LIBERDADE CONDICIONAL
PRESSUPOSTOS
CARACTERIZAÇÃO
Sumário

I - A liberdade condicional constitui uma etapa normal da execução das penas de prisão.
II - Desta normalidade da passagem da execução da pena de prisão pela fase da liberdade condicional tem dado conta uma significativa jurisprudência dos tribunais superiores, sendo a liberdade condicional concedida com naturalidade quer a meio quer aos dois terços da pena, independentemente da gravidade do crime cometido ou da pena aplicada, desde que verificados os pressupostos formais e materiais daquela.
III - Afinal de contas, a liberdade condicional mais não é do que a continuação da execução da pena de prisão por noutros meios.
IV - Num sistema penal de cariz humanista e baseado na dignidade da pessoa humana como o da nossa República (artigo 1º da Constituição) em que a privação da liberdade é a ultima ratio da política criminal, o instituto da liberdade condicional é a principal via de prossecução dos fins que o direito penal - a prevenção do crime e reintegração do condenado na sociedade – quando concretizado numa pena de prisão efetiva visa atingir sem perder a legitimação material de causar o mínimo mal possível, a mínima violência ao condenado.
V - No caso dos autos, se é certo que as exigências de prevenção especial iniciais, no momento da entrada da prisão do condenado para cumprimento de três penas sucessivas de prisão, num total de 10 anos e 9 meses de prisão por vários crimes de furto, eram elevadas, é preciso não esquecer o encarceramento já sofrido (7 anos, para mais sem saídas jurisdicionais) que é um fator forte de consciencialização, persuasão ou mesmo intimidação para seguir a sua vida no futuro sem cometer crimes, bem como o suporte e retaguarda familiar, a integração laboral passada e projetada para o futuro, assim como a abstinência do consumo de ‘drogas duras’ e o tratamento - não obstante ter consumido canabis no estabelecimento prisional e ter sido por isso punido disciplinarmente-, a que acresce o facto de já ser sexagenário, bem como a possibilidade de vir a ser revogada a liberdade condicional em caso de incumprimento das condições ou face ao cometimento de novos crimes, afigura-se ser possível formular um juízo positivo de que o condenado cumprirá de forma adequada a fase da liberdade condicional da execução da pena de prisão e que no futuro conduzirá a sua vida sem cometer crimes.

Texto Integral

 Processo n.º 312/17.4TXCBR-N.P1


Sumário (da responsabilidade do relator):
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Relator: William Themudo Gilman
1º Adjunto: Paula Cristina Jorge Pires
2ª Adjunta: Maria dos Prazeres Silva
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:
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1 - RELATÓRIO


No Processo n.º 312/17.4TXCBR-A do Tribunal de Execução das Penas do Porto, Juízo de Execução das Penas do Porto - ..., em 27-09-2024, foi proferida decisão de não colocar o condenado AA em liberdade condicional.
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Não se conformando com esta decisão, recorreu o condenado, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
«1-Seria desejável que a decisão tomada, não se imponha só em razão da autoridade do órgão que a tomou, mas, acima de tudo pela sua racionalidade, não podendo a mesma fundamentação ser parca, ao ponto que não habilite um Tribunal Superior a uma avaliação cabal e segura do porquê da decisão e do seu suporte “lógico–mental”, pois só desta forma se asseguram as garantias constitucionais de defesa.
2-Parece evidente, que não está de todo “fornecida” uma exposição completa, ainda que concisa, dos motivos que fundamentam a decisão ora recorrida, não permitindo então uma correcta e segura avaliação global, quer da ilicitude do(s) facto(s), quer da personalidade do condenado, tudo o que, constitui pressuposto imprescindível da decisão/despacho a efectivar, e por tudo isto, está hoje o aqui Arguido/Recorrente impedido de verdadeiramente entender, qual a razão que levou o tribunal “a quo”, pese embora já cumprida ½ da sua pena, ver-lhe recusada a sua colocação no regime da Liberdade Condicional, pois tudo parece “mui” baseado numa convicção pouco ou nada objectiva do Julgador e, não motivada de forma lógica e racional.
3-O aqui Recorrente, efectivamente tem total consciência do muito que prevaricou, e tão pouco pretende escamotear, a gravidade do crime por si cometido, contudo, não pode o mesmo deixar de assinalar, as múltiplas divergências que tem relativamente á decisão ora recorrida, ora, na humilde opinião do recorrente, o despacho recorrido não fez adequada interpretação do disposto no Artº. 61 do C.P., designadamente do disposto nos seus nº.(s) 1 e 2, já que, os motivos apontados como causa para a não concessão da Liberdade Condicional, não são, “de per si”, suficientes fortes para o Tribunal “a quo” ter decidido como decidiu.
4- Não pode o aqui recorrente iniciar a sua pretensão recursiva sem deixar de sublinhar que o recorrente tem 62 anos, pretendendo laborar e autonomizar-se.
5- Aliás, em liberdade irá integrar o agregado familiar da irmã BB, até que este consiga organizar a sua vida pessoal e autonomizar-se. Esta em reside andar-moradia T3, dispondo ainda de um terreno de cultivo, com adequadas condições de habitabilidade, sito num meio rural sem conotação com problemáticas sociais e criminais de relevo.
6- O Recorrente verbaliza arrependimento, beneficia de acompanhamento clinico, na especialidade de psicologia mas ainda não beneficiou de medidas de flexibilização da pena e frequenta um curso de informática com equivalência ao ensino secundário.
7- Quanto a fumar haxixe no meio prisional, não podemos deixar de reconhecer a facilidade com que este tipo de estupefacientes penetra nesse meio e ali circula de modo quase livre. O facto de admitir o consume de uma droga leve, não faz dele uma pessoa incapaz de se ressocializar, sendo que para tal terá que ser-lhe dada uma “oportunidade de mostrar o que vale”.
8- Pese embora o esforço do Tribunal “a quo” em justificar no seu entendimento que: “…reconhece a ilicitude mas sem assunção da culpa pessoal, desculpabilizando-se com a recaída no consumo de estupefacientes, sem reflexão genuína sobre os danos causados às vitimas…”, é entendimento pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, que na apreciação da concessão da Liberdade Condicional, não esquecendo a prevenção geral, a principal preocupação deve consistir em determinar se é fundamentado um juízo de prognose favorável à referida concessão.
9- E neste juízo de prognose exerce fundamental relevo a evolução da personalidade do condenado durante a execução da pena de prisão, no fundo, este novo elemento de prognóstico é o fiel da balança, que “in casu” deveria ditar o sentido favorável da decisão.
10- Na verdade, como ensina Figueiredo Dias: “…decisivo é o comportamento do condenado, como exteriorização de uma dada personalidade, não tanto o adequado comportamento prisional «em si», no sentido adaptativo e de obediência e conformismo táctico e pragmático aos regulamentos, mas a evolução da personalidade, materializada e espelhada no comportamento prisional, como índice de (re) socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade, de modo a não cometer crimes…”.
11- Pois como já atrás já explanado, nada parece fundadamente apontar, que o mesmo em liberdade não conduziria a sua vida de modo socialmente responsável, ou que a sua libertação se revele perfeitamente incompatível com a defesa da ordem e da paz social, atendendo ainda à sua avançada idade…
12- Pelo que, não obstante a factualidade provada, o passado criminal e a natureza do(s) crime(s) em causa, a pena a cumprir pelo aqui Recorrente torna-se excessivamente penalizante, não tendo com isso tido o Tribunal “a quo” também em conta, a crescente degradação em que se encontram a todos os níveis os Estabelecimentos Prisionais em Portugal. Permanecer em reclusão não lhe trará qualquer benefício, ao contrário do que poderá suceder no exterior.
13- E sendo certo que será necessário ter em conta que do outro lado da balança estão os interesses fundamentais de uma comunidade, com facilidade essa mesma comunidade entenderia (como “in casu” parece entender), dado o atrás já exposto, que mesmo estando prevista a pena de prisão, esta na sua aplicação poderia ter sido bem menos penalizadora.
14- Nesta medida, no entender do aqui Recorrente, nesta operação existiu uma sensível desproporcionalidade entre dois pontos essenciais que o regime penal Português pretende assegurar (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), sendo que mais uma vez a decisão ora recorrido foi “cego” perante a importância da reintegração do agente na sociedade.
15- Foi pois precisamente em sentido contrário ao exposto que perfilhou o Tribunal “a quo” ao escorar desmesuradamente na sua decisão no seu registo criminal.
16- Será efectivamente justo que o aqui Condenado/Recorrente, atingido que foi o meio da pena, não tenha sido colocado em Liberdade Condicional, pois como já atrás já explanado, nada parece fundadamente apontar, que o mesmo em liberdade não conduziria a sua vida de modo socialmente responsável, ou que, a sua libertação se revele perfeitamente incompatível com a defesa da ordem e da paz social, pelo que, e não obstante a factualidade provada, o passado criminal e a natureza do(s) crime(s) em causa, a pena a cumprir pelo aqui Recorrente torna-se excessivamente penalizante, não tendo com isso tido o Tribunal “a quo” também em conta, a crescente degradação em que se encontram a todos os níveis os Estabelecimentos Prisionais em Portugal.
17- Por outro lado, sempre se diga que os fundamentos invocados na decisão sob recurso, não se bastam para afirmar que também ainda subsistem necessidades de prevenção especial que obstam a que seja efectuado um juízo de prognose favorável, outrossim, importa aferir da evolução da personalidade e comportamento do recorrente durante a execução da pena e, se perante esse comportamento, é expectável que em liberdade o mesmo não reincida, ou seja, importa operar um juízo de prognose partindo das premissas de avaliação resultantes da análise da personalidade do recorrente exposta no período da reclusão.
18- Pelo tribunal “a quo”, foram valorados exageradamente alguns aspectos em desfavor do arguido e, dada pouca ou nenhuma importância a aspectos que poderiam valorizar a pessoa do aqui recorrente
19- Importa aferir da evolução da personalidade e comportamento do recorrente durante a execução da pena e, se perante esse comportamento, é expectável que em liberdade o mesmo não reincida, operando um juízo de prognose partindo das premissas de avaliação resultantes da análise da personalidade do recorrente exposta no período da reclusão.
20- Nesta consonância relembre-se que:
- No meio prisional as infracções disciplinares registadas são apenas por posse de canábis.
- A nível escolar e formativo, o condenado frequenta o curso de informática;
- Tem problemática aditiva apenas de canabinoides, com acompanhamento clínico.
- Em liberdade irá integrar o agregado familiar da irmã BB (com ascendente quase materno sobre o mesmo) a qual tem condições para o receber e deseja que tal aconteça.
- Ainda não beneficiou de medidas de flexibilização da pena.
- No EP encontra-se em regime comum.
- No EP beneficia de acompanhamento clinico, na especialidade de psicologia, no âmbito da manutenção e prevenção da recaída em estupefacientes.
- Confrontado com os crimes pelos quais cumpre pena, admite a sua prática, reconhece a ilicitude.
21- O Tribunal valorou excessivamente as declarações do aqui recorrente na audição a que procedeu, como demostrativo de uma alegada insuficiente desvalorização da conduta e, retirou credibilidade ao que permitiria aferir da evolução da sua personalidade traduzida na interiorização da conduta que o recorrente manifesta.
22- A talho de foice, mais nos atrevemos a afirmar, que a decisão recorrida labora em equívoco ao perfilhar o entendimento de que a prevenção especial se encontra umbilicalmente ligado à necessidade de arrependimento por parte do condenado manifestado na interiorização do desvalor da sua conduta, quando, a lei se basta com a existência de um juízo de prognose favorável de que em liberdade o condenado não voltará a cometer ilícitos criminais.
23- A respeito desta matéria, veja-se o eloquente Acórdão da Relação do Porto, onde se decidiu que: “Não é requisito de concessão da liberdade condicional (a meio da pena ou cumpridos dois terços da mesma, nos termos dos nº.(s) 2 e 3 do referido Artº. 61º.) que o condenado revele arrependimento e interiorize a sua culpa. Tal é, seguramente, uma meta desejável à luz das finalidades da pena, mas que supõe uma mudança interior que não pode, obviamente, ser imposta. A lei exige, antes, que se verifique um prognóstico no sentido de que o recluso não voltará a cometer novos crimes.”
24- Sendo certo que “in casu”, sendo a liberdade condicional um instrumento de transição, sem sobressaltos ou corte abrupto entre a reclusão e a liberdade, em ordem a uma efectiva ressocialização e integração na sociedade, visando a gradual preparação do condenado para o reingresso na vida livre, atingido que está o meio da pena e, indiciando-se que não há risco de o condenado persistir na actividade criminosa, a liberdade condicional não deveria ser a excepção, mas sim a regra.
25- Assim, o tribunal “a quo” valorou exageradamente alguns aspectos em desfavor do arguido e, dada pouca ou nenhuma importância a aspectos que poderiam valorizar a pessoa do aqui recorrente.
26- O Recorrente não entende nem concorda, como, e com que fundamentos é que o Tribunal “a quo”, conclui na sua decisão que o mesmo, “…a sua autocrítica continua muito incipiente, sem assunção da culpa pessoal, sem reflexão sobre os danos causados às vitimas e à sociedade, justificando a sua conduta com a recaída no consumo de estupefacientes, verbalizando arrependimento apenas autocentrado nos custos da reclusão.”
27- Pelo exposto, o Recorrente mostrou inequivocamente que se encontram reunidas todas as condições exigidas por lei para que o mesmo possa gozar de um período de readaptação à sua plena liberdade.
28- O percurso de vida prisional do recorrente nestes já longos anos de reclusão, é exemplo de que, assumiu e interiorizou a gravidade da sua conduta criminosa, repudia-a hoje, por completo, tem propósito firme de se integrar pessoal, social e profissionalmente, e de se afastar, por completo, da senda criminosa, já que, com 62 anos, pretende ter uma vida calma e sem atribulações criminosas.
29- Os anos de reclusão do Recorrente, indubitavelmente, deram-lhe oportunidade para que reflectisse criticamente sobre o seu passado desviante, e interiorizasse as consequências nefastas que o mesmo teve para si e para terceiros.
30- Sendo inequívoca a real vontade do Recorrente, se reintegrar, adoptando um comportamento socialmente responsável e cumpridor dos normativos legais.
31- Na decisão recorrida ao não ter sido feito, para efeitos do disposto no art. 61.º, n.º 2 do C.P., um prognóstico individualizado e favorável de reinserção social, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o Recorrente, uma vez em liberdade, adoptará um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal, violou-se o art. 61.º, n.º 2, al. a) do referido preceituado legal.
32- O tribunal “a quo” ao entender que a libertação do condenado se revela incompatível com a defesa da ordem e da paz social, violou o artigo 61.º n.º 2 al. b) do Código Penal Português.
33- Olvidando-se com tudo isto, também as recomendações do relatório da CEDER-SP, o qual, considera que a liberdade condicional tem a maior importância no sistema de execução de pena de prisão, em especial na execução de penas de média e longa duração, como é a do caso aqui em apreço.
34- O Recorrente entende pois, salvo melhor opinião, não existirem “in casu” obstáculos, de facto e/ou de direito, à sua libertação condicionada, nos termos dos artigos 61.º, n.º 2, 52.º a 54.º, ex. vi Artigo 64.º, todos do Código Penal.
35- O despacho de que ora se recorre deve, assim, ser revogado e substituído por outro que julgue verificado o pressuposto do artigo 61.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código Penal, concedendo-se a possibilidade ao Recorrente de beneficiar da liberdade condicional imediata.
Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso, concedendo ao recorrente a liberdade condicional, fazendo-se dessa forma JUSTIÇA.»
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O Ministério Público, nas suas alegações de resposta, pronunciou-se pela improcedência do recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões (transcrição):
«1- Face ao percurso de vida do recorrente, espelhado nos seus antecedentes criminais e postura face aos crimes, suficientemente reveladoras da sua personalidade, não é possível, neste momento, efectuar um juízo de prognose favorável no sentido de que o mesmo conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes;
2 - A consideração da prevenção especial, essencial nesta fase de cumprimento da pena, constitui uma ponderação real e efectiva sobre o seu comportamento em liberdade, de acordo com o modo como o mesmo vem cumprindo a pena a que foi condenado e postura face aos crimes cometidos;
3- A forma ambivalente como o mesmo se posiciona face aos crimes assumindo-os e desculpabilizando-se com a sua problemática aditiva e dificuldades económicas, é motivo atendível e ponderoso para a conclusão de que existe sério receio sobre o seu futuro comportamento em liberdade, desde logo porque mantém consumos de substâncias estupefacientes em sede prisional e não tem trabalho assegurado no exterior;
4 – A prática de infracções disciplinares no decurso da execução da pena, e a sua desvalorização são também reveladoras da sua personalidade e da dificuldade que o mesmo manifesta no cumprimento de regras e assunção das suas responsabilidades;
5 – Como se refere no Ac. da relação do Porto de 10.07.2013, proferido no proc. 3637/10.6TXPRT-K.P1 “não se pode minimizar o relevo que assumem as infracções disciplinares (…), não tanto pela sua gravidade intrínseca, mas pelo que revelam da dificuldade (…) de manutenção de um comportamento normativo; e se assim é num meio fechado, sujeito a controlo apertado, dúvidas bem pertinentes se suscitam em relação à adopção de eventuais comportamentos ilícitos após o retorno ao meio livre”.
6 – A circunstância de ainda não ter reunido condições para beneficiar de medidas de flexibilização da pena são também um óbice à concessão de liberdade pois, não obstante não constituírem “formalmente um requisito para o deferimento da liberdade condicional”, são um instrumento muito relevante para a “emissão de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do recluso” que “fica por norma bem mais sólido, se densificado com um ou vários períodos prévios de saídas”;
7 - Como se conclui no acórdão da Relação do Porto, proferido em 20.04.2022, publicado in www.dgsi.pt “o número e a natureza dos crimes cometidos, o seu padrão comportamental durante a reclusão (várias sanções disciplinares), a problemática não resolvida da toxicodependência, as perspectivas pouco consistentes de vir a dedicar-se ao trabalho (…)” apontam para “um risco muito elevado de que o arguido em liberdade (…) não venha a pautar a sua vida por padrões socialmente responsáveis”
8 - No caso dos autos, não se mostra suficientemente assegurada a verificação dos pressupostos previstos no art. 61º do C. Penal, designadamente o da alínea a) do seu nº 2, não sendo possível, ainda, fazer um juízo de prognose favorável ao seu comportamento em liberdade;
9 - Não foram violados quaisquer preceitos legais, tendo o Tribunal a quo feito uma correcta interpretação dos factos e da aplicação do Direito no caso em apreço.
Termos em que se conclui sufragando a posição adoptada pelo Tribunal a quo na douta decisão sindicada, manifestando-nos pela improcedência do recurso interposto.
De todo o modo, Venerandos Desembargadores com o douto saber e suprimento de Vªs. Exªs., far-se-á, como sempre JUSTIÇA.»
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Nos termos do artigo 414º, nº 4, do Código de Processo Penal, a Sra. Juiz do processo sustentou a decisão recorrida.
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Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que se deverá julgar o presente recurso improcedente e manter-se o despacho recorrido nos seus precisos e exatos termos, com todas as legais consequências substantivas e adjetivas.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do CPP.
O recorrente respondeu ao parecer, mantendo o alegado nas suas motivações de recurso.
Colhidos os vistos e indo os autos à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1 - QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, a questão apreciar e decidir é a da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da liberdade condicional.
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2.2- A DECISÃO RECORRIDA:
É o seguinte o teor da decisão recorrida (transcrição):
«I. Relatório
Corre termos o presente processo de liberdade condicional referente ao recluso AA, devidamente identificado nos autos, o qual cumpre, em sucessão, uma pena global de 10 anos e 9 meses de prisão.
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Foi realizada a instrução, com elaboração dos pertinentes relatórios e junção de CRC atualizado.
Reunido o Conselho Técnico, procedeu-se à audição do recluso, o qual consentiu na aplicação da liberdade condicional.
Os elementos do Conselho Técnico emitiram parecer unânime desfavorável à concessão da liberdade condicional.
O Ministério Público teve vista do processo, emitindo igualmente parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.

II. Factos provados
Com relevo para a decisão a proferir, mostram-se assentes os seguintes factos:
A. O recluso cumpre uma pena de 4 anos de prisão a que foi condenado no proc. … pela prática de um (1) crime de furto qualificado. Esta pena foi inicialmente suspensa na sua execução e mais tarde revogada.

B. Cumpre ainda a pena única de 6 anos e 9 meses de prisão, resultante de dois cúmulos jurídicos efectuados no proc. …, pela prática de quatro (4) crimes de furto qualificado, dois deles na forma tentada, e três (3) crimes de furto simples.

C. O recluso já cumpriu metade de cada uma das penas em 25.10.2022, os 2/3 da soma das penas ocorreram em 10.08.2024, os 5/6 da soma das penas serão alcançados em 25.05.2026, estando o termo previsto para 10.03.2028.

D. Foi condenado no Processo … na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pela prática de um crime de falsidade de testemunho agravado, pena essa que, por decisão de 31/05/2023, veio a ser convertida em 200 dias de prisão subsidiária, com execução suspensa, pelo período de um ano.

E. Do CRC do recluso resulta que o mesmo tem ali averbadas outras condenações pela prática de crimes da mesma natureza, pelos quais foi condenado em penas de prisão suspensas na execução e condenações em pena de multa, sendo esta a sua primeira reclusão.

E. O recluso
a) Nasceu em ../../1962.
b) Possui o 9º ano de escolaridade;
c) Iniciou-se laboralmente pelos 17 anos de idade, como serralheiro, tendo laborado em diversas empresas. Posteriormente, trabalhou numa empresa do ramo automóvel, onde se manteve durante 15 anos e da qual se desvinculou-se na sequência do seu modo de vida desorganizado, consequência da problemática da toxicodependência.
d) Iniciou-se nos consumos de substancias psicotrópicas, pelos 21 anos de idade, que rapidamente evoluíram para substâncias de maior poder aditivo, como heroína e cocaína, e integrou várias comunidades terapêuticas.
e) Em abril de 2012, passou a laborar como monitor na Comunidade Terapêutica “...”, em ..., após concluir o tratamento de desintoxicação, nesta mesma clínica. Contudo, em abril de 2016, rescindiu contrato, consequência da sua instabilidade e recaída no consumo de estupefacientes.
f) Em 11 de setembro de 2023 foi submetido a teste de despistagem com resultado positivo a canabinóides – cfr. fls. 354. Regista duas sanções disciplinares de 10 dias de POA e 3 dias de POA, ambas por posse de canábis.
g) Em liberdade irá integrar o agregado familiar da irmã BB, apoio este condicionado no tempo, até que este consiga organizar a sua vida pessoal e autonomizar-se.
h) O agregado familiar é constituído pela irmã, 68 anos de idade, reformada, e pelo companheiro desta, 61 anos de idade, ativo laboralmente no sector da construção civil.
h) Residem num imóvel andar-moradia, de tipologia 3, dispondo ainda de um terreno de cultivo, com adequadas condições de habitabilidade, sito num meio rural sem conotação com problemáticas sociais e criminais de relevo.
i) O rés-do-chão desta moradia é ocupado pelo ex-cunhado do condenado, com o qual é referido um relacionamento positivo.
j) O condenado não dispõe de outra retaguarda familiar, uma vez que a restante família distanciou-se do mesmo, fruto do seu estilo de vida.
l) Em meio livre, não apresenta qualquer perspectiva laboral, pretendendo requerer o RSI.
m) Até se autonomizar, a sua subsistência será assegurada pelos rendimentos do agregado familiar da irmã, provenientes da reforma por velhice, no valor de €483 mensais, e no o salário mínimo nacional auferido pelo companheiro desta, ativo laboralmente no setor da construção civil.
n) Ainda não beneficiou de medidas de flexibilização da pena.
o) No EP encontra-se em regime comum.
p) No EP não trabalha. Frequenta um curso de informática com equivalência ao ensino secundário.
q) No EP beneficia de acompanhamento clinico, na especialidade de psicologia, no âmbito da manutenção e prevenção da recaída em estupefacientes.
r) Confrontado com os crimes pelos quais cumpre pena, admite a sua prática, reconhece a ilicitude mas sem assunção da culpa pessoal, desculpabilizando-se com a recaída no consumo de estupefacientes, sem reflexão genuína sobre os danos causados às vitimas, verbalizando arrependimento essencialmente autocentrado nos custos da reclusão.
s) Ouvido, prestou as declarações que se encontram gravadas conforme auto de fls. 394 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

III. Motivação da matéria de facto

Para prova dos factos acima descritos, o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos, analisados de forma objetiva e criteriosa e complementados pelos esclarecimentos prestados em sede de Conselho Técnico:
- Certidão da sentença condenatória e da liquidação da pena;
- Ficha biográfica;
- Relatório dos serviços de educação;
- Relatório dos serviços de reinserção social;
- Certificado do Registo Criminal;
- Declarações do recluso (gravadas) de fls. 394.

IV. Fundamentação jurídica

O instituto da liberdade condicional, enquanto incidente de execução da pena de prisão que antecipa a libertação do condenado, visa eliminar ou, pelo menos, esbater, o efeito criminógeno da pena e consequente aumento das dificuldades dos condenados em regressarem, de forma integrada, ao seio da comunidade, terminado que seja o respetivo cumprimento (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, págs. 528 e 542).
Pode ler-se, a propósito, no ponto 9 do Preâmbulo do C. Penal (1982): «Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve, na política do Código, um objetivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.».
Não estamos, assim, perante um instituto concebido como medida de clemência ou como mera compensação pela boa conduta prisional, mas antes, como um incentivo e auxílio ao condenado, uma vez colocado em meio livre, a não recair na prática de novos delitos, permitindo-lhe uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais.
Daí que, sejam razões de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização que estão na base do instituto, em plena conformidade, aliás, com as finalidades das penas assinalados no art. 40º, nº 1, do Código Penal (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 528).
Estatui o art. 61º do Código Penal que:
1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.
A concessão da liberdade condicional depende da verificação de pressupostos formais e substanciais.
São pressupostos de natureza formal de tal instituto os seguintes:
a) O consentimento do condenado (artigo 61º, nº 1, do Código Penal (CP);
b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nº 2 e 63º, nº 2, do CP);
c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nºs 2, 3 e 4 e 63º, nº 2, do CP).
A liberdade condicional quando referida a 1/2 ou a 2/3 da pena (liberdade condicional facultativa) consiste num poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei, sendo que estes últimos são em número diferente consoante estejamos perante o final do primeiro ou do segundo dos supra referidos períodos de execução da pena de prisão.
Por seu turno, são requisitos substanciais (ou materiais) da concessão da liberdade condicional (exceto na situação do n.º 4):
a) que, de forma consolidada, seja de esperar, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, tendo-se para tanto em atenção as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a respetiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão (que constituem índices de ressocialização a apurar no caso concreto); e
b) a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social (exceto, também, na situação do n.º 3).
Ora, no que se reporta aos requisitos da liberdade condicional, é comummente aceite e lido que a alínea a) se reporta e assegura finalidades de prevenção especial, ao invés da alínea b) que antes visa finalidades de prevenção geral.
Como tal, dando o efetivo relevo ao fito de reinserção social por parte da liberdade condicional, vislumbrável através da condução de vida por parte do libertado condicional de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, haverá para tanto que no caso em análise, para efeitos da alínea a) – no propósito de prevenção especial inerente – atender-se, fundadamente, a tais dimensões subjetivas pelas seguintes vias:
1) circunstâncias do caso: tal análise deve ser concretizada na valoração concreta dos crimes cometidos e pelos quais operou condenação em pena de prisão, o que se deve fazer por via da apreciação da natureza dos crimes e das realidades normativas que deram azo à efetiva determinação concreta da pena, face ao art. 71.º CP e, por efeito inerente, à medida concreta da pena, assim se atendendo ao grau de ilicitude do facto, ao concreto modo de execução deste, bem como à gravidade das suas consequências e ao grau de violação dos deveres impostos ao agente; determinando a intensidade do dolo ou da negligência considerada; atendendo aos provados sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; acompanhando as condições pessoais do agente e a sua situação económica; atentando na conduta anterior ao facto e na posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; considerando a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta foi censurada através da aplicação da pena.
2) consideração da vida anterior: tal análise deve ser concretizada na valoração concreta do constante do CRC – simples existência, ou não, de antecedentes criminais.
3) personalidade do condenado: tal análise deve ser concretizada na valoração concreta, ainda que por via estatística, do passado criminal postulado nos existentes antecedentes criminais, elemento este que se pode revelar como fortemente indiciador de uma personalidade disforme ao direito e, como tal, não merecedora da liberdade condicional, tudo com o firme propósito de aquilatar e compreender se o determinado percurso criminoso do condenado se gerou em circunstâncias que o mesmo não controlou, ou não controlou inteiramente (a chamada culpa pela condução de vida).
4) evolução da personalidade do condenado durante a execução da pena de prisão: tal análise deve ser concretizada na valoração concreta, não só pelos comportamentos assumidos institucionalmente pelo condenado no seio prisional (a vulgar esfera interna psíquica do condenado), mas essencialmente por via dos padrões comportamentais firmados de modo duradouro e que indiciem um concreto e adequado processo evolutivo de preparação para a vida em meio livre, sempre temperados nos limites da liberdade condicional.
Por seu turno, para efeitos da alínea b) – no propósito de prevenção geral inerente – há que atender a tal dimensão subjetiva através do assegurar do funcionamento da sua vertente positiva, que a lei, outrossim, já prevê como uma das suas valências ao instituir que a mesma serve a defesa da sociedade (art. 42º, nº1 do Cód. Penal.
Por último, em termos de duração da liberdade condicional, fixa o nº5 do art. 61º do Cód. Penal, que esta tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.
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Perante a factualidade apurada com relevo para a decisão a proferir, no que se reporta aos pressupostos formais da concessão da liberdade condicional, podemos concluir pelo seu preenchimento, porquanto o recluso já cumpriu 2/3 da pena de prisão em que se mostra condenado e declarou aceitar a aplicação da liberdade condicional.
Verificados que estão os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional, cumpre avaliar o preenchimento dos respetivos requisitos de natureza material, os quais, dada a presente fase da execução da pena, são os estabelecidos no artigo 61º, nº2, alínea a) do Código Penal.
Assim, quanto à prevenção especial, a questão que cumpre ao Tribunal responder é, então, a de saber – num juízo de prognose – se a personalidade do condenado e a evolução desta durante a reclusão, gerou um efectivo e empreendido processo de mudança, em moldes tais que no futuro se pode fundadamente esperar que não volte a cometer crimes
Para tal, nada melhor do que recorrer ao lugar paralelo reportado no Ac. da RP de 27jan2016 (), onde se pode ler que: “Para poder emitir um juízo favorável à concessão de liberdade condicional o juiz de execução das penas tem de ponderar o passado do condenado, avaliando o seu progresso.” – cit - Ac. RP de 31/10/2012, proc 3536/10.1TXPRT-H.P1, in www.dgsi.pt e é neste seu progresso, finalidade da execução da pena (art. 42º/1CP “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”) que o juízo de prognose favorável à libertação do arguido tem o seu fundamento, por ai radicar a necessidade ou não de continuação do cumprimento da pena.
A resposta não pode deixar de ser negativa.
Com efeito, a factualidade provada demonstra que o desvalor objetivo dos factos subjacentes aos crimes aparece como muito acentuado, manifestado, nomeadamente, no número de crimes e no período em que perdurou a conduta, demonstrando um muito firme e renovado propósito criminoso.
Com efeito, o recluso já havia sido condenado pela prática de crimes da mesma natureza, inclusive, em pena de prisão suspensa na execução e nada foi suficiente para o afastar da prática criminosa, levando mesmo à revogação da suspensão de uma das penas- cfr. fls. 53 a 56-.
Este comportamento demonstra uma personalidade tendencialmente desviante e resistente às sanções penais, a fazer elevar também as necessidades de prevenção especial.
Ou seja, se é verdade que em meio livre possui o apoio do seu agregado familiar da sua irmã (embora apenas temporariamente até se autonomizar), interessados na sua reinserção, não é menos verdade que que as reações penais anteriormente determinadas, não foram suficientes para obviar o percurso criminógeno que há muito decidiu encetar.
Acresce que, a sua autocrítica continua muito incipiente, sem assunção da culpa pessoal, sem reflexão sobre os danos causados às vitimas e à sociedade, justificando a sua conduta com a recaída no consumo de estupefacientes, verbalizando arrependimento apenas autocentrado nos custos da reclusão.
Ao mesmo tempo que justifica a prática dos factos com o consumo de estupefacientes, continua a demonstrar que, mesmo em meio controlado, não se mostra afastado dos mesmos, como se conclui não só pelo resultado do teste efectuado em 11/09/2023, ao acusar positivo para o consumo de haxixe mas também pelas duas novas sanções disciplinares por posse de canábis.
Este comportamento, que, aliás, o recluso continua a considerar “comum no meio prisional”, admitindo que “recorre ao haxixe para ficar mais bem disposto Sabe que é incorrecto mas faz-lhe melhor que os produtos legais.”, eleva ainda mais as necessidades de prevenção especial, tanto mais, que o recluso continua sem qualquer perspectiva laboral no exterior.
Por último, não beneficiou de saídas jurisdicionais, por não reunir os requisitos previstos no artº 78º do CEP, pelo que ainda não foi possível o aquilatar da sua conduta em meio livre.
Conclui-se, pois, que o recluso apresenta ainda necessidades de reinserção social, e de interiorizar normas e valores sociais normativos, que lhe permitam a adoção de um estilo de vida facilitador do seu processo de reinserção.
Em síntese, sendo de prever que a saída em liberdade condicional neste momento não facilitaria a readaptação do condenado nem alcançaria as finalidades da pena, entendemos que não estão verificadas as condições para que aquela seja concedida.

V. Decisão

Pelo exposto, tudo visto e ponderado, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, decide-se não conceder a liberdade condicional ao condenado
AA pelo que o cumprimento efetivo da pena de prisão se manterá.
Notifique o condenado, o IM/IDO e o Ministério Público.
Após trânsito em julgado, comunique à equipa de Reinserção Social da DGRSP e ao processo da condenação.
Consigno que para efeitos de renovação anual da instância se deve atender à data de 27.09.2025 (Alarme Citius/Habilus), correspondente aos 2/3 da pena.
Deve a secção, em 27.06.2025, levar a cabo as solicitações de referência ao art. 173º do CEP (solicitar relatório aos serviços prisionais e aos serviços de reinserção social).
D.N. »
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2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO.
Entende o recorrente que, contrariamente ao decidido, se verificam os pressupostos previstos no artigo 61º, n.º 2 do Código Penal, os quais determinam que beneficie do regime de liberdade condicional.
Vejamos.
Sobre os pressupostos e duração da liberdade condicional dispõe o artigo 61º do Código Penal o seguinte:
«1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.»
Exposta a norma central do instituto e em ordem a uma sua melhor interpretação e aplicação, comecemos por ver qual o papel da liberdade condicional no direito penal, entendido este em sentido amplo ou ordenamento jurídico-penal que abrange para além do direito penal substantivo, o direito processual, adjetivo ou formal, e o direito de execução das penas e medidas de segurança ou direito penal executivo[1].
A execução da pena de prisão, como resulta dos artigos 42º do Código Penal e do artigo 2º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, servindo a defesa da sociedade, deve orientar-se no sentido da socialização do condenado, obedecendo a uma dinâmica progressiva de preparação para a liberdade[2].
O principal instrumento desta dinâmica progressiva de preparação do condenado para uma vida no futuro em liberdade sem cometer crimes é o instituto da liberdade condicional.
Como se explica no preâmbulo do Código Penal é no quadro da política de combate ao carácter criminógeno das penas detentivas que se deve compreender o instituto da liberdade condicional com um objetivo bem definido: «o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.»
Por outro lado, num sistema penal de cariz humanista e baseado na dignidade da pessoa humana como o da nossa República (artigo 1º da Constituição) em que a privação da liberdade é a ultima ratio da política criminal, a liberdade condicional assegura que o regime de execução da pena de prisão, servindo a prevenção do crime e a ressocialização do condenado, seja o menos restritivo possível do direito à liberdade e, por isso, a concessão da liberdade condicional constitui um objetivo teleológico normal da execução das penas de prisão[3].
Depois, não nos podemos esquecer que a violência dos mecanismos de dissuasão do direito penal, designadamente da ameaça e efetiva aplicação da pena, é democraticamente legitimada e controlada, estando sujeita à exigência do «mínimo dano social» ou da «mínima violência»[4].
Acresce que em termos de ressocialização do condenado, temos de ter em conta que o primeiro objetivo da execução da pena de prisão é o de evitar a dessocialização do recluso que entrando na prisão fica sujeito a duas tensões de sinal contrário: uma no sentido da intimidação para a adaptação às regras de vida em sociedade; outra de sentido contrário, sendo segregado da sociedade e sujeito às subculturas delinquentes e à aprendizagem de novas técnicas criminosas.[5]
Com efeito, haveremos de cuidar que o mal da pena de prisão efetiva quando cumprida na cadeia não é só um – o da pura perda da liberdade -, é muito mais que isso, especialmente nos países em que os estabelecimentos prisionais estão antiquados, decadentes, com salubridade reduzida ou sobrelotados. A pressão dos horários e das regras totais, os períodos limitados de permanência ao ar livre, a hora de fechar a luz, o férreo bater das portas e portões, o ter de viver em camarata ou em quartos duplos, as instalações sanitárias comungadas entre todos, a falta de privacidade, a disciplina férrea e constante, as subculturas violentas. Enfim, os resultados do encarceramento nas cadeias são conhecidos pelos efeitos de dessocialização da pessoa e pela enorme pressão sofrida naquele meio, na prisão, nessa ‘região mais sombria do aparelho de justiça’, como lhe chama Michel Foucault[6].
Ora, o instituto da liberdade condicional é precisamente a principal via de prossecução dos fins que o direito penal - a prevenção do crime e reintegração do condenado na sociedade – quando concretizado numa pena de prisão efetiva visa atingir sem perder a legitimação material de causar o mínimo mal possível, a mínima violência ao condenado.
A liberdade condicional não se confunde com qualquer termo ou fim de cumprimento da pena, qualquer libertação definitiva e livre de ónus ou encargos. Com a liberdade condicional continua a execução da pena de prisão, só que deixa de ser executada em meio carcerário, na cadeia, passando a um regime próximo ou parecido com a suspensão da execução da pena de prisão com regime de prova ou sujeita a deveres e condições.
Em resumo, a liberdade condicional mais não é do que a continuação da execução da pena de prisão, mas por noutros meios.
Por tudo o que se disse pode afirmar-se que a liberdade condicional assume um papel crucial na parte final da atuação do sistema de justiça penal, nessa fase em que se prepara o cidadão condenado e recluso para retornar à vida livre em sociedade sem cometer crimes.
Nessa sua missão, a liberdade condicional assume um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica – que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada – de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena de prisão[7].
O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições – substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que fazem parte das penas de substituição da prisão – que lhe são aplicadas[8].
Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento[9].
A concessão da liberdade condicional, não só na modalidade obrigatória como também e com maior importância na modalidade facultativa que pode ocorrer a partir do meio da pena, constitui uma etapa normal da execução das penas de prisão, podendo afirmar-se que, por regra, uma execução de pena bem sucedida, cumpridora das finalidades que lhe estão atribuídas no n.º 1 do artigo 42º do CP, culminará na concessão da liberdade condicional[10].
Nas penas superiores a 6 anos de prisão a liberdade condicional é obrigatoriamente concedida aos 5/6 da pena.
Assim, por via de regra e sob pena de fracasso da missão atribuída ao direito penal (executivo) a execução de uma pena de prisão passará sempre pela liberdade condicional facultativa, ao meio ou aos dois terços da pena.
Aliás, desta normalidade da passagem da execução da pena de prisão pela fase da liberdade condicional facultativa ao meio ou aos dois terços da pena tem dado conta uma significativa jurisprudência dos tribunais superiores, considerando, em obediência à intenção expressa do legislador no preâmbulo do Código Penal[11], como «definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta» do recluso e sendo a liberdade condicional concedida com naturalidade quer a meio quer aos dois terços da pena, independentemente da gravidade do crime cometido ou da pena aplicada, desde que verificados os pressupostos formais e materiais daquela.
Como exemplo recente desta jurisprudência que encara com naturalidade a aplicação da liberdade condicional temos, desde logo, o claro e assertivo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.02.2024, onde se decidiu, revogando a decisão do TEP do Porto, conceder a liberdade condicional ao meio da pena a um recluso em cumprimento de 5 anos e 4 meses de prisão pelo cometimento do crime de tráfico de estupefacientes.[12]
Depois, também assinalável é o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.02.2023, onde se decidiu, revogando a decisão do TEP de Lisboa, conceder a liberdade condicional aos dois terços da pena a um recluso em cumprimento de 13 anos de prisão pelo cometimento dos crimes de homicídio e detenção de arma proibida.[13]
Os exemplos jurisprudenciais desta natural concessão de liberdade condicional quer ao meio da pena[14] quer aos dois terços[15] da pena são muitos e variados são os crimes e o número de anos penados.
Esta forma de encarar com normalidade e naturalidade a fase da liberdade condicional ao meio ou aos dois terços da execução da pena, tal como o legislador quis e pôs na letra da lei, está de acordo não só com os princípios humanísticos de solidariedade e de respeito pela dignidade da pessoa humana por que se rege a nossa República, como também com o nosso modo de pensar comunitário, como o modo pelo qual o cidadão mediano habitualmente cumpridor das leis encara o problema do encarceramento dos seus concidadãos e pensa na melhor forma de os trazer de volta ao cumprimento das regras básicas da comunidade. Com efeito, o tal cidadão mediano pressuposto pela ordem jurídica constitucional e penal haverá de ter em si, no seu pensamento, que aquele que hoje, em virtude dos crimes cometidos, sofre as agruras e a violência do cárcere é um de nós, da nossa comunidade e há de voltar para o meio livre o melhor preparado possível para conduzir a sua vida no futuro sem cometer crimes. Ora, a melhor forma que se conhece de preparar o cidadão encarcerado para o seu regresso à comunidade livre é a da sua progressiva preparação para a liberdade, aí assumindo papel central o instituto da liberdade condicional, esse meio, incidente ou fase de execução da pena de prisão.
Sinal do acerto desta visão jurisprudencial é o papel que o legislador deu às considerações de prevenção geral, em termos de defesa do ordenamento jurídico, como limitação à concessão da liberdade condicional. Tal papel está limitado à aplicação do instituto ao meio da pena, já não sendo tidas em conta aos dois terços.
Não obstante o papel crucial que a liberdade condicional assume no programa político criminal humanista que o nosso legislador consagrou no direito penal, entendido este como direito penal em sentido amplo ou ordenamento jurídico-penal que abrange para além do direito penal substantivo, o direito processual, adjetivo ou formal, e o direito de execução das penas e medidas de segurança ou direito penal executivo e malgrado a aceitação por alguma jurisprudência da normalidade da passagem da execução da pena de prisão pela fase da liberdade condicional facultativa ao meio ou aos dois terços da pena, a verdade é que algo corre mal com a execução desse programa político criminal humanista.
Com efeito, se lermos os índices e os estudos dos últimos anos, relativamente ao ano de 2024, tal como sucedeu em 2023, Portugal foi considerado pelo Institute for Economics & Peace o 7º país mais seguro do mundo e o 5º da Europa[16]. Em 2022 Portugal teve uma taxa de homicídios de 0.72 por 100.000 habitantes, abaixo de França (1.21), acima de Espanha (0.69)[17] e a um oceano de distância dos Estados Unidos da América (6.3 em 2022)[18]. Portugal tem uma taxa de encarceramento de 117 pessoas por 100 mil habitantes (dados de abril de 2024), muito elevada, se comparada com a taxa média dos países da Europa Ocidental[19]. Quanto à taxa de ocupação dos estabelecimentos prisionais, verificava-se, em 31.12.2020 uma taxa de ocupação geral dos estabelecimentos prisionais de 87,1%, sendo que 14 estabelecimentos prisionais tinham uma taxa de ocupação superior a 100%, com o Estabelecimento Prisional ... a apresentar uma taxa de ocupação de 140,7%, a maior das registadas[20] e em 2022 com 964 reclusos para 675 lugares, ou seja mantendo a mesma taxa de sobrelotação[21].
Destes números pode retirar-se que o nosso sistema de justiça penal sofre de dois problemas: por um lado uma taxa de encarceramento muito elevada, se comparada com a taxa média dos países da Europa Ocidental; por outro uma sobrelotação prisional parcial, sendo preocupante a do Estabelecimento Prisional ..., atenta a taxa de sobreocupação atingida (40,7%). Aliás, estes dois problemas apresentam-se com natureza crónica ou estrutural, pois se consultarmos as estatísticas dos últimos 30 anos verificamos que são contantes quer a taxa de encarceramento elevada, comparativamente com a da Europa Ocidental, quer a sobrelotação prisional[22].
Armados do enquadramento na realidade social em que se aplica e apurada a natureza, teleologia, valores e, em suma, o papel do instituto da liberdade condicional no programa político criminal humanista que o legislador consagrou no direito penal, atentemos agora no concreto regime jurídico do instituto e na sua aplicação ao caso dos autos.
Resulta do citado artigo 61º que a liberdade condicional facultativa, enunciada nos seus ns.º 2, 3 e 4, depende de pressupostos formais e materiais.
Constituem pressupostos formais:
a) O consentimento do condenado (artigo 61.º, nº1, do Código Penal);
b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61.º, nº2 e 63.º, nº2, ambos do Código Penal);
c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6, da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61.º, nº2 e 63.º, nº2, do Código Penal).
Constituem pressupostos de natureza material:
a) O juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (art.º 61.º, nº 2, al a) do Código Penal);
b) O juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), dito de outro modo, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social (artigo 61.º, nº2, al b) do Código Penal).
Uma vez verificados os pressupostos – formais e materiais – de que depende, o Tribunal de Execução de Penas tem o poder-dever de colocar o condenado em liberdade condicional.
No caso em apreço estão verificados os pressupostos formais de concessão do regime de liberdade condicional, pois:
- O condenado cumpre uma pena de 4 anos de prisão a que foi condenado no proc. ... pela prática de um crime de furto qualificado e duas penas únicas sucessivas, respetivamente, de 3 anos e 9 meses de prisão e de 3 anos de prisão (somadas, 6 anos e 9 meses de prisão), resultante de dois cúmulos jurídicos efetuados no proc. ..., pela prática de quatro crimes de furto qualificado, dois deles na forma tentada, e três crimes de furto simples, ou seja, pelas três penas a cumprir sucessivamente um total de 10 anos e 9 meses de prisão .
- Já cumpriu metade de cada uma das penas em 25.10.2022, os 2/3 da soma das penas ocorreram em 10.08.2024, os 5/6 da soma das penas serão alcançados em 25.05.2026, estando o termo previsto para 10.03.2028.
- O condenado prestou consentimento à concessão do regime de liberdade condicional.
Relativamente aos pressupostos de natureza material haverá de se ter em conta que, como já decorreram dois terços da pena aplicada, tem lugar uma presunção iuris et de iure - artigo 61º, n.º 3 do Código Penal – de que a libertação é compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social[23].
Assim, resta considerar o pressuposto de natureza material relativo ao juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (art.º 61.º, nº 2, al a) do Código Penal).
Os ilícitos cometidos (cinco crimes de furto qualificado, dois deles na forma tentada, e três crimes de furto simples) tiveram a gravidade que se mostra refletida na soma das penas aplicadas e a cumprir sucessivamente, sendo uma de 4 anos, outra de 3 e uma outra de 3 anos e 9 meses, a que acrescem antecedentes criminais por crimes da mesma natureza, sendo que em termos de prevenção especial revelam à altura do seu cometimento e antes da entrada na cadeia uma personalidade afastada da pressuposta pela ordem jurídica, mas também é preciso não esquecer que se tratam de crimes contra o património e o facto de o arguido ter iniciado o consumo de substâncias psicoativas aos 21 anos de idade, tendo transitado para a heroína e cocaína, toxicodependência essa que, como o bom senso nos diz e a criminologia ensina, constitui um fator criminógeno de grande relevo nesta área da criminalidade contra o património (furto, roubo, burla)[24].
Quanto à posição do recluso face aos factos cometidos, ouvidas as declarações prestadas e embora a qualidade da gravação não seja a melhor, a verdade é que o condenado não só referiu a sua problemática com as drogas que, no seu entender, o levou aos crimes cometidos como também a sua vontade de «levar uma vida normal». Além disso, afirmou nas suas declarações que «Estes 7 anos preso deram para amadurecer e para pensar melhor o que quero da vida, se quero uma coisa ou se quero outra … e que quero levar uma vida normal...». Afirmou ainda o seu propósito de se inscrever no centro de emprego e que dado o seu passado profissional arranja emprego com facilidade. Em resumo, afigura-se que o condenado tem um discurso dentro da normalidade, sobretudo vindo de alguém que já está encarcerado há mais de sete anos, no regime comum, sem ter beneficiado de saídas jurisdicionais e que pretende vir a ter uma ‘vida normal’, junto da comunidade dos que vivem naturalmente em liberdade.
Assim, se por um lado é certo que face aos crimes cometidos e aos antecedentes fazem pesar as exigências de prevenção especial, a verdade é que conforme resulta dos factos provados o condenado tem a seu favor vários fatores.
Desde logo, tratando-se da primeira reclusão, o sofrimento que esta implica - e sete longos anos já passaram - terá naturalmente um efeito reforçado de intimidação para a adaptação às regras de vida em sociedade.
Depois, o condenado dispõe fora da cadeia de condições de suporte e retaguarda junto do agregado do agregado familiar da sua irmã, interessados na sua reinserção.
Por outro lado, o condenado aproxima-se da senectude, tem 62 anos de idade e a velhice, como sabemos, não sé é inevitável como constitui também um freio para a atividade criminosa, mormente para furtos e roubos.
Acresce que o seu passado não é só de furtos e crime, pois iniciou-se laboralmente aos 17 anos, como serralheiro, tendo trabalhado em diversas empresas e depois trabalhou 15 anos numa empresa do ramo automóvel, até que saiu do emprego por força da toxicodependência e desorganização da vida.
Além do já referido, no estabelecimento prisional o condenado beneficia de acompanhamento clínico, na especialidade de psicologia, no âmbito da manutenção e prevenção da recaída em estupefacientes, frequenta um curso de informática e pretende arranjar ocupação laboral quando em liberdade.
Refere-se ainda na decisão recorrida que o recluso não beneficiou de qualquer medida de flexibilização da pena (por, até ao momento, não terem sido julgados verificados os pressupostos previstos no artigo 78.º do CEP), pelo que o seu comportamento em meio livre, após a sua reclusão, não se mostra testado, mas a verdade também é que o condenado requereu medidas de flexibilização da pena, contudo não foram concedidas. Por outro lado, é necessário não conferir um valor exagerado a essa circunstância, pois que pode conduzir a um acrescento injustificado de mais um fator de impedimento da passagem à legislativamente desejada fase da liberdade condicional. O que importa é saber se face às circunstâncias do caso, todas elas, estão ou não preenchidos os pressupostos da liberdade condicional.
É certo que, como se refere na decisão recorrida o condenado consumiu estupefacientes (canabis) no meio prisional, pois em «f) Em 11 de setembro de 2023 foi submetido a teste de despistagem com resultado positivo a canabinóides – cfr. fls. 354. Regista duas sanções disciplinares de 10 dias de POA e 3 dias de POA, ambas por posse de canábis.».
Mas será tal suficiente para afastar um juízo de prognose favorável quanto ao futuro?
Sendo um comportamento não permitido e que em meio prisional levou a medida disciplinar, deve ser valorado em desfavor do condenado, mas não deve ser sobrevalorizado este fator negativo, desde logo porque sendo ou tendo sido o condenado toxicodependente de cocaína e heroína, a verdade é que segue tratamento no EP e não há notícia de consumo de ‘drogas duras’. Assim tal fator não se deve sobrepor aos fatores positivos que enunciámos, a que se soma ainda a própria natureza da liberdade condicional – continuação da execução da pena de prisão de um modo análogo à pena suspensa com condições ou regime de prova, a qual pode ser revogada caso haja incumprimento das condições ou cometimento de novo crime.
Tudo visto, nesta parte, se é certo que as exigências de prevenção especial iniciais, no momento da entrada da prisão para cumprimento de três penas sucessivas, respetivamente de 4 anos, 3 anos e 3 anos e 6 meses de prisão, num total de 10 anos e 9 meses de prisão pelo cometimento de vários crimes de furto, eram elevadas, é preciso não esquecer que o tempo substancial de encarceramento já sofrido (sete anos, para mais sem saídas jurisdicionais) que não pode deixar de ser considerado como um fator forte de consciencialização, de persuasão ou mesmo intimidação para seguir a sua vida no futuro sem cometer crimes, bem como o suporte e retaguarda familiar de que beneficia, a sua integração laboral passada e projetada para o futuro, assim como a abstinência do consumo de ‘drogas duras’ e o tratamento, assim como o facto de ser sexagenário, tal como a possibilidade de vir a ser revogada a liberdade condicional em caso de incumprimento das condições a que ficar sujeita ou face ao cometimento de novos crimes, afigura-se ser possível formular um juízo positivo no sentido de que o condenado cumprirá de forma adequada a fase da liberdade condicional da execução da pena de prisão e que no futuro conduzirá a sua vida sem cometer crimes.
Acresce que o instituto da liberdade condicional, com as regras de conduta e deveres associados, contribuirá certamente para que o condenado no futuro não cometa crimes ou, dito de outro modo, para a sua ressocialização, com o benefício de reforçar a legitimação material de causar o mínimo mal possível, a mínima violência ao condenado, assim melhor se cumprindo programa político criminal humanista que o legislador consagrou no nosso direito penal, entendido este em sentido amplo que abrange para além do direito penal substantivo, o direito processual, e o direito de execução das penas e medidas de segurança ou direito penal executivo.
Concluindo, com a verificação dos pressupostos – formais e materiais – de que depende a concessão da liberdade condicional, importa determinar a colocação do condenado em liberdade condicional, que se afigura ser adequado sujeitar, nos termos do artigo 64º do Código Penal, às seguintes obrigações e regras de conduta: o recorrente deverá residir na morada indicada no relatório da DGRSP; colaborar com a equipa de Reinserção Social da DGRSP; manter acompanhamento no âmbito da problemática aditiva de substâncias psicotrópicas e respeitar as orientações prescritas; assumir uma postura proativa na procura de enquadramento laboral, através de inscrição no Centro de Emprego e Formação Profissional da sua área de residência e consulta autónoma de propostas de trabalho; afastar-se de locais e de indivíduos relacionados com práticas marginais e influências transgressivas; não deter, nem consumir qualquer estupefaciente ilícito.
Tudo visto, caberá dar provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e concedendo-se a liberdade condicional ao condenado, sujeita às obrigações e regras de conduta adequadas à situação.
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3- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em dar provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, concedendo-se a liberdade condicional ao recorrente AA, pelo tempo de prisão que, a contar desta data, lhe faltaria cumprir, ou seja, até 10.03.2028, ao abrigo do disposto no artigo 61º nº 5 do Código Penal.
O recluso fica vinculado, nos termos dos artigos 64.º e 52.º do Código Penal e 177.º, n.º 2, al. c) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, sob pena de eventual revogação da liberdade condicional, ao cumprimento das seguintes obrigações e regras de conduta: 1) residir na morada indicada no relatório da DGRSP; colaborar com a equipa de Reinserção Social da DGRSP; manter acompanhamento no âmbito da problemática aditiva de substâncias psicotrópicas e respeitar as orientações prescritas; assumir uma postura proativa na procura de enquadramento laboral, através de inscrição no Centro de Emprego e Formação Profissional da sua área de residência e consulta autónoma de propostas de trabalho; afastar-se de locais e de indivíduos relacionados com práticas marginais e influências transgressivas; não deter, nem consumir qualquer estupefaciente ilícito.

Sem custas.

Comunique ao TEP, ao EP e à DGRSP.

Passe e remeta ao EP mandados para imediata libertação do recluso, caso não interesse a sua prisão à ordem de outros autos.

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Porto, 22 de janeiro de 2025
William Themudo Gilman
Paula Cristina Jorge Pires
Maria dos Prazeres Silva

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[1] Cfr. sobre a noção ampla de direito penal, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, 2007, p. 6-7.
[2] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2022, 2ª edição, p. 105-106.
[3] Cfr. quanto ao objetivo teleológico, Joaquim Boavida, A Flexibilização da Prisão, 2018, p. 123.
[4] Cfr. sobre a «mínima violência» Anabela Miranda Rodrigues, Novo Olhar Sobre A Questão Penitenciária, 2002, 2ª edição, p. 34
[5] Cfr. Anabela Miranda Rodrigues, Novo Olhar Sobre a Questão Penitenciária, 2002, 2ª edição, p. 46-47.
[6] Michel Foucault, Vigiar e Punir, tradução, Petrópolis, 2000, 23ª edição, p. 214.
[7] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 528; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2022, 2ª edição, p. 115-116.
[8] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, op. e loc. cit.
[9] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, op. e loc. cit.
[10] Cfr. Joaquim Boavida, A Flexibilização da Prisão, 2018, p. 123-124; e, ainda, o Ac. TRP de 10/03/2021 (processo n.º 147/11.8TXPRT-AL.P1), o Ac. TRP  de 24/03/2021 (processo n.º 131/15.2TXCBR-P.P1), o Ac. TRP  de 26/05/2021 (processo n.º 358/14.4TXPRT-E.P1), o Ac. TRP  de 15/12/2021 (processo n.º 1075/18.1TXPRT-G.P1) e o Ac. TRP de 2.02.2022, proc. 535/17.6TXPRT-M.P1; nenhum deles publicado em dgsi.pt, mas consultáveis na plataforma Citius no livro de registo de sentenças do Tribunal da Relação do Porto .
[11] Cfr. preâmbulo do Código Penal, ponto 9.
[12] Ac. TRP de 21.02.2024, proc. 606/20.1TXPRT-G.P1 (Jorge Langweg), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/98d9e6e941e1c99380258ae6004ce441?OpenDocument
[13] Cfr. Ac. TRL de 09.02.2023, proc. 408/14.4TXLSB-Q.L1-9 (Renata Whytton da Terra), in http://www.gde.mj.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/7d187e79e9f8fd39802589580031c33e?OpenDocument
[14] Cfr. para o ½ da pena, entre outros: Ac. TRP de 17.01.2024, proc. 732/21.0TXPRT-G.P1 (Paula Pires),  3A9M por um crime de fraude fiscal, in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/267af9aae2d392de80258aca005227ca?OpenDocument ; Ac. TRP de 27.11.2019, proc. 924/16.3TXPRT-G.P1 (Pedro Vaz Pato), 6A por tráfico estupefacientes, in http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/51de2e1d4015edc6802585050051fa84?OpenDocument ; Ac. TRL de 22.05.2018, proc.  1630/13.6TXLSB-C.L1-3 (Adelina Barradas), 5A6M por trafico de estupefacientes, in https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/d0346fc14edeff65802583440036d5d5?OpenDocument ; Ac. TRP de 18.04.2018, proc. 678/14.8TXPRT-K.P1 (Manuel Soares), 8A10M por tráfico estupefacientes.
[15] Cfr. para os 2/3 da pena, entre outros: o Ac. TRL de 07.07.2016, proc. 824/13.9TXLSB-J.L1-3 (Adelina Barradas), 6 A por abuso sexual de crianças, in http://www.gde.mj.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/45af2734073801658025806000407c7d?OpenDocument; Ac. TRC de 12.06.2019, proc. 3371/10.7TXPRT-M.C1 (Vasques Osório), 2A2M por violência doméstica, in https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/cc39be90713bb46980258419003651da?OpenDocument; Ac. TRP de 03.10.2012, proc. 1671/10.5TXPRT-C.P1 (Joaquim Gomes), 4A6M por tráfico de estupefacientes, in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/2e221e2addb6f65e80257a9b003bd2f0?OpenDocument; Ac. TRP de 3.04.2024, proc. 697/23.3TXPRT-A.P1 (William Themudo Gilman), 5A6M por tráfico de estupefacientes, in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/18607c04308b385980258b1c00480b78?OpenDocument .
[16] Cfr. Global Peace Index , in  https://www.visionofhumanity.org/maps/#/ .
[17] Cfr. https://www.statista.com/statistics/1268504/homicide-rate-europe-country/ .
[18] Cfr. https://www.statista.com/chart/31062/us-homicide-rate/ .
[19] https://www.prisonstudies.org/sites/default/files/resources/downloads/world_prison_population_list_14th_edition.pdf
[20] Cfr. ESTATÍSTICAS PRISIONAIS PORTUGUESAS, 2020, Karla Tayumi Ishiy, Coimbra 2021, in https://idpee.fd.uc.pt/pdfs/bd_2020.pdf .
[21] Cfr. https://dgrsp.justica.gov.pt/Portals/16/Estatisticas/%C3%81rea%20Prisional/Anuais/2022/Q-03-Rcls.pdf?ver=DfvcYTHi3B_jrVnMZ_4JYA%3d%3d
[22] Cfr. sobre esta questão das taxas de encarceramento e sobre população prisional, William Themudo Gilman, Aspetos da aplicação e execução da pena de trabalho a favor da comunidade, comunicação - 22.05.2022, in https://prialteur.pt/application/files/3716/5349/0594/W._Themudo_Gilman_-_ASPETOS_DA_APLICACAO_E_EXECUCAO_DA_PENA_DE_TRABALHO_A_FAVOR_DA_COMUNIDADE.pdf .
[23] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2022, 2ª edição, p. 120.
[24] Cfr., entre outros, Nigel South, Drugs: Use, Crime , anda Control, in The Oxford Handbokk of Criminology, second edition, 1997, p.944.