CONTRATO DE TRABALHO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
INDÍCIOS
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
PREVPAP
IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
VÍNCULO LABORAL
PRESUNÇÃO
RETRIBUIÇÃO
Sumário

Erro material da sentença – Nulidades da sentença – Impugnação da matéria de facto – Legitimidade da recorrente para contestar a acção – Questões prejudiciais – Regularização extraordinária dos vínculos precários ao abrigo do disposto no Artigo 14.º da Lei n.º 112/2017 de 29 de Dezembro – Presunção de laboralidade – Irredutibilidade da retribuição

Texto Integral

Apelação em processo comum de declaração
Tribunal de origem: 3.º Juízo do Trabalho de Lisboa – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa

Recorrente/ré
Universidade XX, titular do número único de identificação fiscal e pessoa colectiva ..., com sede no Campus...
Recorrida/autora
AA, titular do número de identificação fiscal ..., com domicílio na Calçada...
Acordam em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Sentença recorrida
1. Por sentença de 20.10.2024 (referência citius 425468958), o 3.º Juízo do Trabalho de Lisboa, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), proferiu a seguinte decisão:
“DECISÃO
Por tudo o que ficou exposto, nos termos das disposições legais citadas, julgo a acção procedente e, em consequência, condeno a ré:
a). A reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre a ré e a autora desde 01 de Abril de 2008, com as inerentes consequências legais;
b). A reconhecer a antiguidade da autora desde 01 de Abril de 2008, com as inerentes consequências legais;
c). A fixar a retribuição base da autora em € 1.613,42, sem prejuízo da progressão salarial que a mesma possa vir a ter;
d). A pagar à autora a diferença entre a retribuição base que lhe pagou desde Janeiro de 2019 e aquela que deveria ter pago;
e). A pagar à autora a quantia global de € 18.675,00, a título de subsídios de férias e de Natal, referente aos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 a 2018;
f). A pagar à autora juros de mora, sobre as quantias devidas, à taxa legal, fixada em 4%, desde a data de vencimento de cada prestação e, até integral e efectivo pagamento.
Custas pela ré – art.º 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
Alegações da recorrente
2. Inconformada com a sentença mencionada no parágrafo anterior, a recorrente (ré, empregadora), dela veio interpor o presente recurso (cf. referência citius 37866328 de 12.12.2023), formulando o seguinte pedido:
“(...) deve a Sentença ora impugnada ser revogada e substituída por outra que aplique correctamente o Direito e, e[m] consequência, absolva a Recorrente dos pedidos (...)”
3. Nas suas alegações vertidas nas conclusões, a recorrente impugna a decisão recorrida com base nos argumentos que o Tribunal a seguir sintetiza para facilitar a sua apreciação:
Rectificação da sentença recorrida
• A referência aos anos de 2013, 2014 e 2015 na alínea e) do dispositivo da sentença impugnada, que condena a recorrente/ré A pagar à autora a quantia global de € 18.675,00, a título de subsídios de férias e de Natal, referente aos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 a 2018 reproduz um lapso de escrita na alínea f) do pedido formulado pela autora/recorrida, que é manifesto no contexto dos artigos 68.º a 72.º, em particular do artigo 71.º, da petição inicial;
• Esse lapso deve ser rectificado, nos termos do artigo 614.º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), mediante a eliminação das referências aos anos 2013, 2014 e 2015;
Nulidades da sentença recorrida
• A sentença é nula porque enferma do vício previsto no artigo 615.º n.º 1 – e) do CPC; a recorrente defende que não sendo rectificado o lapso acima mencionado, a sentença recorrida condenou em objecto diverso do pedido;
• A sentença é nula porque enferma dos vícios previstos no artigo 615.º n.º 1 – b) e d) do CPC; primeiro, por existir omissão de pronúncia sobre a excepção de ilegalidade do pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho de direito privado no período compreendido entre 1.4.2008 e 14.7.2017; na óptica da recorrente trata-se de uma excepção dilatória inominada, invocada nos artigos 1.º a 31.º da contestação, com base na impossibilidade legal, até 14.7.2017, de a recorrente estabelecer relações de trabalho em regime de direito privado – cf. artigo 9.º n.º 2 do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, artigo 6.º n.º 2 – b) da Lei 3/2004 (Lei Quadro dos Institutos Públicos), artigo 3.º n.º 1 – f) da Lei 23/2004 (Contrato Individual de Trabalho na Administração Pública), Lei 59/2008 (Regime Jurídico dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas); e segundo, por insuficiência grave da fundamentação na parte em que a sentença recorrida refere que a regularização do vínculo laboral foi feita no âmbito do PREVAP (Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública), o que não permite compreender as razões de facto e de direito da decisão;
• A sentença é nula porque enferma do vício previsto no artigo 615.º n.º 1 – d) do CPC; isto porque existe omissão de pronúncia sobre a excepção de ilegitimidade da ré/recorrente quanto ao pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho no período entre 1.4.2008 e 31.8.2012;
• Acresce que o Tribunal a quo é materialmente incompetente para apreciar o objecto do processo na parte em que se refere à existência de um contrato de emprego público entre 1.4.2008 e 14.7.2017, por serem materialmente competentes para conhecer dessa questão os Tribunais administrativos e fiscais; pelo que, Tribunal a quo devia oficiosamente ter-se declarado incompetente em razão da matéria, estando-lhe vedado apreciar essa questão.
Impugnação da matéria de facto
• Devem ser aditados ao elenco dos factos provados os seguintes artigos da contestação:
Como alínea C.1) o artigo 5.º da contestação
A constituição do Conselho de Curadores da Ré ocorreu em 14.07.2017.
Como alínea C.2) o artigo 9.º da contestação
Antes da sua transformação em fundação pública com regime de direito privado, a Ré configurava-se como pessoa colectiva de direito público, nos termos e para os efeitos do Despacho Normativo n.º 42/2008, de 26 de Agosto.
Como alínea C.3) o artigo 10.º da contestação
Enquanto pessoa colectiva de direito público, a Ré era configurada como um instituto público de regime especial, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 48.º, da Lei-Quadro dos Institutos Públicos, aprovado pela Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro.
Como alínea C.4) os artigos 12.º a 16.º e 24.º da contestação
Estava vedado à Ré, até 31.12.2008 por via da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro e, a partir desta data e até 14.07.2017, por via da Lei-Quadro dos Institutos Públicos, aprovado pela Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro e alterada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, estabelecer relações de trabalho em regime de direito privado, apenas podendo estabelecer relações jurídicas de emprego público através de contrato de trabalho em funções públicas.
Como alínea C.5) o artigo 26.º da contestação
A Ré estava sujeita às restrições orçamentais vigentes durante o período de ajustamento económico-financeiro, em concreto, às Leis do Orçamento de Estado sucessivamente em vigor entre 2012 e 2017, que só admitiam a contratação de trabalhadores para as instituições de ensino superior se tal não implicasse um aumento do valor total das remunerações dos trabalhadores face ao ano anterior, sob pena de nulidade — respectivamente, artigos 50.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, 60.º da Lei n.º 66-B/2012, de 30 de Dezembro, 56.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, 56.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, 26.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, e 32.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro.
Fundamentos da discordância: tais alegações foram admitidas por acordo das partes; embora respeitem à natureza e regime jurídicos aplicáveis que não têm necessariamente de figurar nos factos provados, o Tribunal a quo incluiu matéria de direito nas alíneas A), B) e C) pelo que deve ser aplicado idêntico critério quanto aos artigos da contestação aqui em crise;
• A alínea D) dos factos provados deve passar a ter a seguinte redacção:
Alínea D)
A Autora iniciou a sua actividade na Fundação para a Ciência e Tecnologia, I.P. em 1997 e, entre o dia 01.04.2008 e o dia 31.08.2012 prestou funções no Instituto... da Universidade XX, ao abrigo de um Contrato de Bolsa celebrado com a Fundação para a Ciência e Tecnologia, I.P.e financiado directamente por esta entidade.
Fundamentos da discordância: o depoimento de parte da recorrida AA, transcrito nas alegações;
• A redacção da alínea K) dos factos provados deve ser alterada e deve ser aditada aos factos provados a alínea K.1, com a seguinte redacção:
Alínea K)
Artigo 50.º da contestação
Durante o período referido em D), as funções desempenhadas pela Autora centravam-se, sobretudo, no tratamento e acompanhamento de todas as questões relacionadas com os bolseiros e em questões relacionadas com a Faculdade WW, incumbindo à Autora assegurar a ligação entre o Instituto... da Universidade XX e a Faculdade WW em tudo o que estivesse relacionado[s] com bolsas atribuídas.
Alínea K.1)
A partir 01.09.2012, a Autora passou a desempenhar as seguintes tarefas:
Colaboração na definição e correcção dos procedimentos do Instituto... da Universidade XX, nas áreas de projectos, bolsas e demais protocolos celebrados na área de investigação e contratação pública;
Apoio aos serviços de recursos humanos, designadamente nos procedimentos concursais (editais, actas e contratos), todo o tipo de contratos de trabalho, em questões diversas sobre a legislação laboral, em questões relacionadas com a Fundação para a Ciência e Tecnologia, relativo a bolseiros, a programas doutorais, projectos de investigador científico, entre outros;
Colaboração na elaboração de regulamentos na vertente académica até à sua publicação;
Representação do Instituto... da Universidade XX no âmbito de processo administrativo;
Apoio à administração/direcção, na elaboração e acompanhamento de regulamentos diversos e procedimentos de contratação de serviços de interesse geral, nomeadamente procedimentos realizados junto da ESAP e da Secretaria Geral do Ministério do Ensino Superior, concursos públicos internacionais até à fiscalização prévia do Tribunal de Contas;
Elaboração de despachos, circulares e análise de protocolos;
Acompanhamento e mediação da relação entre diversos serviços do Instituto... da Universidade XX e ISQ, entidade contratada para implementar o Sistema de Gestão de Qualidade do Instituto e, nomeadamente, coordenar o Processo de Gestão e Melhoria do SGQ6644.
Fundamentos da discordância: contrariamente ao que julgou o Tribunal a quo, nos artigos 49.º e 50.º da contestação a recorrente impugnou que a recorrida tivesse exercido as funções elencadas no facto provado K) desde 1.4.2008 até ao presente; os depoimentos das testemunhas BB, CC, DD, transcritos nas alegações
• A alínea P) dos factos provados deve passar a ter a seguinte redacção:
Alínea P)
Após o Instituto... da Universidade XX ter confirmado que as funções da autora no 01 de Janeiro a 04 de Maio de 2017 concorriam para a satisfação de necessidades permanentes e que as mesmas eram exercidas sob a coordenação de um superior hierárquico, a referida Comissão considerou que as funções exercidas pela aqui trabalhadora e o modo como as mesmas eram prestadas, não eram compatíveis com um contrato de bolsa, o qual não configurava um vínculo adequado ao exercício das funções em causa.
Fundamentos da discordância: no âmbito do processo de regularização do vínculo/PREVAP a recorrente confirmou que as funções da recorrida concorriam para a satisfação das necessidades permanentes e que eram exercidas sob a coordenação de um superior hierárquico apenas no período temporal de 1.1.2017 a 4.5.2017.
• A alínea Z) dos factos provados, com a seguinte redacção, (Z) – Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pela autora são propriedade do Instituto... da Universidade XX, deve ser eliminada.
Fundamentos da discordância: não foi alegado pela recorrida (como lhe competia nos termos do artigo 5.º do CPC), nem se provou se a utilização dos instrumentos de trabalho, pela recorrida, resultava de mera tolerância da recorrente ou se lhe foram entregues por esta para utilização no desempenho da sua actividade
Erro de julgamento
• A sentença recorrida errou na aplicação dos seguintes preceitos legais:
• Artigo 47.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesas (CRP);
• Artigos 6.º n.º 2 – b) e 48.º n.º 1 – a) da Lei 3/2004 (Lei Quadro dos Institutos Públicos);
• Despacho Normativo n.º 42/2008;
• Artigo 9.º n.º 2 do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior;
• Lei 59/2008; Lei 23/2004;
• Lei 35/2014 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas);
• Artigo 4.º n.º 4 – b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais;
• Artigo 11-º do Código do Trabalho (CT);
• Artigos 3.º e 14.º da Lei 112/2017;
• Portaria n.º 150/2017;
• Artigos 4.º e 5.º do Regulamento 40/2019
• Artigos 148.º e 155.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA);
• Na óptica da recorrente, antes de 17.7.2017, data em que passou a ser uma fundação pública abrangida pelo regime de direito privado, a recorrente apenas podia estabelecer vínculos laborais ao abrigo de normas aplicáveis à função pública;
• Entre 1.4.2008 e 31.8.2012 não existe contrato de trabalho entre as partes e entre 1.9.2012 e 31.8.2015 o que existiu entre as partes foi um vínculo de natureza administrativa, mencionado na alínea E dos factos provados;
• A homologação pelos membros do Governo das áreas envolvidas, do parecer da Comissão de Avaliação Bipartida (CAB) que regularizou o vínculo da recorrida, mencionada no facto provado Q, no contexto do PREVAP, constitui um acto administrativo sem efeitos retroactivos, que produz efeitos apenas para o futuro, nos termos da Lei 112/2017, da Portaria 150/2017 e dos artigos 148.º e 155.º n.º 1 do CPA;
• A antiguidade da recorrida conta-se a partir da data da celebração do contrato de trabalho a que há lugar em consequência da regularização do vínculo;
• Não existe relação de trabalho subordinado desde 1.4.2008 motivo pelo qual não são devidos os subsídios de férias e de Natal nem é aplicável o princípio da irredutibilidade da retribuição;
• Entre 1.1.2017 e 4.5.2017, período relevante para efeitos do PREVAP, o que existia entre as partes era o contrato de bolsa mencionado na alínea F) dos factos provados, que foi objecto do parecer da CAB no contexto do PREVAP e ao qual se aplica o artigo 14.º n.º 3 da Lei 112/2017 e não o n.º 2 desse preceito legal;
• Tendo em conta que o valor pago à recorrida em resultado do contrato de bolsa era de 1245,00 euros mensais, conforme consta da alínea J dos factos provados, o valor mensal que resulta da aplicação do artigo 5.º n.º 3 do Regulamento 40/2019 é de 1067,14 euros;
• Nos termos do artigo 14.º n.º 2 da lei 112/2017, nos casos em que o vínculo sujeito a regularização assenta numa relação laboral, não há alteração das retribuições anteriormente estabelecidas, regime que se aplica também a situações de prestação de serviços ou bolsas pré-existentes, pois entendimento diverso acarretaria um benefício injustificado para recorrida e uma situação de discriminação:
Contra-alegações da recorrida
4. A recorrida (executada, empregadora) contra-alegou (cf. referência citius 35309533 de 9.3.2023), pugnando pela improcedência do recurso, defendendo, em síntese, o seguinte:
Retificação do erro material da sentença recorrida
• A alínea f) do pedido formulado na petição inicial contém um lapso de escrita na parte em que a autora/recorrida indica alguns dos anos aos quais se referem os créditos peticionados, como resulta do contexto dos artigos 71.º e 72.º da petição;
• Tendo esse lapso de escrita sido reproduzido pelo Tribunal a quo, constitui um erro material da sentença cuja consequência não é a nulidade da sentença devida a condenação em objecto diverso, mas a mera rectificação desse erro material nos termos dos artigos 249.º do Código Civil (CC) e 614.º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC);
Improcedência da alegada nulidade da sentença
• Não se verifica a alegada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia sobre a invocada ilegalidade do contrato de trabalho, uma vez que resulta do artigo 14.º da Lei 112/2017 que o PREVAP tem por objectivo regularizar situações pré-existentes, como o contrato de bolsa aqui em causa, que contrariamente ao disposto nos artigos 4.º e 5.º da Lei 40/2004 (Estatuto do Bolseiro de Investigação) foi usado para satisfação de necessidades permanentes da recorrente;
• O PREVAP aplica-se independentemente de serem aplicáveis à empregadora as normas da função pública e ainda que o contrato em causa não tenha sido ou não pudesse ser formalmente qualificado pelas partes como vínculo laboral, desde que na prática constituísse um contrato de trabalho como foi reconhecido no âmbito do PREVAP;
Improcedência da impugnação da decisão de facto
• As divergências sobre a apreciação da matéria de facto apontadas nas alegações são subjectivas e sem relevância jurídica;
• Não há que aditar à matéria de facto provada a evolução legislativa no período temporal em causa;
• A alínea D da matéria de facto provada deve manter-se inalterada uma vez que a realidade desse facto resulta dos depoimentos das testemunhas EE, DD e CC, cujos trechos são transcritos nas contra-alegações;
• A alínea K dos factos provados deve manter-se inalterada uma vez que a realidade desse facto resulta dos depoimentos das testemunhas CC, DD e FF, cujos trechos são transcritos nas contra-alegações;
• A alínea P dos factos provados deve manter-se inalterada porque, tal como refere a sentença recorrida, no artigo 57.º da contestação a recorrente declarou aceitar os factos alegados nos artigos 20.º a 25.º da petição inicial dos quais consta a matéria constante da alínea P;
• A alínea Z dos factos provados deve manter-se inalterada uma vez que a realidade desse facto resulta dos depoimentos das testemunhas AA, DD e FF, cujos trechos são transcritos nas contra-alegações;
Improcedência da impugnação da decisão de direito
• O objectivo do PREVAP foi regularizar vínculos precários utilizados indevidamente pelo Estado e por entidades sujeitas ao regime de direito público, reconhecendo que que tais vínculos, incluindo quer o contrato de bolsa, quer o contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo à luz do qual as partes qualificaram a relação contratual entre 1.9.2012 e 31.8.2015, constituem contratos de trabalho;
• Pelo que, tal como tem sido decidido pela jurisprudência nacional, o artigo 14.º da lei 112/2017 deve ser interpretado no sentido de que não existe a alegada impossibilidade legal de constituição de um vínculo laboral de direito privado entre as partes até 14.7.2017;
• Tendo em conta que a recorrida/autora, ao configurar a acção, alegou a existência de um vínculo laboral de direito privado, não se verifica a alegada incompetência material do Tribunal judicial para apreciar a existência de um contrato de trabalho de funções públicas com antiguidade reportada a 1.4.2018, matéria que, na óptica da recorrente, seria da competência material dos Tribunais Administrativos e Fiscais nos termos do artigo 4.º n.º 4- b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos, pois não foi isso que foi pedido pela recorrida;
• Na formação do contrato de trabalho em litígio a recorrente não actuou na sua veste pública, mas praticou um acto de gestão privada;
• Embora as partes tenham qualificado a relação contratual de modo diverso, provaram-se os factores que indiciam a existência de um contrato de trabalho, previstos no artigo 12.º do CT;
• Tendo o contrato de trabalho tido início em 2008 e sendo o objectivo do PREVAP regularizar esse contrato e não criar relações de trabalho novas, o regime jurídico do contrato de trabalho aplica-se desde o início da relação contratual;
• Ainda que não fosse aplicável o PREVAP e/ou que o contrato de trabalho em litígio fosse nulo por falta de concurso, os efeitos da nulidade implicam o dever de a recorrente pagar à recorrida os subsídios de férias e Natal como se o contrato fosse válido, em relação ao tempo pelo qual foi executado, como resulta do artigo 122.º do CT.
Parecer do Ministério Público
5. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação, emitiu parecer (cf. referência citius 21564330 de 22.5.2024), ao abrigo do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT), pugnado, em síntese, pela improcedência do recurso.
6. Cada uma das partes respondeu ao parecer mencionado no parágrafo que antecede, reafirmando, em síntese, a argumentação constante das respectivas alegações e contra-alegações (cf. resposta da recorrida junta com a referência citius 692600 de 27.5.2024 e resposta da recorrente junta com a referência citius 694150 de 6.6.2024).
Delimitação do âmbito do recurso
7. Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões, vertidas nas conclusões:
A. Erro material da sentença
B. Nulidades da sentença
C. Impugnação da matéria de facto
D. Ilegitimidade da recorrente
E. Erro na aplicação e interpretação do direito
Factos
8. Os factos provados e não provados serão a seguir agrupados, respectivamente, em dois parágrafos, antecedidos da numeração/alíneas, pelas quais foram designados na sentença recorrida, para facilitar a leitura e remissões. As alterações resultantes do presente recurso serão assinaladas infra.
9. Factos provados
Discutida a causa, resultaram provados os factos que a seguir se indicam.
A) – A ré é uma fundação pública com regime de direito privado, instituída pelo Decreto-lei n.º 20/2017, de 21 de Fevereiro, cujos Estatutos foram homologados pelo Despacho Normativo n.º 2/2017, de 2 de Maio, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 91, de 11 de Maio, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 482-A/2017, de 7 de Julho, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 138, de 19 de Julho, que se rege pelo direito privado, nomeadamente, no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e pessoal.
B) – Podendo admitir pessoal não docente e investigador em regime do direito privado e, nos termos do n.º 2 do artigo 85º-A do Estatuto da Carreira Docente Universitária, admitir pessoal docente em regime de contrato de trabalho em funções públicas.
C) – Dos seus Estatutos, concretamente, do artigo 1.º, resulta que a Universidade aqui ré integra as unidades orgânicas constantes do Anexo I, entre as quais se encontra o Instituto... da Universidade XX (Instituto... da Universidade XX), o qual, após a transformação da ré em Universidade Fundação, perdeu a personalidade jurídica.
D) – Entre o dia 01 de Abril de 2008 e o dia 31 de Agosto de 2012, a autora desempenhou funções de Jurista no Instituto... da Universidade XX, ao abrigo de um contrato de bolsa celebrado com a Fundação para a Ciência e Tecnologia, IP., financiado directamente pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
E) – Em 28 de Agosto de 2012, entre a autora e o Instituto... da Universidade XX (Instituto... da Universidade XX), foi celebrado um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, cuja cópia consta de fls. 13 vº a 14 vº dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, pelo prazo de 3 anos, com início em 01 de Setembro de 2012.
F) – Em 31 de Agosto de 2015, entre a autora e o Instituto... da Universidade XX foi celebrado um Contrato de Bolsa, cuja cópia consta de fls. 15 vº a 16 vº dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, com início em 01 de Setembro de 2015, financiado directamente pelo Instituto... da Universidade XX.
G) – O qual foi sendo prorrogado até Janeiro de 2019.
H) – Entre 01/10/2008 e 01/09/2012, a autora auferiu o subsídio de manutenção mensal de € 1.245,00.
I) – No período compreendido entre Setembro de 2012 e Agosto de 2015, pelo Instituto... da Universidade XX foi paga à autora a remuneração base mensal de € 1.613,42.
J) – No período compreendido entre Setembro de 2015 e Dezembro de 2018, pelo Instituto... da Universidade XX foi paga à autora, a título de bolsa, a quantia mensal líquida de € 1.245,00.
K) – A autora exerceu sempre funções de Técnico Superior, as quais compreendem as seguintes tarefas:
• Colaboração na definição e correcção dos procedimentos do Instituto... da Universidade XX, nas áreas de projectos, bolsas e demais protocolos celebrados na área de investigação e contratação pública;
• Apoio aos serviços de recursos humanos, designadamente nos procedimentos concursais (editais, actas e contratos), todo o tipo de contratos de trabalho, em questões diversas sobre a legislação laboral, em questões relacionadas com a Fundação para a Ciência e Tecnologia, relativo a bolseiros, a programas doutorais, projectos de investigador científico, entre outros;
• Colaboração na elaboração de regulamentos na vertente académica até à sua publicação;
• Representação do Instituto... da Universidade XX no âmbito de processo administrativo;
• Apoio à administração/direcção, na elaboração e acompanhamento de regulamentos diversos e procedimentos de contratação de serviços de interesse geral, nomeadamente procedimentos realizados juntos da ESAP e da Secretaria Geral do Ministério do Ensino Superior, concursos públicos internacionais até à fiscalização prévia do tribunal de contas;
• Elaboração de despachos, circulares e análise de protocolos;
• Acompanhamento e mediação da relação entre os diversos serviços do Instituto... da Universidade XX e ISQ, entidade contratada para implementar o Sistema de Gestão de Qualidade do Instituto e, nomeadamente, coordenar o Processo de Gestão e Melhoria do SGQ6644.
L) – Desde 01 de Abril de 2008, a autora exerceu sempre as suas funções nas instalações do Instituto... da Universidade XX, durante o horário de funcionamento daquele.
M) – A autora enviava ao Instituto... da Universidade XX, até Março de cada ano, mensagens de correio electrónico em que assinalava os dias de férias que pretendia gozar.
N) – A autora informava o Instituto... da Universidade XX quando tinha necessidade de faltar.
O) – No âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários (PREVPAP), na sequência do requerimento apresentado pela autora, foi emitido, pela Comissão de Avaliação Bipartida (CAB) da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, parecer favorável à regularização extraordinária do vínculo que a autora mantinha com a unidade orgânica da ré.
P) Redacção alterada por via do presente recurso:**
Após o Instituto... da Universidade XX ter confirmado que as funções da autora concorriam para a satisfação de necessidades permanentes e que as mesmas eram exercidas sob a coordenação de um superior hierárquico, a referida Comissão considerou que as funções exercidas pela aqui trabalhadora e o modo como as mesmas eram prestadas, não eram compatíveis com um contrato de bolsa, o qual não configurava um vínculo adequado ao exercício das funções em causa, nos termos constantes dos documentos juntos à petição inicial sob o n.º 14, com a referência citius 28943208, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
**[Redacção anterior: P) – Após o Instituto... da Universidade XX ter confirmado que as funções da autora concorriam para a satisfação de necessidades permanentes e que as mesmas eram exercidas sob a coordenação de um superior hierárquico, a referida Comissão considerou que as funções exercidas pela aqui trabalhadora e o modo como as mesmas eram prestadas, não eram compatíveis com um contrato de bolsa, o qual não configurava um vínculo adequado ao exercício das funções em causa.]
Q) – O parecer, referido em [L] 0)***, foi homologado pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças, do Trabalho, da Solidariedade e Segurança Social.
*** Por lapso de escrita, rectificado no presente acórdão, por resultar do contexto em que foi cometido, em vez de O a sentença recorrida mencionou L (cf. artigo 249.º do CC).
R) – Em 21 de Dezembro de 2018, foi aprovado pela ré o Regulamento n.º 40/2019, de 21/12/2018, que veio definir as regras relativas à regularização formal das situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes, sem vínculo adequado, da Universidade XX, objecto de homologação pelos membros do Governo competentes, tituladas por contratos de trabalho a termo resolutivo, contratos de prestação de serviços ou através de bolsas.
S) – Regras essas que, por força do n.º 2 do artigo 1.º do mencionado Regulamento, foram e são aplicáveis a todos os serviços da Universidade XX, bem como a todas as suas unidades orgânicas.
T) – Estabelece o artigo 3.º do aludido Regulamento que, “a regularização formal das situações é concretizada através do reconhecimento da existência de contrato de trabalho por tempo indeterminado, em regime de direito privado”.
U) – E consagra o seu artigo 4.º que “as pessoas contratadas são integradas na carreira correspondente às funções exercidas que deram origem à regularização extraordinária e, no caso de carreiras pluricategoriais, na respectiva carreira base.”.
V) – Refere, ainda, aquele Regulamento, no seu artigo 5.º, que:
1. Os trabalhadores são posicionados na posição remuneratória a que corresponda nível remuneratório cujo montante seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base anteriormente estabelecido, de acordo com as tabelas constantes dos anexos aos Regulamentos relativos às carreiras, ao recrutamento e aos contratos de trabalho de investigadores e de pessoal não docente e não investigador em regime de contrato de trabalho com a Universidade XX.
2. Nos casos em que a regularização diga respeito a situações tituladas por contratos de trabalho a termo resolutivo, em que se verifique a falta de identidade prevista no número anterior, o trabalhador é integrado em posição remuneratória automaticamente criada para o efeito, cujo montante remuneratório corresponderá ao valor da retribuição mensal que o mesmo já auferia;
3. Nos casos em que a regularização diga respeito a situações tituladas por contratos de prestação de serviços ou bolsas, em que se verifique a falta de identidade prevista no n.º 1, o trabalhador é integrado em posição remuneratória automaticamente criada para o efeito, cujo montante remuneratório corresponderá ao valor mensal que o mesmo auferia multiplicado por 12, correspondente aos meses de serviço efectivo, e dividido por 14, correspondente às prestações mensais devidas;
4. Nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3, quando se verifique que entre o montante apurado para efeitos de retribuição e uma posição remuneratória, prevista em tabelas constantes dos anexos aos Regulamentos internos da Universidade, resulte uma diferença remuneratória inferior a € 28, aquele posicionamento tem lugar para a posição remuneratória constante daquelas tabelas, que se siga, quando a haja;
5. A posição remuneratória a atribuir não pode ser inferior:
a) Em carreiras pluricategoriais, à 1ª posição remuneratória da categoria de base da carreira;
b) Em carreiras unicategoriais, à 1ª posição remuneratória da categoria única da carreira, ou à 2ª posição remuneratória da categoria única da carreira geral de técnico superior.”.
W) – Em 22 de Janeiro de 2019, autora e ré, através da sua unidade orgânica Instituto... da Universidade XX, celebraram o contrato de trabalho sem termo cuja cópia consta de fls. 80 vº a 82 vº dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
X) – A cláusula primeira do contrato, referido em W), tem a seguinte redacção:
“1. O presente contrato de trabalho produz os seus efeitos a partir de 1 de janeiro de 2019, ao abrigo do disposto no Regulamento de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários da Universidade XX, durante por tempo indeterminado, e rege-se pelas disposições legais aplicáveis, designadamente pelo Código de Trabalho (…) e pelo Regulamento n.º 393/2018, de 12 de junho de 2018 (…).
2. Salvaguarda-se o tempo de exercício de funções na situação que deu origem à presente regularização extraordinária, o qual releva para o desenvolvimento da carreira.”.
Y) – E a cláusula terceira do mesmo contrato, estabelece:
“1. O Primeiro Contraente compromete-se a pagar ao Segundo Contraente a remuneração mensal ilíquida de € 1.201,48 correspondente à 2ª posição remuneratória, nível 15-A, da Carreira de Técnica Superior, da tabela constante dos Anexos II e III do Regulamento n.º 577/2017, de 13 de outubro, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 210, de 31 e outubro, sujeita aos impostos e demais descontos legais, (…).”.
Z) Eliminada por via do presente recurso: Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pela autora são propriedade do Instituto... da Universidade XX.
AA) – Entre 2016 e 2018, a ré pagou à autora os seguintes montantes, a título de majoração de bolsa:
• Outubro de 2016 - € 1.737,26;
• Setembro de 2017 - € 1.495,28;
• Agosto de 2018 - € 1.391,97;
• Dezembro de 2018 - € 380,00.
AB) – Valores esses correspondentes ao montante mensal do Seguro Social Voluntário.
AC) – No período compreendido entre Janeiro de 2019 e Fevereiro de 2021, o Instituto... da Universidade XX abonou e descontou à autora as verbas discriminadas nos recibos cujas cópias constam de fls. 85 a 97 vº dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
10. Factos não provados
Não se provou o alegado pela autora no artigo 33º da petição inicial.
Quadro legal relevante
11. Para a apreciação do recurso tem relevo, essencialmente, o quadro legal seguinte:
Constituição da república Portuguesa ou CRP
Artigo 47.º
(Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública)
1. Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade.
2. Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.
Artigo 112.º
(Actos normativos)
1. São actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais.
2. As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos.
3. Têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas.
4. Os decretos legislativos têm âmbito regional e versam sobre matérias enunciadas no estatuto político-administrativo da respectiva região autónoma que não estejam reservadas aos órgãos de soberania, sem prejuízo do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 227.º
5. Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.
6. Os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos independentes.
7. Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão;
8. A transposição de actos jurídicos da União Europeia para a ordem jurídica interna assume a forma de lei, decreto-lei ou, nos termos do disposto no n.º 4, decreto legislativo regional.
Código do Trabalho de 2003 ou CT de 2003
Artigo 10.º
Noção
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas.
Artigo 12.º
Presunção
Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição.
Artigo 254.º
Subsídio de Natal
1 - O trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano.
2 - O valor do subsídio de Natal é proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil, nas seguintes situações:
a) No ano de admissão do trabalhador;
b) No ano da cessação do contrato de trabalho;
c) Em caso de suspensão do contrato de trabalho, salvo se por facto respeitante ao empregador.
Artigo 255.º
Retribuição do período de férias
1 - A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo.
2 - Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho.
3 - Salvo acordo escrito em contrário, o subsídio de férias deve ser pago antes do início do período de férias e proporcionalmente nos casos previstos no n.º 6 do artigo 217.º
4 - A redução do período de férias nos termos do n.º 2 do artigo 232.º não implica redução correspondente na retribuição ou no subsídio de férias.
Código do Trabalho de 2009 ou CT de 2009
Artigo 11.º
Noção de contrato de trabalho
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.
Artigo 12.º [Redacção dada pelo seguinte diploma: Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro]
Presunção de contrato de trabalho
1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2 - Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
3 - Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos.
4 - Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou director, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º.
Artigo 129.º
Garantias do trabalhador
1 - É proibido ao empregador:
a) Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como despedi-lo, aplicar-lhe outra sanção, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício;
b) Obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho;
c) Exercer pressão sobre o trabalhador para que actue no sentido de influir desfavoravelmente nas condições de trabalho dele ou dos companheiros;
d) Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
e) Mudar o trabalhador para categoria inferior, salvo nos casos previstos neste Código;
f) Transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, ou ainda quando haja acordo;
g) Ceder trabalhador para utilização de terceiro, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
h) Obrigar o trabalhador a adquirir bens ou serviços a ele próprio ou a pessoa por ele indicada;
i) Explorar, com fim lucrativo, cantina, refeitório, economato ou outro estabelecimento directamente relacionado com o trabalho, para fornecimento de bens ou prestação de serviços aos seus trabalhadores;
j) Fazer cessar o contrato e readmitir o trabalhador, mesmo com o seu acordo, com o propósito de o prejudicar em direito ou garantia decorrente da antiguidade.
k) Obstar a que o trabalhador exerça outra atividade profissional, salvo com base em fundamentos objetivos, designadamente segurança e saúde ou sigilo profissional, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício.
2 - O disposto na alínea k) do número anterior não isenta o trabalhador do dever de lealdade previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo anterior nem do disposto em legislação especial quanto a impedimentos e incompatibilidades.
3 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.
Artigo 263.º
Subsídio de Natal
1 - O trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano.
2 - O valor do subsídio de Natal é proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil, nas seguintes situações:
a) No ano de admissão do trabalhador;
b) No ano de cessação do contrato de trabalho;
c) Em caso de suspensão de contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador.
3 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.
Artigo 264.º
Retribuição do período de férias e subsídio
1 - A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo.
2 - Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias.
3 - Salvo acordo escrito em contrário, o subsídio de férias deve ser pago antes do início do período de férias e proporcionalmente em caso de gozo interpolado de férias.
4 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.
Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro ou apenas Lei 7/2009
Artigo 1.º
Aprovação do Código do Trabalho
É aprovado o Código do Trabalho, que se publica em anexo à presente lei e dela faz parte integrante.
Artigo 7.º n.º 1
Aplicação no tempo
1 - Sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou adoptados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passadas anteriormente àquele momento.
(...)
Lei n.º 112/2017 de 29 de Dezembro que estabelece o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários ou apenas Lei 112/2017
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
1 - A presente lei abrange as pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam ao conteúdo funcional de carreiras gerais ou especiais e que satisfaçam necessidades permanentes dos órgãos ou serviços abrangidos pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e alterada pelas Leis n.ºs 84/2015, de 7 de agosto, 18/2016, de 20 de junho, 42/2016, de 28 de dezembro, 25/2017, de 30 de maio, 70/2017, de 14 de agosto, e 73/2017, de 16 de agosto, bem como de instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional, de entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica dos setores privado, público e cooperativo e de entidades do setor empresarial do Estado ou do setor empresarial local, cujas relações laborais são abrangidas, ainda que em parte, pelo Código do Trabalho, com sujeição ao poder hierárquico, à disciplina ou direção desses órgãos, serviços ou entidades, sem vínculo jurídico adequado.
2 - No âmbito da administração direta, central ou desconcentrada, da administração indireta do Estado e do setor empresarial do Estado, nas situações de exercício de funções relativamente às quais exista parecer da Comissão de Avaliação Bipartida (CAB) da respetiva área governamental, homologado pelos membros do Governo competentes, nos termos do artigo 15.º da Portaria n.º 150/2017, de 3 de maio, que reconheça que as mesmas correspondem a necessidades permanentes e que o vínculo jurídico é inadequado, consideram-se verificados estes requisitos para efeito do disposto no número anterior.
3 - No âmbito das autarquias locais, nas situações de exercício de funções relativamente às quais exista decisão do respetivo órgão executivo que reconheça que as mesmas correspondem a necessidades permanentes e que o vínculo jurídico é inadequado, consideram-se verificados estes requisitos para efeitos do disposto nos números anteriores.
4 - No âmbito do setor empresarial local, nas situações de exercício de funções relativamente às quais exista decisão da câmara municipal, sob proposta do órgão de administração da entidade em causa, que reconheça que as mesmas correspondem a necessidades permanentes e o vínculo jurídico é inadequado, consideram-se verificados estes requisitos para efeito do disposto no n.º 1.
Artigo 3.º
Âmbito da regularização extraordinária
1 - A presente lei abrange as pessoas a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º que exerçam ou tenham exercido as funções em causa:
a) No período entre 1 de janeiro e 4 de maio de 2017, ou parte dele, e durante pelo menos um ano à data do início do procedimento concursal de regularização;
b) Nos casos de exercício de funções no período entre 1 de janeiro e 4 de maio de 2017, ao abrigo de contratos emprego-inserção, contratos emprego-inserção+, as que tenham exercido as mesmas funções nas condições referidas no proémio, durante algum tempo nos três anos anteriores à data do início do procedimento concursal de regularização;
c) Nos casos de exercício de funções ao abrigo de contratos de estágio celebrados com a exclusiva finalidade de suprir a carência de recursos humanos essenciais para a satisfação de necessidades permanentes, durante algum tempo nos três anos anteriores à data do início do procedimento concursal de regularização.
2 - Na administração direta, central ou desconcentrada, e administração indireta do Estado, bem como nas autarquias locais, nos procedimentos concursais que sejam abertos no respetivo órgão, serviço ou autarquia, podem ser opositores as pessoas que tenham exercido funções nas condições referidas nas alíneas a) ou b) do número anterior, reconhecidas como satisfazendo necessidades permanentes, sem vínculo adequado, em parecer da CAB da correspondente área governamental, homologado pelos membros do Governo competentes, e nas autarquias locais, reconhecidas pelo respetivo executivo.
3 - Nas instituições, órgãos ou serviços relativamente aos quais as situações a regularizar não tenham sido apreciadas por uma CAB, podem ser opositores aos procedimentos concursais as pessoas que tenham exercido funções nas condições referidas nas alíneas a) ou b) do n.º 1, após o respetivo dirigente máximo ter reconhecido que as funções satisfazem necessidades permanentes e que o vínculo jurídico não é adequado.
4 - Em instituições, órgãos ou serviços integrados em áreas ministeriais, que se encontrem na situação referida no número anterior, as decisões dos dirigentes máximos carecem de homologação dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, do trabalho, solidariedade e segurança social e da respetiva área governativa.
5 - Nas autarquias locais pode ser adotado o procedimento previsto na Portaria n.º 150/2017, de 3 de maio, garantindo designadamente a constituição das CAB, com as necessárias adaptações.
Artigo 14.º
Entidades abrangidas pelo Código do Trabalho
1 - Em órgãos, serviços ou entidades abrangidos pelo n.º 1 do artigo 2.º, tratando-se de relações laborais abrangidas pelo Código do Trabalho, a homologação, pelos membros do Governo competentes, dos pareceres das CAB das respetivas áreas governamentais que identifiquem situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes, sem vínculo jurídico adequado e, no setor empresarial local, a decisão da respetiva câmara municipal nos termos do n.º 4 do artigo 2.º, obriga as mesmas entidades a proceder imediatamente à regularização formal das situações, conforme os casos e nomeadamente mediante o reconhecimento:
a) De que as entidades ficam, para este efeito, dispensadas de quaisquer autorizações por parte dos mesmos membros do Governo;
b) Da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes;
c) De que os contratos de trabalho celebrados com termo resolutivo ao abrigo dos quais essas funções são exercidas se consideram desde o seu início sem termo, ou se converteram em contratos de trabalho sem termo, de acordo com o artigo 147.º do Código do Trabalho;
d) De que, havendo trabalho temporário prestado à entidade em causa com base em contrato de utilização de trabalho temporário celebrado fora das situações de admissibilidade, o trabalhador se considera vinculado à mesma entidade por contrato de trabalho sem termo, de acordo com o n.º 3 do artigo 176.º do Código do Trabalho.
2 - De acordo com a legislação laboral, o reconhecimento formal da regularização, produzida por efeito da lei, não altera o valor das retribuições anteriormente estabelecido com a entidade empregadora em causa quando esta era parte do vínculo laboral preexistente.
3 - Nas situações a que não se aplica o número anterior, as retribuições serão determinadas de acordo com os critérios gerais, particularmente a retribuição mínima mensal garantida e as tabelas salariais das convenções coletivas aplicáveis.
4 - As entidades da Administração Pública não pertencentes à administração direta ou indireta do Estado, cujas relações laborais são reguladas pelo Código do Trabalho, procedem à identificação de situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes e sem vínculo adequado, sendo aplicável a regularização formal das situações de acordo com o disposto no n.º 1.
5 - O procedimento de regularização dos vínculos precários nas entidades abrangidas pelo Código do Trabalho termina em 31 de maio de 2018.
Lei n.º 7-A/2016 de 7 de Março que aprova o Orçamento do Estado para 2016 ou apenas Lei 7-A/2016
Artigo 19.º
Estratégia plurianual de combate à precariedade
1 - Durante o ano de 2016, o Governo define uma estratégia plurianual de combate à precariedade.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, deve ser promovido, no prazo de seis meses, um levantamento de todos os instrumentos de contratação utilizados pelos serviços, organismos e entidades da Administração Pública e do Setor Empresarial do Estado, nomeadamente com recurso a Contratos Emprego-Inserção, estágios, bolsas de investigação ou contratos de prestação de serviços.
Lei 42/2016 de 28 de Dezembro que aprova o Orçamento do Estado para 2017 ou apenas Lei 42/2016
Artigo 25.º
Estratégia de combate à precariedade
1 - No âmbito da estratégia de combate à precariedade definida no artigo 19.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, e na sequência do levantamento dos instrumentos de contratação utilizados pelos serviços, organismos e entidades da Administração Pública e do setor empresarial do Estado, o Governo apresenta à Assembleia da República até ao final do primeiro trimestre de 2017 um programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública para as situações do pessoal que desempenhe funções que correspondam a necessidades permanentes dos serviços, com sujeição ao poder hierárquico, de disciplina ou direção e horário completo, sem o adequado vínculo jurídico.
2 - No âmbito da execução do programa referido no número anterior, o Governo regulamenta as condições em que o reconhecimento formal das necessidades permanentes dos serviços determina a criação dos correspondentes lugares nos mapas de pessoal.
3 - Para efeitos do preenchimento dos lugares referidos no número anterior, o Governo deve considerar critérios de seleção que valorizem a experiência profissional no desempenho das funções do lugar a preencher, valorizando especialmente a experiência de quem ocupou o respetivo posto de trabalho.
4 - Os procedimentos previstos no n.º 2 devem ter o seu início até 31 de outubro de 2017.
Portaria n.º 150/2017 de 12 de Maio ou apenas Portaria 150/2017
Artigo 1.º
Objeto e âmbito
1 - A presente portaria estabelece os procedimentos da avaliação de situações a submeter ao programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública e no setor empresarial do Estado, previsto no artigo 19.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, no artigo 25.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, e na Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2017, de 28 de fevereiro.
2 - O procedimento regulado pela presente portaria avalia situações de exercício de funções existentes em qualquer momento do período de 1 de janeiro de 2017 até à data da entrada em vigor daquela:
a) Na administração direta e indireta do Estado, com sujeição ao poder hierárquico, de disciplina ou direção e horário de trabalho, que correspondam a necessidades permanentes dos órgãos ou serviços e sem o adequado vínculo jurídico;
b) No setor empresarial do Estado, que correspondam a necessidades permanentes das entidades e sem o adequado vínculo jurídico.
3 - A presente portaria não abrange:
a) Carreiras em relação às quais exista legislação reguladora da integração extraordinária de pessoal que exerça funções correspondentes a necessidades permanentes dos órgãos ou serviços;
b) Situações de exercício de funções que, por força de legislação específica, só são tituladas por vínculos de duração limitada.
4 - A presente portaria cria as Comissões de Avaliação Bipartida, abreviadamente designadas por CAB, e estabelece a sua missão, composição, competências e o respetivo modo de funcionamento.
5 - A presente portaria cria ainda a Comissão Coordenadora e estabelece a sua composição e competências e o modo de funcionamento.
Artigo 10.º
Requerimento
1 - O interessado pode requerer a avaliação da sua situação, conforme modelo constante de anexo, junto da Comissão de Avaliação Bipartida do ministério da respetiva área governativa, entre 11 de maio e 30 de junho de 2017.
2 - O modelo do requerimento é disponibilizado no portal do Governo, podendo ser entregue em papel ou através de preenchimento de formulário eletrónico.
3 - O formulário do requerimento prevê a possibilidade de o requerente autorizar a CAB a aceder aos dados pessoais e demais dados relativos à sua situação laboral existentes no órgão, serviço ou entidade onde se encontra a desempenhar funções, ficando o mesmo, nesse caso, dispensado de posterior pedido de entrega de documentos, bem como concordar em receber por via de correio eletrónico as notificações decorrentes do pedido de avaliação, nos termos do regime jurídico dos documentos eletrónicos e da assinatura digital.
Artigo 14.º
Processo de avaliação
1 - Nos dois dias úteis posteriores à receção do requerimento, o presidente da CAB solicita ao dirigente máximo do órgão, serviço ou entidade onde são exercidas as funções identificadas no requerimento, informação devidamente fundamentada sobre se as mesmas correspondem a uma necessidade permanente, a qual deve ser comunicada à CAB no prazo de 10 dias úteis.
2 - Após a informação do dirigente máximo referida no número anterior, a CAB emite parecer sobre se as funções exercidas correspondem a uma necessidade permanente do órgão, serviço ou entidade em causa.
3 - Caso o parecer considere que as funções exercidas correspondem a uma necessidade permanente, a CAB procede à avaliação da adequação jurídica do vínculo, de acordo nomeadamente com os critérios referidos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 3.º
Artigo 15.º
Homologação
Os pareceres da CAB são submetidos a homologação dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças, do Trabalho da Solidariedade e Segurança Social e da respetiva área governativa.
Lei n.º 62/2007 de 10 de Setembro que estabelece o regime jurídico das instituições de ensino superior ou apenas Lei 62/2007
Artigo 9.º
Natureza e regime jurídico
1 - As instituições de ensino superior públicas são pessoas colectivas de direito público, podendo, porém, revestir também a forma de fundações públicas com regime de direito privado, nos termos previstos no capítulo vi do título iii.
2 - Em tudo o que não contrariar a presente lei e demais leis especiais, e ressalvado o disposto no capítulo vi do título iii, as instituições de ensino superior públicas estão sujeitas ao regime aplicável às demais pessoas colectivas de direito público de natureza administrativa, designadamente à lei quadro dos institutos públicos, que vale como direito subsidiário naquilo que não for incompatível com as disposições da presente lei.
3 - As entidades instituidoras de estabelecimentos de ensino superior privados são pessoas colectivas de direito privado, não tendo os estabelecimentos personalidade jurídica própria.
4 - As instituições de ensino superior privadas regem-se pelo direito privado em tudo o que não for contrariado pela presente lei ou por outra legislação aplicável, sem prejuízo da sua sujeição aos princípios da imparcialidade e da justiça nas relações das instituições com os professores e estudantes, especialmente no que respeita aos procedimentos de progressão na carreira dos primeiros e de acesso, ingresso e avaliação dos segundos.
5 - São objecto de regulação genérica por lei especial as seguintes matérias, observado o disposto na presente lei e em leis gerais aplicáveis:
a) O acesso ao ensino superior;
b) O sistema de graus académicos;
c) As condições de atribuição do título académico de agregado;
d) As condições de atribuição do título de especialista;
e) O regime de equivalência e de reconhecimento de graus académicos e outras habilitações;
f) A criação, modificação, suspensão e extinção de ciclos de estudos;
g) A acreditação e avaliação das instituições e dos ciclos de estudos;
h) O financiamento das instituições de ensino superior públicas pelo Orçamento do Estado, bem como o modo de fixação das propinas de frequência das mesmas instituições;
i) O regime e carreiras do pessoal docente e de investigação das instituições públicas;
j) O regime do pessoal docente das instituições privadas;
l) A acção social escolar;
m) Os organismos oficiais de representação das instituições de ensino superior públicas.
6 - Como legislação especial, a presente lei e as leis referidas no número anterior não são afectadas por leis de carácter geral, salvo disposição expressa em contrário.
7 - Para além das normas legais e estatutárias e demais regulamentos a que estão sujeitas, as instituições de ensino superior podem definir códigos de boas práticas em matéria pedagógica e de boa governação e gestão.
Artigo 134.º
Regime jurídico
1 - As fundações regem-se pelo direito privado, nomeadamente no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e de pessoal, com as ressalvas estabelecidas nos números seguintes.
2 - O regime de direito privado não prejudica a aplicação dos princípios constitucionais respeitantes à Administração Pública, nomeadamente a prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça e da proporcionalidade.
3 - No âmbito da gestão dos seus recursos humanos, a instituição pode criar carreiras próprias para o seu pessoal docente, investigador e outro, respeitando genericamente, quando apropriado, o paralelismo no elenco de categorias e habilitações académicas, em relação às que vigoram para o pessoal docente e investigador dos demais estabelecimentos de ensino superior público.
4 - O disposto no número anterior entende-se sem prejuízo da salvaguarda do regime da função pública de que gozem os funcionários e agentes da instituição de ensino superior antes da sua transformação em fundação.
DL n.º 402/73 de 11 de Agosto ou apenas DL 402/73
Artigo 8.º
São criadas as Universidades XX, de Aveiro e do Minho e o Instituto Universitário de Évora.
DL n.º 20/2017 de 21 de Fevereiro que transforma a Universidade XX numa fundação pública com regime de direito privado e aprova os respetivos Estatutos ou apenas DL 20/2017
Artigo 1.º
Instituição da fundação
1 - O Estado português institui uma fundação pública com regime de direito privado denominada Universidade XX.
2 - A Universidade XX resulta da transformação da Universidade XX em fundação pública com regime de direito privado nos termos da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, que aprova o regime jurídico das instituições de ensino superior.
Artigo 6.º
Direitos e obrigações
A Universidade XX, enquanto fundação pública com regime de direito privado, sucede em todos os direitos e obrigações na titularidade da Universidade XX à data da presente transformação.
Doutrina e jurisprudência que o Tribunal leva em conta
12. O Tribunal leva em conta os seguintes elementos, mencionados na fundamentação:
Doutrina
Alberto dos reis, Código de Processo Civil anotado, Volume I, 3.ª Edição, Coimbra Editora Limitada
Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho
Jurisprudência nacional disponível em dgsi.pt
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 470/13.7TTOAZ.P1.S1
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 1272/16.4T8SNT.L1.S1
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 26069/18.3T8PRT.P1.S1
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 20152/21.5T8LSB.L1.S1
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo, 144/15.4T8MTJ.L1-2
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 501/12.8TBCBC.G1
Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem hudoc.echr.coe.int
Acórdão Kraska c. Suisse, processo 13942/88
Acórdão Van de Hurk c. Pays-Bas, processo 16034/90
Apreciação do recurso
A. Erro material da sentença
13. Segundo Tribunal julga perceber, a recorrente insurge-se contra o teor da alínea e) do dispositivo da sentença recorrida com o seguinte teor – e). A pagar à autora a quantia global de € 18.675,00, a título de subsídios de férias e de Natal, referente aos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 a 2018 – apenas na parte em que aí são mencionados os anos 2013, 2014 e 2015.
14. A esse propósito, o Tribunal recorda que é o seguinte o teor dos artigos 71.º e 72.º da petição inicial, junta com a referência citius 28943208 de 14.4.2008 e do pedido aí formulado na alínea f), com base no alegado nos artigos 71.º e 72.º:
“71.º
Pelo que, a este título, deve a R. ser também condenada a pagar à A. os seguintes créditos:
• Proporcional do subsídio de férias e de natal do ano 2008, no montante de € 1.867,50;
• Subsídio de férias e de natal do ano de 2009, no montante de € 2.490,00;
• Subsídio de férias e de natal do ano de 2010, no montante de € 2.490,00;
• Subsídio de férias e de natal do ano de 2011, no montante de € 2.490,00;
• Proporcional do subsídio de férias e de natal de 2012, no montante de € 1.867,50;
• Subsídio de férias e de natal do ano de 2016, no montante de € 2.490,00;
• Subsídio de férias e de natal do ano de 2017, no montante de € 2.490,00;
• Subsídio de férias e de natal do ano de 2018, no montante de € 2.490,00.
72.º
tudo no montante global de € 18.675,00 acrescido dos respetivos juros de mora.”
(...)
“f) Ser a R. condenada a pagar à A. o montante global de € 18.675,00, a título de subsídio de férias e
natal referente aos anos 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2016 a 2018.”
15. A recorrida/autora aceita, nas contra-alegações, que incorreu em lapso de escrita quando se refere aos anos de 2013 e 2014 na alínea f) do pedido formulado na petição inicial, uma vez que a quantia cujo pagamento pretende e que liquida nos artigos 71.º e 72.º da petição inicial não se refere aos anos de 2013 e 2014.
16. A sentença recorrida reproduz esse lapso de escrita ao fazer a seguinte referência ao pedido “Bem como a pagar-lhe o montante global de € 18.675,00, a título de subsídio de férias e Natal referente aos anos 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2016 a 2018.” e incorre num lapso de escrita adicional quando refere também o ano de 2015 no dispositivo “e). A pagar à autora a quantia global de € 18.675,00, a título de subsídios de férias e de Natal, referente aos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 a 2018;”, uma vez que o ano de 2015 não é sequer mencionado pela autora/recorrida na petição inicial, nos locais acima citados no parágrafo 14.
17. No despacho que admitiu o recurso a primeira instância decidiu o seguinte:
“Porque entendo que a sentença proferida nos autos não enferma das nulidades que lhe são assacadas pela ré, mantenho-a na íntegra.
No entanto, e como sempre, esse Tribunal melhor decidirá.
18. Não tendo a primeira instância deferido à rectificação do erro material da sentença invocado pela recorrente, as partes podem alegar perante o Tribunal da Relação o que entenderem no que toca a essa rectificação – cf. artigo 614.º n.º 2 do CP.
19. Em conformidade, uma vez que se extrai do contexto acima descrito nos parágrafos 14 a 16 que existe erro material da sentença recorrida na parte em que a alínea e) do dispositivo refere os anos de 2013, 2014 e 2015, tal erro dá lugar à mera rectificação mediante eliminação da referência aos anos de 2013, 2014 e 2015 na alínea e) do dispositivo da sentença impugnada, como pede a recorente – cf. artigo 249.º do CC.
20. Pelo que, procede nessa parte a argumentação da recorrente uma vez que ambas as partes estão de acordo com a rectificação do erro material em causa.
21. Fica prejudicada a apreciação da questão da nulidade da sentença impugnada com fundamento no erro material acima apreciado.
B. Nulidades da sentença
22. A recorrente defende que a sentença impugnada é nula por enfermar dos seguintes vícios:
• Omissão de pronúncia sobre a ilegalidade do pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho coberto pelo regime previsto no CT;
• Insuficiente fundamentação da sentença no que respeita à apreciação da regularização do contrato no âmbito do PREVAP;
• Excesso de pronúncia por incompetência material para conhecer da existência de um contrato de emprego público entre 1.4.2008 e 14.7.2017;
• Omissão de pronúncia sobre a excepção de ilegitimidade da recorrente quanto ao pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho no período entre 1.4.2008 e 31.8.2012.
23. Na óptica da recorrente, os quatro vícios enunciados no parágrafo anterior conduzem à nulidade da sentença impugnada nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 – c) e d) do CPC.
24. No que respeita à omissão de pronúncia sobre a alegada ilegalidade do pedido e à deficiente fundamentação da questão da regularização do vínculo por via do PREVAP, é forçoso constatar, perante a leitura da sentença recorrida, que o Tribunal a quo indicou as razões de facto e de direito pelas quais julgou improcedente ilegalidade do pedido de reconhecimento da existência de contrato de trabalho e julgou que a regularização do vínculo teve lugar no âmbito do PREVAP.
25. A esse propósito, o Tribunal a quo analisou criticamente os factos que subsumiu ao direito, indicou expressamente o regime jurídico que aplicou aos mesmos e sustentou a solução pela qual optou na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que citou, o que permite compreender os fundamentos da decisão. Com efeito, antes de concluir que (...) não procede a alegação da ré quanto ao pedido ilegal, uma vez que a regularização do vínculo foi feita no âmbito do PREVPAP”, o Tribunal a quo indicou os motivos do seu raciocínio. Pelo que não se verificam as alegadas omissão de pronúncia sobre a ilegalidade do pedido e deficiente fundamentação da questão da regularização do vínculo por via do PREVAP.
26. No que respeita à incompetência material para apreciar a existência de um contrato de emprego público entre 1.4.2008 e 14.7.2017, o Tribunal da Relação recorda o seguinte.
27. Em primeiro lugar, o objecto da presente acção, tal como foi configurada pela autora na petição inicial, não é o reconhecimento da existência de um contrato de emprego público mas sim a condenação da recorrente a reconhecer a existência de um contrato individual de trabalho abrangido pelo Código do Trabalho, a antiguidade daí resultante e a proceder ao pagamento dos créditos em dívida dele emergentes, ao abrigo do disposto no artigo 14.º da Lei 112/2017 – cf. artigo 38.º da petição inicial e pedidos a) a f) do mesmo articulado junto com a referência citius 28943208 de 14.4.20.
28. Em segundo lugar, a existência de um contrato de bolsa celebrado com a Fundação para a Ciência e Tecnologia IP (no âmbito do qual a recorrida desenvolveu a sua actividade para a recorrente entre 1.4.2008 e 31.8 2012), a que se seguiu um contrato de trabalho em funções públicas com termo resolutivo certo celebrado entre as partes, com início em 1.9.2012 e termo em 31.8.2015, não é litigiosa, mas foi, antes, aceite por ambas as partes. O que é litigioso entre as partes é saber se os efeitos da regularização do vínculo ao abrigo do PREVAP retrotraem a 1.4.2008.
29. Assim sendo, uma vez que não existe litígio entre as partes quanto à existência de um contrato de trabalho em funções públicas e que o litígio nos presentes autos tem por objecto saber se os efeitos de um contrato individual de trabalho sujeito ao regime previsto no Código do Trabalho se retrotraem a 1.4.2008, a apreciação do presente litígio está até excluída do âmbito da competência material da jurisdição administrativa e fiscal ainda que uma das partes seja ou tenha sido, uma pessoa de direito público – cf. artigo 4.º n.º 4 – b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
30. Ainda que assim não fosse, quod non, a pré-existência de um contrato de trabalho em funções públicas constitui uma questão prejudicial, da qual depende o conhecimento do objecto da presente acção. Tal questão prejudicial convoca a aplicação do disposto no artigo 92.º do CPC (ex vi artigo 1.º n.º 2 – a) do CPT). Ora, por um lado, o artigo 92.º n.º 1 do CPC confere ao Tribunal a possibilidade de sobrestar na decisão até que o Tribunal materialmente competente aprecie a existência de um contrato de trabalho em funções públicas, o que não se justifica neste caso, porque não há litígio entre as partes quanto à existência desse contrato de trabalho em funções públicas com termo resolutivo certo. Por outro lado, o artigo 92.º n.º 2 do CPC atribui competência ao juiz da causa para apreciar tal questão prejudicial, ainda que para ela seja materialmente competente outro Tribunal, nos termos e com os limites previstos nesse preceito legal, seja quando o juiz da causa decide não sobrestar na decisão, seja quando, tendo-o feito, a questão não é decidida pelo Tribunal materialmente competente ou não lhe é submetida ou aí fica parada, por certo tempo.
31. Em consequência, contrariamente ao que alega a recorrente, nem o objecto da presente acção é a apreciação da existência ou validade de um contrato de trabalho em funções públicas ou de um acto administrativo, nem o Tribunal é incompetente para apreciar a questão prejudicial da qual depende a decisão da causa, verificados os pressupostos mencionados no artigo 92.º do CPC, nem sobre essa questão existe litígio que justifique a suspensão da causa para que seja apreciada nos Tribunais administrativos e fiscais.
32. Motivos pelos quais não se verifica a alegada violação do disposto nos artigos 148.º e 155.º do Código do Procedimento Administrativo ou do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nem o Tribunal é incompetente em razão da matéria para conhecer do objecto do presente litígio, como se extrai do artigo 126.º n.º 1 – b) e f) da Lei n.º 62/2013 de 26.8 (Lei da Organização do Sistema Judiciário).
33. No que respeita à alegada omissão de pronúncia sobre a excepção de ilegitimidade da recorrente, importa levar em conta o seguinte. Nos artigos 32.º a 40.º da contestação (junta com a referência citius 29662104 de 28.6.2021), a recorrente/ré alega a excepção da sua ilegitimidade, mas circunscrita ao pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho no período entre 1.4.2008 e 31.8.2012. No despacho saneador (cf. referência citius 411290154 de 6.1.2022) o Tribunal a quo decidiu o seguinte: “Na contestação invoca a ré, além do mais, a excepção do pedido ilegal e a sua ilegitimidade para os termos da acção. Atendendo a que, para o conhecimento das ditas exceções, se mostra necessária a fixação dos factos provados, relega-se para momento ulterior a sua apreciação”. Na sentença recorrida o Tribunal a quo apreciou a validade e regularidade da instância como se segue: “Mantém-se a validade e regularidade da instância, afirmadas no despacho saneador, nada obstando a que se conheça de mérito”.
34. Ou seja, no despacho saneador o Tribunal a quo relegou para a sentença a apreciação da alegada excepção de ilegitimidade da ré/recorrente; porém, na sentença omitiu essa apreciação. O que constitui um vício de omissão de pronúncia sobre uma questão que devia ser apreciada, que torna nula a sentença recorrida nessa parte e que o Tribunal da Relação está em condições de suprir, uma vez que tal vício foi alegado pela recorrente como um dos fundamentos do recurso e sobre ele a recorrida teve oportunidade de se pronunciar, nas contra-alegações – cf. artigos 615.º n.º 1 – d) e n.º 4 do CPC (ex vi artigo 1.º n.º 2 – a) do CPT).
35. Por tais motivos, procede a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a excepção de ilegitimidade da ré, vício esse que o Tribunal da Relação suprirá depois de apreciar a impugnação da matéria de facto uma vez que, na parte em que relegou a apreciação dessa excepção para momento posterior ao da fixação dos factos, o despacho saneador não foi impugnado.
36. No mais, improcedem as restantes nulidades invocadas.
C. Impugnação da matéria de facto
37. Em primeiro lugar, a recorrente pretende ver aditadas aos factos provados as alíneas C1 a C5 acima mencionadas no parágrafo 3, que contêm matéria de direito.
38. Com efeito, a nomeação do Conselho de Curadores e a data em que produziu efeitos essa nomeação/constituição, a que alude a alínea C1 que a recorrente pretende seja aditada, resulta do despacho ministerial n.º 5375/2017 de 2.6.2017; a matéria a que alude a alínea C2, que a recorrente pretende seja aditada, corresponde ao conteúdo do Despacho Normativo n.º 42/2008, de 26 de Agosto; a matéria a que alude a alínea C3, que a recorrente pretende seja aditada, consiste em julgar provado que se aplica a alínea a) do n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 3/2004; a matéria da alínea C4, que a recorrente pretende seja aditada, consiste em julgar provado que se aplicam a Lei n.º 59/2008 e a Lei n.º 3/2004, alterada pela Lei n.º 64-A/2008; a matéria da alínea C5, que a recorrente pretende seja aditada, consiste em julgar provado que se aplicam, os artigos 50.º da Lei n.º 64-B/2011 , 60.º da Lei n.º 66-B/2012, 56.º da Lei n.º 83-C/2013, 56.º da Lei n.º 82-B/2014, 26.º da Lei n.º 7-A/2016 e 32.º da Lei n.º 42/2016.
39. Em consequência, as alíneas C1 a C5 cujo aditamento aos factos provados a recorrente pede, não contêm factos que possam ser objecto de instrução, como exige o artigo 410.º do CPC. Na verdade, o que a recorrente pretende é ver incluídos na matéria de facto juízos de direito sobre a aplicação e interpretação de preceitos legais. Ora, isso terá lugar infra, na apreciação da questão de direito como aí será explicado. Pelo que, improcede este segmento da argumentação da recorrente.
40. Em segundo lugar, a recorrente pretende que seja aditado à alínea D dos factos provados que a autora iniciou a sua actividade na Fundação para a Ciência e Tecnologia, I.P. em 1997. Alega que esse facto resulta das declarações de parte da autora.
41. O Tribunal da Relação não reaprecia nessa parte o tema probatório impugnado, uma vez que o segmento que a recorrente pretende ver aditado é irrelevante para a decisão de mérito. Com efeito, o que está em causa nos presentes autos é saber se regularização do vínculo laboral considerado inadequado pela CAB produz efeitos retroactivos a 1.4.2008 e se o valor da retribuição estipulada no contrato individual de trabalho sujeito ao regime do CT, celebrado em 22.1.2019, deve ser igual ao que estava estipulado no contrato de trabalho em funções públicas com termo resolutivo celebrado entre as partes, com início em 1.9.2012 e termo em 31.8.2015 ou se pode ser inferior. Fora do objecto do processo está, assim, a questão de saber se ao abrigo de um vínculo pré-existente com a Fundação para a Ciência e Tecnologia IP, a recorrida desenvolveu a sua actividade em data anterior a 1.4.2008 e para que entidade o fez.
42. Pelo que, a alteração pretendida pela recorrente é inútil para a decisão de mérito, por se referir a factos que estão fora do âmbito temporal relevante para a decisão do litígio. Motivo pelo qual o Tribunal não reaprecia o tema probatório impugnado nessa parte.
43. Em terceiro lugar a recorrente pede a alteração da redacção da alínea K dos factos provados e o aditamento da alínea K1, propondo a redacção acima mencionada no parágrafo 3. A esse propósito, nos artigos 49.º a 50.º da contestação a recorrente aceitou que as funções desempenhadas pela recorrida eram as constantes do artigo 13.º da petição inicial (mencionadas na alínea K dos factos provados), mas impugnou o facto de tais funções serem exercidas desde 1.4.2008. Segundo o Tribunal julga perceber, no essencial, a recorrente pretende ver provado que as funções descritas na alínea K dos factos provados só foram desempenhadas pela recorrida a partir de 1.9.2012, o que passaria a constar da alínea K1 cujo aditamento pretende; e que, da alínea K passe a constar que anteriormente a 1.9.2012, as funções desempenhadas pela recorrida para a recorrente eram as que descreveu de forma genérica no artigo 50.º da contestação. A esse propósito, é forçoso constatar que as tarefas descritas no artigo 50.º da contestação foram prestadas na mesma unidade orgânica da recorrente e são em parte semelhantes e/ou englobam as tarefas descritas na alínea K dos factos provados, na redacção impugnada. É o que resulta da redacção proposta para a alínea K, correspondente ao artigo 50.º da contestação – “Durante o período referido em D), as funções desempenhadas pela Autora centravam-se, sobretudo, no tratamento e acompanhamento de todas as questões relacionadas com os bolseiros e em questões relacionadas com a Faculdade WW, incumbindo à Autora assegurar a ligação entre o Instituto... da Universidade XX e a Faculdade WW em tudo o que estivesse relacionado[s] com bolsas atribuídas” – quando comparada com a redação proposta para a alínea K1 (cf. supra parágrafo 3) e com a actual redacção da alínea K (cf. supra parágrafo 9).
44. Ora, tendo em conta que de acordo com o artigo 1.º n.º 2 da Portaria 150/2017 a regularização do vínculo laboral aqui em causa depende da verificação de situações de exercício de funções existentes em qualquer momento do período de 1 de janeiro de 2017 até à data da entrada em vigor da mesma, que correspondam a necessidades permanentes dos órgãos, serviços ou entidades em causa, o que releva como pressuposto da regularização do vínculo, ao abrigo do disposto no artigo 14.º da Lei 112/2017 é saber se, no período indicado no artigo 1.º n.º 2 da Portaria 150/2017, as funções desempenhadas pela recorrida correspondiam a necessidades permanentes da recorrente, se a CAB emitiu parecer nesse sentido e se o mesmo foi homologado pelos membros do Governo competentes, nos termos dos artigos 14.º e 15.º da Portaria 150/2017.
45. Acresce que, pelas razões indicadas no parágrafo 43, a alteração e aditamento pretendidos pela recorrente nas alíneas K e K1 são irrelevantes para as soluções plausíveis de direito, seja à luz do disposto no artigo 12.º do CT de 2003; seja à luz do disposto no artigo 12.º n.º 1 - e) do CT de 2009, uma vez que não foi alegado, nem está em causa o exercício de funções de direcção ou chefia pela recorrida. Ainda que o Tribunal alterasse e aditasse, respectivamente, as alíneas K e K1 como pretende a recorrente, dai não resultaria qualquer alteração nos termos essenciais da relação fáctica entre as partes com relevo para a aplicação no tempo da presunção de laboralidade constante das disposições legais enunciadas neste parágrafo.
46. Nesse contexto, é indiferente para a decisão de mérito proceder à alteração da redacção do facto provado K e ao aditamento da alínea K1, uma vez que essa alteração e aditamento têm por objecto factos que, na parte relevante para a decisão de mérito, já se encontram provados na alínea K e na restante parte, constituem meras diferenças na descrição das tarefas desempenhadas pela recorrida, inúteis para as soluções plausíveis de direito.
47. Com efeito, a questão litigiosa é essencialmente de direito e prende-se com saber se a regularização do contrato de trabalho da recorrida deve ter efeitos retroactivos em consequência da presunção de laboralidade à qual se refere o artigo 14.º n.º 1 – b) da Lei 112/2017 e, nesse caso, qual dos vínculos pré-existentes, apurados nos autos, é que deve ser levado em conta e se é de aplicar o n.º 2 ou o n.º 3 do artigo 14.º da Lei 112/2017 para determinar o valor da retribuição.
48. Assim, tendo em conta a análise que antecede, o Tribunal da Relação não procede à reapreciação dos meios de prova sobre o tema impugnado no que respeita às alíneas D, K e K1, por julgar que tal reapreciação seria um acto inútil (cf. artigo 130.º do CPC). Isto porque as alterações pretendidas, nem dizem respeito a factos essenciais para a causa de pedir (cf. artigo 5.º n.º 1 do CPC), nem têm relevo para a decisão de mérito (cf. artigos 2.º n.º 2 parte final do CPC). Pelo que, à luz do princípio da limitação dos actos, consagrado no artigo 130.º do CPC, a impugnação da matéria de facto no que respeita às alíneas D, K e K1, não será apreciada.
49. Em apoio desta solução o Tribunal cita a seguinte a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação:
“VIII. Segundo a jurisprudência do STJ, nada impede a Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil.”
– cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 26069/18.3T8PRT.P1.S1, ponto VIII do sumário
“I) - Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).”
– cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo, 144/15.4T8MTJ.L1-2, ponto I do sumário
“III. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil (arts. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.).”
– cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 501/12.8TBCBC.G1, ponto III do sumário.
50. Adicionalmente, resulta do exame efectivo das pretensões das partes efectuado supra que, no seu todo, o processo é equitativo (cf. artigos 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 2.º do CPC), sem que o Tribunal da Relação seja obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos invocados pelas partes, sejam eles de facto ou de direito, mesmo que, na óptica das partes, tais argumentos sejam fundamentais para sua pretensão; o Tribunal pode apreciar apenas os argumentos que julgue pertinentes e esses são unicamente os que forem susceptíveis de influenciar a solução do litígio (cf. acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Kraska c. Suisse, processo 13942/88, parágrafo 30 e Van de Hurk c. Pays-Bas, processo 16034/90, parágrafo 61).
51. Em consequência, pelas razões acima indicadas, a alteração/aditamento da matéria de facto pretendida pela recorrente quanto às alíneas D, K e K1 não é susceptível de influenciar a solução do litígio, motivos pelos quais o Tribunal da Relação não reaprecia nessa parte o tema probatório.
52. Em quarto lugar, a recorrente pede a alteração da redacção da alínea P dos factos provados, propondo a seguinte redacção: Após o Instituto... da Universidade XX ter confirmado que as funções da autora no período de 01 de Janeiro a 04 de Maio de 2017 concorriam para a satisfação de necessidades permanentes e que as mesmas eram exercidas sob a coordenação de um superior hierárquico, a referida Comissão considerou que as funções exercidas pela aqui trabalhadora e o modo como as mesmas eram prestadas, não eram compatíveis com um contrato de bolsa, o qual não configurava um vínculo adequado ao exercício das funções em causa.
53. O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção sobre a realidade do facto provado P da seguinte maneira: “Os factos constantes das alíneas O), P) e Q), assentaram no acordo das partes, como se extrai do confronto entre o alegado nos artigos 20º, 21º a 24º e 25º, respectivamente, da petição inicial e no artigo 57º da contestação.”
54. Nos artigos 20.º a 25.º da petição inicial a recorrida alega a existência do processo de regularização constante dos documentos 14, 15 e 16 que junta à petição inicial. Nos artigos 57.º a 59.º da contestação, a recorrente aceita os factos constantes dos artigos 20.º a 25.º da petição inicial, mas alega que não confirmou que a data de início de funções da autora fosse 1.4.2008 e que informou a CAB que o início de funções teve lugar em 1.9.2012, remetendo para o teor do documento n.º 14 junto à petição inicial que cita parcialmente.
55. Com efeito, foram juntos à petição inicial, como documento n.º 14, com a referência citius 28943208, os seguintes elementos do processo de regularização do vínculo laboral da recorrida: Ficha de avaliação individual (requerimento-modelo previsto no artigo 10.º da Portaria 150/2017); Admissibilidade requerimento; Avaliação Informação do órgão/serviço/entidade; Pronúncia da CAB. Em particular, a pronúncia da CAB é um documento particular assinado, não impugnado, que tem a força probatória prevista no artigo 376.º n.ºs 1 e 2 do CC. Os restantes documentos particulares não assinados, juntos à petição inicial sob o n.º 14, são livremente apreciados pelo Tribunal nos termos do artigo 366.º do CC. Não tendo nenhum desses documentos sido impugnado e tendo a recorrente aceite a veracidade das declarações deles constantes, afigura-se que o facto provado P, que se refere a determinados actos praticados no processo de regularização previsto na Portaria 150/2017, deve ser complementado de forma a dar por reproduzido o teor integral desses actos/documentos juntos à petição inicial sob o n.º 14.
56. Pelo que, procede parcialmente este segmento da argumentação da recorrente e, em conformidade, o Tribunal altera a redacção da alínea P nos seguintes termos:
P) Após o Instituto... da Universidade XX ter confirmado que as funções da autora concorriam para a satisfação de necessidades permanentes e que as mesmas eram exercidas sob a coordenação de um superior hierárquico, a referida Comissão considerou que as funções exercidas pela aqui trabalhadora e o modo como as mesmas eram prestadas, não eram compatíveis com um contrato de bolsa, o qual não configurava um vínculo adequado ao exercício das funções em causa, nos termos constantes dos documentos juntos à petição inicial sob o n.º 14, com a referência citius 28943208, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
57. Em quinto e último lugar a recorrente pede a eliminação da alínea Z dos factos provados. O Tribunal a quo motivou assim a sua convicção sobre a realidade desse facto: “Quanto aos factos constantes da alínea Z) pela análise crítica dos depoimentos das já referidas testemunhas FF, EE e DD”.
58. Afigura-se que o facto provado Z deve ser eliminado pelos seguintes fundamentos: esse facto não foi alegado na petição inicial; é um facto complementar para que possa ser aplicada a presunção geral de laboralidade, no caso de o Tribunal optar pela aplicação do disposto no artigo 12.º n.º 1 – b) do CT de 2009; o Tribunal a quo não selecionou temas de prova (cf. despacho saneador com a referência citius 411290154 de 6.1.2022); julgou que tal facto resultou da instrução da causa, conforme se extrai do trecho da sentença recorrida transcrito no parágrafo anterior.
59. Porém, não basta que o facto provado Z resulte da instrução da causa para que possa ser levado em conta pelo Tribunal; tratando-se de um facto não alegado, sobre o qual as partes não tiveram oportunidade de se pronunciar, a lei exige que sobre ele tenha incidido não apenas a instrução mas também a discussão e/ou que seja concedida às partes a oportunidade de sobre ele se pronunciarem – cf. artigo 5.º n.º 2 – b) do CPC e artigo 72.º n.º 2 do CPT. Ora, reapreciada a gravação da audiência, dela resulta que a Exma. mandatária da ré/recorrente, nas suas alegações orais, não se pronunciou sobre o facto provado constante da alínea Z. Ou seja, tal facto não foi objecto de discussão por parte da ré/recorrente. Acresce que, da acta de audiência de julgamento junta com a referência citius 425135966 não resulta que, quanto ao facto provado Z, o Tribunal a quo tenha observado o formalismo previsto no artigo 5.º n.º 2 – b) do CPC ou 72.º n.º 2 do CT.
60. Em consequência, o facto provado Z é eliminado do acervo dos factos provados porque não foi alegado pela recorrida, não foi concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre ele e não foi objecto de discussão oral, nomeadamente por parte da recorrente.
61. Por todo o exposto, procede parcialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, sendo alterada redacção da alínea P dos factos provados nos termos acima enunciados e eliminada a alínea Z dos factos provados.
D. Ilegitimidade da recorrente
62. Segundo o Tribunal julga perceber, nos artigos 32.º a 40.º da contestação, a recorrente defende que, tendo a autora alegado nos artigos 4.º e 5.º da petição inicial, a existência de um contrato de bolsa celebrado com a Fundação para a Ciência e Tecnologia IP, no período de 1.4.2008 a 31.8.2012, facto esse cuja confissão a ré/recorrente aceitou (cf. artigos 46.º do CPC, 356.º, 358.º e 360.º do CC), a recorrente não é a titular da relação jurídica controvertida nesse período de tempo e, por isso, é parte ilegítima.
63. Nos termos do artigo 30.º do CPC (ex vi artigo 1.º n.º 2 – a) do CPT) o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer; esse interesse exprime-se pelo prejuízo que para ele advenha da procedência da acção; na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade, os sujeitos da relação jurídica controvertida, tal como é configurada pelo autor.
64. Dito isto, a recorrida, no artigo 4.º da petição inicial, alega que, ao abrigo do contrato de bolsa celebrado com a Fundação para a Ciência e Tecnologia IP desempenhou a sua actividade na recorrente, mais concretamente, no Instituto... da Universidade XX (Instituto... da Universidade XX), que é uma unidade orgânica da recorrente (é o que resulta, nomeadamente, do Anexo ao Despacho Normativo 42/2008 de 26.8, do anexo I ao Despacho Normativo 2/2017 de 11.5 e do anexo I ao Despacho Normativo 3/2020 de 6/2 que homologam os Estatutos da Universidade XX e/ou a sua revisão). Adicionalmente, nos artigos 14.º a 16.º da petição inicial, a recorrida alega ter trabalhado para a recorrente, nas instalações da recorrente e dentro do horário de funcionamento da recorrente, desde 1.4.2008 até à presente data. Enfim, no artigo 38.º da petição inicial, a recorrida defende a aplicação do artigo 14.º da Lei 112/2017 como mecanismo de regularização de vínculos formais inadequados para enquadrar a sua actividade na recorrente desde 1.4.2008, o primeiro outorgado/financiado por uma entidade terceira e os seguintes outorgados/financiados pela recorrente.
65. Assim, não só a recorrida configurou a acção alegando ter desenvolvido a sua actividade para a recorrente desde 1.4.2008 até ao presente, nas instalações da recorrente, no horário de abertura da recorrente, comunicando-lhe as férias que pretendia gozar e as faltas, como isso se veio a provar – cf. factos provados D (não impugnado no período temporal aqui levado em conta), E, F, G, L, M e N.
66. Feito este enquadramento, para saber se a recorrente é parte legitima o Tribunal acompanha a seguinte doutrina (cf. Alberto dos reis, Código de Processo Civil anotado, Volume I, 3.ª Edição, Coimbra Editora Limitada, página 83):
“(...) não se quer saber se o autor tem ou não o direito que se arroga; admite-se que o tenha e, partindo-se deste pressuposto, isto é, do pretenso direito do autor, vai averiguar-se isto: a acção é dirigida contra a pessoa interessada em combater a pretensão enunciada na petição inicial?”
67. Para responder à pergunta enunciada no parágrafo anterior o Tribunal leva em conta que está aqui em causa saber se a relação fáctica que se desenrolou entre as partes deve ou não ser qualificada como um contrato de trabalho desde 1.4.2008. Pelo que, importa decidir se o facto de durante determinado período a recorrida ter prestado a sua actividade para recorrente, nas circunstâncias apuradas nos autos, no âmbito de um contrato de bolsa financiado por outra entidade, é compatível com a existência de um contrato de trabalho, quer por estarem provados os seus elementos essenciais, quer por existir presunção de laboralidade e, nesse caso, se a prova da existência de um contrato de bolsa celebrado com outra entidade ilide a presunção de laboralidade.
68. Adicionalmente, o Tribunal leva em conta que o artigo 14.º n.ºs 2 e 3 da Lei 112/2017 prevê que o reconhecimento formal da regularização do vínculo laboral aqui em litígio, por efeito dessa lei, pode ter lugar quando a entidade empregadora em causa não seja parte do vínculo pré-existente. Com efeito, o n.º 2 do artigo 14.º da Lei 112/2017 prevê expressamente que a regularização do vínculo “não altera o valor das retribuições anteriormente estabelecido com a entidade empregadora em causa quando esta era parte do vínculo laboral preexistente”, ao passo que o n.º 3 desse preceito prevê os critérios aplicáveis à determinação da retribuição “nas situações a que não se aplica o número anterior”, ou seja, o n.º 3 desse preceito inclui situações em que a entidade empregadora em causa não era parte do vínculo laboral pré-existente.
69. Importa assim ter em conta que, por um lado, o artigo 14.º da Lei 112/2017 permite a regularização do vínculo laboral quer a entidade empregadora em causa seja parte do vínculo laboral pré-existente quer não seja e, por outro lado, a recorrida na presente acção pretende que a regularização do seu contrato de trabalho retrotraia a 1.4.2008, alegando e tendo provado ter desenvolvido a sua actividade para a recorrente desde essa data.
70. Perante os contornos fácticos e jurídicos acima mencionados, afigura-se que, à luz do disposto artigo 30.º do CPC e da doutrina acima mencionada no parágrafo 66, a recorrente/ré é a pessoa interessada em contestar a pretensão enunciada pela recorrida/autora na petição inicial, nomeadamente, por ter interesse, quer em fazer a contraprova da existência dos elementos do contrato de trabalho no período em questão, quer em ilidir, mediante prova em contrário, a presunção de laboralidade, se eventualmente for aplicável (cf. artigos 346.º e 350.º do CC).
71. Mas ainda que assim não fosse, quod non, tendo em conta que a pretensão da recorrida abrange todo o período em que trabalhou para a recorrente, incluindo aquele em que celebrou contratos de trabalho e de bolsa com a recorrente, a consequência a retirar do facto de a recorrente não ser sujeito da relação jurídica durante uma parte desse período seria a improcedência parcial do pedido no que respeita à contagem da antiguidade da recorrida e pagamento dos subsídios de férias e Natal respeitantes a tal período e não a ilegitimidade da ré/recorrente.
72. Motivos pelos quais improcede este segmento da argumentação da recorrente e o Tribunal julga a recorrente parte legitima.
E. Erro na aplicação e interpretação do direito
73. Segundo o Tribunal julga perceber, no que diz respeito à decisão de direito, a argumentação da recorrente coloca três problemas que o Tribunal solucionará pela ordem seguinte.
i. Em primeiro lugar, a recorrente coloca o problema da impossibilidade legal de o vínculo laboral da recorrida retrotrair a data anterior a 17.7.2017: importa verificar se a recorrente tem razão quando defende que o contrato de trabalho sem termo celebrado entre a recorrente e a recorrida, em 22.1.2019, para regularizar o seu vínculo laboral no âmbito do PREVAP (cf. facto provado W) não pode retrotrair a data anterior a 17.7.2017, por impossibilidade legal, uma vez que só a partir de 17.7.2017 é que a recorrente passou a ser uma fundação pública abrangida pelo regime de direito privado; até então a recorrente era uma pessoa colectiva de direito público e apenas podia estabelecer vínculos laborais ao abrigo de normas aplicáveis à função pública.
ii. Em segundo lugar a recorrente coloca o problema da inexistência de um vínculo laboral entre as partes desde 1.4.2008: importa verificar se a recorrente tem razão quando defende que a regularização do vínculo laboral da recorrida não pode retrotrair ao período entre 1.4.2008 e 31.8.2012 porque nesse período o vínculo jurídico que enquadrava formalmente a actividade desenvolvida pela recorrida para a recorrente era um contrato de bolsa existente entre a recorrida e a Fundação para a Ciência e Tecnologia IP e financiado por essa entidade, que é diversa da recorrente (factos provados D e H). Segundo o Tribunal julga perceber, na óptica da recorrente, o período a levar em conta para a qualificação da situação em causa como contrato de trabalho teve início em 1.1.2017 (período compreendido na avaliação da CAB) ou, quando muito, em 1.9.2012 (data da celebração do contrato de trabalho em funções públicas com termo resolutivo certo outorgado pela recorrente e pela recorrida) ou em 1.9.2015 (data da celebração do contrato de bolsa entre a recorrente e a recorrida), mas nunca em 1.4.2008.
iii. Em terceiro lugar a recorrente coloca o problema da determinação do valor da retribuição no momento da regularização do vínculo e da obrigação de pagar os subsídios de férias e Natal no período anterior a essa regularização: importa verificar se a recorrente tem razão quando defende que a regularização do vínculo aqui em causa não pode ter por consequência o pagamento à recorrida de uma retribuição superior ao valor mensal previsto no contrato de bolsa celebrado entre as partes (que multiplicado por 12 e dividido o resultado dessa operação por 14 meses, corresponde a 1067,14 euros mensais). Na óptica da recorrente, em virtude da aplicação ao valor assim calculado das regras previstas no regulamento n.º 40/2019 de 21.12.2018, aprovado pela recorrente, o montante da remuneração mensal devida à recorrida no âmbito da regularização do vínculo é de 1201,48 euros (factos provados V e Y) e não de 1613,42 euros (facto provado I) como decidiu o Tribunal a quo, porque o valor de 1613,42 euros corresponde à remuneração mensal prevista no contrato de trabalho em funções públicas celebrado entre as partes, com início em 1.9.2012 e termo em 31.8.2015, que, por impossibilidade legal, não deve ser levado em conta na regularização do vínculo. Adicionalmente, a recorrente alega que o pagamento da retribuição mensal de 1613,42 euros violaria o princípio da igualdade e o regulamento 40/2019 aprovado pela recorrente. Enfim, a recorrente discorda do pagamento à recorrida dos subsídios de Natal e férias que foi condenada a pagar-lhe em consequência do efeito retroactivo da qualificação do vínculo laboral feita pelo Tribunal a quo.
74. Para resolver os problemas acima enunciados, o Tribunal leva em conta os seguintes contornos fácticos: a recorrida presta a sua actividade para a recorrente, no Instituto... da Universidade XX que é uma unidade orgânica da recorrente, desde 1.4.2008 até ao presente (factos provados D, E, F e W); desde 1.4.2008 que a recorrida está inserida na organização da recorrente na medida em que a partir dessa data passou a exercer funções nas instalações da recorrente (facto provado L), a informar a recorrente quando tinha necessidade de faltar (facto provado N) e a comunicar à recorrente, em Março de cada ano, os dias de férias que pretendia gozar (facto provado M); desde 1.4.2008 até ao presente, a recorrida tem desempenhado na recorrente funções de jurista, correspondentes à categoria de técnica superior (factos provados D, K, L); desde 1.4.2008 a recorrida desempenha a sua actividade no horário de funcionamento da unidade orgânica da recorrida onde presta actividade (facto provado L); desde 1.4.2008 até ao presente, a recorrida recebe um valor pecuniário como contrapartida da actividade que presta na recorrente, pago com certa regularidade; ou seja, na maior parte dos períodos em que duraram os contratos de bolsa e na totalidade dos períodos de vigência dos contratos de trabalho celebrados, apurou-se uma certa regularidade mensal no pagamento da contrapartida pecuniária devida pela actividade que a recorrida prestava à recorrente (factos provados D, E,F,G,H,I, J,Y, AA).
75. Com efeito, dos factos provados resulta que a quantia paga à recorrida como contrapartida do seu trabalho variou ao longo do tempo: a recorrida recebeu 1245,00 euros mensais, designados por subsídio mensal de manutenção, pagos pela Fundação para a Ciência e Tecnologia IP entre 1.10.2008 a 1.9.2012 ao abrigo do contrato de bolsa que se apurou ser financiado por essa entidade e estar em vigor em 1.4.2008 quando a recorrida iniciou as suas funções na recorrente (factos provados D e H); seguidamente a recorrida passou a receber 1613,42 euros mensais a título de remuneração de base, entre Setembro de 2012 e Agosto de 2015, ao abrigo do contrato de trabalho em funções públicas celebrado entre a recorrente e a recorrida (factos provados E e I); posteriormente, ao abrigo do contrato de bolsa financiado pela recorrente/Instituto... da Universidade XX, esta passou a pagar à recorrida uma quantia mensal, a título de bolsa, de 1245,00 euros, a que acresceram os valores de 1737,26 euros, pagos em Outubro de 2016, 1495,28, pagos em Setembro de 2017, 1391,97, pagos em Agosto de 2018 e 380,00 euros, pagos em Dezembro de 2018, a título de majoração da bolsa (factos provados J e AA).
76. Enfim, a designação e/ou outorgantes dos contratos que enquadraram a actividade desempenhada pela recorrida para a recorrente, desde 1.4.2008 até ao presente, foi variando como se segue: entre 1.4.2008 e 31.8.2012, contrato de bolsa financiado pelo Instituto para Ciência e Tecnologia IP, celebrado entre essa entidade e a recorrida; entre 1.9.2012 e 31.8.2015, contrato de trabalho em funções públicas com termo resolutivo certo, celebrado entre a recorrida e a recorrente; entre 1.9.2015 e janeiro de 2019, contrato de bolsa financiado pela recorrente; em 22.1.2019 a recorrida, na qualidade de trabalhadora e a recorrente, na qualidade de empregadora, celebraram um contrato de trabalho sem termo.
i. Impossibilidade legal de o vínculo laboral da recorrente retrotrair a data anterior a 17.7.2017
77. Feito este enquadramento, o Tribunal passa então a analisar o primeiro problema acima enunciado no parágrafo 73, a saber, a impossibilidade legal de a regularização do vínculo retrotrair a data anterior a 17.7.2017.
78. A esse propósito, o Tribunal recorda que a recorrente, Universidade XX, foi criada pelo artigo 8.º do DL 402/73 de 11.8. No período que aqui releva, a natureza e regime jurídico da Universidade XX sofreram as seguintes alterações: até 2.6.2017 a recorrente tinha a natureza de pessoa colectiva de direito público, coberta pelo regime subsidiário previsto na lei quadro dos institutos públicos (Lei 3/2004), nos termos previstos no artigo 9.º n.º 1 (primeira parte) e n.º 2, da Lei 62/2007; a partir de 2.6.2017 a situação alterou-se uma vez que o artigo 1.º do DL 20/2017 conferiu à recorrente a natureza de fundação pública com regime de direito privado, cujos estatutos foram homologados pelo Despacho Normativo 2/2017 e entraram em vigor em 2.6.2017, data em que produziu efeitos a nomeação do conselho de curadores feita pelo Despacho 5375/2017 do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, nos termos previstos no artigo 52.º do Despacho Normativo 2/2017.
79. A transição de regimes jurídicos mencionada no parágrafo anterior convoca a aplicação do artigo 6.º do DL 20/2017 que prevê que a Universidade XX, enquanto fundação pública com regime de direito privado, à data da sua transformação sucedeu em todos os direitos e obrigações na titularidade da Universidade XX, pessoa colectiva de direito público.
80. No período em que a recorrente tinha a natureza de pessoa colectiva de direito público a contratação de recursos humanos estava coberta pelo regime previsto na Lei 59/2008 de 11.9 (Regime e Regulamento do Contrato de Trabalho em Funções Públicas), revogada e substituída pela Lei 35/2014 de 20.6 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Nos termos do artigo 9.º n.º 2 da Lei 62/2007, o direito subsidiário aplicável era a Lei 3/2004 (Lei Quadro dos Institutos Públicos).
81. Após a transformação da recorrente em fundação pública com regime de direito privado a mesma passou a estar sujeita ao regime previsto nos artigos 129.º a 137.º da Lei 62/2007 e a contratação de recursos humanos a poder ser feita nos termos do Código do Trabalho. Em particular, no que respeita à gestão dos recursos humanos, o artigo 134.º n.ºs 3 e 4 da Lei 62/2007 estabelece que a recorrente pode criar carreiras próprias para o seu pessoal docente, investigador ou outro, respeitando genericamente, quando apropriado, o paralelismo no elenco de categorias e habilitações académicas, em relação às que vigoram para o pessoal docente e investigador dos demais estabelecimentos de ensino superior público, sem prejuízo da salvaguarda do regime da função pública de que gozem os funcionários e agentes da recorrente antes da sua transformação em fundação.
82. Ou seja, após a sua transformação em fundação pública com regime de direito privado, entre os recursos humanos da recorrente podem coexistir vínculos de emprego público pré-existentes e contratos individuais de trabalho sujeitos ao regime do Código do Trabalho celebrados depois de a recorrente ter adquirido natureza fundacional, podendo, nesse contexto, a recorrente criar carreiras próprias em que seja assegurado o paralelismo com as carreiras existentes nas instituições de ensino superior público. Daqui resulta que, o quadro legal mencionado no parágrafo anterior confere à recorrente alguma flexibilidade na gestão dos seus recursos humanos, incluindo a possibilidade de adoptar, com recurso a contratos individuais de trabalho sujeitos ao regime do CT, soluções que se aproximem das carreiras de emprego público existentes nas instituições de ensino superior de direito público.
83. À luz deste quadro legal, no caso em análise é necessário optar pelo regime de regularização que melhor corresponda aos objectivos da Lei 112/2017, tendo em conta a alteração da natureza e regime jurídico da recorrente entretanto operada pelo artigo 6.º do DL 20/2017. A esse propósito, convém sublinhar que nos termos do artigo 2.º n.º 1 da Lei 112/2017, o âmbito de aplicação do programa de regularização extraordinária de vínculos precários, abreviadamente PREVAP, abrange as pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam ao conteúdo funcional de carreiras gerais ou especiais e que satisfaçam necessidades permanentes, tanto dos órgãos ou serviços abrangidos pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014), como era o caso da recorrente antes da alteração operada pelo DL 20/2017, como de instituições públicas de ensino superior de natureza fundacional, entre as quais se inclui a recorrente após a alteração operada pelo DL 20/2017. Ou seja, contrariamente ao que parece defender a recorrente, a regularização do vínculo laboral da recorrida ao abrigo da Lei 112/2017 está prevista quer o vínculo pré-existente estivesse sujeito à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, quer estivesse sujeito ao regime do CT.
84. O que sucede é que, dependendo da natureza e estatuto jurídico da entidade empregadora, essa regularização deve ter lugar mediante procedimento concursal, com respeito pela posição remuneratória e reconstituição da carreira, nos termos previstos pelos artigos 3.º, 4.º, 12.º e 13.º da Lei 112/2017, no caso de a empregadora ter de aplicar o direito público, nomeadamente a Lei 35/2014, à gestão de recursos humanos, ou mediante celebração de um contrato individual de trabalho, no caso de a empregadora ter de aplicar o CT na gestão dos recursos humanos, nos termos previstos no artigo 14.º da Lei 112/2017.
85. A Lei 112/2017 não prevê expressamente como deve ser regularizado o vínculo quando, no decurso da situação fáctica que está na sua origem, existe uma alteração da natureza e regime jurídico da empregadora. Atenta alteração da natureza jurídica da recorrente no decurso da situação fáctica aqui em causa, a questão que se coloca é então saber se, à data da regularização desse vínculo, pode aplicar-se o procedimento concursal previsto para as relações de emprego público ou se a solução prático-jurídica passa antes pela celebração de um contrato individual de trabalho. Não podendo a recorrente, depois de ter adquirido natureza fundacional, regularizar a carreira da recorrida através de um procedimento concursal de emprego público, a solução prático-jurídica mais adequada para alcançar os objectivos da Lei 112/2017 acima enunciados no parágrafo 83, é a regularização do vínculo nos termos previstos no artigo 14.º da Lei 112/2014, como sucedeu. Isto, sem prejuízo de a recorrente poder criar carreiras próprias para o seu pessoal docente, investigador ou outro, respeitando genericamente, quando apropriado, o paralelismo no elenco de categorias e habilitações académicas, em relação às que vigoram nos demais estabelecimentos de ensino superior público, como prevê o artigo 134.º n.ºs 3 e 4 da Lei 62/2007.
86. Assim sendo, importa levar em conta que nos termos do artigo 14.º n.º 1 – a) e b) da Lei 112/2017 a homologação do parecer da CAB pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças, do Trabalho e da Solidariedade e Segurança Social, nos termos previstos na Portaria 150/2017 (cf. factos provados O a Q) obriga a recorrente a proceder imediatamente à regularização formal das situações, conforme os casos e nomeadamente mediante o reconhecimento (nos termos da alínea a) desse preceito legal) de que fica para esse efeito dispensada de quaisquer autorizações por parte dos mesmos membros do Governo e (nos termos da alínea b) desse preceito legal) do reconhecimento da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado.
87. De onde se extrai que, contrariamente ao que defende a recorrente, o artigo 14.º n.º 1 – a) da Lei 112/2017 prevê as condições que têm de verificar-se para a cabimentação orçamental da despesa a que dá lugar a regularização do vínculo. Por isso, não existe a alegada oposição entre a aplicação do regime previsto na Lei 112/2017 e as disposições constantes das sucessivas leis que aprovaram o Orçamento do Estado invocadas pela recorrente – cf. artigos 50.º da Lei n.º 64-B/2011, 60.º da Lei n.º 66-B/2012, 56.º da Lei n.º 83-C/2013, 56.º da Lei n.º 82-B/2014, 26.º da Lei n.º 7-A/2016 e 32.º da Lei n.º 42/2016; com efeito, em primeiro lugar, tais disposições legais referem-se aos limites impostos a contratações novas e não à regularização dos vínculos pré-existentes tornada obrigatória pela Lei 112/2017; em segundo lugar, os artigos 26.º n.º 3 da Lei 7-A/2016 e 32.º n.º 3 da Lei 42/2016 prevêem a possibilidade de, mesmo no que respeita a contratações novas (que não é o caso), os membros do Governo das áreas das finanças e do ensino superior emitirem parecer favorável à contratação para além dos limites previstos nessas disposições legais; por último, mas não menos importante, o artigo 19.º da Lei 7-A/2016 (Orçamento do Estado para 2016) e o artigo 25.º da Lei 42/2016 (Orçamento do Estado para 2017), estabelecem, respectivamente, a obrigação de o Governo definir uma estratégia plurianual de combate à precariedade e a obrigação de o Governo regulamentar as condições em que o reconhecimento formal das necessidades permanentes dos serviços determina a criação dos correspondentes lugares nos mapas de pessoal; foi com base nessas Leis do Orçamento de Estado que foram adoptadas a Lei 112/2017 (que estabelece o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários) e a Portaria 150/2017 (que estabelece os procedimentos da avaliação de situações a submeter ao programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública e no setor empresarial do Estado). Pelo que, contrariamente ao que defende a recorrente, não se verifica a alegada infracção às limitações impostas pelas Leis do Orçamento do Estado.
88. Dito isto, sendo a recorrente uma fundação pública com regime de direito privado no momento da regularização do vínculo laboral aqui em crise, pode e deve regularizar o vínculo laboral da recorrida ao abrigo do regime previsto no CT por ser esse o regime que se lhe aplica e que, em termos prático-jurídicos, se mostra mais adequado à data da regularização.
89. Nesse contexto importa ainda esclarecer que o exercício de funções pela recorrida, com um vínculo inadequado e destinadas a satisfazer necessidades permanentes da recorrente, no período de 1 de Janeiro a 4 de Maio de 2017, previsto no artigo 1.º n.º 2 da Portaria 150/2017, é um facto que releva como condição de aplicação da Lei 112/2017 ou seja, para a CAB apreciar se a situação está abrangida por essa lei e emitir o respectivo parecer e para os membros do Governo responsáveis homologarem esse parecer, foi necessário verificarem se ,entre 1 de Janeiro e 4 de Maio de 2017, a recorrida exerceu na recorrente funções que preenchessem os requisitos exigidos pelos artigos 3.º da Lei 112/2017 e 1.º da Portaria 150/2017. Só depois de emitido e homologado o parecer da CAB é que há lugar à regularização do vínculo, que, neste caso tem lugar nos termos previstos no artigo 14.º n.º 1 – b) da lei 112/2017, mediante aplicação do CT e, nomeadamente, da presunção de laboralidade à qual se refere o artigo 14.º n.º 1 – b) da Lei 112/2017.
90. Em consequência, pelos motivos acima explicados nos parágrafos 78 a 89, não existe a alegada impossibilidade legal e orçamental em retrotrair a aplicação do regime previsto no CT, incluindo a presunção de laboralidade se for o caso, a data anterior à transformação da recorrente em fundação pública com regime de direito privado, para regularizar um vínculo laboral preexistente a essa data, nos termos previstos no artigo 14.º da Lei 112/2017. Essa aplicação retroactiva do regime do CT foi igualmente a solução pela qual optou o Supremo Tribunal de Justiça num processo em que foi parte a recorrente nos presentes autos e numa situação comparável – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 20152/21.5T8LSB.L1.S1.
91. Pelo que, improcede este segmento da argumentação da recorrente.
ii. Inexistência de um vínculo laboral entre as partes desde 1.4.2008
92. No que respeita ao segundo problema suscitado pela recorrente, enunciado no parágrafo 73, trata-se de saber se a regularização do vínculo laboral aqui em causa pode retrotrair a período anterior ao que foi objecto do parecer da CAB, nomeadamente, a 1.4.2008. Isto porque no período entre 1.4.2008 e 31.8.2012, o vínculo jurídico (inadequado na óptica da recorrida) que enquadrava formalmente a actividade/prestação laborativa desenvolvida pela recorrida para recorrente, era um contrato de bolsa existente entre a recorrida e a Fundação para a Ciência e Tecnologia IP e financiado por essa entidade (factos provados D e H).
93. A Fundação para a Ciência e Tecnologia IP é um organismo da administração indirecta do Estado, que prossegue as atribuições do Ministério da Educação e da Ciência (cf. artigos 5.º - a) do DL 2014/2006 de 27.10 entretanto revogado e substituído pelo artigo 5.º n.º 1 – a) do DL 125/2011, atualmente em vigor, que aprova a Lei Orgânica do Ministério da Educação e da Ciência). Nesse contexto, resulta dos factos provados D e H que o pagamento da retribuição da recorrida entre 1.4.2008 e 31.8.2012 foi financiado por um organismo da administração indirecta do Estado e não pela recorrente, em virtude de um vínculo formalmente designado por contrato de bolsa, existente entre a recorrida e esse organismo da administração indirecta do Estado, não abrangido pela personalidade jurídica da recorrente, embora a recorrida, nesse período e ao abrigo de tal contrato de bolsa, tenha prestado a sua actividade para a recorrente.
94. Para solucionar o problema agora em análise, importa ter presente que a designação formal do vínculo jurídico existente entre as partes sofreu várias alterações ao longo do tempo. Nesse contexto, o Tribunal começa por qualificar a situação que se desenrolou no quadro do contrato de trabalho em funções públicas (1.9.2012 a 31.8.2015) e do contrato de bolsa (1.9.2015 a Janeiro 2019), celebrados entre as partes (recorrente e recorrida).
95. Com efeito, está assente e não foi impugnado pela recorrente, que as partes celebraram entre si um contrato de trabalho em funções públicas com termo resolutivo certo, que teve início em 1.9.2012 e terminou em 31.8.2015 (facto provado E); pelo que, durante esse período, existiu entre ambas um vínculo laboral, em resultado de um contrato de trabalho regulado pela Lei 59/2008 (posteriormente revogada e substituída pela Lei 35/2014), cuja validade e efeitos as partes aceitam.
96. Provou-se igualmente e é aceite pela recorrente, que terminado o contrato de trabalho em funções públicas mencionado no parágrafo anterior, as partes celebraram entre si um contrato de bolsa com início em 1.9.2015, sucessivamente renovado até Janeiro de 2019 – cf. facto provado F e facto provado G. Com base nesses factos, no facto provado P (alterado por via do presente recurso) e nos os factos provados J, L, M e N (não impugnados no presente recurso), o Tribunal julga que o contrato de bolsa celebrado entre a recorrente e a recorrida, não obstante a sua designação formal, também deve ser qualificado como um contrato de trabalho, pelas seguintes razões.
97. A recorrente reconhece que, pelo menos desde 1.1.2017, o vínculo existente entre as partes, apesar de ser designado por contrato de bolsa, deve ser regularizado como contrato de trabalho (cf. facto provado P). Por força do artigo 14.º n.º 1 – b) da Lei 112/2017, devem ser aplicadas à qualificação do contrato de bolsa celebrado entre as partes, com início em 1.9.2015 e termo em Janeiro de 2009, as disposições do CT. À luz do disposto no artigo 11.º do CT de 2009, aplicável ratione temporis ao contrato designado por contrato de bolsa que teve início em 1.9.2015 e foi sendo renovado até Janeiro de 2019, os elementos essenciais do contrato de trabalho são os seguintes: a actividade laboral; a retribuição; e a subordinação jurídica.
98. Adicionalmente, a recorrida tanto pode provar a existência do contrato de trabalho mediante alegação e prova dos três elementos do contrato previstos no artigo 11.º do CT de 2009 (cf. artigo 342.º do CC), como pode provar que se verificam algumas das características previstas no artigo 12.º n.º 1 do CT de 2009, na versão da Lei 7/2009 de 12.2, aplicável ratione temporis, para beneficiar da presunção de laboralidade consagrada nesse preceito; nesse caso, inverte-se o ónus da prova e cabe à recorrente ilidir essa presunção mediante prova em contrário (cf. artigo 350.º do CC) – cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª Edição, Almedina, páginas 52 a 53.
99. Dos factos referidos no parágrafo 96 resulta que a recorrida provou verificarem-se desde logo dois elementos do contrato de trabalho previstos no artigo 11.º do CT de 2009: ter exercido actividade laboral; e ter recebido uma retribuição como contrapartida dessa actividade.
100. No que respeita ao terceiro elemento do contrato de trabalho acima indicado no parágrafo 97, a subordinação, a mesma é aqui entendida como subordinação jurídica, em que estão presentes três características: a sujeição de uma das partes, o trabalhador, ao poder de disciplina e direcção da outra, o empregador; a dependência do trabalhador em relação ao empregador, que se traduz no dever de obediência e na sujeição ao poder disciplinar prescritivo e/ou sancionatório; e a inserção do trabalhador numa organização alheia, do credor da prestação de trabalho, com regras próprias de funcionamento, que condicionam o desenvolvimento do vínculo (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª Edição, Almedina, páginas 33 a 34) .
101. Feito o enquadramento que antecede, é forçoso reconhecer que não existe prova abundante sobre o modo como era exercido o poder de disciplina e direcção da recorrente ou sobre o dever de obediência da recorrida, nem isso foi alegado. É certo que a recorrida provou a existência de alguns indícios de subordinação no período entre 1.9.2015 e Janeiro de 2019. Com efeito, dos factos provados M, N e L resulta que a recorrida comunicava anualmente, em Março, à unidade orgânica da recorrente, Instituto... da Universidade XX, onde desempenhava funções, os dias de férias que pretendia gozar (embora não se tenha apurado se eram ou não aprovados), informava o Instituto... da Universidade XX quando tinha que faltar e exercia as suas funções nas instalações da recorrente e durante o horário de funcionamento do Instituto... da Universidade XX. Estes factos indicam que a recorrida estava inserida na organização da recorrente/empregadora sujeitando-se às regras dessa organização, que condicionavam o desenvolvimento do vínculo, o que constitui um dos elementos da subordinação jurídica acima mencionados no parágrafo 100.
102. Porém, não existe prova sobre a verificação de qualquer outro dos elementos acima mencionados no parágrafo 100, em que se traduz a subordinação jurídica, em particular, sobre o poder de disciplina e direcção e o dever de obediência. O que gera dúvida sobre a existência de subordinação jurídica no período de 1.9.2015 a 31.12.2016, uma vez que esse período não foi objecto do parecer da CAB mencionado no facto provado O. Com efeito, o exercício de funções pela recorrida, com um vínculo inadequado e destinadas a satisfazer necessidades permanentes da recorrente, no período de 1 de Janeiro a 4 de Maio de 2017, foi reconhecido pela CAB nos termos previstos no artigo 1.º n.º 2 da Portaria 150/2017 e esse parecer foi homologado, o que gerou a obrigação de regularização do vínculo laboral mediante a celebração de um contrato de trabalho, como prevê o artigo 14.º da Lei 112/2017. Mas o Tribunal tem dúvidas quanto à existência de subordinação jurídica no período anterior, entre 1.9.2015 a 31.12 e na dúvida o Tribunal decide contra a parte a quem tal facto aproveita, a saber, a recorrida (cf. artigo 414.º do CPC). Assim sendo, não existindo prova suficiente sobre os elementos da subordinação jurídica, falta, no que respeita à relação contratual que se desenrolou entre 1.9.2015 e 31.12.2016, um dos elementos previstos no artigo 11.º do CT de 2009, que incumbia à recorrente provar (cf. artigo 342.º n.º 1 do CC), para que a situação apurada nesse período pudesse ser qualificada como contrato de trabalho.
103. Contudo, a recorrente provou a verificação de dois indícios que lhe permitem beneficiar da presunção de laboralidade consagrada no artigo 12.º n.º 1 do CT de 2009, na redacção da Lei 7/2009, aplicável ratione temporis à qualificação do contrato de bolsa celebrado entre a recorrente e a recorrida, com início em 1.9.2015. Tais indícios são os previstos nas alíneas a) e d) do artigo 12.º n.º 1 do CT de 2009 na redacção da Lei 7/2009, a saber: a actividade da recorrida era realizada nas instalações da recorrente; e a contrapartida dessa actividade era uma quantia certa, paga com determinada periodicidade – cf. factos provados L e J.
104. Assim, tendo em conta que, por um lado, o parecer da CAB foi homologado e dele resulta que, pelo menos a situação fáctica posterior a 1.1.2017 tem características de um vínculo laboral e, por outro lado, no contexto da regularização do vínculo, a recorrida beneficia da presunção de laboralidade aplicável por força do artigo 14.º n.º 1 – b) da Lei 112/2017, relativamente a todo o período de 1.9.2015 a Janeiro de 2019, presunção essa que a recorrente não ilidiu mediante prova em contrário, o Tribunal qualifica como contrato de trabalho o contrato de bolsa celebrado entre as partes, que teve início em 1.9.2015 e foi sucessivamente renovado até Janeiro de 2019.
105. Feita esta clarificação, importa agora resolver a questão que gerou maior discordância por parte da recorrente e que passa por qualificar a relação fáctica que se desenvolveu entre as partes entre 1.4.2008 e 31.8.2012, período durante o qual a recorrida prestou a actividade de jurista para a recorrente, nas instalações e horário de funcionamento da recorrente, mediante a comunicação anual à recorrente dos períodos de férias que pretendia gozar e das faltas que dava, ao abrigo de um contrato de bolsa celebrado entre a recorrida e um terceiro (a Fundação para a Ciência e Tecnologia IP), que pagava à recorrida uma contrapartida em dinheiro com certa regularidade, durante a maior parte desse período (cf. contornos fácticos já acima mencionados nos parágrafos 74 a 76).
106. Independentemente da designação formal do contrato de bolsa e das partes que o outorgaram, o certo é que a situação fáctica em questão, que importa qualificar, só passou a desenrolar-se entre a recorrente e a recorrida a partir de 1.4.2008, por ter sido nessa data que a recorrida começou a desenvolver a sua actividade para a recorrente, que a aceitou. Em conformidade, para qualificar essa situação como contrato de trabalho, aplica-se ratione temporis o artigo 10.º do CT de 2003, na redacção da Lei 99/2003 de 27.8 (cf. artigo 7.º n.º 1, segunda parte da Lei 7/2009 de 12.2 que aprovou o CT de 2009).
107. Resulta do artigo 10.º do CT de 2003 que os elementos essenciais do contrato de trabalho são a actividade laboral, a retribuição e a subordinação jurídica. Tais elementos são semelhantes aos previstos atualmente no artigo 11.º do CT de 2009, embora a componente da direcção assuma maior importância no CT de 2003, enquanto no CT de 2009 a componente da autoridade é mais valorizada e é introduzida a referência à inserção do trabalhador no âmbito da organização do credor (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª Edição, Almedina, páginas 20 e 21).
108. Em qualquer dos casos, seja à luz do CT de 2003 (aplicável à data em que teve início a prestação laborativa em crise), seja à luz do CT de 2009, tendo em conta os contornos fácticos mencionados nos parágrafos 74 a 76, no período de 1.4.2008 a 31.8.2012, não existe prova sobre o exercido do poder de disciplina e direcção pela recorrente, nem sobre a existência do dever de obediência por parte da recorrida. Pelo que, pelos mesmos motivos já acima indicados nos parágrafos 100 a 102, na dúvida sobre a existência de subordinação jurídica no período de 1.4.2008 a 31.8.2012, o Tribunal decide contra a parte a quem tal facto aproveita, a saber, a recorrida (cf. artigo 414.º do CPC). Por isso, na falta de prova sobre a existência de subordinação jurídica, a recorrente não logrou provar todos os elementos do contrato de trabalho (cf. artigo 342.º n.º 1 do CC).
109. Acresce que, também não estão preenchidos todos os pressupostos da presunção de laboralidade previstos no artigo 12.º do CT de 2003, na redacção da Lei 9/2006 (em vigor na data do início da prestação laborativa em crise), que exige a verificação cumulativa dos seguintes indícios, nele enunciados: que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição. Desses indícios, a recorrida não provou que exercia a sua actividade sob as ordens, direcção e fiscalização da recorrente, como já foi explicado.
110. Porém, o Tribunal leva em conta que a qualificação como contrato de trabalho que aqui está em causa diz respeito a uma situação duradoura, que se desenrolou de 1.4.2008 até 22.1.2019, data em que foi celebrado o contrato de trabalho sem termo que regularizou o vínculo laboral entre a recorrida e a recorrente, ao abrigo da Lei 112/2017 (PREVAP), que se mantém até ao presente. Ora, durante todo esse período, a situação em análise sofreu várias reconfigurações (cf. parágrafos 74 a 76). O que levanta a questão de saber qual o alcance temporal da presunção de laboralidade consagrada no artigo 12.º do CT de 2009, nomeadamente, se o Tribunal pode aplicar retroactivamente essa presunção à prestação laborativa da recorrida no período de 1.4.2008 a 31.8.2012.
111. A solução desta questão convoca a aplicação do artigo 7.º n.º 1 da Lei 7/2009 de 12.2 que estabelece que ficam sujeitos ao regime previsto no CT aprovado por essa lei os contratos de trabalho celebrados antes da sua entrada em vigor, salvo no que respeita a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passadas.
112. Para interpretar o artigo 7.º n.º 1 da Lei 7/2009, o Tribunal começa por levar em conta que a regra consagrada na primeira parte desse preceito é a da aplicação imediata da lei nova, sendo a proibição de retroactividade prevista na segunda parte do preceito, de natureza excepcional e devendo, por isso, ser interpretada restritivamente, pelo menos no sentido de que se lhe aplica a proibição da analogia prevista no artigo 11.º do CC.
113. Seguidamente o Tribunal leva em conta a seguinte doutrina:
“Estando em causa uma questão de qualificação do contrato (e, nesse sentido, uma situação pretérita, coeva do momento da celebração do contrato), a jurisprudência tem-se inclinado consistentemente no sentido de não admitir a aplicação da presunção (rectius, dos diferentes regimes legais dessa presunção) aos contratos de trabalho celebrados antes da consagração da dita presunção no Código do Trabalho, com base no argumento da não retroactvidade da lei. Assi,. Nestes contratos incumbe ao trabalhador, nos termos gerais do art.º 342.º do CC, provar a sua subordinação jurídica e os demais elementos essenciais do contrato de trabalho.
Embora estejamos globalmente de acordo com este entendimento, cremos que ele deve ser aplicado criteriosamente, tendo em conta que os contratos envolvendo uma prestação laborativa (no sentido que atribuímos a este termo no local próprio) geram vínculos duradouros, sendo por isso mesmo, mais propensos a sofrer uma reconfiguração estrutural ao longo da sua execução – assim, mesmo que não seja possível reconhecer a presença dos elementos essenciais do contrato de trabalho com recurso ao método subsuntivo tradicional de qualificação do contrato no início da sua execução, a subordinação pode vir a ser descoberta mais tarde pela evolução do próprio contrato ao longo do tempo. Ora, se essa alteração ocorrer já na vigência da presunção do artigo 12.º do CT, o trabalhador deve poder recorrer aos indícios de subordinação indicados na norma para facilitar a operação de qualificação do seu contrato como contrato de trabalho.” (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª Edição, Almedina, páginas 57 e 58).
114. Enfim, o Tribunal leva em conta que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem decidido não aplicar retroactivamente a presunção de laboralidade, por motivos que se prendem com a segurança jurídica e o direito a um processo equitativo fazendo, porém, a seguinte ressalva: a não retroactividade do regime que estabelece a presunção de laboralidade só será de aplicar se a relação jurídica estabelecida entre as partes não sofrer alteração essencial depois da entrada em vigor da nova lei. É o que resulta dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça a seguir citados:
“(...) tendo-se apurado que ali prestava serviços há mais de seis anos, quer isto dizer que o início desta sua colaboração remonta, pelo menos a 2007, vigorando à época o Código do Trabalho de 2003.
Por isso, a caracterização da relação jurídica estabelecida entre o A e a CC tem de ser efectuada tendo em conta a lei em vigor à data da sua constituição, pois não resulta da matéria de facto uma mudança essencial na configuração desta relação depois daquela data.”
– acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 470/13.7TTOAZ.P1.S1).
“(...) Pedro Romano Martinez (Código do Trabalho, 2016, 10.ª Edição, Almedina, pág. 77) inclina-se no sentido de que a presunção se aplica aos contratos anteriores verificando-se uma retroconexão, ou seja aos factos ocorridos antes, mas que se repercutem em questões jurídicas ocorridas ou apreciadas depois da entrada em vigor do diploma, aplica-se o Código do Trabalho.
João Leal Amado (Presunção de Laboralidade: Nótula sobre o art.º 12.º do novo Código do Trabalho e o seu âmbito temporal de aplicação, publicado em Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 82, CEJ/Coimbra Editora, pág. 159 e segs.) manifesta também muitas dúvidas acerca da solução jurisprudencial, reconhecendo, no entanto, que o entendimento adotado poderá encontrar acolhimento no ensino de Baptista Machado
(...)
Também Joana Nunes Vicente (Noção de contrato de trabalho e presunção de laboralidade, publicado em «Código do Trabalho – Revisão de 2009», Coimbra Editora. 2011, págs. 59 e segs.) manifesta algumas dúvidas acerca da posição assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça, salientando que «a norma relativa à presunção de laboralidade não é uma norma que diretamente disponha sobre requisitos de validade nem sobre o conteúdo ou sobre os efeitos de uma situação jurídica contratual. A presunção de laboralidade vai incidir sobre factos que condicionam a qualificação jurídica de uma dada relação jurídica, à qual irá depois corresponder, de facto, uma determinada disciplina jurídica. Do funcionamento da presunção infere-se precisamente um facto presumido complexo ou um conjunto de factos presumidos – os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho: a atividade, a retribuição e a subordinação jurídica – que permitem a qualificação da relação em causa como uma relação de trabalho subordinado».
(...)
No campo do direito laboral a doutrina mostra alguma sensibilidade aos objetivos pretendidos pelo legislador ao consagrar a presunção de laboralidade, desenhando-se uma tendência para aceitar, em nome da eficácia da política económica e social, a aplicação da lei vigente ao tempo em que se realiza a atividade probatória.
No entanto, também há que ponderar que a presunção de laboralidade é um meio facilitador da prova a favor de uma das partes, pelo que a solução de aplicar a lei vigente ao tempo em que se realiza a atividade probatória pode conduzir a um desequilíbrio no plano processual provocado pela impossibilidade de se ter previsto no momento em que a relação se estabeleceu quais as precauções ou diligências que deviam ter sido tomadas para assegurar os meios de prova.
Tal situação poderia conduzir à violação do direito a um processo equitativo e causar uma instabilidade indesejável em relações desde há muito constituídas.
No caso concreto dos autos, está em causa uma relação jurídica estabelecida entre as partes em 2 de novembro de 1995, não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os seus termos essenciais, pelo que à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969 (LCT), não tendo aqui aplicação as presunções previstas no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 e de 2009.”
– acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 1272/16.4T8SNT.L1.S1.
115. Da doutrina e jurisprudência acima citadas, extrai-se que, se a subordinação não for identificada no início da relação jurídica entre as partes, mas o contrato evoluir ao longo tempo e sofrer alterações essenciais, ocorridas já na vigência do artigo 12.º do CT de 2009, na redacção da lei 7/2009 de 12.2, das quais resultem os indícios aí previstos, então aplica-se retroactivamente a presunção de laboralidade constante desse preceito legal.
116. Foi o que sucedeu no presente caso. Com efeito, tendo situação fáctica que está na origem da relação jurídica em causa tido início em 1.4.2008 com os contornos mencionados no parágrafo 105 (eg. inicialmente ao abrigo de um contrato de bolsa existente entre a recorrida e a Fundação para a Ciencia e Tecnologia IP, financiado por essa fundação, contrato esse que enquadrou a prestação da actividade da recorrida para a recorrente), tal situação sofreu as seguintes alterações essenciais na sua estrutura: em 1.9.2012 foi celebrado entre a recorrente e a recorrida um contrato de trabalho em funções públicas, com termo resolutivo certo, passando a actividade que a recorrida prestava para a recorrente a ser enquadrada pelo estipulado nesse contrato, deixando a contrapartida em dinheiro devida pelo trabalho prestado pela recorrida à recorrente de ser financiada/paga pela Fundação para a Ciência e Tecnologia IP e passando a ser paga pela recorrente; em 1.9.2015, terminado o contrato de trabalho em funções públicas, teve início um contrato de bolsa celebrado entre a recorrente e a recorrida, sendo a contrapartida em dinheiro paga à recorrida pela recorrente uma vez que a bolsa foi financiada pelo Instituto... da Universidade XX.
117. Como as alterações na estrutura da relação jurídica entre as partes, mencionadas no parágrafo anterior, ocorreram na vigência do artigo 12.º do CT de 2009, na redacção da Lei 7/2009 de 12.2 e como a recorrida logrou provar a verificação, ao longo de toda a relação fáctica e jurídica aqui em causa, dois dos indícios previstos nessa disposição legal, acima indicados no parágrafo 103, afigura-se que tal relação deve ser qualificada como contrato de trabalho ao longo de todo o período em que durou, ou seja, desde 1.4.2008. Isto, por força da aplicação retroactiva, a 1.4.2008, da presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do CT de 2009, na redacção da Lei 7/2009 de 12.2 e porque, no que respeita ao período entre 1.9.2012 e 31.8.2015, está assente e as partes aceitam que existiu um vínculo laboral entre elas, resultante de um contrato de trabalho em funções públicas com termo resolutivo certo.
118. Com efeito, tendo-se apurado que entre 1.4.2008 e 31.8.2012 a actividade que a recorrida prestava à recorrente era realizada nas instalações da recorrente e a contrapartida dessa actividade era uma quantia certa, paga com determinada periodicidade (indícios previstos no artigo 12.º n.º 1 – a) e d) do CT de 2009, na redacção da Lei 7/2009 de 12.2), o facto de essa contrapartida ser paga por um terceiro, não é suficiente para ilidir a presunção de laboralidade mediante prova em contrário (cf. artigo 350.º do CC).
119. Motivos pelos quais improcede este segmento da argumentação da recorrente.
iii. Determinação do valor da retribuição no momento da regularização do vínculo e obrigação de pagar os subsídios de férias e de Natal
120. O terceiro problema que importa resolver, acima enunciado no parágrafo 73, prende-se com a determinação da retribuição da recorrida no momento da regularização do vínculo e com a obrigação de a recorrente pagar à recorrida os subsídios de férias e de Natal no período que antecedeu essa regularização. A esse propósito, a recorrente não concorda que o montante da remuneração mensal devida à recorrida no âmbito da regularização do vínculo seja de 1613,42 euros, defendendo que deve ser de 1201,48 euros; e não concorda que o vínculo laboral retrotraia a 1.4.2008, para efeitos do pagamento dos subsídios de férias e Natal.
121. Tal como já foi acima explicado, o Tribunal qualificou a situação apurada desde 1.4.2008 como um contrato de trabalho. Esse contrato foi regularizado em 22.1.2019, mediante a celebração entre as partes de um contrato individual de trabalho sem termo e pelas razões já acima indicadas, o Tribunal julga que a regularização do vínculo laboral retrotrai a 1.4.2008.
122. Como também foi mencionado supra, a relação laboral entre as partes foi sendo reconfigurada ao longo do tempo e a retribuição/contrapartida em dinheiro paga à recorrida também variou. No que aqui releva, resulta dos factos mencionados nos parágrafos 74 a 76 que: entre 1.9.2012 e 31.8.2015, a recorrente pagou à recorrida a retribuição base de 1613,42 no âmbito do contrato de trabalho em funções públicas com termo resolutivo, celebrado entre as partes; a partir de 1.9.2015, no âmbito do contrato de bolsa, celebrado entre as partes, o valor mensal da bolsa passou a ser inferior a 1613,42 euros; atualmente, a retribuição fixada no contrato de trabalho sem termo celebrado entre as partes em 22.1.2019, para regularização do vínculo laboral, é de 1201,48 euros e corresponde à 2ª posição remuneratória, nível 15-A, da Carreira de Técnica Superior, da tabela constante dos Anexos II e III do Regulamento n.º 577/2017, de 13.10 (cf. facto provado Y).
123. A esse propósito, convém recordar que foram os seguintes os pedidos feitos pela recorrida/autora, na petição inicial:
a) - Seja a ré condenada a reconhecer a existência de contrato de trabalho entre ela e a autora desde 1 de Abril de 2008, com as inerentes consequências legais;
b) - Seja a ré condenada a reconhecer a antiguidade da autora desde 1 de Abril de 2008, com as inerentes consequências legais;
c) - Seja a ré condenada a fixar a retribuição base da autora em € 1.613,42, sem prejuízo da progressão salarial que a mesma possa vir a ter;
d) - Seja a ré condenada a pagar à autora a diferença entre a retribuição base que lhe pagou nos meses de Janeiro de 2019 a Fevereiro de 2021 e aquela que deveria ter pago, diferença essa que se quantifica em € 12.358,20;
e) - Seja a ré condenada a pagar à autora a diferença entre a retribuição mensal que vier a pagar à autora e aquela que deveria pagar, até ao momento em que fixar a retribuição base desta em € 1.613,42;
f) - Seja a ré condenada a pagar à autora o montante global de € 18.675,00, a título de subsídio de férias e Natal referente aos anos 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, [...]***, 2016 a 2018.
***Lapso de escrita eliminado pelos motivos indicados na apreciação da questão A
124. O Tribunal a quo apreciou assim os pedidos acima formulados:
“E tendo as funções exercidas pela autora sido reconhecidas como desempenhadas ao abrigo de vínculos inadequados, só pode concluir-se que, desde 01/04/2008, entre a autora e a ré existiu uma relação de trabalho subordinado.
Sobre questão idêntica, decidiu o STJ, por acórdão de 08/03/2023, Pº 20152/21.5T8LSB.L1.S1, em cujo sumário doutrinal pode ler-se:
“I. O Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública e sector empresarial do Estado (PREVPAP) não cria vínculos laborais, antes regulariza situações (precárias) preexistentes;
II. Estando a Autora ligada por contrato de trabalho à Ré desde data anterior à celebração formal desse contrato, a antiguidade da Autora deve retroagir ao início das suas funções, sendo que são devidos os subsídios de férias e de Natal desde o início da relação contratual, e está ferido de nulidade, por violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, o segmento da cláusula que fixou a remuneração mensal ilíquida da Autora em montante inferior ao que vinha auferindo desde aquele início.”.
Revertendo ao caso dos autos, em vista dos factos provados e na esteira da doutrina expendida no aresto citado, temos que, no que concerne à retribuição, considerando o disposto no art.º 14º, nº 2, da Lei nº 112/2017, de 29/12 e no art.º 129º, nº 1, al. d), CT, a autora tem direito à retribuição de € 1.613,42, bem como, nos termos dos arts. 263º e 264º, ambos do CT, aos subsídios de férias e de Natal, desde o início da relação de trabalho subordinado e que não foram pagos.”
125. Pelos motivos a seguir explicados, não merece censura a solução pela qual optou o Tribunal a quo. Com efeito, provou-se que em 1.9.2012 o valor da remuneração foi estabelecido em 1613,42 euros por acordo entre a recorrente e a recorrida, em virtude de um vínculo no qual a recorrente foi parte. Pelo que, devendo o vínculo laboral aqui em crise ser regularizado nos termos do artigo 14.º da Lei 112/2017, como já foi acima explicado, aplica-se o n.º 2 desse preceito legal nos termos do qual: “De acordo com a legislação laboral, o reconhecimento formal da regularização, produzida por efeito da lei, não altera o valor das retribuições anteriormente estabelecido com a entidade empregadora em causa quando esta era parte do vínculo laboral preexistente”. Acresce que, o n.º 2 do artigo 14.º da Lei 112/2017 acolhe o princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado no artigo 129.º n.º 1 – d) do CT de 2009 – cf. nesse sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 20152/21.5T8LSB.L1.S1.
126. Segundo o Tribunal julga perceber, a recorrente defende que na determinação da antiguidade e remuneração da recorrida devem aplicar-se as regras previstas no Regulamento 40/2019 de 10.1 (Regulamento de regularização extraordinária dos vínculos precários da Universidade XX) e no Regulamento 577/2017 de 13.10 (Regulamento relativo às carreiras, ao recrutamento e aos contratos de trabalho de pessoal não docente e não investigador em regime de contrato de trabalho da Universidade XX); ambos os regulamentos foram adoptados pelo Reitor da Universidade XX.
127. Adicionalmente, na óptica da recorrente a solução pela qual optou o Tribunal a quo no que respeita ao valor da retribuição e ao pagamento dos subsídios de férias e Natal infringe o disposto no artigo 47.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), segundo o qual, todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.
128. Para resolver o problema, o Tribunal sublinha que os Regulamentos 40/2019 de 10.1 e 577/2017 de 13.10, foram adoptados pelo Reitor da Universidade XX no âmbito das competências que lhe são atribuídas pelo artigo 21.º dos Estatutos da Universidade XX (cf. DL 20/2017 e Despacho Normativo 2/2017 de 11.5). Nesse contexto, a recorrente defende que se aplica, em particular, o disposto nos artigos 4.º e 5.º do Regulamento 40/2019 de 10.1.
129. Ora, pelos motivos acima explicados, o Tribunal julga que à qualificação do vínculo da recorrida e à determinação da respectiva remuneração, se aplicam o artigo 14.º da Lei 112/2017 e as disposições do CT mencionadas supra, em particular, no que respeita à irredutibilidade da retribuição, o artigo 129.º n.º 1 – d) do CT de 2009, e no que respeita ao dever de pagar os subsídios de férias e Natal, os artigos 254.º e 255.º do CT de 2003 e 263.º e 264.º do CT de 2009, consoante o período temporal em causa.
130. A esse propósito, convém recordar que o artigo 112.º da CRP estabelece o valor dos actos normativos e, em particular, o n.º 5 desse preceito constitucional determina que nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos. Daqui extrai-se que os Regulamentos 40/2019 de 10.1 e 577/2017 de 13.10, adoptados pelo Reitor da Universidade XX, não podem, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar o disposto nos artigos 14.º da Lei 112/2017 e 129.º º 1 – d) do CT de 2009.
131. Nesse contexto, cabe aos Tribunais, no exercício da função jurisdicional, interpretar e aplicar as leis, sendo as suas decisões obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecendo sobre as de quaisquer outras autoridades (cf. artigos 202.º e 205.º da CRP).
132. Dito isto, tal como já foi acima explicado, o vínculo laboral da recorrente não foi regularizado pela via concursal prevista no artigo 10.º da Lei 112/2017, mas pela via prevista no artigo 14.º da Lei 112/2017, aplicável às entidades abrangidas pelo CT como é o caso da recorrente. De onde resulta que a recorrida não acedeu à função pública em resultado da regularização do seu vínculo e, por isso, tal regularização não é susceptível de infringir o princípio da igualdade de acesso à função pública mediante concurso, consagrado no artigo 42.º n.º 2 da CRP.
133. Assim sendo, no momento da regularização do vínculo a retribuição base da recorrida não pode ser fixada em quantia inferior a 1613,42 euros e a recorrente deve pagar à recorrida a diferença até perfazer esse valor, relativamente aos períodos pretendidos, de Janeiro de 2019 em diante, por serem posteriores à data em que a remuneração havia sido fixada em 1613,42 euros. Adicionalmente, uma vez que o Tribunal qualificou como contrato de trabalho a relação jurídica existente entre as partes desde 1.8.2008, a recorrente deve pagar à recorrida os subsídios de férias e de Natal que não tinham sido pagos. A tais valores acresce a indemnização pela mora, tal como decidiu o Tribunal recorrido.
134. Motivos pelos quais improcede este segmento da argumentação da recorrente.
135. Por todo o exposto, improcede o recurso e mantem-se a decisão recorrida, sem prejuízo da rectificação do erro material de que enferma.
Em síntese
136. Existe um erro material na sentença recorrida na parte em que a alínea e) do dispositivo refere os anos de 2013, 2014 e 2015. Tal erro dá lugar à mera rectificação mediante eliminação da referência aos anos de 2013, 2014 e 2015 na alínea e) do dispositivo da sentença impugnada – cf. artigos 249.º do CC e 614.º do CPC.
137. Procede a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a excepção de ilegitimidade da ré (cf. artigo 615.º n.º 1 – c) do CPC). O Tribunal da Relação supriu essa nulidade no presente acórdão tendo julgado a ré/recorrente parte legítima (cf. artigo 30.º do CPC).
138. Improcedem as restantes nulidades invocadas pela recorrente assim como e a alegada incompetência material do Tribunal (cf. artigos 92.º e 615.º n.º 1 do CPC).
139. Procede parcialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, sendo alterada redacção da alínea P e eliminada a alínea Z, dos factos provados. No mais, em parte a impugnação da matéria de facto improcede, por versar sobre matéria de direito que não pode ser objecto de instrução (cf. artigo 410.º do CPC) e noutra parte não é apreciada, por ser inútil para as soluções plausíveis de direito (cf. artigo 130.º do CPC).
140. Não existe a alegada impossibilidade legal e orçamental em retrotrair a aplicação do regime previsto no CT, incluindo a presunção de laboralidade se for o caso, a data anterior à transformação da recorrente em fundação pública com regime de direito privado, para regularizar um vínculo laboral preexistente a essa data, nos termos previstos no artigo 14.º da Lei 112/2017.
141. Na vigência do artigo 12.º do CT de 2009 na redacção da Lei 7/2009 de 12.2, ocorreram alterações na estrutura da relação jurídica entre as partes; como a recorrida logrou provar a verificação, ao longo de toda a relação fáctica e jurídica aqui em causa, de dois dos indícios previstos nessa disposição legal, o vínculo existente entre as partes deve ser qualificado como contrato de trabalho ao longo de todo o período em que durou, ou seja, desde 1.4.2008. Isto, por força da aplicação retroactiva da presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do CT de 2009, na redacção da Lei 7/2009 de 12.2.
142. À qualificação do vínculo da recorrida aplica-se o artigo 14.º da Lei 112/2017 que remete para as disposições do CT, em particular, para a presunção de laboralidade.
143. No caso em análise aplica-se o n.º 2 do artigo 14.º da Lei 112/2017 que consagra o princípio da irredutibilidade da retribuição previsto no artigo 129.º n.º 1 – d) do CT de 2009.
144. Adicionalmente, da remissão do artigo 14.º da Lei 112/2017 para as normas do Código do Trabalho resulta o dever de a recorrente pagar os subsídios de férias e Natal à recorrida, nos termos previstos nos artigos 254.º e 255.º do CT de 2003 e 263.º e 264.º do CT de 2009, consoante o período temporal em causa.
145. Motivos pelos quais, improcede o presente recurso e mantém-se a sentença recorrida sem prejuízo da retificação do erro material de que enferma.
Decisão
Acordam os Juízes desta secção em:
I. Alterar a decisão sobre a matéria de facto nos termos acima indicados no presente acórdão.
II. Rectificar o lapso de escrita na alínea e) do dispositivo da sentença recorrida cuja redacção passa a ser e). A pagar à autora a quantia global de € 18.675,00, a título de subsídios de férias e de Natal, referente aos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2016 a 2018;
III. Julgar improcedente o recurso e manter no mais a decisão recorrida.
IV. Condenar a recorrente nas custas do recurso – artigo 527.º n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 87.º n.º 1 do CPT.

Lisboa, 15 de janeiro de 2025
Paula Pott
Leopoldo Soares
António Alves Duarte