Se da violação culposa das regras de segurança pelo empregador resultou um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, deve o acidente – e as suas consequências danosas - ser imputado ao empregador de harmonia com o preceituado no art.º 18.º, n.º 1 da LAT.
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Valongo – Juiz 1
Recorrente: A..., S.A.
Recorrido: AA e Companhia de Seguros B..., S.A.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
AA, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, intentou a presente ação especial de acidente de trabalho contra Companhia de Seguros B..., S.A. e A..., S.A., pedindo a condenação das rés a pagar ao autor:
«a) O capital de remição correspondente à pensão anual de 1.580,06€, devida desde o dia 1 1/1 1/2022, dia seguinte ao da alta, obrigatoriamente remível;
b) A quantia de 230,34€, a título de diferenças na indemnização por It's;
c) A quantia de 30,00€ a título de despesas de deslocação para comparência obrigatória ao INML do Porto e a este Tribunal;
d) Juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias em dívida desde os respectivos vencimentos e até integral pagamento.
Sendo que, a pensão referida em 18) deverá ser agravada, nos termos do disposto no art. 18º, nº 4, al. a), da Lei n o 98/2009, de 04/09, se se vier a provar que o acidente ocorreu devido à violação das regras de segurança por parte da Ré empregadora, sendo nesse caso a Ré Seguradora responsável pelo pagamento das prestações que seriam devidas se não houvesse aquela violação, sem prejuízo do direito de regresso, e a Ré empregadora responsável pelo pagamento do remanescente, nos termos do disposto no art. 790 nº 3, da referida Lei.»
Contestou a Ré A..., S.A. alegando, em síntese, que:
- sempre cumpriu todas as regras de segurança necessárias para o exercício da atividade, incluindo na situação do acidente.
- a máquina "balancé", apesar de ter cerca de 50 anos, estava munida dos mecanismos de proteção e segurança exigidos na altura e em condições de operar.
- existia um Manual de Instruções da máquina, que era do conhecimento do trabalhador, que também recebeu formação profissional e informação sobre os riscos associados à atividade.
- a máquina tinha 5 modos de funcionamento, sendo o mais seguro o "comando bimanual", que exigia o uso de ambas as mãos para acionar a máquina, evitando o contacto com a zona de trabalho.
- no dia do acidente, o trabalhador estava a usar o pedal em vez do "comando bimanual", contrariando as instruções de trabalho e segurança. A investigação da empresa de segurança e saúde no trabalho revelou que o pedal estava na posição frontal, indicando que não estava a ser usado o "comando bimanual".
- a causa direta do acidente foi a conduta do trabalhador ao utilizar o comando por pedal de forma incorreta e acionar a máquina no momento em que colocou a mão na zona de trabalho.
- o acidente não resultou de qualquer falta de observação das regras de segurança por parte da "A..., S.A.". A conduta do trabalhador foi o fator determinante para o acidente.
- não existe um nexo de causalidade entre qualquer inobservância das regras de segurança por parte da empresa e o acidente.
- o trabalhador tinha conhecimento do procedimento correto a adotar, dos perigos/riscos e das medidas de proteção/prevenção.
Contestou a Ré Companhia de Seguros B..., S.A. alegando, em síntese, que:
- o acidente resultou diretamente da violação das regras de segurança e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora.
- com base no inquérito da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e numa averiguação externa especializada, o acidente ocorreu nas instalações da entidade empregadora a 16/02/2022, enquanto o sinistrado operava um balancé mecânico.
- o sinistrado estava a usar o balancé para furar peças de alumínio quando se deslocou para ajudar um colega. Ao regressar ao seu posto de trabalho, o balancé realizou um movimento inesperado, esmagando-lhe o dedo indicador da mão direita.
- o balancé tinha dois modos de ativação: por botoneira bimanual (para peças pequenas) e por pedal (para peças maiores). O modo bimanual obriga o operador a usar as duas mãos fora da zona de perigo.
- aparentemente, o modo bimanual estava acionado, mas a prensa desceu mesmo sem os botões a serem pressionados.
- segundo o inspetor da ACT, no momento da visita, o modo de funcionamento selecionado era o de "impulsos".
- o equipamento não possuía ano de fabrico, número de série, marca CE, nem declaração de conformidade. Uma verificação do C... detetou irregularidades nos sistemas de comando, riscos mecânicos e elétricos, e fontes de energia.
- o comando bimanual não era síncrono e não era adequado para a utilização do balancé, existindo a possibilidade de arranque inadvertido.
- em consequência das falhas, foram emitidos dois autos de notícia pela ACT: um pela utilização de equipamento sem os requisitos de segurança e outro pela falta de formação do trabalhador.
- a entidade empregadora descartou a máquina envolvida no acidente, substituindo-a por outra mais recente.
- o sinistrado declarou nunca ter recebido formação para trabalhar com o equipamento, nem ter conhecimento da avaliação de riscos profissionais. A entidade empregadora apresentou um documento de "Formação no posto de trabalho", mas omisso em detalhes.
- a causa do acidente está relacionada com o desrespeito pelos requisitos mínimos de segurança, como falhas nos comandos de arranque e paragem do equipamento.
- a entidade empregadora não cumpriu as prescrições mínimas de segurança e saúde para a utilização de equipamentos de trabalho, violando vários artigos do DL 50/2005. Também não garantiu as condições para um trabalho seguro, violando o artigo 15.º da Lei 102/2009.
- o acidente teve como causa a falta de observância das medidas de segurança por parte da entidade empregadora.
O Ministério Público, em representação do autor, apresentou resposta alegando, em síntese, que:
- na tentativa de conciliação realizada em 09/10/2023, a Ré aceitou a existência do acidente e a sua caracterização como acidente de trabalho.
- apenas na contestação é que a Ré tenta descaracterizar o acidente, invocando o artigo 14º, nº 1, al. c) da Lei nº 98/2009, introduzindo factos nunca antes mencionados.
- de acordo com os artigos 111º e 112º do Código de Processo do Trabalho (CPT), não é possível discutir questões já acordadas em auto de conciliação, nem questões que não foram apreciadas nesse auto.
- o âmbito da questão a discutir na fase contenciosa é se o acidente resultou da violação das normas de higiene e segurança no trabalho por parte da entidade empregadora.
- o trabalhador estava a operar a máquina "balancé" com a chave do painel de comandos na posição "comando bimanual" e não com o pedal.
Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:
«A) Por todo o atrás exposto, julgo a presente ação de acidente de trabalho totalmente procedente por totalmente provada e em consequência: A) Decido que o sinistrado AA no dia 16 de Fevereiro de 2022 sofreu um acidente de trabalho, em consequência do qual sofreu uma desvalorização permanente parcial para o trabalho de 19,17%, (IPP de 19,17%).
B) Condenam-se as responsáveis “Companhia de Seguros B..., S.A.” e “A..., S.A.”, a pagar ao sinistrado, na medida das respectivas responsabilidades:
a) - o capital de remição correspondente a uma pensão anual de € €2.257,23, devida desde 11 de Novembro de 2022;
b) –€ 7.626,26, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho a que o autor esteve sujeito, desde o acidente até à data da alta, sem prejuízo do valor de € 5.108,01 que já lhe foi pago e do direito de regresso da Seguradora contra a Ré entidade patronal;
c)-€30,00, a título de despesas de deslocação para comparência obrigatória ao INML do Porto e a este Tribunal, sem prejuízo do direito de regresso da Ré Seguradora contra a Ré entidade patronal;
d) todas as quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal desde as respectivas datas de vencimento até integral e efectivo pagamento, sendo no caso da quantia de €30 a título de reembolso com as despesas efectuadas os juros contados desde a ida do sinistrado ao INML em 07-03-2023, sendo:
aa) da responsabilidade da Seguradora “Companhia de Seguros B..., S.A.”:
1-o capital de remição da pensão anual de €1.580,06, sem prejuízo do direito de regresso da ré seguradora contra a ré entidade patronal;
2- a quantia de €230,34, a título de diferenças na indemnização por it’s, sem prejuízo do direito de regresso da ré seguradora contra a ré entidade patronal relativamente a esse montante e relativamente à quantia de € 5.108,01 que a Seguradora já pagou ao Sinistrado;
3- a quantia de €30,00, a título de despesas de deslocação, sem prejuízo do direito de regresso da ré seguradora contra a ré entidade patronal;
bb) da responsabilidade da entidade empregadora “A..., S.A.”:
o capital de remição da pensão anual de €677,17, diferença entre o valor da pensão não transferida e agravada e a normal;
€ 2.287,91 respeitante à diferença entre o valor da indemnização por incapacidades temporárias e a normal, no valor de €5.338,35, incluindo o de €5.108,01 já pago.»
Inconformada, a ré A..., S.A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
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O Autor, representado pelo Ministério Público, apresentou resposta formulando as seguintes conclusões:
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A ré Companhia de Seguros B..., S.A. não apresentou resposta ao recurso.
Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo (refª 466040410).
O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, não emitiu parecer atento o preceituado no art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho (refª 18801790).
Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99 de 9 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13 de Outubro), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões, sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, são as seguintes as questões a que temos que dar resposta:
- saber se a decisão da matéria de facto deve ser alterada nos termos requeridos pela ré A..., S.A.;
- saber se a ocorrência do acidente pode ser imputada à empregadora de harmonia com o disposto no art.º 18º da LAT.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos provados
Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso:
«
1- AA nasceu em 04 de Julho de 1965 (alínea A) dos Factos Assentes).
2- Através do contrato de seguro do ramo Acidentes de Trabalho – prémio variável, titulado pela apólice n.º ... a tomadora do seguro e entidade empregadora do Autor, A..., S.A., transferiu para a Companhia de Seguros B..., S.A. a responsabilidade civil infortunística por acidentes de trabalho sofridos pelos trabalhadores que constassem das folhas de férias periodicamente remetidas à ora Ré, quando no exercício da atividade para a qual foram contratados, até ao limite estabelecido nas condições gerais e particulares da apólice, encontrando-se o citado contrato de seguro em vigor à data dos factos sub judice, (alínea B) dos Factos Assentes).
3- O Autor foi admitido em 3 de setembro de 2019, exercendo as funções de manuseamento do referido “balancé”, desde a data de admissão, (cfr. tema da prova 3).
4- O Autor desempenhava as funções correspondentes à categoria profissional de empregado (operário) fabril, (tema da prova 1).
5- O sinistrado auferia a retribuição anual ilíquida de €11.774,82 (€705,00 x 14 meses + €104,94 x 11 meses + €62,54 x 12 meses – salário base, subsídio de alimentação e prémio de produtividade, respectivamente), (alínea F) dos Factos Assentes).
6- À data do acidente, encontrava-se transferida para a Ré, relativamente ao sinistrado, o pagamento das indemnizações a que houvesse lugar, emergentes de acidente de trabalho, tendo por base a retribuição anual de €11.774,82 (€705,00 x 14 meses a título de retribuição base + €104,94 x 11 meses a título de Subsídio de Alimentação + €62,54 x 12 meses a título de prémio de produtividade), (alínea C) dos Factos Assentes).
7- No dia 16 de Fevereiro de 2022, pelas 9h45mn, em Paredes, o A. trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da sua entidade empregadora “A..., S.A.”, com sede na Rua ..., ..., Paredes, nas instalações da Ré empregadora, (alínea G) dos Factos Assentes).
8- Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o sinistrado encontrava-se a prestar trabalho para a Ré empregadora, com a categoria de outros trabalhadores polivalentes, sob as ordens, direção e fiscalização daquela, (tema da prova 2).
9- Altura em que o Autor sofreu um acidente que ocorreu nas seguintes circunstâncias:
Quando se encontrava a operar o“balancé” mecânico (máquina de quinar chapa), da marca Mecânica Exata, modelo ..., designado internamente por n.º 6, no seu posto de trabalho, a proceder à furação de peças de alumínio de pequena dimensão, dirigiu-se momentaneamente à máquina do lado, para auxiliar o seu colega BB a colocar uma ferramenta no “balancé” e, ao regressar ao seu posto de trabalho, sem que nada o fizesse prever, o “balancé” inesperadamente executou um movimento descendente, atingindo-o na mão direita, esmagando-lhe o dedo indicador da mão direita e ferindo o polegar da mesma mão, (alínea H) dos Factos Assentes).
10- Após se ter deslocado à máquina do lado para ajudar o colega BB, o Autor, quando regressou ao balancé n.º 6, ajustou a placa de alumínio com a mão direita e, nesse momento, a máquina iniciou de repente e inadvertidamente o seu funcionamento, sem que o sinistrado tivesse acionado qualquer comando, tendo resultado nas lesões já identificadas nos presentes autos, (cfr. tema da prova 38).
11- No dia do acidente, o Autor executava a furação de uma placa de alumínio com a ferramenta de corte de travessão colocada no “balancé”, tarefa esta que é habitual no âmbito das suas funções, (tema da prova 15).
12- E que, conforme é do conhecimento do Autor, exigia operar a máquina acima identificada utilizando o referido “comando bimanual”, (tema da prova 16).
13- Na altura do acidente o autor estava a trabalhar no balancé com bimanual, a estampar chapa/blindagem, (tema da prova 17).
14- No quadro a chave estava na posição correcta, bimanual, (tema da prova 18).
15- A chave nesta posição impede que seja accionada pelo pedal, (tema da prova 19).
16- No caso estava accionado o modo bimanual, pelo que, atento o facto de o sinistrado não estar a pressionar ambos os botões simultaneamente a prensa não deveria ter descido como aconteceu, (tema da prova 24).
17- A referida máquina foi fabricada há aproximadamente 50 anos, (cfr. tema da prova 4).
18- O equipamento em questão, da marca Mecânica Exacta, modelo ..., não dispunha de ano de fabrico, n.º de série, marca CE, nem declaração de conformidade, (cfr. tema da prova 5).
19- A referida máquina dispunha de um Manual de Instruções com o propósito de, nomeadamente, dar a conhecer ao operador os modos de procedimento e cuidados a ter, (tema da prova 6).
20- Conforme consta do referido Manual, o “balancé” tem os seguintes 5 modos/posições de funcionamento:
(tema da prova 8).
21- Do referido Manual resultava claro que o modo mais seguro de funcionamento da máquina era o “comando bimanual”, uma vez que exigia ao operador ocupar ambas as mãos, em simultâneo, nos comandos por forma a colocar a máquina em funcionamento, evitando, assim, o contacto dos membros superiores com a zona de trabalho, (cfr. tema da prova 9).
22- Este modo de funcionamento não permitia operar a máquina pressionando apenas um botão, sendo necessário, para a máquina iniciar, pressionar ambos os botões existentes, (tema da prova 10).
23- Para este efeito, e conforme era do conhecimento do Autor, a chave do painel de comandos devia estar na posição “comando bimanual”, (tema da prova 11).
24- O Autor sabia perfeitamente que deveria realizar a sua tarefa com o “comando bimanual” e não com o comando por pedal e que, em caso algum deveria ter acionado o funcionamento da máquina com o pedal e, em simultâneo, colocar a mão na máquina, (tema da prova 54).
25- No momento do acidente e no que o precedeu, o A. estava a operar no “balancé” com a chave do painel de comandos na posição de “comando bimanual” e não na de comando por pedal, (cfr. tema da prova 57).
26- Comando este que se encontrava devidamente identificado, tal como o comando por pedal, (tema da prova 12).
27- Colocada a chave na posição “comando bimanual”, a máquina apenas funcionava com as duas botoneiras pressionadas, não funcionando, assim, o pedal, (tema da prova 13).
28- A botoneira bimanual destina-se a operações em peças de menor dimensão, funcionando como dispositivo de proteção, por forma a obrigar que o operador da máquina mantenha as duas mãos fora do alinhamento da ferramenta (zona perigosa) durante o processo produtivo e, assim, prevenir um acidente por descoordenação motora, (tema da prova 21).
29- A ativação por pedal, destina-se, por sua vez, a operações a executar em peças de maior dimensão e que necessitem da intervenção manual do operador durante o processo produtivo, nomeadamente para amparar o excedente da peça a ser trabalhada, (tema da prova 22).
30- A funcionalidade dos dois meios de ativação é controlada no painel de comandos, através de uma chave, que quando direcionada para o local adequado, ativa a opção desejada:
- se a chave estiver virada para a opção do comando bimanual, a ferramenta de prensagem apenas se movimenta quando accionados, em simultâneo, os dois botões manuais;
- se a chave estiver virada para a opção do pedal, a ferramenta somente é acionada quando pressionado o pedal, (tema da prova 23).
31- Se a chave estiver virada no sentido do comando manual apenas funciona com as 2 botoneiras pressionadas, não funcionando com o pedal, (tema da prova 44).
32- Foi realizada verificação extraordinária a este equipamento pelo C..., onde se verificaram irregularidades no que toca aos sistemas de comando de arranque e paragem do equipamento, riscos de contacto mecânico, risco de contacto elétrico e fontes de energia, (tema da prova 26).
33- Concretamente, foram detetadas as seguintes irregularidades:
Existência de sinalizadores de indicação de modo de comando selecionado que se encontram inoperacionais;
Existência de comandos não identificados relativamente à função que desempenham;
Existência de comandos com cor não correspondente com a função (ex: comando de cor vermelha que corresponde a arranque);
A betoneira de comando de paragem de emergência não encrava na posição de atuada; Possibilidade de arranque inadvertido/intempestivo dado que:
O pedal não tem patilha de segurança;
Após a interrupção de energia, se se acionar o pedal a máquina executa golpes devido à enércia do volante;
Quando volta a energia (quando se liga o volante) se o linguete não estiver em posição, o ciclo é terminado (a prensa executa o golpe).
Acesso ao linguete e corrediça;
Acesso frontal à zona operativa.
O comando bimanual não é síncrono. Note-se que o comando bimanual não é adequado para a utilização do balancé.
A selecção de modo de operação é efetuada através de seletor de chave;
Acesso lateral e posterior; Acesso aos volantes.
Note-se que os protetores existentes não impedem de forma adequada o acesso.
Possibilidade de acesso com os dedos através da malha de protecção.
Existência de aberturas no quadro elétrico permitindo a entrada de poeiras e outras partículas;
Inexistência de dispositivo de corte geral da alimentação elétrica com possibilidade de bloqueio;
Não existe implementado o procedimento “lock-out/tag-out”;
Inexistência de toda a documentação técnica associada ao equipamento, (tema da prova 27).
34- O próprio sinistrado apontou ao Sr. Perito averiguador que a causa provável do acidente poderá ter sido “alguma falha no linguete do balancé”, (tema da prova 28).
35- Da avaliação do C... resultou ainda, de forma objetiva, que o “comando bimanual não é síncrono e não é adequado para a utilização do balancé”, bem como a existência da “possibilidade de arranque inadvertido/intempestivo dado que após a interrupção da energia, a máquina executa golpes devido à inércia do volante e quando volta a energia (quando liga o volante), se o linguete não estiver em posição, o ciclo é terminado (a prensa executa o golpe)”, (tema da prova 29).
36- O funcionamento da máquina causava uma situação concreta de perigo para quem a operasse), (tema da prova 45).
37- Em consequência das falhas verificadas, foram lavrados dois autos de notícia pela ACT, um pela utilização de equipamento de trabalho com desrespeito pelos requisitos mínimos de segurança e regras de uso dos equipamentos de trabalho, e o segundo por falta de formação do trabalhador, (tema da prova 30).
38- As falhas verificadas e a necessidade da sua correção, levou a que a Ré empregadora tivesse optado por descartar a máquina envolvida no acidente e substituiu-a por outra mais recente, (tema da prova 31).
39- O sinistrado declarou ao ACT que nunca recebeu formação para trabalhar com aquele equipamento, nem tomou conhecimento da avaliação de riscos profissionais, (tema da prova 32).
40- A Ré empregadora, instada a apresentar documento comprovativo a esse propósito, apresentou apenas documento intitulado de ”Formação no posto de trabalho – acompanhamento no posto de trabalho”, onde vem aposta a duração da formação entre 11/10 e 22/11/2019, (tema da prova 33).
41- O referido documento é omisso quanto ao conteúdo programático da formação, n.º de horas de formação e avaliação, (tema da prova 34).
42- A causa do acidente foi a falha no linguete, com o consequente arranque inadvertido, dado que, quando se liga o volante, se o linguete não estiver em posição, o ciclo é terminado/a prensa executa o golpe, (cfr. tema da prova 35 e tema da prova 62).
43- Se a Ré patronal tivesse providenciado por um equipamento de trabalho em bom funcionamento e que respeitasse as imposições de segurança mínimas, o acidente dos autos não se teria verificado, (cfr. tema da prova 36).
44- Não seria uma patilha de segurança no pedal do equipamento ou um protetor móvel na zona operativa que evitaria o acidente ocorrido, (tema da prova 48).
45- Do acidente descrito resultaram, directa e necessariamente, traumatismo de D1 e D2 da mão direita e as lesões descritas no relatório da perícia médica efectuada, em 13/06/2023, no INML do Porto, junto aos autos, (alínea J) dos Factos Assentes).
46- As quais lhe determinaram também, directa e necessariamente:
- o período de ITA (Incapacidade Temporária Absoluta) de 17/02/2022 a 20/09/2022
(216 dias)
e
- os períodos de ITP (Incapacidade Temporária Parcial) de 40% de 21/09/2022 a 10/11/2022 (51 dias), (alínea L) dos Factos Assentes).
47- Ficando o sinistrado afectado, consequente, directa e necessariamente, com uma IPP (Incapacidade Parcial Permanente) de 19,17% desde 10/11/2022, data em que lhe foi atribuída alta, (alínea M) dos Factos Assentes).
48- Na sequência do acidente, o A. foi logo assistido no Hospital ... e, posteriormente, nos serviços clínicos da Seguradora, ora 1ª Ré, (alínea I) dos Factos Assentes).
49- Após participação do acidente em apreço à Ré seguradora, o sinistrado foi seguido nos seus serviços clínicos, a fim de lhe ser diagnosticada a lesão resultante daquele, e serem prescritos os tratamentos necessários e adequados à sua total recuperação, nomeadamente com a realização de consultas de seguimento do estado clínico, realização de exames complementares de diagnóstico e tratamentos, (tema da prova 37).
50- Nos termos do artº6º da Contestação da Ré Companhia de Seguros B..., S.A.:
“Tal como resulta do Auto de Não Conciliação, a ora Contestante aceitou a transferência da responsabilidade pela remuneração anual supra referida, a existência e caracterização do acidente como sendo de trabalho, o nexo causal entre as lesões e o acidente, bem assim o resultado do exame médico legal levado a cabo pelo INML, e ainda o pagamento da diferença de €230,34 a título de indemnização pelo período de IT sofrido.”, (alínea D) dos Factos Assentes).
51- Nos termos do artº4º da Contestação da Ré “A..., S.A.”:
“Mais aceita a Ré que, como consequência do acidente, o Autor sofreu as lesões descritas no exame médico já junto aos autos.”, (alínea E) dos Factos Assentes).
52- A ré seguradora pagou ao A., a título de indemnização pelos períodos de IT’s a importância de 5.108,01€, (alínea N) dos Factos Assentes).
53- O Autor tem ainda a haver a quantia de €230,34 a título de diferenças de indemnização por IT’s, (alínea O) dos Factos Assentes).
54- Também por causa, do descrito acidente, o A. despendeu a quantia de 30,00€ em transportes, nas suas deslocações obrigatórias ao INML do Porto e a este Tribunal, para a realização de exame médico e tentativa de conciliação, respectivamente, (alínea P) dos Factos Assentes).
55- Na tentativa de conciliação realizada em 09-10-2023 neste Tribunal, iniciada a diligência, pelo sinistrado foi dito que:
O sinistrado no dia 16.02.2022, cerca das 09:45 horas, em Paredes, quando, com a categoria profissional de empregado fabril, mediante a retribuição anual global bruta de 11.774,82 € (705,00 € x 14 + 104,94 € x 11 + 62,54 € x 12 - salário base, subsídio de alimentação e prémio de produtividade, respectivamente), trabalhava, sob as ordens, direcção e fiscalização de "A..., S.A.", sofreu um acidente, ocorrido nas seguintes circunstâncias:
Quando estava a operar o "balancé", no seu posto de trabalho, dirigiu-se, momentaneamente, à máquina do lado para auxiliar um colega a colocar uma ferramenta no balancé e, ao regressar ao primeiro, o balancé executou um movimento descendente, atingindo-o na mão direita.
Como consequência, directa e necessária, deste acidente resultou-lhe traumatismo de D1 e D2 da mão direita e sofreu as lesões descritas no boletim de exame e alta da seguradora e no relatório do INML, junto a fls 79 a 81 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, as quais lhe determinaram os períodos de incapacidade temporária para o trabalho ali mencionados.
Foi-lhe atribuída alta em 10.11.2022, tendo-lhe sido fixada pelo Perito médico do INML uma IPP de 19,17% - com o que concorda.
Encontra-se pago, por parte da seguradora, da quantia de 5.108,01 €, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária de que esteve afectado, sendo que deveria ter recebido a quantia de 5.338,35 €, pelo que haverá ainda a reclamar, no que a esse particular respeita, a quantia de 230,34 €.
Não gastou qualquer quantia em honorários clínicos ou medicamentos.
Despendeu a importância de 30,00 € em transportes, para se deslocar ao INML e a este Tribunal.
À data do acidente, encontrava-se transferida para a Seguradora a retribuição de:
€705,00 x 14 meses (salário base)
€104,94 x 11 meses (subsídio de alimentação)
€62,54 x 12 meses (prémio de produtividade)
€11.774,82 Total anual
Pelo(a) representante da Seguradora foi dito que a sua representada assume a responsabilidade em função da retribuição anual transferida de:
€705,00 x 14 meses (salário base)
€104,94 x 11 meses (subsídio de alimentação)
€62,54 x 12 meses (prémio de produtividade)
€11.774,82 Total anual
Pelo(a) mandatária da empregadora foi dito que esta assume que à data do acidente o sinistrado auferia a retribuição reclamada e que a mesma estava totalmente transferida para a seguradora
PROPOSTA DE ACORDO:
Em face dos elementos constantes dos autos, tem o(a) sinistrado(a) direito a reclamar:
O capital de remição correspondente à pensão anual de 1.580,06 €, devida desde o dia 11.11.2022, dia seguinte ao da alta, obrigatoriamente remível, devida nos termos do disposto nos arts 48º, nº 3, alínea c) e 75º da Lei 98/2009 de 04 de Setembro;
A quantia de 230,34 €, a título de diferenças na indemnização por lt s;
Bem como, a quantia 30,00 €, a título de despesas de deslocação para comparência obrigatória ao INML e a este Tribunal.
Pelo representante da Seguradora foi dito que a sua representada:
Aceita a existência do evento supra descrito;
Aceita a sua caracterização como acidente de trabalho;
Aceita o nexo causal entre o mesmo e as lesões apresentadas;
Aceita a IPP de 19, 17% atribuída pelo INML;
Aceita existir a diferença assinalada no pagamento da indemnização por lts que ascende à quantia de 230,34€, de remanescente;
Aceita a data da alta fixada pelo INML;
Aceita a responsabilidade pela retribuição anual transferida de:
€705,00 x 14 meses (salário base)
€104,94 x 11 meses (subsídio de alimentação)
€62,54 x 12 meses (prémio de produtividade)
€11.774,82 Total anual
Contudo, não aceita pagar ao sinistrado qualquer prestação relacionada com o evento descrito, designadamente a título de pensão, indemnização e transportes.
Com efeito,
A Companhia de Seguros é a entidade responsável solidariamente pelo presente sinistro.
Apesar de ser a entidade responsável não se pode conciliar, pois entende que o acidente em causa resultou da violação de normas de higiene e segurança no trabalho, por parte da entidade empregadora (o que no nosso entender é o que resulta do relatório da ACT junto aos autos).
Assim, existe atuação culposa da entidade empregadora, com violação das normas de higiene e segurança no trabalho, nos termos do art.? 18° n.0 1 da Lei 98/2009 de 4 de Setembro, pelo que esta Seguradora não prescinde do direito de regresso junto da mesma, nos termos do art.79°, nº 3, do mencionado diploma.
Pela mandatária da entidade empregadora, foi dito que esta:
Aceita a existência do evento supra descrito.
Aceita a caracterização do mesmo como acidente de trabalho.
Aceita o nexo causal entre o referido acidente e as lesões descritas no auto de exame
médico consideradas pelo Perito médico do INML.
Aceita IPP de 19, 17%, atribuída pelo perito médico do INML,
Aceita data da alta e os períodos de lt' s, atribuídos pelo perito médico do
INML.
Aceita que a retribuição auferida pelo sinistrado e a considerar é a acima indicada,
transferida para a Seguradora;
Não aceita que o referido acidente tenha ficado a dever-se a violação de qualquer
regra de segurança por parte da empregadora;
Pelo que não aceita assumir qualquer responsabilidade pelo mesmo.
Seguidamente pela Digna Magistrada do Ministério Público foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Atenta a posição assumida pelas partes, dou-as por não conciliadas e este ato por findo.
Determino a remessa dos autos à secção, onde aguardarão a propositura da acção, nos termos do disposto nos arts 117°, nº 1, ai. a) e 119°, nº 1, do CPT.
Previamente, organize o pertinente P.A. (alínea Q) dos Factos Assentes). »
Factos não provados
Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como não provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso:
1. « - o Autor detenha a categoria profissional de Indiferenciado, (cfr. tema da prova 3);
2. - a referida máquina estivesse munida dos mecanismos de proteção e de segurança exigidos à data e em condições de operar, (cfr. tema da prova 4);
3. - o referido Manual fosse do integral conhecimento do Autor, nem que tenha recebido formação profissional e informação sobre o equipamento em causa, nomeadamente sobre os riscos associados à atividade, (cfr. tema da prova 7);
4. - por questões de segurança, fosse ainda exigido aos trabalhadores, nomeadamente ao Autor, quando estavam a trabalhar com o “comando bimanual”, colocar o pedal na lateral do equipamento, (cfr. tema da prova 14);
5. - o autor tenha tido formação, (cfr. tema da prova 20);
6. - o modo de funcionamento selecionado fosse o da posição n.º 5 (impulsos), (cfr. tema da prova 25);
7. - no âmbito da investigação realizada pela empresa D..., Lda., a qual assegura os serviços de Segurança e Saúde no Trabalho da Ré, a mesma tenha verificado que, no momento da ocorrência do acidente, o pedal do balancé estava colocado na parte frontal do equipamento, como colocado habitualmente quando o trabalho é efetuado por intermédio de pedal, o que não deveria ser o caso), (cfr. tema da prova 39);
8. - a chave do painel de comandos se encontrasse na posição “off”, que o acionamento do equipamento tenha ocorrido pela utilização, errada, do comando por pedal, nem que que outra forma de acionamento não fosse possível, (cfr. tema da prova 40);
9. - o Arguido não estivesse a utilizar o “comando bimanual” para a tarefa em causa, nem que estivesse incumprindo as instruções de trabalho e de segurança, (cfr. tema da prova 41);
10. - a máquina não se inicie apenas com um botão, (cfr. tema da prova 42);
11. - se houver o pressionamento sucessivo das botoneiras manuais a ferramenta não desce 2 vezes sucessivas, (cfr. tema da prova 43);
12. - tenham sido as circunstâncias do Autor não estar a trabalhar com o “comando bimanual” e ter utilizado o pedal do equipamento que acionaram o funcionamento da máquina, no momento em que este decidiu ajustar a placa de alumínio, (cfr. tema da prova 46);
13. - tenha sido a errada utilização do comando por pedal que deu início ao funcionamento da máquina, (cfr. tema da prova 47);
14. - a causa direta do acidente tenha sido a conduta do Autor, nem que o mesmo tenha utilizado erradamente o comando por pedal na execução da sua tarefa nem que tenha acionado o funcionamento da máquina no momento que colocou a mão na zona de trabalho, (cfr. tema da prova 49);
15. - a Ré assegure a organização dos serviços de segurança e saúde no trabalho, nem que garanta a avaliação de riscos profissionais, o planeamento e a implementação de medidas de SST, a formação, informação e consulta aos seus trabalhadores e a utilização de todos os equipamentos de proteção individual, (cfr. tema da prova 50);
16. - a Ré não tenha antecedentes contraordenacionais em matéria de segurança e saúde no trabalho, (cfr. tema da prova 51);
17. - nunca tenham existido outros sinistros com o equipamento em causa, (cfr. tema da prova 52);
18. - o Autor tivesse total conhecimento de qual o procedimento correto a adotar, dos perigos/riscos e das medidas de proteção/prevenção a adotar nas operações do equipamento em causa, (cfr. tema da prova 53);
19. - o Autor tivesse formação e, especificamente, tivesse perfeito conhecimento dos riscos inerentes às funções que desempenhava no momento do acidente e às medidas de prevenção necessárias a evitar tais riscos, (cfr. tema da prova 55);
20. - o acidente se tenha dado em virtude de uma ação do Autor que tenha acionado o funcionamento da máquina com o pedal no momento que colocou a mão na zona de trabalho, (cfr. tema da prova 56);
21. - o comando por pedal tenha estado sempre colocado na lateral direita do balancé, (cfr. tema da prova 57);
22. - quando reiniciou a tarefa que estava a executar, depois de ter ido ajudar o seu colega de trabalho, voltou a meter-se na cadeira, ajustou a peça na máquina (“balancé”) e tenha acionado esta, de novo, utilizando para o efeito os botões laterais, (cfr. tema da prova 58);
23. - o C... não tenha detetado qualquer irregularidade no linguete e, uma vez que no dia do acidente não houve qualquer interrupção de energia, não se poderá colocar a possibilidade de um arranque inadvertido/intempestivo, (cfr. tema da prova 59);
24. - não tenham sido as irregularidades da máquina que causaram o acidente, (cfr. tema da prova 60);
25. - o Autor tenha recebido formação para trabalhar com o equipamento em causa, nomeadamente sobre os riscos associados, (cfr. tema da prova 61).»
A ré/recorrente pretende a reapreciação dos pontos 13, 14, 16, 25, 36, 42 e 43 dos factos provados e dos pontos 3 e 9 dos factos não provados.
Antes de iniciarmos a análise crítica da prova importa tecer algumas considerações sobre os critérios de decisão.
Para Teixeira de Sousa[1],
«A finalidade da prova é a formação da convicção do tribunal sobre a realidade de um facto e a veracidade de uma afirmação de facto. Segundo o grau de convicção exigida pela lei ao tribunal, isto é, segundo a exigência respeitante à fundamentação dessa convicção -, na prova lato sensu pode distinguir-se a prova stricto sensu, a mera justificação e o princípio de prova
O grau de prova estabelece a medida da convicção que é necessária para que o tribunal possa julgar determinado facto como provado. A sua relevância apenas surge depois da apreciação da prova: só após o tribunal considerar que a parte cumpriu o ónus da prova relativamente a certo facto é que importa verificar se essa prova é suficiente para que, no processo pendente, esse órgão possa dar o facto como provado.
Esta distinção entre a apreciação da prova e a medida da prova aflora no artº 722º[1], nº2, no qual se estabelece que, enquanto o erro na apreciação da prova não constitui fundamento do recurso de revista, já o é o desrespeito pelo grau de prova exigido para a demonstração de certo facto.» - sublinhado nosso.
O professor Cavaleiro de Ferreira[2] ensina, a este propósito, que
«em processo civil o tribunal condena quando tem dúvidas para a absolvição e absolve quando tem dúvidas para a condenação e em processo penal o tribunal condena quanto tem certezas para a não absolvição e absolve quando tem dúvidas para a condenação, pelo que em processo civil as exigências de fundamentação são iguais para a condenação e para a absolvição e em processo penal as exigências de fundamentação são maiores para a condenação do que para a absolvição.»
Para o professor Lebre de Freitas[3],
«No âmbito do princípio da livre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do Julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança. Quando no espírito do julgador, em vez da convicção, se forma a dúvida sobre a realidade dos factos a provar, nomeadamente como resultado do confronto entre a prova produzida pela parte onerada com o respectivo ónus e a contraprova oposta pela parte contrária (art. 346 CC), o facto não pode ser dado como provado, em prejuízo da parte onerada ou, na dúvida sobre a determinação desta, em prejuízo da parte a quem o facto aproveitaria (art. 516).» - sublinhado nosso.
Manuel Tomé Soares[4] explica que
«Quanto ao critério da livre convicção, há que ter presente que o convencimento do julgador se deve fundar numa certeza relativa, histórico empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida. Para a formação de tal convicção não basta um mero convencimento íntimo do foro subjectivo do juiz, mas tem de ser suportada numa persuasão racional, segundo juízos de probabilidade séria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras da experiência comum e atentas as particularidades de cada caso.» - sublinhado nosso.
Ou seja, apesar de ser necessário que a decisão se funde na melhor aproximação possível à realidade empírica dos factos, é inevitável que se trate em todo o caso, e apenas, de uma aproximação. O standard de prova regra é o da probabilidade prevalecente sustentado num nível mínimo de corroboração de uma hipótese.
Naturalmente que, se aumentarmos a exigência de standard de prova é maior o risco de se dar como não provado um facto que é verdadeiro. Tal como se baixarmos os standards de prova é maior a probabilidade de se dar como provado um facto falso – cfr. Acórdão do TRL, de 17/10/2017, que teve como Relator Luís Filipe Pires de Sousa[5] e Acórdão do TRG, de 19/9/2019, que teve como Relatora Margarida Sousa[6].
É neste equilíbrio, muitas vezes difícil, que se joga a decisão do recurso da matéria de facto.
Descendo ao caso concreto, é o seguinte o teor dos pontos da matéria de facto provada objecto de recurso:
13- Na altura do acidente o autor estava a trabalhar no balancé com bimanual, a estampar chapa/blindagem, (tema da prova 17).
14- No quadro a chave estava na posição correcta, bimanual, (tema da prova 18).
16- No caso estava accionado o modo bimanual, pelo que, atento o facto de o sinistrado não estar a pressionar ambos os botões simultaneamente a prensa não deveria ter descido como aconteceu, (tema da prova 24).
25- No momento do acidente e no que o precedeu, o A. estava a operar no “balancé” com a chave do painel de comandos na posição de “comando bimanual” e não na de comando por pedal, (cfr. tema da prova 57).
36- O funcionamento da máquina causava uma situação concreta de perigo para quem a operasse), (tema da prova 45).
42- A causa do acidente foi a falha no linguete, com o consequente arranque inadvertido, dado que, quando se liga o volante, se o linguete não estiver em posição, o ciclo é terminado/a prensa executa o golpe, (cfr. tema da prova 35 e tema da prova 62).
43- Se a Ré patronal tivesse providenciado por um equipamento de trabalho em bom funcionamento e que respeitasse as imposições de segurança mínimas, o acidente dos autos não se teria verificado, (cfr. tema da prova 36).
O tribunal recorrido fundou a sua convicção no “relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho do INML de fls.79 a 81, conjugado com os documentos juntos a fls.3 a 23 v., a fls.26 a 34, a fls.41 e 42, a fls.46 v. a 54, a fls.55 a 61 v., a fls.66, a fls.67, a fls.70 a 71 v., a fls.76 a 77, a fls.88 a 140, com o auto de não conciliação de fls.149 a 154, com os documentos juntos a fls.162-A a 163 v., a fls.174 v. a 186 v., com a parte que mereceu credibilidade a este Tribunal do relatório da empresa “D..., Lda” de fls.187 a 196, com os documentos juntos a fls.204 a 205 v., com as fotografias juntas a fls.229 a 256, com o documento junto a fls.257 a 268 v., com o assento de nascimento do sinistrado junto em 18/11/2022 (Refª 90422892), com as radiografias da mão direita do sinistrado juntas com o relatório do exame radiológico á mão direita datado de 18/04/2022, junto aos autos em 24/11/2022 (Refª 8364517)”.
Considerou ainda o depoimento de parte do autor, que considerou credível, e os depoimentos das testemunhas “BB, (serralheiro, o qual trabalha para a 2ª ré há cerca de 35 anos, sendo colega de trabalho do autor há cinco anos e estando junto ao autos quando este sofreu o acidente, daí decorrendo a razão de ciência da testemunha) e CC [técnico Superior em Segurança de Máquinas no C..., há 22 anos, daí decorrendo a razão de ciência da testemunha] e com a parte que mereceu credibilidade ao Tribunal dos depoimentos das testemunhas DD [inspetor do Trabalho da A.C.T. desde março de 2018, encontrando-se na Unidade Local ... desde dezembro de 2021, tendo-se deslocado à Ré após o acidente tendo realizado o inquérito do acidente de trabalho junto aos autos, daí decorrendo a sua razão de ciência], EE [responsável da parte de acabamento da serralharia, que trabalha para a 2ª Ré há 34 anos, sendo superior hierárquico do autor, daí decorrendo a razão de ciência da testemunha] e FF [Técnica Superior de Higiene e Segurança no Trabalho há 24 anos, trabalhando para a D..., Lda., a qual presta serviços à 2ª Ré desde 2021, tendo a testemunha redigido o relatório da Sim junto aos autos, daí decorrendo a sua razão de ciência]”.
Em concreto, e começando pela matéria dos pontos 36 e 43 dos factos provados.
É o seguinte o teor dos aludidos pontos da factualidade provada:
36- O funcionamento da máquina causava uma situação concreta de perigo para quem a operasse), (tema da prova 45).
43- Se a Ré patronal tivesse providenciado por um equipamento de trabalho em bom funcionamento e que respeitasse as imposições de segurança mínimas, o acidente dos autos não se teria verificado, (cfr. tema da prova 36).
Na versão anterior à reforma de 2013 o Código de Processo Civil previa no art.º 646º, n.º 4 que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”. Conclusão que por analogia se aplicam às conclusões de facto, em particular quando têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito.
Apesar da revogação desta norma, a verdade é que, conforme ensina Abrantes Geraldes[7] “a decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento. Uma poderão e deverão ser solucionadas de imediato pela Relação, outras poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento.
(…)
Outro vicio que pode detetar-se, mas cuja identificação merece uma mais cuidada reflexão em face do atual CPC, pode traduzir-se na integração na sentença, na parte em que enuncia a matéria de facto provada (e não provada), de pura matéria de direito e que nem sequer em termos aproximados se possa qualificar como decisão de facto”.
No entanto, e conforme refere o citado autor, a circunstância de a produção de prova em audiência ter por objecto os «temas de prova» enunciados em audiência prévia em lugar dos factos rígidos da anterior base instrutória, deve levar a que se atenuem os efeitos de um excessivo rigor formal, sendo de admitir asserções que, não correspondendo a puras questões de direito sejam mais do que puras questões de facto.
Esta maior liberdade na descrição da realidade litigada justifica-se ainda pela circunstância de actualmente se integrar numa única peça processual a decisão da matéria de facto e a sua integração jurídica.
Daí que, para este autor, apenas estaremos perante um vicio da sentença quando for apresentada como matéria de facto (provada ou não provada) pura e inequívoca matéria de direito.
Também a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem entendido (pensamos que de forma unânime) que “não obstante a revogação com a mesma reforma do anterior artigo 646.º, em que se previa que no julgamento da matéria de facto ter-se-ão por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito – solução que como é entendimento doutrinário e jurisprudencial se aplica, por analogia, às respostas que constituam conclusões de facto, designadamente quando as mesmas têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem[11] –, deve continuar a entender-se, como se afirma entre outros no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2014[12], que, constituindo a possibilidade de eliminação de factos conclusivos equiparados a questões de direito uma prerrogativa dos tribunais superiores de longa tradição doutrinal e jurisprudencial, esta pode ser exercida mesmo que não esteja prevista expressamente na lei processual” – cfr. Ac. do TRP de 20/11/2017, que teve como Relator Nelson Fernandes[8]. Ainda no mesmo sentido vide Ac. do STJ de 9/9/2014, que teve como Relatora Maria Clara Sottomayor[9], do qual destacamos o seguinte: “A reforma do Código de Processo Civil de 1995 alargou os poderes da Relação no que diz respeito à alteração da matéria de facto, evolução que se acentuou com a Reforma de 2013, ficando claro que os Tribunais da Relação têm autonomia decisória e competência para formar e formular a sua convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
Contudo, a Reforma de 2013 revogou o art. 646.º, n.º 4 do CPC, invocado pelo acórdão recorrido na fundamentação da alteração ao facto n.º 42.
Ora, referindo-se o acórdão recorrido à forma como foi elaborada e respondida a base instrutória e sendo a sentença de 1.ª instância e a decisão quanto à matéria de facto de data anterior à da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, não se aplica, para determinar a validade ou invalidade do procedimento do tribunal da 1.ª instância, a nova lei processual, mas a lei vigente à data da prática do acto, portanto, a versão do Código de Processo Civil proveniente da redacção do DL n.º 303/2007, de 31 de Agosto.
Diga-se ainda que, constituindo a possibilidade de eliminação de factos conclusivos equiparados a questões de direito uma prerrogativa dos tribunais superiores de longa tradição doutrinal e jurisprudencial, esta pode ser exercida mesmo que não esteja prevista expressamente na lei processual”.
Concluímos então pela possibilidade de a Relação proceder à eliminação de factos vagos/conclusivos equiparados a questões de direito, e temperando esse poder nos exactos termos propostos por Abrantes Geraldes, ou seja, admitindo asserções que, não correspondendo a puras questões de direito sejam mais do que puras questões de facto.
Quanto ao que se deve entender por factos conclusivos, ensina Helena Cabrita[10] que “os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a ação seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta”.
Ora, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova.
Conforme se refere no Acórdão do STJ de 12/3/2014, que teve como Relator Mário Belo Morgado[11]
«Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa ou latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes».
E também no Acórdão do STJ de 28/1/2016, que teve como Relator António Leones Dantas[12] afirma-se
«Por thema decidendum deve entender-se o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado».
Regressando ao caso concreto, a referência no ponto 36) à criação, pelo funcionamento da máquina, de «uma concreta situação de perigo», é manifestamente conclusivo.
A situação de perigo deve ser extraída de factos concretos apurados.
Também a expressão «imposições de segurança mínimas» que convoca normas legais e factos concretos, encerra questões de direito complexas e é também ela conclusiva.
O aumento do risco é uma conclusão a que o tribunal poderá chegar pela análise dos factos concretos apurados.
Os dois pontos em análise encerram matéria com natureza jurídico-conclusiva, traduzindo um conceito puramente normativo cuja utilização não é neutra do ponto de vista da valoração da gravidade da conduta da ré, nem, consequentemente, quanto à solução do litígio.
Pelo que os pontos 36) e 43) dos factos provados se terão que ter por não escritos.
- o depoimento do autor, que referiu estar o balancé no comando bimanual;
- o depoimento da testemunha BB que esclareceu que o autor estava a trabalhar com a máquina em bimanual e que se apercebeu disso pelos movimentos que o autor fazia; referiu ainda que quando aconteceu o acidente foi atrás do autor até aos recursos humanos. Viu que a máquina ficou ligada depois do acidente mas, quando voltou, reparou que já se encontrava desligada, desconhecendo quem a desligou.
Quanto à testemunha BB, ouvido o seu depoimento não subsistem dúvidas quanto ao modo de funcionamento da máquina no momento do acidente.
Referiu a testemunha (a partir do minuto 7:35) que estava no bimanual «mete a chapa, carrega, aquilo vem a baixo, a máquina sobe e ele vai buscar a peça», concretizando depois (a partir do minuto 8:37) que «ele estava no bimanual porque eu estou ali à beirinha e a gente vê os movimentos».
A partir do minuto 18:30, e confrontado com o documento 3 junto pela ré empregadora, identificou a máquina onde estava o autor a trabalhar e seus componentes.
E esclareceu (a partir do minuto 22:40) que as peças que o autor estava a trabalhar eram de pequena dimensão e, nestes casos, a máquina opera em bimanual. Disse também que quando opera em bimanual o pedal fica afastado da máquina, para longe dos pés, mas referiu (a partir do minuto 23:24) que «também pode estar à beira dos pés, não faz mal nenhum».
Esclareceu (a partir do minuto 34:30) que depois de o autor o ter ido ajudar voltou à sua antes e ainda fez algumas peças antes do acidente.
Reafirmou (a partir do minuto 35:05) que via pelos movimentos do autor que a máquina estava em modo bimanual e, percebe-se da gravação, exemplificou os movimentos ao tribunal.
Disse que no dia do acidente não reparou na chave, nomeadamente para perceber se estava na posição correspondente ao modo bimanual. Até porque (a partir do minuto 46:18) quando regressou ao seu posto de trabalho depois de ter ido atrás do autor, reparou que alguém havia desligado a máquina. A máquina estava, como referiu a testemunha (a partir do minuto 46:40), em «off mesmo de vez. não dava para ver se era manual, estava desligada». E questionado de novo se, quando o autor estava a trabalhar, viu a chave na posição bimanual, respondeu «eu não preciso olhar para a chave que eu vejo os movimentos», resposta absolutamente credível quando estamos perante alguém que trabalha naquele tipo de máquinas há mais de três décadas.
As declarações desta testemunha confirmam o que foi dito em depoimento de parte pelo próprio autor.
Não ignoramos, naturalmente, as declarações da testemunha FF que referiu que a máquina estaria em OFF. Simplesmente, esta testemunha limitou-se a reproduzir o que lhe terá sido dito pelas testemunhas GG, EE e BB.
GG não foi arrolada.
BB apresentou uma versão dos factos, como vimos, diametralmente oposta.
E EE, quando questionado sobre esta matéria (a partir do minuto 11:10) revelou total desconhecimento.
Pelo que, as declarações de FF e EE não infirmam as declarações de BB.
Temos, finalmente, que considerar o inquérito de acidente de trabalho do ACT de 16/2/2022 onde consta (página 6 do relatório) que no momento da visita inspetiva, o modo de funcionamento do equipamento que originou o acidente encontrava-se na posição n.º 5 – Impulsos.
Porém, este facto em nada fragiliza as declarações da testemunha BB porquanto, entre a hora do acidente e a visita inspetiva a máquina podia ter sido alterada.
Aliás, a testemunha referiu que quando voltou ao seu posto de trabalho observou que o balancé n.º 6 estava em posição OFF.
Posição OFF que era a que estava aquando da visita efectuada pela técnica FF seis dias após o acidente.
Pelo que podemos ter por certo que após o acidente alguém mexeu nos comandos da máquina, ora colocando na posição 5 – Impulsos, ora colocando na posição OFF.
É verdade que no relatório subscrito por FF se coloca a hipótese de o acidente ter ocorrido por ter sido utilizado o comando de pedal pelo autor. E funda tal hipótese na circunstância de o pedal se encontrar na parte frontal do equipamento.
A testemunha BB confirmou que quando opera em bimanual o pedal fica afastado da máquina, para longe dos pés, mas referiu também (a partir do minuto 23:24) que «também pode estar à beira dos pés, não faz mal nenhum».
Ou seja, se é normal o pedal estar afastado dos pés quando a máquina está em modo bimanual, a verdade é que do seu posicionamento na frente da máquina não se pode concluir que o mesmo foi utilizado. A hipótese levantada no relatório feito por FF é infirmada pelas declarações de quem estava no local e afirmou não ter dúvidas de que o autor estava a trabalhar em modo bimanual.
A que acresce o facto, reafirmado por todos os inquiridos, de que, quando em modo manual, o pedal nunca funciona.
A testemunha BB, que estava a trabalhar ao lado do autor, disse não ter dúvidas de que o autor esta estava a trabalhar com a máquina em modo bimanual. Repetiu várias vezes que isso era perceptível pelos movimentos executados pelo autor e até os exemplificou em audiência, o que, aliado à sua experiência de mais de 30 anos a trabalhar com este tipo de máquinas, não pode deixar de ser suficiente para, segundo juízos de probabilidade séria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras da experiência comum e atentas as particularidades de cada caso, considerar como provada a factualidade vertida nos pontos 13, 14, 16 e 25 dos factos provados e, naturalmente, manter como não provada a factualidade do ponto 9 dos factos não provados.
É o seguinte o teor do aludido ponto da factualidade provada:
42- A causa do acidente foi a falha no linguete, com o consequente arranque inadvertido, dado que, quando se liga o volante, se o linguete não estiver em posição, o ciclo é terminado/a prensa executa o golpe, (cfr. tema da prova 35 e tema da prova 62).
Quanto a esta matéria o tribunal fundou a sua convicção nos seguintes elementos:
- no depoimento de parte do autor, constando da motivação que o autor referiu que «aquele balancé, onde ocorreu o acidente (o balancé 6), de vez em quando tinha problemas: que o linguete de vez em quando dava problemas, pois a chapa batia em falso, tendo sido chamado muitas vezes o senhor da manutenção; que o linguete roda 2 ou 3 vezes, podendo dar 1, 2 ou 3 voltas seguidas; que o balancé estava avariado há 2 ou 3 meses; que o Engº HH pôs esse balancé nº6 lá a trabalhar; que o autor já tinha tido a necessidade de alertar a Ré para a situação»;
- no depoimento da testemunha BB, constando da motivação que a testemunha referiu que «o linguete da máquina do Autor às vezes encravava e não conseguia dar a volta, ficando parado, não descia, ficando o ciclo interrompido; que nesses casos o Autor é que o desencravava, “dando-lhe uma pancadinha”»;
- no depoimento da testemunha CC, constando da motivação que a testemunha referiu que «há uma falha no linguete se depois de estar no comando bimanual a prensa desce; (…) que a ferramenta não faz parte da máquina, dependendo do tipo de peça que se está a fazer; que as mãos do operador só podem ser colocadas quando a máquina está aberta, com a prensa em cima e bloqueada e que se o linguete tiver uma falha a prensa desce».
No seu recurso alega a ré que «é clamorosa a falta de prova que permita concluir no sentido em que concluiu o Tribunal a quo».
Afirma não existir prova de que, no dia do acidente, tenha existido uma falha no funcionamento do linguete ou um arranque inadvertido/intempestivo da máquina.
Alega que a testemunha BB afirmou que o problema com o linguete e com a máquina encravar acontecia com uma máquina distinta daquela que o autor operava aquando do acidente. E questionado sobre se o balancé n.º 6 aparentava ter problemas no linguete respondeu que não.
Afirma que a testemunha EE, encarregado da serralharia, afirmou que, nos três meses em que esteve na serralharia antes do acidente, nunca lhe foi reportado qualquer problema com o linguete do balancé número 6.
E quanto à testemunha CC, alega que o mesmo referiu que nas simulações que fez na máquina não ocorreu nenhuma falha no linguete e, quando questionado se a causa provável do acidente poderia ter sido alguma falha no linguete do balancé, respondeu que não podia afirmar.
Afirma ainda que o próprio sinistrado referiu não poder afirmar ter havido uma falha no linguete limitando-se a referir que se tratava de uma possibilidade.
E, quanto a uma eventual falha de energia que pudesse espoletar um arranque inadvertido do balancé número 6, refere que as testemunhas EE e FF, questionados sobre tal matéria, responderam negativamente.
Conclui assim que o ponto 42 deve ser considerado como não provado.
Procedemos à audição dos depoimentos do autor e das testemunhas BB, CC, EE e FF.
Começando pelo autor, ouvidas as suas declarações, o mesmo referiu (a partir dos minutos 1:30 e 8.25) que o linguete, volta e meia, dava problemas. Por esse motivo concluiu que terá sido essa a causa do acidente.
Quanto à testemunha BB, começou por dizer (a partir do minuto 36) que o linguete do balancé às vezes ficava parado e que o problema se resolvia com uma pancadinha mas, quando questionado se alguma vez viu aquele problema ocorrer no balancé número 6 referiu que aquela máquina nunca viu encravar (a partir dos minutos 38 e 42).
Quanto à testemunha CC, fez uma verificação extraordinária para ver se máquina tinha requisitos de segurança para voltar a ser usada. Fizeram testes funcionais à máquina (a partir do minuto 4).
Explicou que o linguete permite travar a máquina (a partir do minuto 9).
Esclareceu (a partir do minuto 20) que a avaliação foi só para averiguar se tem os requisitos de segurança, mas não consegue avaliar o bom funcionamento da máquina. Esclareceu, no entanto, que nos testes que fez a máquina funcionou normalmente. Tinha lacunas a nível de segurança mas a nível funcional trabalhou normalmente.
Explicou que (a partir do minuto 22), estando a ser utilizada a função bimanual, o operador carrega em simultâneo nos dois botões. Se a máquina faz o processo e sem mais comandos volta a baixar isso pode ser uma falha de linguete. Porém, nas simulações que fez isso essa falha não aconteceu.
Ou seja, um problema com o linguete foi apontado como a possível razão para o acidente mas ninguém conseguiu afirmar com segurança que foi a causa. Sendo certo que após o acidente, e quando a testemunha CC procedeu à verificação extraordinária para ver se máquina tinha requisitos de segurança para voltar a ser usada, foram feitos testes funcionais e a máquina funcionou normalmente, sem qualquer problema detectado, nomeadamente no funcionamento do linguete.
Será que podemos então concluir, como fez o Tribunal a quo, que o acidente foi causado por uma falha no linguete?
Conforme tivemos oportunidade de referir supra, a decisão funda-se na melhor aproximação possível à realidade empírica dos factos, mas será sempre, e apenas, uma aproximação. O standard de prova regra é o da probabilidade prevalecente sustentado num nível mínimo de corroboração de uma hipótese.
Sabemos que aquando do acidente o balancé estava a funcionar em modo bimanual. Ou seja, o ciclo do balancé iniciava-se quando o trabalhador premia, em simultâneo, os botões existentes na lateral da máquina.
Iniciado o ciclo, o balancé desce e completa o ciclo subindo e ficando parado no topo.
Para garantir essa paragem e que o novo ciclo apenas se iniciará quando o trabalhador premir novamente os dois botões em simultâneo, existe uma peça, o linguete, que trava o balancé.
A testemunha CC, técnico superior de segurança de máquinas, que fez verificação extraordinária para ver se máquina tinha requisitos de segurança para voltar a ser usada, explicou de forma particularmente clara o modo de funcionamento da máquina, bem assim o que a máquina podia e devia ter para aumentar a segurança da sua utilização.
Disse que (a partir do minuto 9:00) o sistema de comando da máquina permite ativar o linguete e travar a máquina. A trabalhar no modo bimanual o operador deve accionar os dois botões de forma síncrona, o linguete abre e a máquina faz o movimento de descida. Depois a máquina sobe para o ponto superior onde o linguete volta a travar a máquina.
Mas esclareceu que o sistema bimanual não é o adequado para esta máquina em termos de segurança porque a máquina quando inicia o procedimento não pode parar a meio. Por isso, ao carregar no bimanual a máquina faz o procedimento completo mesmo que o operador largue os botões. Ou seja, se o trabalhador carrega nos botões e os larga, existe sempre a possibilidade de colocar a mão numa zona perigosa pois não é possível parar a máquina depois de começar o movimento.
Por esse motivo referiu que esta máquina só deve trabalhar com ferramenta fechada (protecção que impede o acesso do operador à máquina), precisamente para impedir o acesso a partes perigosas. Ou seja, referiu que a máquina deveria ter uma porta/blindagem que, quando fechada, impedia o acesso a partes perigosas. E a própria máquina só poderia ser acionada estando a porta fechada.
Reconheceu, no entanto, que algumas peças, pelos seu tamanho e formato, não podem ser executadas com ferramentas fechadas (a partir do minuto 27).
Disse que (a partir do minuto 22:50), estando em modo bimanual, se o trabalhador carrega nos dois botões, a máquina faz o processo e, sem mais comandos, volta a baixar, isso pode ser uma falha de linguete. Até porque, conforme referiu a testemunha (a partir do minuto 23:50), estando a máquina a funcionar no modo bimanual o pedal não funciona. E estando no modo pedal o comando bimanual não funciona.
A testemunha explicou (a partir do minuto 28:45) que um balancé não pára instantaneamente. Por isso, a eventual existência de sensores não seria nunca suficiente para evitar o acidente. Só uma barreira física (porta/ protetor móvel com bloqueio) que impedisse o acesso do trabalhador à ferramenta poderia evitar o acidente. E esta barreira física podia, como explicou a testemunha, ter sido aplicada numa máquina como esta porque é algo que pode ser feito à medida.
É claro que não existem sistemas 100% seguros. A testemunha referiu que, mesmo com um protetor móvel de bloqueio, se o linguete partir o balancé desce e pode ocorrer o acidente. Mas a probabilidade de isso acontecer será muito menor, até porque, como disse a testemunha, havendo um protetor móvel com bloqueio, o próprio sistema detecta qualquer avaria no funcionamento do linguete.
Regressando à causa do acidente, se a máquina estava em modo bimanual e, sem que o trabalhador tenha acionado os dois botões de forma síncrona, iniciou o ciclo de trabalho fazendo o movimento descendente, a única explicação possível (e nenhuma outra foi adiantada) é que ocorreu uma falha no linguete.
Se o linguete existe na máquina para a travar e impedir o movimento; se o trabalhador não acionou os dois botões; e se, mesmo assim, a máquina iniciou o ciclo de trabalho, a melhor aproximação possível à realidade empírica dos factos, a probabilidade prevalecente sustentada no conhecimento que temos quanto ao modo de funcionamento da máquina e ao mecanismo de segurança que a mesma possuía, é a de que foi uma falha no linguete que provocou o acidente.
Pelo que se deverá mantar na factualidade provada o ponto 42.
«- o referido Manual fosse do integral conhecimento do Autor, nem que tenha recebido formação profissional e informação sobre o equipamento em causa, nomeadamente sobre os riscos associados à atividade, (cfr. tema da prova 7);»
Quanto a esta matéria o tribunal justificou a resposta dada da seguinte forma:
«- a parte do depoimento da testemunha EE em que referiu que o autor tinha formação para trabalhar com o balancé nº6, por tal afirmação estar em contradição com a restante parte do depoimento de parte e declarações de parte credíveis e convincentes do autor AA, com o depoimento credível e convincente da testemunha BB e com a parte do depoimento da testemunha DD que mereceu credibilidade ao Tribunal, e que mereceram maior credibilidade ao tribunal que a referida afirmação da testemunha EE;».
Alega a ré recorrente que:
Ora, conforme se poderá depreender da análise da prova produzida, e apesar do documento junto aos autos intitulado de “Formação no posto de trabalho – acompanhamento no posto de trabalho” ser omisso quanto ao seu conteúdo programático, a verdade é, pois, que o Sinistrado conhecia perfeitamente o modo de funcionamento do Balancé, manuseando o mesmo desde a sua admissão na Recorrente, no dia 3 de setembro de 2019 (cfr. facto provado n.º 3).
Com efeito, e atenta a complexidade no manuseamento da referida máquina, o seu funcionamento foi-lhe diversas vezes ensinado, nomeadamente pelos seus colegas de trabalho e, em particular, pelo trabalhador BB.
Esta alegação da ré assenta num equívoco. O apoio ou explicações fornecidas por um colega de trabalho não constituem formação profissional e, muito menos, informação sobre o equipamento em causa, nomeadamente sobre os riscos associados à atividade.
Ali, e recorrendo à transcrição apresentada pela recorrente – artigo 41 -, a testemunha EE disse que o autor tinha formação sem concretizar qual, com que conteúdo e ministrada por quem e quando. E referiu também que o autor estava familiarizado com o trabalho, o que nada esclarece quanto à formação que teve.
E a testemunha BB referiu que ele e outros trabalhadores explicavam muitas vezes ao autor o trabalho. Mas, mais uma vez, estamos a falar do apoio entre colegas de trabalho e não de uma formação estruturada. Nomeadamente, nenhuma das testemunhas afirmou que alguma vez o autor teve formação sobre os riscos associados à utilização daquela máquina e sobre os procedimentos a adoptar para os eliminar ou, pelo menos, minimizar.
É verdade que o balancé 6 tinha um manual de instruções e que o mesmo era do conhecimento do autor. Isso mesmo foi referido pela testemunha BB.
Mas a existência do manual e a circunstância de a mesma ser do conhecimento do autor não significa que o mesmo tomou conhecimento do seu teor. Muito menos que de tal conhecimento se possa concluir que o autor teve formação. Aliás, uma simples consulta do manual – doc. 1 junto pela ré recorrente com a contestação – é suficiente para perceber que se trata de um documento técnico onde é utilizada uma linguagem que não é de fácil compreensão, com vários esquemas e desenhos complexos, cuja leitura por parte do trabalhador não é suficiente, impondo-se antes uma formação completa e prática sobre as características da máquina e dos seus vários componentes, o seu modo de funcionamento e os riscos associados, bem assim dos comportamentos a adoptar para eliminar/minorar tais riscos.
Pelo que quanto ao aludido ponto 3), deverá o mesmo manter-se como não provado.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Quanto a saber se a ocorrência do acidente pode ser imputada à empregadora de harmonia com o disposto no art.º 18º da LAT.
Nos termos do preceituado no art.º 15º, n.º 1 da lei n.º 102/2009 «O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho».
Concretiza o n.º 2 do mesmo preceito – no que a este caso interessa - que «O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Evitar os riscos;
c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;
e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção;
h) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho;
i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;
l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.»
Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 50/2005 de 25 de Fevereiro que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, estabelece no seu art.º 16º que «1 - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.»
Resultou provado que (ponto 9) quando se encontrava a operar o “balancé” mecânico (máquina de quinar chapa), da marca Mecânica Exata, modelo ..., designado internamente por n.º 6, no seu posto de trabalho, a proceder à furação de peças de alumínio de pequena dimensão, dirigiu-se momentaneamente à máquina do lado, para auxiliar o seu colega BB a colocar uma ferramenta no “balancé” e, ao regressar ao seu posto de trabalho, sem que nada o fizesse prever, o “balancé” inesperadamente executou um movimento descendente, atingindo-o na mão direita, esmagando-lhe o dedo indicador da mão direita e ferindo o polegar da mesma mão. Mais se provou que (ponto 10) após se ter deslocado à máquina do lado para ajudar o colega BB, o Autor, quando regressou ao balancé n.º 6, ajustou a placa de alumínio com a mão direita e, nesse momento, a máquina iniciou de repente e inadvertidamente o seu funcionamento, sem que o sinistrado tivesse acionado qualquer comando, tendo resultado nas lesões já identificadas nos presentes autos.
Resultou ainda provado que (ponto 11) no dia do acidente, o Autor executava a furação de uma placa de alumínio com a ferramenta de corte de travessão colocada no “balancé”, tarefa esta que é habitual no âmbito das suas funções; (ponto 12) conforme é do conhecimento do Autor, exigia operar a máquina acima identificada utilizando o referido “comando bimanual”; (ponto 13) na altura do acidente o autor estava a trabalhar no balancé com bimanual, a estampar chapa/blindagem; (ponto 14) no quadro a chave estava na posição correcta, bimanual; (ponto 15) a chave nesta posição impede que seja accionada pelo pedal; (ponto 16) no caso estava accionado o modo bimanual, pelo que, atento o facto de o sinistrado não estar a pressionar ambos os botões simultaneamente a prensa não deveria ter descido como aconteceu; (ponto 22) este modo de funcionamento não permitia operar a máquina pressionando apenas um botão, sendo necessário, para a máquina iniciar, pressionar ambos os botões existentes; (ponto 23) para este efeito, e conforme era do conhecimento do Autor, a chave do painel de comandos devia estar na posição “comando bimanual”; (ponto 24) o Autor sabia perfeitamente que deveria realizar a sua tarefa com o “comando bimanual” e não com o comando por pedal e que, em caso algum deveria ter acionado o funcionamento da máquina com o pedal e, em simultâneo, colocar a mão na máquina; (ponto 25) no momento do acidente e no que o precedeu, o A. estava a operar no “balancé” com a chave do painel de comandos na posição de “comando bimanual” e não na de comando por pedal; (ponto 27) colocada a chave na posição “comando bimanual”, a máquina apenas funcionava com as duas botoneiras pressionadas, não funcionando, assim, o pedal; (ponto 28) a botoneira bimanual destina-se a operações em peças de menor dimensão, funcionando como dispositivo de proteção, por forma a obrigar que o operador da máquina mantenha as duas mãos fora do alinhamento da ferramenta (zona perigosa) durante o processo produtivo e, assim, prevenir um acidente por descoordenação motora.
Da factualidade descrita resulta evidente que, na execução do trabalho, o autor actuou cumprindo todas as regras de segurança de que o equipamento dispunha. Apesar disso o acidente aconteceu.
Já sabemos (ponto 42) que a causa do acidente foi a falha no linguete, com o consequente arranque inadvertido, dado que, quando se liga o volante, se o linguete não estiver em posição, o ciclo é terminado/a prensa executa o golpe.
Mas será esta falha/avaria da máquina suficiente para responsabilizar a patronal nos termos do disposto no art.º 18º da LAT?
Dispõe o art.º 18º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009 que «quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais» - sublinhado nosso.
Parece resultar evidente do texto legal que a responsabilização da entidade patronal não decorre directa e automaticamente da circunstância de – como foi o caso – ter ocorrido uma avaria numa máquina e da mesma ter resultado um acidente.
Existe sempre um risco associado a todas as actividades. E, mesmo adoptando todas as medidas de segurança possíveis, existe sempre uma possibilidade de ocorrência de acidente provocado por uma avaria/falha da máquina.
A lei é mais exigente impondo a responsabilização da patronal se – e apenas se – for possível concluir que o acidente, qualquer que seja a causa imediata, tenha resultado da falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Ora, resultou provado que (ponto 32) foi realizada verificação extraordinária a este equipamento pelo C..., onde se verificaram irregularidades no que toca aos sistemas de comando de arranque e paragem do equipamento, riscos de contacto mecânico, risco de contacto elétrico e fontes de energia; (ponto 33) concretamente, foram detetadas as seguintes irregularidades:
Existência de sinalizadores de indicação de modo de comando selecionado que se encontram inoperacionais;
Existência de comandos não identificados relativamente à função que desempenham;
Existência de comandos com cor não correspondente com a função (ex: comando de cor vermelha que corresponde a arranque);
A betoneira de comando de paragem de emergência não encrava na posição de atuada; Possibilidade de arranque inadvertido/intempestivo dado que:
O pedal não tem patilha de segurança;
Após a interrupção de energia, se se acionar o pedal a máquina executa golpes devido à enércia do volante;
Quando volta a energia (quando se liga o volante) se o linguete não estiver em posição, o ciclo é terminado (a prensa executa o golpe).
Acesso ao linguete e corrediça;
Acesso frontal à zona operativa.
O comando bimanual não é síncrono. Note-se que o comando bimanual não é adequado para a utilização do balancé.
A selecção de modo de operação é efetuada através de seletor de chave;
Acesso lateral e posterior; Acesso aos volantes.
Note-se que os protetores existentes não impedem de forma adequada o acesso.
Possibilidade de acesso com os dedos através da malha de protecção.
Existência de aberturas no quadro elétrico permitindo a entrada de poeiras e outras partículas;
Inexistência de dispositivo de corte geral da alimentação elétrica com possibilidade de bloqueio;
Não existe implementado o procedimento “lock-out/tag-out”;
Inexistência de toda a documentação técnica associada ao equipamento.
Das várias falhas apontadas interessam em especial as seguintes:
Acesso frontal à zona operativa.
Acesso lateral e posterior; Acesso aos volantes.
Note-se que os protetores existentes não impedem de forma adequada o acesso.
Possibilidade de acesso com os dedos através da malha de protecção.
Ou seja, sendo o balancé uma máquina que pode causar acidentes (como causou) por contacto mecânico, deveria a mesma dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas.
Lembremos que o sistema de comando da máquina permite ativar o linguete e travar a máquina. A trabalhar no modo bimanual o operador deve accionar os dois botões de forma síncrona, o linguete abre e a máquina faz o movimento de descida. Depois a máquina sobe para o ponto superior onde o linguete volta a travar a máquina. No entanto, este sistema não é o adequado para esta máquina em termos de segurança porque a máquina quando inicia o procedimento não pode parar a meio. Por isso, ao carregar no bimanual a máquina faz o procedimento completo mesmo que o operador largue os botões. Ou seja, se o trabalhador carrega nos botões e os larga, existe sempre a possibilidade de colocar a mão numa zona perigosa pois não é possível parar a máquina depois de começar o movimento.
Por isso este balancé só deve trabalhar com ferramenta fechada (protecção que impede o acesso do operador à máquina), precisamente para impedir o acesso a partes perigosas. Ou seja, a máquina deveria ter uma porta/blindagem que, quando fechada, impedia o acesso a partes perigosas. E a própria máquina só poderia ser acionada estando a porta fechada.
Mas será que podemos concluir que foi a falta de um protetor móvel com bloqueio (porta) que esteve na origem do acidente?
Sabemos que se tratava de uma medida de protecção que a máquina deveria ter para impedir o acesso às zonas perigosas. Tal como sabemos que a sua existência é imposta por lei – cfr. art.º 16º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 50/2005.
Mas podemos afirmar que, se existisse na máquina um protetor móvel com bloqueio o acidente não teria ocorrido?
A resposta terá que ser negativa.
Um protetor móvel com bloqueio impede o contacto do trabalhador com as peças perigosas. E é adequado para utilização em casos como o dos autos em que o trabalhador tinha em mãos peças pequenas.
Mas, apesar de diminuir consideravelmente o risco de acidente, não o elimina. Basta, por exemplo, que estando o balancé travado, a porta aberta e o trabalhador a aceder às partes perigosas da máquina, o linguete se parta e, por via dessa falha catastrófica, a máquina, por inércia, avançar para um novo ciclo e provocar o acidente.
Então, o que podemos afirmar é que a existência, imposta por lei, de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas, reduziria em elevado grau o risco de acidente.
Mas será esta falta de observância de regras de segurança, nos exactos termos expostos, suficiente para responsabilizar a patronal nos termos do disposto no art.º 18º da LAT?
Esta pergunta remete-nos para a questão da causalidade.
Dispõe o art.º 563º do Código Civil que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
No Acórdão do STJ de 3/11/2023[13], que teve como Relator Mário Belo Morgado, é referido que
«Entre nós, rege o art. 563º, do Código Civil, que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, norma que, de acordo com o entendimento tradicional da jurisprudência e da doutrina8, consagra a formulação negativa da teoria da causalidade, a qual exigiria a verificação de dois requisitos: i) que o facto tenha sido, no caso concreto, condição sine qua non do dano (sendo que, naturalisticamente, uma conduta é causa do dano sempre que se conclua que este não se teria verificado sem aquela), sendo que, segundo Antunes Varela, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”9; ii) que, em abstrato, o facto seja idóneo a produzir o tipo de dano ocorrido ou, mais exatamente, que se conclua que provavelmente o lesado não teria sofrido os danos se o facto não tivesse tido lugar (ou, por outras palavras, que o facto não tenha sido indiferente à produção do dano, não tendo este sobrevindo devido à ocorrência de um evento anormal, extraordinário), devendo este juízo de prognose póstuma basear-se naquilo que um observador experiente teria conhecido no momento da prática do facto e ainda naquilo de que o lesante, à data, efetivamente conhecia10.
Contra esta visão bipartida (e estanque) se insurgem os autores mais atuais, advertindo Mafalda Miranda Barbosa, em linha com Carlo Gómez Ligüerre, quanto à existência de “uma cisão entre um problema estrito de causalidade e um problema de imputação objetiva do resultado ao causante, ou, numa outra perspetiva, um duplo grau de sindicância, que não permitiria verdadeiramente que, por via da adequação, se obviassem os problemas a que o jurista se condena com a condicionalidade”, logo acrescentando: “No fundo, confrontamo-nos com uma alternativa. Ou a causalidade adequada vem complementar a doutrina da conditio sine qua non, e o jurista continua preso aos problemas já referidos anteriormente; ou a causalidade adequada vem, para além de um segmento imputacional, corrigir a indagação condicional, pela introdução da nota probabilística, com o que se mostra a verdadeira intencionalidade que subjaz ao critério da adequação».
A introdução da referida “nota probabilística” tem encontrado eco na doutrina, em particular nas teorias do escopo da norma violada (ou do escopo de proteção da norma), do bem jurídico tutelado e das esferas de risco, estruturadas na base de um nexo de imputação (entre conduta e resultado) que se reconduz a juízos estritamente normativos.
Tarefa nem sempre fácil porquanto, como se refere no Acórdão do STJ n.º 6/2024[14],
«Reconhecendo a generalidade da doutrina mais moderna que pode haver causalidade naturalística sem que exista imputação, tal como esta pode existir independentemente daquela, a dificuldade está em harmonizar a tensão que neste âmbito se evidencia entre dois polos: i) por um lado, libertar a obrigação de indemnizar de um critério naturalístico de causalidade; ii) por outro, a impossibilidade de o “ordenamento jurídico agir como se pudesse construir um mundo paralelo, desconectado da realidade da vida”».
Aquele Acórdão acabou por, num exercício de equilíbrio entre os interesses conflituantes, uniformizar jurisprudência no sentido de que para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador, ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1 da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.
Apesar de não possuir força vinculativa, o Acórdão Uniformizador constitui jurisprudência de valor reforçado devendo ser acatada em homenagem aos valores da certeza e segurança que a uniformização acaba por imprimir.
Seguindo a apontada jurisprudência, e considerando, como vimos, que:
- o balancé devia (e podia) dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas;
- o balancé não dispunha, como devia, de um protetor móvel com bloqueio era possível;
- a falta do protetor móvel com bloqueio aumentou a probabilidade de ocorrência de acidente, desde logo porque estando o autor a trabalhar com peças pequenas, era possível a utilização do protetor móvel de bloqueio; e
- apesar de não se ter provado que o acidente NÃO teria ocorrido se aquela proteção existisse;
Somos levados a concluir que a violação culposa das regras de segurança pelo empregador se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, e, por isso, deve o acidente – e as suas consequências danosas - ser imputado ao empregador de harmonia com o preceituado no art.º 18.º, n.º 1 da LAT.
Pelo exposto, por unanimidade, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
- negar provimento ao recurso interposto pela ré e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao RCP (cfr. art.º 7º, nº 2 do RCP).
Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP).
Notifique e registe.
(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)
Porto, 13 de janeiro de 2025
António Costa Gomes
Rui Penha
António Luís Carvalhão
_____________
[1] Corresponde actualmente ao art.º 674º, n.º 2 do CPC.
[1] Sousa, Teixeira de - As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, Lisboa, 1995, pp. 200-204
[2] Ferreira, Cavaleiro de – A livre apreciação da prova em processo civil, Scientia Ivridica, Tomo XXXIII, 1984, Livraria Cruz, pág.
[3] Freitas, Lebre de – Introdução ao processo civil, Coimbra editora, 1996, pp. 160 e 161
[4] Gomes, Manuel Tomé Soares – Revista do CEJ, III-IV, 2005, pp.
[5] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRL:2017:585.13.1TCFUN.A.L1.7.12
[6] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRG:2019:3018.18.3T8BRG.G1.85
[7] Geraldes, António Santos Abrantes – Recursos em Processo Civil. 7ª ed. Almedina, 2022, pp. 354.
[8] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2017:1671.16.1T8MTS.P1.BC
[9] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2014:5146.10.4TBCSC.L1.S1.92
[10] Cabrita, Helena - A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106.
[11] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2014:590.12.5TTLRA.C1.S1.11
[12] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2016:1715.12.6TTPRT.P1.S1.14
[13] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2023:151.21.8T8OAZ.P1.S1.F8
[14] Diário da República n.º 92/2024, Série I de 2024-05-13