual, já que a aptidão para a realização das tarefas que, se provaram, desempenha enquadram-se na capacidade residual da sinistrada.
Reafirma-se, assim, que a sinistrada está afetada de IPATH e, consequentemente, o recurso mostra-se improcedente.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar o recurso improcedente, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente.
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Porto, 13 de Janeiro de 2025
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Germana Ferreira Lopes
Rui Penha