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ACIDENTE DE TRABALHO
VALORAÇÃO DA PROVA PERICIAL
IPATH
Sumário
I - A fase contenciosa do processo de acidente de trabalho destina-se, apenas, à discussão dos factos sobre os quais não tenha havido acordo, expresso, das partes na fase conciliatória. II - Se o sinistrado, apenas, discordar do grau de IPP que lhe foi fixado no exame médico do INML e a seguradora aceitar conciliar-se, facto que ficou, expressamente, consignado no auto de “não conciliação”, nos termos do art. 112º, nº 1, do CPT, tendo o processo seguido para a fase contenciosa por falta de acordo, quanto à verificação, apenas, do grau de IPP que o sinistrado defende padecer, contendo os autos todos os elementos documentais e periciais necessários à determinação e fixação da natureza e grau de incapacidade daquela, nada impede que o Tribunal da Relação altere a decisão recorrida, no que toca ao grau de IPP, pois contém todos os elementos de facto necessários à decisão da questão da determinação e fixação da incapacidade do sinistrado. III - A perícia médica constitui um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, do que resulta que o juiz não está vinculado ao resultado da perícia singular ou da perícia colegial, sendo que na fixação da incapacidade deverá ponderar e valorar, segundo o seu prudente juízo, todos os elementos constantes dos autos que permitam determinar a incapacidade de que é portador o sinistrado. IV - Existindo perícias médico-legais com resultados contraditórios, nada obsta a que o tribunal adira àquela que dê maiores garantias científicas, ainda que seja o laudo minoritário se o mesmo se mostrar devidamente fundamentado para suportar a formação da convicção do julgador quanto à fixação da natureza e grau de incapacidade do sinistrado. V - O exame por junta médica tem em vista a percepção ou apreciação pelo Juiz de factos em relação aos quais o mesmo não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos, sendo os peritos médicos quem dispõem desse conhecimento especializado, cabendo-lhes a eles emitirem ”o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”, reflectido na formulação de conclusões fundamentadas em cumprimento do disposto no nº 8, das Instruções Gerais, do Anexo I, da TNI. VI - As conclusões do laudo pericial, mesmo que unânimes, não vinculam o Juiz, dado estarem sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (cfr. art.s 389º do CC e 607º do CPC). VII - Na prolação da decisão para fixação da incapacidade, o juiz não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais, mas poderá afastar-se do laudo médico, ainda que unânime. VIII - Os laudos emitidos pelos peritos médicos que integram a junta médica não são hierarquizáveis em termos dever ser sempre seguido o maioritário, podendo acontecer que o minoritário esteja melhor fundamentado e que esteja em maior consonância com os elementos clínicos dos autos, de modo a ser valorado em detrimento dos demais. IX - O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caracterizado pela execução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional, não se podendo deixar de concluir que o sinistrado fica afetado de IPATH se as sequelas do acidente lhe permitem, apenas, desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual de tal modo que não permitiria que alguém mantivesse, apenas com essas tarefas residuais, essa profissão/trabalho habitual. X - Tratando-se embora a fixação de incapacidade de matéria sobre a qual o juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos, o laudo pericial não tem, todavia, força vinculativa obrigatória, estando sujeito à livre apreciação do julgador, pese embora, uma eventual divergência dever ser fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária. XI - O juízo a fazer quanto à questão de saber se as lesões/sequelas determinam, ou não, IPATH passa também pela apreciação do tipo de tarefas concretas que o trabalho habitual do sinistrado envolve, conjugado, se for o caso, com outros elementos probatórios e com as regras do conhecimento e experiência comuns, o que extravasa um juízo puramente técnico-científico. XII - Decorrendo do parecer emitido pelo Centro de Reabilitação ... que as sequelas apresentadas pelo A. determinam IPATH por, funcionalmente, o impossibilitarem de realizar a grande maioria das tarefas compreendidas na sua atividade profissional de técnico de telecomunicações, o que é reiterado tanto por outras perícias médicas como no Parecer do IEFP, deverá ser-lhe atribuída tal incapacidade.
(Da responsabilidade da Relatora ( nos termos do disposto no art. 663º, nº 7, do CPC))
Texto Integral
Proc. nº 1476/17.2T8VLG.P2
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Valongo - Juiz 1
Recorrente: AA
Recorrida: A..., S.A.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
Nestes autos de acção emergente de acidente de trabalho, em que são partes o sinistrado, AA, residente na Rua ..., ... ... e a entidade responsável, “B..., S.A.”, com sede na Avenida ..., ..., ... ..., em 07.08.2017, foi participado acidente sofrido pelo sinistrado, em 05.01.2017, em França, quando trabalhava como “Técnico de Telecomunicações” para “C..., SA., com sede na Rua ..., ... ... ..., em 06.12.2017, na fase conciliatória do processo, foi realizado exame médico ao sinistrado, pelo INML do Porto, que terminou com as seguintes Conclusões:
(…)
E, de imediato, proferiu sentença que terminou com a seguinte:
«DECISÃO Pelo exposto, aplicando os citados normativos à matéria de facto apurada, nos termos do disposto no art.140º, nº1, do C.P.T., observando-se o disposto no nº3 do artigo 73º do mesmo Código, julgo a ação procedente e em consequência: A) Decido que o sinistrado AA, no dia 05 de Janeiro de 2017 sofreu um acidente de trabalho, em consequência do qual sofreu uma desvalorização permanente parcial para o trabalho de 7,00 % (IPP de 7,00 %). B) Condeno a responsável “B..., S.A.”, a pagar ao sinistrado o capital de remição correspondente à pensão anual de €1.161,30, devida desde 01/08/2017, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a referida data de vencimento até integral e efectivo pagamento. C) Condeno a responsável “B..., S.A.” a pagar ao sinistrado a quantia de €15,00, a título de despesas com deslocações a Tribunal e ao INML do Porto, acrescida de juros de mora á taxa legal desde 06/12/2017 até integral e efectivo pagamento.
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Valor da causa: €18.073,22 (artigo 120º do Código do Processo do Trabalho).
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Custas pela entidade responsável -artigo 527º do CPC ex vi do artº1º, nº2, al.a) do CPT e artigo 17º, nº8, do RCP.
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Fixo os honorários dos senhores peritos que integraram as juntas das especialidades de ortopedia e de dermatologia em 2 UC’s para cada um dos senhores peritos relativamente a cada uma das juntas realizadas. Notifique e D.N.
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Registe e Notifique.».
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Inconformado o sinistrado veio apresentar recurso, nos termos das alegações juntas, que finalizou com as seguintes “CONCLUSÕES:
(…) TERMOS EM QUE, deve revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue totalmente procedente, por provada, ambas as pretensões (ao nível da modificação da matéria de facto e da aplicação do direito) aqui manifestadas pelo sinistrado/Apelante, maxime o reconhecimento de que este ficou a padecer de IPATH, deste modo se fazendo a habitual e costumada JUSTIÇA!”.
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Foram apresentadas contra-alegações pela seguradora que terminou com as seguintes “Conclusões:
(…)
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Após, foi admitido o recurso interposto, como apelação, a subir nos próprios autos, de imediato e com efeito meramente devolutivo e ordenada a sua subida a esta Relação do Porto.
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O Ex.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos termos do art. 87º nº3, do CPT, pronunciando-se no sentido de o recurso ser rejeitado e de não obter provimento e mantida a decisão recorrida,
(…)
Notificadas deste, as partes nada disseram.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar e decidir consistem em analisar e conhecer:
- da impugnação da decisão de facto;
- se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra, (por errada interpretação e aplicação do direito), que reconheça que o sinistrado ficou a padecer de IPATH, como o mesmo defende.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
- Os factos a considerar são os que decorrem do relatório que antecede, devidamente documentados nos autos e, ainda, os que a 1ª instância, considerou que resultaram provados, fixando os seguintes:
“1-O sinistrado nasceu em ../../1977.
2-No dia 05 de Janeiro de 2017, cerca das 16:00 horas, em ... (França), o sinistrado sofreu um acidente de trabalho quando trabalhava como técnico de telecomunicações, sob as ordens, direcção e fiscalização da entidade patronal “C..., S.A.”, com sede na Rua ..., ..., ..., ... ....
3-O acidente ocorreu quando se encontrava deslocado numa obra a cargo da sua entidade patronal, ao deslocar-se no local da obra a fim de efetuar uma ligação da fibra chocou contra uma barra de ferro tendo-se magoado na perna esquerda, do que lhe resultou a rotura do aquiles que foi tratada cirurgicamente.
4-O sinistrado auferia o salário anual de 600,00€ x 14 meses + 1.275,00€ x 12 meses, (total anual de € 23.700,00).
5-A responsabilidade infortunística-laboral encontrava-se integralmente transferida para a seguradora “A..., S.A.” (actualmente “B..., S.A.”) mediante contrato de seguro titulado pela apólice dos autos, quanto ao aqui sinistrado.
6- O sinistrado teve alta em 31 de julho de 2017.
7- Foram-lhe pagas todas as indemnizações e demais despesas acessórias que lhe eram devidas até à data da alta.
8-O sinistrado despendeu a quantia de 15,00€ de despesas de deslocações obrigatórias para comparecer no INML do Porto e neste Tribunal.”.
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Previamente, a entrarmos na apreciação das questões supra identificadas como objecto do presente recurso, importa, ao abrigo do disposto pelo art. 662º, nº 1 do CPC, oficiosamente, introduzir um outro ponto no elenco dos factos provados, concretizando o conjunto de tarefas que constituíam o núcleo essencial da atividade profissional de técnico de telecomunicações do sinistrado, já que tal materialidade é relevante, para apuramento da questão da capacidade de ganho daquele, em apreciação nos autos.
E fazendo-o, diremos que, da documentação junta aos autos e considerada relevante pelo Tribunal “a quo” na fundamentação da decisão da matéria de facto, máxime o relatório do IEFP, o parecer do CRPG e ainda a informação das tarefas essenciais comunicada a este processo pela empresa entidade empregadora do sinistrado (todos como consta do relatório supra), resulta o seguinte:
“9- O conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial da atividade profissional de técnico de telecomunicações do sinistrado, a que alude o ponto 2, são:
a) Estudar material técnico (esquemas e esboços) para determinar o método do trabalho a adotar e cumprimento dos requisitos técnicos;
b) Recolher em armazém o material necessário para um dia de trabalho;
c) Fornecer assistência técnica relacionada com pesquisa e desenvolvimento de equipamento de telecomunicações ou testa protópitos;
d) Preparar estimativas da quantidade e custo dos materiais e mão de obra necessários ao fabrico e instalação de equipamentos de telecomunicações;
e) Executar a utilização, instalação, manutenção e reparação de sistemas de telecomunicações para assegurar o funcionamento e cumprimento das especificações e normas;
f) Identificar e resolver problemas surgidos no decurso dos trabalhos: avalia, apoiando o chefe de equipa, as condições de segurança da obra para o desenvolvimento dos trabalhos e para salvaguarda da integridade física de todos os intervenientes que constituem a equipa de projecto; procede a reparação de avarias, substituindo os cabos junto de postes, antenas ou edifícios e de equipamentos com aparelho de testes de sinal;
g) Desenvolver trabalho em torres de telecomunicações das várias redes de telemóvel (com altura de cerca de 25 metros) ou edifícios, nomeadamente passagens de cabos de telecomunicação (RF, FO ou energia), liga cabos de telecomunicação à caixa de antena ou de telefone e instalação e substituição de antenas, montagem de equipamentos e ligação entre os mesmos; repara fibra óptica “com sinal ás torres”;
h) Proceder à montagem, finalização e substituição de antenas de telecomunicação, seguindo esquemas técnicos e utilizando maquinaria específica;
i) Proceder à electrificação de salas técnicas e colocação de mastros e estruturas para a fixação de antenas de forma a contribuir para a consecução das actividades em conformidade com os prazos e parâmetros de qualidade pré-definidos; procede ao carregamento e descarregamento de caixas com peças de antenas, com pesos entre os 20 e os 60 quilos; retira cabos entre antenas, conforme as directivas de cada operador de telecomunicações;
j) Montar, instalar, afinar, reparar cabos em condutas e postes aéreos e proceder à manutenção dos componentes elétricos e mecânicos e circuitos, equipamentos de televisão/internet/telefone em habitações, aparelhos e sistemas, em antenas de comunicação;
k) Verificar montagem e instalação para detetar avarias, utilizando aparelhos de ensaio e medida, podendo usar aparelhos de teste “PDA” e computador portátil;
l) Proceder à limpeza das antenas para finalização do trabalho;
m) Cumprir normas de higiene, saúde e segurança no trabalho.”.
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B) O DIREITO
Vem o recurso interposto da decisão recorrida, pretendendo o A. a sua revogação e, consequentemente, que seja substituída por outra que fixe, tendo em conta a Maioria das opiniões médicas (na especialidade de ortopedia e outras) secundadas pelos demais pareceres técnicos que, alega, afirmaram convergentemente que as sequelas resultantes do acidente são incompatíveis com as funções que o sinistrado desempenhava à data do acidente enquanto Técnico de Telecomunicações, uma Incapacidade Permanente e Absoluta para o Trabalho Habitual, argumentando e concluindo, em síntese, que ao não ter qualificado desse modo a sua incapacidade o Mº Juiz “a quo” conformou uma errada interpretação, subsunção e aplicação do direito aos factos.
Verifica-se, assim, que o recorrente discorda da decisão recorrida, por considerar que devia o Mº Juiz “a quo” ter optado, quanto à fixação de IPATH ao sinistrado, pelo resultado daqueles elementos que indica (opiniões médicas e pareceres técnicos), em vez da “absoluta primazia” que “deu ao laudo pericial, que nem sequer foi unânime, da Junta Médica que considerou inexistir IPATH”.
Temos, assim, que a derradeira questão a analisar é saber, se deve a sentença ser revogada e ser atribuída ao sinistrado uma IPP para o trabalho de 7,00%, com IPATH, como defende o recorrente e conforme consta daqueles elementos de prova que indica.
Comecemos, então, pela parte da impugnação, em que o recorrente se insurge contra a decisão de facto, pugnando pela sua alteração, conforme consta das conclusões da sua alegação, dizendo que devem constar do elenco da factualidade dada como assente: “i) o descritivo do conjunto de tarefas que consubstanciam, maxime, o núcleo funcional da profissão de Técnico de Telecomunicações; ii) a data da cessação do contrato de trabalho do Sinistrado, secundada, desde então, pelo não exercício por parte do Recorrente da profissão de técnico de telecomunicações e bem assim iii) a inclusão de um adicional ponto atinente ao reconhecimento da IPATH de que o sinistrado/Apelante efectivamente padece”.
Vejamos.
Dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC, (diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem) que, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Aqui se enquadrando, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão de facto feita pelos recorrentes.
Nas palavas de (Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 221 e 222) “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1ª instância”.
No entanto, como continua o mesmo autor (págs. 235 e 236), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.”.
Esta questão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e a sua apreciação por este Tribunal “ad quem” pressupõe o cumprimento de determinados ónus por parte do recorrente, conforme dispõe o art. 640º ex vi do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.T., nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando, neste novo regime, os ónus de alegação impostos ao recorrente, impondo-se que especifique, em concreto, os pontos de facto que impugna e os meios probatórios que considera impunham decisão diversa quanto àqueles e deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Ou seja, tendo em conta os normativos supra citados, haverá que concluir que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância, já que só assim, (como se refere no Ac. STJ de 24.09.2013 in www.dgsi.pt (local da internet onde se encontrarão os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação)) poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão do Tribunal “a quo”, exigindo-se à parte que pretenda usar daquela faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de jurisdição sobre tais desconformidades, previamente, apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção - não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem, face ao princípio da livre apreciação da prova que impera no processo civil, art. 607º, nº 5 do CPC, cfr. (Ac. STJ de 28.05.2009).
Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exactidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Além disso, nas palavras, novamente, de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “… Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. …”. E, do mesmo Tribunal no (Ac. de 07.07.2016) observa-se o seguinte: “… para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo art. 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto, que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”.
Neste mesmo sentido, lê-se no (Ac. desta Relação de 15.04.2013, Proc. nº 335/10.4TTLMG.P1, relatora Paula Leal de Carvalho in www.dgsi.pt) que, “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão,…”, (sublinhado nosso).
Transpondo o regime exposto para o caso, verifica-se que, no caso, não estão em causa depoimentos gravados, apenas, prova documental e pericial e o apelante impugna a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos que não tendo sido considerados provados, em seu entender, deveriam ter sido, mostrando-se, assim, incorrectamente julgados.
Quanto àqueles factos que impugna, indica os elementos probatórios, documentos e perícias, constantes do processo que, em seu entender, justificam que sejam dados como provados nos termos que peticiona. Consideramos, assim, ao contrário do que, alega a recorrida e considera o Ex.mo Procurador, que estão reunidas as condições para que este Tribunal “ad quem”, proceda à reapreciação da matéria de facto impugnada, eventualmente, alterando a decisão proferida sobre a mesma, ao abrigo do disposto no nº1 do art. 662º.
Apreciando.
No entanto, tendo em conta o processo, em causa, emergente de acidente de trabalho, que se inicia por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público, tendo por base a participação do acidente importa, previamente, a pronunciar-nos quanto àquela primeira questão, tecer algumas considerações genéricas sobre a tramitação deste processo, caracterizado como um processo especial.
Como decorre, dos art. 99º e ss. do CPT, nos processos emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional, numa fase conciliatória, após a realização de perícia médica singular pelos serviços médico-legais, seguir-se-á uma tentativa de conciliação, na qual o Ministério Público promove o acordo, de harmonia com os direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente, o resultado daquele exame médico e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado, conforme art. 109º do CPT.
Nos termos do art. 112º, nº 1 do mesmo código, se, se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída.
Por fim, estabelece a al. b) do nº 1 do art. 117º do CPT, que o início da fase contenciosa tem por base requerimento, a que se refere o nº 2 do artigo 138º, - o qual dispõe que, se na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de junta médica é deduzido em requerimento a apresentar no prazo a que se refere o nº 1 do artigo 119º -, do interessado que se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, devendo esse requerimento ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos, conforme nº 2 daquele mesmo art. 117º.
Precisamente, o caso dos autos, em que, não tendo sido possível alcançar um acordo global na fase conciliatória, - resumindo-se a discordância à questão atinente ao grau de incapacidade -, foi formulado requerimento peticionando a realização de junta médica e abriu-se a fase contenciosa do processo com vista à fixação da incapacidade para o trabalho, nos termos da decisão a proferir, aquela a que se reporta o nº 1 do art. 140º do CPT.
Assim, a decisão proferida e impugnada foi, aquela, a que se reporta o nº 1 daquele art. 140º, o qual dispõe que, o juiz para proferir decisão sobre o mérito deve servir-se da prova obtida pelos meios periciais, cujo valor é apreciado livremente (cfr. Art. 389º do CC), destinando-se a fornecer ao tribunal uma especial informação de facto tendo em conta os específicos conhecimentos técnicos ou científicos do perito que se não alcançam pelas regras gerais da experiência, como referem (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág.s 261 e ss. e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág.s 322 e ss.).
Prova, esta, que deve ser apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais, o que implica que o juiz possa na decisão de facto afastar-se do que resultou da perícia, devendo para o efeito fundamentar a matéria de facto que dê como assente, nomeadamente nas situações em que tenha havido uma perícia singular e uma perícia colegial esta requerida por uma das partes, tal como sucede no caso em apreço.
Por isso, resulta da instrução 8ª das Instruções Gerais que constam da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo DL nº 352/2007 de 23/10, que o resultado dos exames médicos é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões. Decorrendo, assim, deste normativo que as respostas aos quesitos ou a fundamentação do laudo pericial deverá permitir com segurança ao julgador (que não é técnico em medicina) analisar e ponderar o enquadramento das lesões/sequelas na TNI e o respectivo grau de incapacidade a atribuir.
Daí que, embora a junta médica aprecie livremente os elementos médicos constantes do processo, designadamente relatórios clínicos e exames complementares de diagnóstico, a par da própria observação do sinistrado, essa livre apreciação não é, todavia, sinónimo de arbitrariedade, razão pela qual aos peritos médicos que intervêm na junta médica se impõe que indiquem os elementos em que basearam o seu juízo e que o fundamentem, de modo a que o Tribunal, o sinistrado e a entidade responsável pela reparação do acidente o possam sindicar.
Assim, se por um lado o exame por junta médica constitui, apenas, uma modalidade de prova pericial, estando sujeita às regras da livre apreciação pelo juiz (cfr. art. 389º do CC e art.s 489º e 607º, nº 5 do CPC), por outro, as perícias médicas, nas quais se incluí o exame por junta médica, não constituem decisão sob o grau de incapacidade a fixar, sendo somente, um elemento de prova que exige especiais conhecimentos na matéria, daí o laudo pericial ter de conter os factos que serviram de base à atribuição de determinada incapacidade de modo a que o tribunal possa interpretar e compreender o raciocínio lógico realizado pelos Srs. Peritos Médicos de forma a poder valorá-lo.
Porque, pese embora, o juiz não esteja adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados e, daí também, como já dissemos, a necessidade da cabal fundamentação do laudo pericial pois que, só assim, poderá o mesmo ser sindicado.
E, contendendo, o objecto daquele exame por junta médica com a apreciação e determinação das lesões/sequelas que o sinistrado apresenta resultantes de acidente de trabalho, bem como com a fixação da incapacidade para o trabalho decorrente das mesmas, o mesmo, não deverá ser considerado pelo Tribunal, se as respostas aos quesitos ou o relatório forem deficientes, obscuros ou contraditórios ou se as conclusões ou respostas aos quesitos não se mostrarem fundamentadas.
Regressando ao caso, resultando da factualidade apurada que o sinistrado requereu junta médica e formulou os seus quesitos, importa analisar se deve, aquela, ser alterada.
Vejamos, então.
Desde logo, começando pelo facto que o recorrente indica na conclusão V) da sua alegação, importa dizer que se mostra prejudicada a requerida reapreciação, dado o teor do facto 9, oficiosamente, dado como provado, nesta sede.
Prossegue o recorrente, com fundamento nas provas que indica na sua alegação e conclusões (VI a XII), terminando que: “conquanto Não controvertida e amiudadamente abordada em plúrimos documentos juntos aos autos, nessa parte, não impugnada e como tal admitida por acordo…”, que deveria ter sido aditada à matéria assente um facto com a seguinte redacção: “Em consequência do acidente de trabalho, em 17/11/2017 o Sinistrado viu cessado do seu contrato de trabalho com a empresa C... S.A. e desde então, não mais tendo exercido as funções de Técnico de telecomunicações;” (veja-se conclusão XII).
Que seja desse modo, discorda a recorrida e assiste-lhe razão.
Pois, analisando os “plúrimos documentos juntos”, em concreto, o relatório elaborado pelo perito do INML, na fase conciliatória, o requerimento apresentado nos autos em 12.02.2018, o relatório elaborado pelo CRPG e o parecer elaborado pelo Prof. Dr. BB, nada consta que seja credível, no sentido que considera o recorrente de que o seu contrato de trabalho com a empresa C... SA, tenha cessado em consequência do acidente em análise. O que se refere, nos documentos em causa, é com base no que o sinistrado “refere”, ou mera alegação do mesmo e contrariamente do que diz, trata-se de matéria controvertida, basta atentar na, agora, alegação da recorrida.
Assim, sem necessidade de outras considerações, improcede esta questão, em concreto a conclusão XII da apelação.
*
Analisemos, agora, se como defende o recorrente deveria ter sido dado como provado um adicional (alterado na sua redacção) ponto na facticidade considerada assente nos seguintes termos: “Mercê do referido acidente de trabalho, sofreu o sinistrado AA uma desvalorização permanente parcial para o trabalho de 7,00 % (IPP de 7,00 %) com IPATH”.
O Mº Juiz “a quo”, assim não o considerou e na fundamentação da decisão, no que respeita a esta questão, consignou, em síntese, o seguinte: «(…).
Os laudos de exames médicos por juntas médicas realizadas nos presentes autos mostram-se fundamentados e alicerçados na Tabela Nacional de Incapacidades, tendo os senhores peritos médicos da junta médica, mormente os maioritários, respondido com precisão a todos os quesitos que lhe foram apresentados, indicando as lesões e sequelas do sinistrado e respondendo a todos os quesitos de forma lógica, sem qualquer deficiência, obscuridade ou contradição. Deste modo, importa concluir que as sequelas que resultaram para o sinistrado do acidente dos presentes autos permitem-lhe o exercício e a execução do conjunto das tarefas que constituem o núcleo essencial da sua actividade profissional de técnico de telecomunicações tendo de se concluir que o sinistrado não ficou afetado de IPATH, por o sinistrado não ter ficado limitado, pelas sequelas do acidente, a apenas, desempenhar funções meramente residuais ou acessórias do seu trabalho habitual.
É certo que no parecer do Instituto de Emprego e Formação Profissional I.P. solicitado, se concluiu que “o trabalhador apresenta estar incapacitado para desenvolver as tarefas do seu posto de trabalho”, (cfr. parecer remetido aos autos em 14/03/2019- Refª 21875563).
Porém, como resulta manifesto do próprio teor do aludido parecer tal conclusão foi feita constar de tal parecer apenas com base no que “o trabalhador refere”, ou seja apenas com base nas declarações do sinistrado que se queixou que “com a lesão sofrida no acidente de trabalho ao nível do seu membro inferior esquerdo, na zona do pé, deixa de possuir todas estas capacidades”: da sua “integra destreza, robustez e agilidade corporal”, “uma boa capacidade de locomoção” e “bons níveis de coordenação motora”, (cfr. parecer remetido aos autos em 14/03/2019- Refª 21875563).
Sendo não menos certo que, para além do aludido parecer ter assentado penas nas próprias declarações do sinistrado a sua conclusão de que “o trabalhador apresenta estar incapacitado para desenvolver as tarefas do seu posto de trabalho”, o mesmo parecer não foi elaborado por qualquer médico, muito menos por um médico com especialidade em ortopedia e conforme já referimos, a determinação da existência, ou não, de IPATH prende-se com a determinação da incapacidade e deverá ser submetida a perícia médica (exame médico singular, na fase conciliatória do processo especial emergente de acidente de trabalho, e/ou exame por junta médica, na fase contenciosa do mesmo).
E assim, o aludido parecer não assume qualquer relevância para se poder concluir, ou não, pela IPATH, mas apenas quanto à identificação e caracterização do conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial da sua actividade profissional de técnico de telecomunicações.
O mesmo se diga do relatório junto aos autos pelo Centro de Reabilitação ... (remetido aos autos em 17/10/2019 - Refª 23916750) onde aquele Centro concluiu ser de parecer que o examinado se encontra com incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual.
Porém, não se vislumbra que o aludido parecer possa contrariar os exames realizados nas juntas médicas destes autos, desde logo por o afirmado no parecer do aludido Centro estar em manifesta contradição com o afirmado pela maioria dos peritos nas juntas médicas realizadas nos presentes autos.
Com efeito, apenas com base nas declarações do próprio sinistrado o aludido Centro invoca, em contrariando o parecer médico maioritário das juntas médicas realizadas neste processo, que o sinistrado “encontra-se limitado para se colocar de cócoras, para movimentar cargas acima de 20 kgs, sobretudo em marcha, limitado para utilizar estribos na subida a postes de madeira assim como para realizar trabalhos em altura, limitações estas que o incapacitam de executar as tarefas descritas nas alíneas b), e), g), h), i), j) e l) do ponto anterior, tarefas que consideramos estruturantes da sua profissão”, (sic).
E, de facto, em toda a fundamentação em que assenta a pretensão do sinistrado de lhe ver reconhecida a IPATH pelas sequelas reconhecidas no presente acidente de trabalho, bem reflectida nos diversos requerimentos por si apresentados, nos quesitos por si apresentados às juntas médicas e ao colégio da especialidade de ortopedia da Ordem dos Médicos e nas declarações do sinistrado em que se essencialmente se basearam o IEFP e o referido Centro de Reabilitação nos respectivos relatórios juntos a estes autos, parece querer reduzir-se o núcleo essencial das tarefas que o sinistrado desempenha enquanto técnico de telecomunicações à subida a postes de madeira, utilizando escadas de 9 metros de altura e estribos e à movimentação de cargas com dezenas de quilos, visando o sinistrado valorizar nitidamente a sequela de 7% de IPP que lhe resultou do acidente, mormente a rigidez da flexão dorsal do tornozelo esquerdo com arco de flexão de 0 graus e a atrofia de 1 cm da perna esquerda, o que, salvo o devido respeito, nem reflecte com exactidão a panóplia de tarefas que constitui a sua profissão de técnico de telecomunicações, nem parece adequar-se aos actuais tempos em que as regras de segurança e higiene no trabalho proíbem práticas como “escalamentos”, ainda que por estribos, de postes de madeira, ou a utilização de escadas de 9 metros de altura, cuja segurança e estabilidade é sempre problemática, ao invés da utilização de plataformas elevatórias que permitem uma ascensão do trabalhador em altura minimizando fortemente os riscos de quedas, mesmo de trabalhadores sem qualquer sequela e com 100% da sua capacidade, e muito menos permitem que os trabalhadores “carreguem literalmente às costas, 20, 30, 40, 50, 60 quilos de material”, com inevitáveis sequelas, ainda que posteriores e em sede de doença profissional, a nível lombar, de coluna e das articulações, mormente ao nível dos joelhos.
E basicamente são essas insuficiências ou limitações no escalamento e carga que o sinistrado invoca nos presentes autos.
Porém, conforme já se referiu, para além de as tarefas nucleares da profissão do sinistrado estarem longe de se resumirem a tais pontos de trabalho em altura e com pesos consideráveis, as invocadas limitações incapacitantes do sinistrado resultaram infirmadas de uma forma clara e inequívoca pela maioria dos médicos ortopedistas que integraram as juntas médicas realizadas nos presentes autos.
Ora, para além de o aludido Centro de Reabilitação se ter limitado a basear a sua avaliação nas declarações do próprio sinistrado, o relatório em causa não teve a intervenção de qualquer médico com especialidade em ortopedia, que pudesse valorar correctamente em termos médicos as sequelas que resultaram para o sinistrado do acidente dos autos, sequelas essas que nem sequer são sequer afloradas no aludido relatório, não sendo, certamente, alheio a tal despreparação médica na especialidade em ortopedia, a circunstância do relatório em causa ter sido elaborado por um médico do trabalho e por um psicólogo do trabalho.
(…).
Mas desempenhando a prova pericial a função apontada, o Juiz não só deve ”tomar em consideração o laudo dos peritos”, como para além disso, em casos como o presente, em que todas as questões pertinentes foram objecto de apreciação e pronúncia pelos senhores peritos, só pode desviar-se desses pareceres técnico desde que constate algo que evidencie um erro manifesto, isto é, em situações excepcionais, por exemplo, no enquadramento legal da situação face à TNI, ou na desconsideração de um determinado elemento relevante.
O que bem se compreende: o Juiz não dispõe dos conhecimentos técnicos e científicos de natureza médica ou técnica que autorizem a pôr em causa uma avaliação médica.
Ora, repita-se os autos de exame por juntas médicas realizados nos presentes autos foram-no por médicos com especialidade em ortopedia, não podendo o Tribunal fazer prevalecer a pretensão do sinistrado sobre os laudos da perícia colegial, que apesar de apenas maioritários nesta questão, mostram-se devidamente fundamentados e formulados por peritos devidamente habilitados, (e verdadeiramente não contrariados pelos pareceres do IEFP e do CRPG, pelos motivos acima aduzidos) sem que existam fundamentos concretos, lógicos e razoáveis - necessariamente com natureza médica ou técnica-, que se perfilem e imponham, de forma inequívoca, uma decisão diversa, o que in casu não se verifica.
Assim, resta concluir pela não verificação in casu da reclamada IPATH.».
Desta conclusão, discorda o apelante invocando, argumentando e defendendo, em síntese, o seguinte: “(…), não obstante ter sido ordenado pelo douto Acórdão proferido por este Colendo Tribunal da Relação do Porto proferido em 15/11/2018, junto a fls. 149 a 190, dotar os autos de elementos informativos adicionais que auxiliassem a 1.ª instância a formar convicção acerca da (in)verificação da IPATH, cujos quais foram todos eles discriminados em sede do relatório da sentença de que ora se recorre, designadamente, o relatório elaborado pelo perito (ortopedista) do INL na fase conciliatória, (de 14/12/2017, sob a refª: 387802637), secundado, ainda, pelas posições manifestadas pela Drª CC, perita (ortopedista) indicada pelo Sinistrado para integrar a Junta Médica realizada nos autos em 06/03/2018 sob a refª 390314867, a qual foi reaberta em 09/05/2023, sob a refª 448046194 e respectivos esclarecimentos, ocorrida em 31/10/2023, sob a refª 453277088, como pelo teor do parecer junto aos autos pelo Prof. Dr. BB, especialista em ortopedia, membro do Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos de 16/06/2021 sob a refª: 29214481, do parecer complementar deste mesmo sr. perito de 16/11/2022 sob a refª 33886749, dos dois relatórios juntos aos autos, elaborados quer por parte do IEFP (em 14/03/2019 sob a refª: 21875563), quer por parte do Centro de Reabilitação ... (em 17/10/2019, sob a refª: 23916750), o qual contou inclusivamente com a colaboração da própria ex-entidade empregadora do sinistrado, ou seja, a empresa C... S.A., que não apenas permitiu o acesso às suas instalações ao técnico responsável deste último, pela elaboração do relatório (em 27/09/2019 sob a refª: 23678931), como ulteriormente veio expressamente informar o Tribunal de 1.ª instância, acerca das funções exercidas pelo seu ex-trabalhador (em 02/12/2029 sob a refª: 24399465), tendo todos estes intervenientes concluído no sentido da verificação da IPATH!, o certo é que o Meritíssimo Juiz “a Quo”, através duma sistemática e ininteligível desvalorização de todos aqueles intervenientes e relatórios, aderiu à tese daquela que é a posição ultraminoritária de apenas dois srs. peritos que integraram a Junta Médica, vale dizer, o nomeado pelo Tribunal e, sem surpresa, aqueloutra nomeada pela Companhia Seguradora...
Senão vejamos,
Prima facie, urge desfazer um equívoco que vem repetidamente e ad nauseam repisado ao longo do douto aresto de que se recorre, quando aí se afirma que “os srs. Peritos maioritários das duas Juntas Médicas realizadas” (no plural), inculcando tratar-se de uma miríade de ambos, quando na realidade, os dois peritos que sustentam a posição na qual a 1.ª instância se ancorou são sempre os mesmos, para além de que inexistiram duas Juntas Médicas, mas outrossim e ao invés uma única Junta Médica que foi reaberta e ulteriormente reconvocada para prestar esclarecimentos.
Por outro lado, e como de resto é unanimemente entendido pela jurisprudência dos nossos mais altos Tribunais, num processo de acidente de Trabalho, a primeira perícia que é realizada, é aquela que sempre acontece junto do IML.
Desta sorte, parece ter obnubilado por completo o Tribunal “a Quo”, a perícia realizada no dia 14/12/2017, sob a refª: 387802637, em sede da fase conciliatória, ressumando do relatório médico (também ele da autoria de um ortopedista) do IML do Porto a seguinte conclusão (sic): “...que em consequência do acidente o sinistrado, ora requerente, ficou afectado de Incapacidade Permanente Absoluta para Trabalho Habitual (IPATH): “6. As sequelas atrás descritas são causa de incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual.” (página 4) tendo-lhe ainda sido atribuída uma Incapacidade Parcial Permanente de 4%, (...)”, tal conformando uma incompreensível omissão na apreciação da prova, vicissitude essa que ajudará a entender o erro de julgamento aqui vindicado pelo Recorrente.”.
E continua, após transcrever a conclusão do Tribunal “a quo”, em que se lê, “o seguinte (sic): “(...) Deste modo, importa concluir que as sequelas que resultaram para o sinistrado do acidente dos presentes autos permitem-lhe o exercício e a execução do conjunto das tarefas que constituem o núcleo essencial da sua actividade profissional de técnico de telecomunicações tendo de se concluir que o sinistrado não ficou afetado de IPATH, por o sinistrado não ter ficado limitado, pelas sequelas do acidente, a apenas, desempenhar funções meramente residuais ou acessórias do seu trabalho habitual. (...)”, prossegue dizendo:
“Salvo o devido respeito por melhor opinião, para além de perpassarem uma confusão entre o que são tarefas que integram o núcleo funcional e de entre aquelas as que deverão ser consideradas as essenciais e as acessórias e/ou residuais, acresce que os segmentos transcritos supra, foram truncada e descontextualizadamente selecionados e reproduzidos pelo julgador de 1.ª instância no âmbito do aresto de que se recorre, conquanto em todos os aludidos relatórios periciais, os raciocínios expendidos são bastante mais extensos, rigorosos e desenvolvidos,
sendo que antes de mais, merece uma leitura integral o parecer junto aos autos pelo Prof. Dr. BB, especialista em ortopedia, membro do Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos de 16/06/2021 sob a refª: 29214481, cuja respectiva realização, reitere-se, não apenas foi determinada pelo Tribunal “a Quo”, como, sobretudo, a própria metodologia a seguir, verbi gratia, formulação de quesitos a serem respondidos, foi então escolhida pela 1.ª instância, que agora vem brandir pela respectiva falta de rigor...
Ainda a este propósito, perscrute-se no âmbito do relatório pericial elaborado pelo IEFP (em 14/03/2019 sob a refª: 21875563) tudo quanto ali se expendeu sob a epígrafe “III – ANÁLISE DE FUNÇÕES”, pontos 17.1 a 17.7 (pág. 3/6), “IV – EXIGÊNCIAS DO POSTO DE TRABALHO” pontos 18 a 18.11 (págs 3/6 a 5/6), “V – SEQUELAS/LIMITAÇÕES RELATADAS PÓS ACIDENTE” pontos 19 a 19.4 (pág. 5/6), “V – CONCLUSÃO” pontos 20 a 20.1 (pág. 5/6 a 6/6), sendo que no que concretamente concerne ao relatório pericial elaborado pelo Centro de Reabilitação ... (em 17/10/2019, sob a refª: 23916750), atentem-se nos pontos sob as epígrafes: “3. Avaliação” “Alterações funcionais relacionadas com o evento traumático com impacto no domínio profissional”, “Descrição das atividades que integram o conteúdo funcional da profissão habitual e das exigências funcionais requeridas” (pág. 3 de 5); “Caracterização do posto de trabalho e identificação de barreiras”, “Impactos das limitações funcionais no desempenho da profissão habitual”, “Funções profissionais compatíveis com o estado funcional”, “Reabilitação e reintegração profissional” (pág. 3 de 5); “Conclusões” (pág. 5 de 5), razão pela qual expressamente se remete este Venerando Tribunal para todos e cada um daqueles relatórios, cujos correspectivos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
Outrossim e ao invés da desvalorização ínsita na sentença, são precisamente as tarefas que todos os referidos relatórios, contextualizamente, atento o universo de tarefas concretamente executadas no âmbito daquela que era a realidade do dia a dia laboral do aqui Recorrente, consideraram como consubstanciando o núcleo essencial do exercício das funções de Técnico de Telecomunicações.
Efectivamente, todo o conjunto de tarefas que o Tribunal “a Quo” considera que o sinistrado consegue continuar a desempenhar (sem limitações) e se bem atentarmos no descritivo funcional das mesmas (alíneas a), b) c), d), e), i), f) e k), na enumeração acolhida no aresto de que se recorre), redundaria “numa espécie de Técnico de Telecomunicações de secretária”, limitado a analisar documentos, estudo de material técnico, elaboração de orçamentos ou projectos, preparação de dossiês, realização de pesquisas, ou de “fiel de armazém”, para recolha de material, etc., ou seja, tudo tarefas residuais ou acessórias da profissão das quais ficam subtraídas todas aquelas que precisamente conformam o respectivo núcleo essencial, verbi gratia, alíneas g), h) e l).
Em termos análogos, pense-se num médico-cirurgião ou um pianista que tivessem sofrido um acidente de trabalho afectando as suas capacidades motoras ao nível das mãos impedindo-os, correspectivamente, de realizar cirurgias ou dar concertos.
Com certeza que “nominalmente” o cirurgião não deixaria de o ser, ainda que se dedicasse ao estudo de questões da sua especialidade, se dedicasse à docência, a assistir outros cirurgiões em cirurgias, à investigação científica, etc., o mesmo sucedendo com o pianista que poderia continuar a estudar música, ser docente, eventualmente até tocar para efeitos lúdico-recreativos, compor, dedicar-se à investigação musical etc., mas como se dizia num famoso anúncio publicitário: poder podia...mas não seria a mesma coisa!
Em jeito de súmula perante tudo quanto se deixou antecedentemente expendido, facilmente se alcança que a posição clínica a que o Meritíssimo Juiz “a Quo” aderiu e perfilhou em sede da doutíssima sentença de que se recorre é a minoritária nos autos, ou seja, nos termos que se deixaram antevistos supra, a maioria dos médicos intervenientes pronunciaram-se no sentido da sua verificação (pelo que se considerássemos o exemplo do critério quantitativo numérico dos “srs. peritos maioritários das duas Juntas Médicas realizadas” que a 1.ª instância tanto enalteceu), poderá dizer-se que observando precisamente o mesmíssimo critério, considerando aqui as opiniões do médico (ortopedista) do INML do Porto, da perita (ortopedista) indicada pelo sinistrado, do parecer do perito (ortopedista) designado pelo Colégio de Especialidades de Ortopedia da Ordem dos Médicos e ainda pelo médico especialista em medicina do Trabalho que examinou o sinistrado e colaborou na elaboração do relatório do CRPG, nesta espécie de “junta Médica alargada”, a opinião maioritária é a da verificação da IPATH).
Mercê de tudo quanto se deixou antecedentemente arrimado, deveria ter sido dado como provado um adicional ponto na facticidade considerada assente com a seguinte redacção: Mercê do referido acidente de trabalho, sofreu o sinistrado AA uma desvalorização permanente parcial para o trabalho de 7,00 % (IPP de 7,00 %) com IPATH.”.
Que dizer?
Face ao que antecede, desde logo, o que se verifica é que o apelante pretende que se proceda à interpretação e valoração de determinados elementos clínicos, juntos aos autos, nomeadamente, a perícia realizada pelo perito do INML, na fase conciliatória, o parecer do Colégio da Especialidade de Ortopedia da Ordem dos Médicos, o parecer elaborado pelo IEFP e o relatório elaborado pelo CRPG de modo diverso daquele que foi feito no laudo de junta médica maioritário, acolhido pelo Mº Juiz “a quo” e determinante para a conclusão, agora, impugnada, em detrimento da posição sustentada pela perita médica do sinistrado, interveniente na junta médica realizada. Defendendo o apelante que não deu o Mº Juiz “a quo”, àqueles elementos clínicos e pareceres a relevância devida.
Mas, terá o apelante razão?
E, analisada toda a prova documental e pericial junta, (que, para melhor compreensão, tivemos o cuidado de fazer constar do relatório supra) sempre com o devido respeito, não podemos desde já deixar de dizer que concordamos com o mesmo, quando defende que se impunha uma decisão diversa da recorrida, quanto a esta questão da verificação ou não de IPATH, no caso.
Explicando.
O Tribunal “a quo”, como decorre da fundamentação da decisão quanto ao facto de considerar que, no caso, não se verifica a reclamada IPATH, convenceu-se, após a apreciação que efectuou das demais provas, (com excepção do exame singular realizado na fase conciliatória, já que quanto a este não tece quaisquer considerações) que o laudo pericial, maioritário, da junta médica merece credibilidade e prevalecer, (convém, aqui, clarificar que ao contrário do que por diversas vezes se refere, na decisão recorrida, não nos parece correcta a alusão a “autos de exame por juntas médicas”, “os laudos da perícia colegial”, porque, como bem o notou o recorrente, nos autos apenas teve lugar a realização de um laudo pericial, maioritário, o qual foi reaberto e objecto de esclarecimentos, como bem se constatou), como refere, porque, «apesar de apenas maioritários nesta questão, mostram-se devidamente fundamentados e formulados por peritos devidamente habilitados, (e verdadeiramente não contrariados pelos pareceres do IEFP e do CRPG, pelos motivos acima aduzidos) sem que existam fundamentos concretos, lógicos e razoáveis - necessariamente com natureza médica ou técnica-, que se perfilem e imponham, de forma inequívoca, uma decisão diversa, o que in casu não se verifica.».
Ora, sempre com o devido respeito, não cremos que seja essa a conclusão a firmar do constante naqueles Pareceres, nem que não existam nos autos fundamentos concretos, lógicos e razoáveis - necessariamente com natureza médica ou técnica-, que se perfilem e imponham, de forma inequívoca, uma decisão diversa, que sustentem a pretensão do sinistrado. Pois ao, assim, concluir, o Mº Juiz “a quo” está a esquecer, (em nosso entender - indevidamente) as demais opiniões de natureza médica constantes dos autos, quer do Perito Médico que realizou o exame no INML, quer da Perita do sinistrado, quer do Perito Médico do Colégio de Ortopedia, quer dos Peritos Médicos, de Medicina do Trabalho e Psicologia que, através da sua observação clínica e análise do seu posto de trabalho, avaliaram a situação concreta do sinistrado no CRPG, além do parecer técnico elaborado pelo IEFP e, ainda, as informações prestadas nos autos, sobre as funções desenvolvidas pelo sinistrado, pela sua empregadora.
Efectivamente, quanto à interpretação que é efectuada no laudo, (maioritário), sobre a capacidade do sinistrado desempenhar as tarefas que desempenhava quando ocorreu o acidente, somos forçados a concordar com o entendimento expresso, em todos aqueles outros pareceres, os quais se nos mostram melhor fundamentados, atentas as tarefas habituais do sinistrado e à situação clínica actual do mesmo (desde logo, incapacidade de realizar flexão dorsal –“ apresenta rigidez da flexão dorsal do tornozelo esquerdo com arco de flexão de 0 graus”) que os peritos médicos, maioritários, que intervieram na junta médica, também, aceitam.
Justificando.
Verifica-se que, o sinistrado/recorrente não põe em causa o enquadramento das sequelas resultantes do acidente, nem o grau de incapacidade permanente parcial que lhe foi atribuído pela junta médica e acolhido pelo Tribunal “a quo” na decisão recorrida. Isto é, não se questiona o grau de IPP de 7% de que é actualmente portador, cingindo-se a sua discordância ao facto de não lhe ter sido atribuída IPATH.
Ora, como já referido, nesta matéria os Srs. Peritos Médicos não partilham de posição unânime. Conforme consta dos autos, o Perito do INML que procedeu ao exame singular, a Perita do Sinistrado que participou na junta médica, o Perito Médico do Colégio de Ortopedia e os Peritos Médicos do CRPG (Médicos de Medicina do Trabalho e Psicologia) entenderam ser de atribuir ao sinistrado IPATH defendendo que a “rigidez da flexão dorsal do tornozelo esquerdo com arco de flexão de 0 graus” constitui causa suficiente para que esteja incapaz para o exercício da sua atividade de técnico de telecomunicações, considerando que não lhe permitem uma eventual reconversão do seu posto de trabalho. Ao invés, os Peritos Médicos do Tribunal e da Seguradora que participaram na junta médica da especialidade (ortopedia), pronunciaram-se no sentido do sinistrado não ser portador de incapacidade parcial permanente para o trabalho habitual, entendimento acolhido na decisão recorrida, após, nos termos que constam da mesma e pelas razões ali invocadas, se refutar o entendimento expresso em todos aqueles pareceres.
No entanto, como já dissemos, não concordamos que seja desse modo e, de modo algum, com base nos argumentos afirmados na sentença recorrida para desmerecer o, diga-se, unanimemente, entendido naqueles.
Entendemos que, quaisquer dúvidas sobre, eventuais, faltas de competência dos peritos que proferiram os pareceres em causa, apontadas por não serem médicos, especialistas em ortopedia, ou não serem médicos ou, eventuais, “faltas de rigor” dos Pareceres, nomeadamente, a apontada ao Parecer de Ortopedia, deveriam ter sido atempadamente esclarecidos pelo Mº Juiz “a quo”, antes da prolação da decisão recorrida, o que manifestamente, não se verifica ter ocorrido.
Desde logo, não concordamos com as considerações tecidas na sentença, porque não só, todos aqueles pareceres foram emitidos pelas entidades competentes a quem foram solicitados, (entidades independentes) como, entendemos, se mostram bastante rigorosos e completos, merecendo a maior credibilidade.
Aliás, diga-se, sempre com o devido respeito, quanto à falta de razão e fundamento, relativo às reservas tecidas pelo Mº Juiz “a quo” quanto ao parecer do IEFP, é bem elucidativa a resposta e os esclarecimentos prestados pelo referido instituto à notificação que lhe foi efectuada na sequência do despacho de 13.05.2019.
Além de que, quem melhor do que os peritos Médicos de Medicina do Trabalho, para se pronunciarem quanto à avaliação efectuada, sobre a possibilidade de exercício da profissão habitual, como bem decorre do relatório junto pelo CRPG, em 17.10.2019, desenvolvida tendo por base exame clínico no âmbito de Medicina do Trabalho e metodologias de Análise da Actividade e do Trabalho. E, ainda, porque ao contrário do que refere o Mª Juiz “a quo” (quando diz, “a determinação da existência ou não de IPATH, prende-se com a determinação da incapacidade e…”), a determinação da existência ou não de IPATH prende-se com as limitações que o sinistrado apresenta para desempenhar as tarefas que desempenhava aquando do acidente. Tarefas que, como consta daquele Parecer, “fazem amplo recurso aos membros superiores e inferiores, apelo a competências físicas como sendo motricidade global para movimentação de cargas de 20kg a 60kg, destreza manual, motricidade fina e coordenação óculo-manual. O seu exercício prevê agachamentos, torções e flexões do tronco, bem como assumir a posição de cócoras e ajoelhar”.
Do exposto resulta, ao invés do afirmado na sentença recorrida, que não só o parecer do IEFP assume relevância para se poder concluir ou não pela IPATH, já que é emitido por quem tem competência para se pronunciar quanto à identificação e caracterização do conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial da actividade profissional dos sinistrados, tendo-se procedido, no parecer junto em 14.03.2019, “a uma avaliação com vista a obter resposta a diversas questões relacionadas com o perfil escolar/profissional do trabalhador, a sua profissão, as atividades desenvolvidas no seu posto de trabalho, o acidente sofrido, assim, como sobre eventuais limitações dele decorrentes e a sua situação laboral e pessoal atual”, de modo a contribuir para que o Tribunal decida se o sinistrado está ou não capaz para desempenhar o seu trabalho habitual, sendo estes estudos sobre o posto de trabalho (como se lê, na resposta que consta do ofício junto em 03.06.2019) “levados a cabo por técnicos do IEFP, com formação especializada e experiência sólida na matéria, são elaborados, nomeadamente, através do levantamento das tarefas principais executadas, assim como dos mais importantes requisitos psicológicos, físicos e sensoriais exigidos para os mesmos”. E, de igual modo, o parecer do CRPG, como já referimos, foi elaborado por quem tem competência para se pronunciar sobre a capacidade para o desempenho de determinada profissão, com base em elementos que não se resumem ao declarado pelo sinistrado, (contrariamente, do que se diz na decisão recorrida – “apenas com base nas declarações do próprio sinistrado”), designadamente, tem por suporte a perícia médica, bem como o leque de funções essenciais que o desempenho de determinado posto de trabalho implica de forma a habilitá-los a proferir decisão no que respeita à atribuição ou não de IPATH.
De modo que, no que respeita à análise de funções/tarefas do posto de trabalho do sinistrado consta daquele parecer o seguinte:
Enquanto Técnico de Telecomunicações ao serviço da entidade “PROEF – C..., S.A.”, o examinado cumpria com as seguintes tarefas:
“a) Estudar material técnico (esquemas e esboços) para determinar o método do trabalho a adotar;
b) Recolher em armazém o material necessário para um dia de trabalho;
c) Fornecer assistência técnica relacionada com pesquisa e desenvolvimento de equipamento de telecomunicações;
d) Preparar estimativas da quantidade e custo dos materiais e mão de obra necessários ao de equipamentos de telecomunicações;
e) Executar a instalação, manutenção e reparação de sistemas de telecomunicações para assegurar o funcionamento e cumprimento das especificações e normas;
f) Identificar e resolver problemas surgidos no decurso dos trabalhos;
g) Desenvolver trabalho em torres de telecomunicações ou edifícios;
h) Proceder à montagem, finalização e substituição de antenas de telecomunicação, seguindo esquemas técnicos e utilizando maquinaria específica;
i) Proceder à electrificação de salas técnicas e colocação de mastros e estruturas para a fixação de antenas;
j) Montar, instalar, afinar, reparar e proceder à manutenção dos componentes elétricos e mecânicos de circuitos, equipamentos, aparelhos e sistemas, em antenas de comunicações;
k) Verificar montagem e instalação para detetar avarias, utilizando aparelhos de ensaio e medida;
l) Proceder à limpeza das antenas para finalização do trabalho;
m) Cumprir normas de higiene, saúde e segurança no trabalho.”.
Acrescentando, “As tarefas descritas fazem amplo recurso aos membros superiores e inferiores, apelo a competências físicas como sendo motricidade global para movimentação de cargas de 20kg a 60kg, destreza manual, motricidade fina e coordenação óculo-manual. O seu exercício prevê agachamentos, torções e flexões do tronco, bem como assumir a posição de cócoras e ajoelhar”.
Mais, consta do mesmo parecer, quanto à caracterização do posto de trabalho e identificação de barreiras o seguinte: “As funções levadas a cabo pelo examinando são executadas em edifícios, caves, pontes, viadutos, florestas. Requerem que seja executado trabalho em altura (até 25m), em pisos desnivelados e escorregadios e ao ar livre sob as condições meterológicas que se fizerem sentir a cada momento, implicam a utilização de “escadas, plataformas elevatórias, escadotes e andaimes” e estribos para aceder a “telhados e tetos falsos” (conforme “Descrição da função” da entidade empregadora). Obrigam, também, ao trabalho no subsolo (até 10m) em espaços confinados, de difícil acesso, sob a via pública.”.
E consta, ainda, sobre os impactos das limitações funcionais do sinistrado no desempenho da profissão habitual, o seguinte: “As alterações funcionais atrás identificadas, decorrentes do evento traumático em apreço, interferem com a actividade profissional do examinando, enquanto técnico de telecomunicações, pois apresenta marcha instável em pisos irregulares e em desníveis arquitectónicos (rampas e escadas) por dor e limitação da flexão dorsal do pé esquerdo, encontrando-se limitado para se colocar de cócoras, para movimentar cargas acima de 20 kg, sobretudo em marcha, limitado para utilizar estribos na subida a postes de madeira assim como para realizar trabalho em altura, limitações estas que o incapacitam de executar as tarefas descritas nas alíneas b), e), g), h), i), j) e l) do ponto anterior, tarefas que consideramos estruturantes da sua profissão.”.
E conclui-se em tal parecer, “que o examinando se encontra com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.”.
Conclusão, também, expressa, em todos os demais pareceres, médicos e técnicos, proferidos nos autos.
Aqui chegados, antes de mais, importa relembrar que, estando em causa pareceres técnicos e diversas perícias médicas, estes, estão sujeitos à livre apreciação pelas instâncias em conformidade com o previsto nos art.s 389º e 396º, ambos do Código Civil, assim os laudos emitidos pela junta médica, mesmo que por unanimidade, não são vinculativos para o tribunal.
Neste sentido, lê-se no sumário do (Ac. desta secção de 20-01-2020, Proc. nº 4985/17.0T8MAI.P1 in www.dgsi.pt – lugar onde se encontram disponíveis os demais arestos a seguir citados, sem outra indicação), que “I - O exame por junta médica tem em vista a percepção ou apreciação relativamente a factos para os quais o Juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos. São os peritos médicos que dispõem desse conhecimento especializado, por isso cabendo-lhe emitirem ”o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem”.
II - Contudo, tratando-se de um meio de prova pericial, as considerações e as conclusões do exame, mesmo quando alcançadas por unanimidade não vinculam o juiz, uma vez que estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (art.º 389.º do CC e 607.º do Cód. Proc. Civil).
III - Na prolação da decisão para fixação da incapacidade, o juiz não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais, mas poderá afastar-se do laudo médico, ainda que unânime.”.
No entanto, muito embora o juiz não esteja adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados (devendo proceder a uma apreciação que envolva a valoração conjunta do resultado das perícias médicas e os demais elementos complementares clínicos e de diagnóstico que constem dos autos tendo ainda em atenção todas as circunstâncias especificas do caso). Pois, como se diz no (Ac. do STJ de 30.03.2017, Proc. 508/04.9TTMAI.3.P1.S1), tal poderá ocorrer “(…) quando disponha de elementos que lhe permitam, com segurança, fazê-lo. O que poderá, por exemplo acontecer, se acaso tal Junta Médica não fundamentar as suas respostas ou o fizer em termos que o Julgador não possa captar as razões e o processo lógico que conduziu ao resultado fixado pelos Peritos, ou se o resultado apresentado se apresentar em contradição, ou fragilizado, por outros elementos médicos atestados e incorporados nos autos.
Será, pois, com base na apreciação circunstanciada dos elementos fácticos do processo, da sua natureza e extensão, ponderados os relatórios médicos correspondentes, onde é feita a enunciação das lesões sofridas, das sequelas e das incapacidades que daí resultam, que a valoração e o juízo sobre a incapacidade, a redução ou a modificação da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador/Sinistrado proveniente de agravamento das lesões deverá ser efectuada.”.
De salientar, também, que do referido princípio da livre apreciação da prova resulta ainda que não existe qualquer hierarquia entre as provas, podendo, como tal, o juiz atribuir maior relevância a um elemento do que a outro.
Na verdade, como se lê e refere nos (Acs. do TRE de 14.06.2018, Proc. nº 1982/15.3T8EVR.E1 e do TRL de 24.04.2024, Proc. nº 8276/19.3T8LSB.L1-4), “os laudos emitidos pelos peritos médicos que integram a junta médica não são hierarquizáveis em termos dever ser sempre seguido o maioritário, podendo acontecer que o minoritário esteja melhor fundamentado e que esteja em maior consonância com os elementos clínicos dos autos, de modo a ser valorado em detrimento dos demais.”.
Em concreto, a atribuição de IPATH, pressupõe que do acidente de trabalho decorram para o sinistrado lesões que para além de determinarem um coeficiente de desvalorização permanente para o exercício de outra profissão, determinam também uma incapacidade permanente absoluta, isto é, total, para o exercício do que era o trabalho habitual do sinistrado, o que significa que há uma capacidade residual menor ou maior consoante o grau de incapacidade, para o exercício de outra actividade ou profissão compatível, mantendo-se assim a capacidade de ganho, embora, em regra mais reduzida.
A este propósito e com interesse para a resolução da questão, em análise, no (Ac. do TRL, de 07.03.2018, Proc. nº 1445/14.4T8FAR.L1-4), lê-se o seguinte: «Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, 2ª ed. a pag. 96, escreve que a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual é “uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, atividade ou profissão”.
Porém, tal não significa que só quando o sinistrado não pode executar nenhuma das tarefas que anteriormente desempenhava no seu posto de trabalho é que se está perante uma IPATH. Significa tão só que se o sinistrado deixou de poder executar todas as anteriores tarefas ou, pelo menos, o seu conjunto fundamental, a incapacidade para o trabalho habitual é considerada total.
De facto, é entendimento do STJ (Ac. do STJ de Uniformização de Jurisprudência de 28/5/2014, Proc. n.º 1051/11.5TTSTB.E1.S1 (Revista), 4ª Secção), com o qual também se concorda, que “...na linha da jurisprudência definida nesta secção os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho.” “A reconversão em relação ao posto de trabalho prevista naquela norma materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade que trabalho que do mesmo decorreram.
Pode, assim, afirmar-se que um trabalhador que foi vítima de um acidente de trabalho é reconvertido em relação ao posto de trabalho que tinha antes do acidente quando o pode retomar, apesar das limitações funcionais de que seja portador em consequência do acidente sofrido.
Quando esse regresso não seja possível, quando essa retoma não seja possível, o trabalhador não é suscetível de reconversão nesse posto de trabalho.”
Assim, não se pode falar em IPATH se o sinistrado retoma a totalidade das suas funções ou, pelo menos, o seu conjunto fundamental, embora com limitações decorrentes das lesões sofridas no acidente. Neste caso, o sinistrado, pese embora os constrangimentos e esforço acrescido continua a conseguir executar as tarefas inerentes ao seu posto de trabalho.
Se não consegue, não é reconvertível em relação ao seu posto de trabalho e, em consequência, está afetado de IPATH.»
São, pois, exemplos típicos de situações de IPATH, aquelas em que o sinistrado não é reconvertível no seu posto de trabalho, sendo que a respeito da determinação do significado da expressão “não for reconvertível para o posto de trabalho” importa considerar o (Ac. do STJ nº 10/2014 de 28/05, publicado no DR, 1ª série, de 30.06.2014), que para efeitos de aplicação do fator de bonificação 1,5 a que alude o nº 5, al. a) das Instruções Gerais da TNI, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: «A expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.»
Lendo-se na sua fundamentação o seguinte: «A reconversão em relação ao posto de trabalho prevista naquela norma materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade de trabalho que do mesmo decorreram.
Pode, assim, afirmar-se que um trabalhador que foi vítima de um acidente de trabalho é reconvertido em relação ao posto de trabalho que tinha antes do acidente quando o pode retomar, apesar das limitações funcionais de que seja portador em consequência do acidente sofrido.
Quando esse regresso não seja possível, quando essa retoma não seja possível, o trabalhador não é susceptível de reconversão nesse posto de trabalho. (…)
Adite-se que na linha da jurisprudência definida nesta secção os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho.»
Por outro lado, como referimos nos (Acórdãos que relatei de 20.01.2020, Proc. nº 3404/18.9T8PNF.1 e de 20.09.2021, Proc. nº5216/18.0T8MAI.P1, ambos com intervenção da, agora, 2ª Adjunta e desta mesma data, 13.01.2025, Proc. nº 15407/20.9T8PRT.P1, com intervenção do, agora, 1º Adjunto (ainda sem publicação),
«O trabalho habitual a considerar será aquele que o sinistrado levava a cabo à data do acidente e que correspondia ao executado “de forma permanente, contínua, por contraposição ao trabalho ocasional, eventual, de curta duração” – cfr. Acórdão da RE 16.04.2015, Proc. 26/14.7TTPTG.E1 (www.dgsi./pt-).
O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caracterizado pela execução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional, não se podendo deixar de concluir que o sinistrado fica afetado de IPATH se as sequelas do acidente lhe permitem, apenas, desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual de tal modo que não permitiria que alguém mantivesse, apenas com essa(s) tarefa(s) residual (ais), essa profissão/trabalho habitual.»
No mesmo entendimento o (Acórdão desta secção de 30.05.2018, Proc. nº 2024/15.4T8AVR.P1, relatora Paula Leal de Carvalho e subscrito pelo, agora, 1º Adjunto), lendo-se no seu sumário o seguinte: “I - O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caracterizado pela execução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional, não se podendo deixar de concluir que o sinistrado fica afetado de IPATH se as sequelas do acidente lhe permitem, apenas, desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual de tal modo que não permitiria que alguém mantivesse, apenas com essa(s) tarefa(s) residual (ais), essa profissão/trabalho habitual.
II - Tratando-se embora a fixação de incapacidade de matéria sobre a qual o juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos, o laudo pericial não tem, todavia, força vinculativa obrigatória, estando sujeito à livre apreciação do julgador (arts. 389º do Cód. Civil e 489º do CPC/2013), devendo, no entanto, a eventual divergência ser devidamente fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária e sendo que o juízo a fazer quanto à questão de saber se as lesões/sequelas determinam, ou não, IPATH passa também pela apreciação do tipo de tarefas concretas que o trabalho habitual do sinistrado envolve, conjugado, se for o caso, com outros elementos probatórios e com as regras do conhecimento e experiência comuns, o que extravasa um juízo puramente técnico-científico.
III - No caso, e em síntese, tendo em conta a matéria de facto provada e decorrendo do parecer emitido pelo Centro de Reabilitação Profissional D… que as sequelas apresentadas pelo A. determinam IPATH por, funcionalmente, o impossibilitarem de realizar a grande maioria das tarefas compreendidas na sua atividade profissional de operador de máquinas de produção industrial, deverá ser-lhe atribuída tal incapacidade.”.
Em suma, deverá considerar-se que o sinistrado se encontra afetado de IPATH se se concluir que o mesmo, devido às sequelas decorrentes do acidente de trabalho, não poderá retomar o seu posto de trabalho, ou seja, o exercício do conjunto fundamental das tarefas que caracterizam o seu posto de trabalho, as tarefas nucleares que o delimitam e que lhe estavam atribuídas à data do acidente.
Trata-se, pois, de situações em que o sinistrado, ficando afetado de incapacidade permanente parcial para o exercício da generalidade das profissões, fica, contudo, afetado de uma incapacidade permanente total de executar aquelas funções habituais.
Conclusão que, implica a apreciação de diversos aspectos, designadamente os que contendem com as concretas funções que o sinistrado habitualmente desempenhava, que devem ser conjugadas quer com as regras da experiência comum, quer com quaisquer outros elementos probatórios, que vão além do juízo técnico-cientifico, (como bem se considerou no citado Acórdão de 30.05.2018) daí resultando o relevo que deve ser dado ao estudo do posto de trabalho, o qual se destina a auxiliar os Peritos Médicos e o julgador a compreenderem a especificidade das funções do sinistrado e as eventuais dificuldades no desempenho de tarefas, desde logo pressupondo a existência de uma incapacidade para o trabalho.
Assim, retomando o caso, ainda que a Junta Médica, por maioria, se tenha pronunciado no sentido do sinistrado não ser portador de IPATH, o que o Mº Juiz “a quo” acolheu, o certo é que não podemos deixar de discordar e concordar com o apelante quando defende que lhe deve ser atribuída IPATH, já que da conjugação das lesões/sequelas de que o mesmo é portador, com as funções essenciais que tem de desempenhar para exercer a sua profissão de técnico de telecomunicações, bem como concluíram os demais pareceres proferidos nos autos, é manifesto que actualmente o sinistrado não consegue realizar o núcleo essencial das funções que exercia como técnico de telecomunicações antes do acidente.
Efectivamente, atendendo à situação clínica actual do sinistrado que apresenta rigidez do tornozelo (incapacidade de realizar flexão dorsal) e às suas tarefas laborais habituais levadas a cabo e executadas em edifícios, caves, pontes, viadutos, florestas que. Incluem e requerem que seja executado trabalho em altura (até 25m), em pisos desnivelados e escorregadios e ao ar livre sob as condições meterológicas que se fizerem sentir a cada momento, implicam a utilização de “escadas, plataformas elevatórias, escadotes e andaimes” e estribos para aceder a “telhados e tetos falsos” (conforme “Descrição da função” da entidade empregadora). Obrigam, também, ao trabalho no subsolo (até 10m) em espaços confinados, de difícil acesso, sob a via pública, tal configura um risco elevado para o mesmo por não possuir a agilidade necessária para as desempenhar, além do mesmo apresentar sequelas cirúrgicas que dificultam todas estas tarefas. Pois, é do senso comum que mesmo que o músculo esteja funcionante (como decorre da resposta dada pelos Srs. Peritos ao quesito 4º), nunca o sinistrado terá a mesma capacidade que tinha antes em termos de estabilização e propulsão para desempenhar as tarefas que desempenhava. Como o mesmo defende e conclui, concordamos que as sequelas do acidente lhe permitem, apenas, desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual que desenvolvia, de tal modo que não permitiria que alguém mantivesse, apenas com essas tarefas residuais a profissão de técnico de telecomunicações que levada a cabo.
Na verdade, se o sinistrado não retoma, pelo menos, o núcleo fundamental das suas funções ou das suas anteriores tarefas, ainda que, com limitações, não é reconvertível em relação ao seu posto de trabalho e, em consequência impõe-se concluir que está afetado de IPATH. O facto de estar impossibilitado de realizar a grande maioria das tarefas compreendidas na sua atividade profissional de técnico de telecomunicações, (as descritas nas alíneas b), e), g), h), i), j) e l), consideradas estruturantes na sua profissão No Parecer do CRPG, com o qual concordamos), as quais como é de conhecimento geral impõem uma constante utilização dos membros superiores e inferiores, a sua destreza, mobilidade e força, a que acresce o facto de existirem diversos e significativos riscos profissionais associados às mesmas (ou seja se tentar desempenhar tais funções corre sério risco de sofrer novo acidente), é nosso entendimento que foi feita prova bastante e credível de que o sinistrado se encontra afetado de IPATH e, consequentemente, não pode manter-se a decisão recorrida no que respeita à não atribuição de IPATH.
Acresce ainda dizer que, como supra explicámos, não concordamos com as razões e fundamentos invocados pelo Mº Juiz “a quo” que o levaram a discordar das perícias que o conduziriam à atribuição de IPATH ao sinistrado e com as quais não podemos deixar de concordar.
Em suma, tendo em conta as limitações funcionais de que o sinistrado é portador, bem como as exigências concretas das tarefas que compõem o núcleo fundamental da sua atividade profissional de técnico de telecomunicações, é de concluir que o mesmo se encontra na situação de IPATH.
Em consequência, julga-se procedente esta questão da apelação e, altera-se a decisão sobre a matéria de facto, passando dela a constar um outro ponto (10) com a seguinte redacção: “Em consequência do acidente de trabalho, a que se alude no ponto 2, o sinistrado ficou a padecer de sequelas que lhe determinaram uma IPP de 7% com IPATH”.
*
Apreciemos, então, a questão de saber se deve ser revogada a sentença recorrida, onde se decidiu que o A. não se encontra afectado de IPATH, já que é desta conclusão que o mesmo discorda, com o argumento de que padece aquela de erros de interpretação e aplicação do direito.
E perante a alteração acabada de determinar quanto à decisão de facto, em concreto, o ponto 10) dos factos dados como assentes, a resposta àquela só pode ser positiva e, sem necessidade de outras considerações, importa que se altere a decisão recorrida, retirando as consequências jurídicas decorrentes do facto de se ter considerado provado que o Autor, em consequência do acidente dos autos, ficou afectado de uma IPP de 7% com IPATH.
Assim, enquadrando juridicamente os factos relevantes para a decisão a proferir, o sinistrado tem direito, em concreto, a uma pensão pela incapacidade permanente de que ficou afectado e ao subsídio por situações de elevada incapacidade, cujo quantum indemnizatório há que determinar.
No que toca à IPP e provado que está que o sinistrado se encontra incapaz para o trabalho habitual, o coeficiente de incapacidade a atender para efeitos do cálculo da pensão é de 10,5% (7% x 1,5 em razão da não reconversão do sinistrado ao posto de trabalho – ponto 5 das instruções gerais da TNI).
Quanto à pensão por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, ela deve oscilar entre €11.850,00 (€23.700,00 x 50%) e €16.590,00 (€23.700,00 x 70%). Aplicando a IPP de que padece o sinistrado à diferença, chegamos ao valor de €12.347,70 [(€16.590,00 – €11.850,00) x 10,5% + €11.850,00], a título de pensão anual e vitalícia – art. 48º, nº 3, alínea b).
A pensão é devida a partir de 01.08.2017 (dia seguinte ao da alta) – art.s 47º, nº 1, alínea c), 48º, nº 3, alínea b) e 50º, nº 2, da LAT, (Lei nº 98/2009) – e actualizável desde Janeiro de 2018 de acordo com as Portarias publicadas nesta matéria (Portarias nº 22/2018, de 18.01; nº 23/2019, de 17.01; nº 278/2020 de 04.12; em 2021 a pensão manteve-se inalterada; nº 6/2022, de 04.01; nº 24-A/2023, de 09.01; nº 423/2023, de 11.12; nº 6-A/2025/1, de 06.01): em 2018 – €12.569,95; em 2019 – €12.771,06; em 2020 e 2021 – €12.860,46; em 2022 - €12.989,06; em 2023 - €14.080,14; em 2024 - €14.924,95 e em 2025 - €15.313,00.
Determina ainda o art. 67º, nº 3, daquela Lei nº 98/2009 que “A incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual confere ao beneficiário direito a um subsídio fixado entre 70% e 100% de 12 vezes o valor de 1,1 IAS, tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível”, é o denominado subsídio de elevada incapacidade.
Por sua vez, o nº 5 do mesmo artigo preceitua que, “O valor IAS previsto nos números anteriores corresponde ao que estiver em vigor à data do acidente”.
Na data do acidente (05.01.2017) o valor do indexante dos apoios sociais era de €421,32 (Portaria nº 4/2017, de 03.01), pelo que tem o sinistrado direito a receber a quantia de €4.068,18.
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Aos valores acima fixados acrescem os juros de mora devidos até efectivo pagamento, nos termos previstos no art. 135º, do CPT, uma vez que a mora não é imputável ao credor, ora sinistrado (cfr., neste sentido, o Ac. do STJ, de 22.02.2018, Proc. nº 326/13.9TTPRT.P1.S3).
No caso da pensão por IPP com IPATH, os juros são devidos desde o dia seguinte ao dia da alta, ou seja, desde 01.08.2017, nos termos do art. 50 nº 2, da LAT.
De igual forma contabilizam-se os juros relativos ao subsídio de elevada incapacidade, pois que a incapacidade existia já na data da alta.
A taxa de juros aplicável é a de 4%, prevista na Portaria nº 291/03, de 08-04, sem prejuízo de outras que venham eventualmente a vigorar.
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Procede, assim, a apelação.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em conceder o recurso interposto e, em consequência decide-se, em concreto, alterar o teor das al.s A) e B) do dispositivo da sentença e o segmento decisório da mesma, a qual se substitui pelo presente acórdão, declarando-se que o sinistrado AAfoi vítima de um acidente de trabalho, em 05.01.2017, e em consequência: A) Julga-se que do acidente sofrido resultou para aquele uma IPP de 10,5% (7% x 1,5), com IPATH, desde 31.07.2017, data da alta clínica. B) Condena-se a responsável “B..., S.A. no pagamento ao sinistrado: 1) Da pensão anual e vitalícia, no montante de €12.347,70 (doze mil trezentos e quarenta e sete euros e setenta cêntimos), desde 01.08.2017, actualizável desde Janeiro de 2018, (em 2018 – €12.569,95; em 2019 – €12.771,06; em 2020 e 2021 – €12.860,46; em 2022 - €12.989,06; em 2023 - €14.080,14; em 2024 - €14.924,95 e em 2025 - €15.313,00) acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal, desde 01.08.2017 até efectivo e integral pagamento. 2) Do subsídio para situações de elevada incapacidade, no valor de €4.068,18 (quatro mil e sessenta e oito euros e dezoito cêntimos), acrescido dos juros de mora, contados à taxa legal, desde 01.08.2017 até efectivo e integral pagamento.
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Custas pela seguradora.
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Valor da acção – €196.089,92 - artigo 120º, nº 1, do CPT.
*
Após trânsito, remeta certidão desta decisão à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões – art. 137º, do CPT ”.
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No mais, mantém-se o dispositivo daquela.
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Porto, 13 de Janeiro de 2025
*
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Relatora: - (Rita Romeira)
1º Adjunto: - (Rui Penha)
2ª Adjunta: - (Teresa Sá Lopes)