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CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
NULIDADE DA SENTENÇA
Sumário
I- Como resulta claramente no disposto no nº 4 do artigo 339º do CPP, não obstante o objeto do processo estar delimitado pela acusação, o objeto da discussão vai para além disso, nele se incluindo, também, como resulta claramente da norma em causa, os factos alegados pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, sempre com vista às finalidades a que se referem os artigos 368.º e 369.º do mesmo diploma. II- Para além dos factos alegados pela defesa, assim como todos os demais na definição do nº 4 do artigo 339 do CPP, fazerem parte do objeto da discussão, a lei impõe, como resulta claro do nº 2 do artigo 368º do CPP, que o juiz tome posição, dando-os como provados ou não provados, de forma descriminada e especificadamente, sobre os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa. III- A alínea b) do n.º 1 do artigo 348.º existe, assim, tão-só para os casos em que nenhuma norma jurídica, seja qual for a sua natureza, preveja um comportamento desobediente. IV- São, afinal, desobediências não tipificadas, a ficarem dependentes, para a sua relevância penal, de uma simples cominação funcional. V- Para que o comportamento desobediente se verifique e assuma relevância criminal é necessário, antes de mais, que exista uma ordem ou mandado revestidos de legalidade substancial, ou seja, têm que se basear numa disposição legal que autorize a sua emissão ou decorrer dos poderes discricionários do funcionário ou autoridade emitente. VI- Por outro lado, exige-se a legalidade formal que se traduz na exigência de as ordens ou mandados serem emitidos de acordo com as formalidades que a lei estipula para a sua emissão. VII- Exige-se, ainda, que a autoridade ou funcionário emitente da ordem ou mandado tenham competência para o fazer, isto é, que aquilo que pretendam impor caiba na esfera das suas atribuições. VIII- Por último, os destinatários têm que ter conhecimento da ordem a que ficam obrigados, o que exige um processo regular e capaz para a sua transmissão, por forma a que aqueles tenham conhecimento do que lhes é imposto ou exigido. IX- Quanto elemento subjetivo do crime, não exige a norma em apreço uma qualquer intenção específica por parte do agente na perpetração do ilícito, sendo certo que, as mais das vezes, o mesmo apenas procura escapar a uma situação – que culmina na referida ordem ou mandado – que contraria os seus próprios interesses. X- Quanto à Ordem dos Enfermeiros, a competência para determinar a realização de inquéritos e sindicâncias está reservada ao Ministério da Saúde, por força das disposições conjugadas dos artigos 6º nº 2 da LTA, 45º nº 3 da LAPP e 123º EOA. XI- Não obstante a ordem ter sido emanada por autoridade ou funcionário com competência para o efeito e ter sido comunicada ao recorrente, a mesma é ilegítima, por ser ilegal, o que faz com que o arguido não estivesse obrigado ao seu acatamento XII- Não é devida obediência a ordens ou mandados ilegítimos, ainda que emanados da autoridade competente e regularmente comunicados.
Texto Integral
Em conferência, acordam os Juízes na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
Nos autos nº 971/19.3PSLSB do Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Local Criminal de Lisboa, juiz 11, foi proferida sentença, datada de 4 de julho de 2024, de cuja parte decisória consta:
a) Absolver o arguido AA, da prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
b) Condenar a arguida ARC, pela prática em autoria material de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros);
c) Condenar o arguido AO, pela prática em autoria material de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz a quantia de € 900,00 (novecentos euros);
d) Condenar o arguido JB, pela prática em autoria material de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz a quantia de € 720,00 (setecentos e vinte euros);
e) Condenar a arguida ARC, pela prática em autoria material de um crime de injúria, na forma agravada, previsto e punido pelo artigo 181.º e 184.º, ambos do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros);
f) Em cúmulo jurídico das penas referidas em b) e e), condenar a arguida ARC na pena única de 170 (cento e setenta) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros) o que perfaz a quantia de € 1.700,00 (mil e setecentos euros);
g) Condenar os arguidos ARC, AO e JB no pagamento das custas do processo fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) U. C., e nos demais encargos com o processo, nos termos do disposto nos artigos 513.º, 514.º ambos do Código de Processo Penal e artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais.
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Não se conformando com essa decisão, os arguidos recorreram para este Tribunal da Relação formulado as seguintes conclusões (transcrição): 1-O Tribunal a quo definiu, e bem, as questões relativas à natureza da Ordem dos Enfermeiros, à natureza da ação inspetiva levada a cabo pela IGAS junto da Ordem dos Enfermeiros e à inconstitucionalidade da resolução fundamentada, como questões prévias essenciais à prossecução dos autos, pois, de facto, constatando-se que a sindicância, tal como foi realizada (contra a vontade da Ordem dos Enfermeiros e sem mandado judicial), é ilegal, tem-se necessariamente que concluir que não foi praticado crime de desobediência, pois não é devida obediência a ordens ilegítimas e age em exercício de um direito quem se lhes opõe [exercício de direito que exclui a ilicitude, nos termos do artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP], impondo-se, sem necessidade de mais considerações, a absolvição dos Recorrentes. 2-Sendo a Ordem dos Enfermeiros uma associação pública profissional, aceita-se que integra a Administração Autónoma do Estado e esteja sujeita a tutela administrativa, de natureza inspetiva, a exercer pelo membro do Governo responsável pela área da saúde, aceita-se que essa tutela possa materializar-se numa sindicância e aceita-se, ainda, que essa sindicância possa ser executada pela IGAS, mas o que já não se aceita, por atentar contra basilares (e, de resto, históricos) princípios constitucionais da organização do Estado de Direito Democrático, é que tal sindicância possa realizar-se nos termos em que se realizou, com atos coercivos (próprios do Direito de Processo Penal), nos dias 8 e 13 de maio de 2019, nas instalações da Ordem dos Enfermeiros, com oposição sua e sem estar legitimada por prévio mandado judicial. 3-Desde D. João I e das Ordenações Afonsinas até hoje (apenas em termos não tão efetivos durante a ditadura do Estado Novo - 1926 a 1974) sempre se entendeu que as associações profissionais não fazem parte do Estado e, portanto, a intervenção coerciva sobre essas associações de profissionais só não é ilegítima e ilícita tendo por base uma prévia decisão judicial legitimadora. 4-Sem mandado judicial legitimador, a intervenção do Estado sobre as ordens profissionais (que beneficiam de algumas das garantias emergentes da liberdade de associação, nos termos do artigo 46.º da CRP, entre elas, em resultado da liberdade de intervenção estadual mínima, de áreas de exclusão de intervenção administrativa ou de reserva jurisdicional) tem de fazer-se sem o uso de meios coercivos (próprios do processo penal), não se podendo confundir com o tipo de intervenção que o Estado pode ter sobre outras entidades que integram a Administração Direta, Indireta ou mesmo Autónoma, pois as realidades são muito diferentes, desde logo em face da natureza em parte privada dessas associações profissionais, que são associações cujos membros são só privados e que prosseguem interesses privados de proteção dos seus membros, além de interesses públicos de defesa da comunidade relativamente a más práticas dos seus membros. 5- O Tribunal a quo, tendo corretamente constatado, por via dos pontos 4, 17, 19, 31, 41 e 42 dos FDP, a oposição da Ordem dos Enfermeiros aos atos de sindicância praticados nos dias 8 e 13 de maio de 2019, nas instalações da referida ordem profissional, devia ter decidido que esses atos só seriam legítimos/legais se tivessem sido antecedidos da prévia emissão de título judicial habilitante (mandado judicial), pelo que, na falta desse mandado judicial, o Tribunal a quo devia ter decidido serem os atos em questão ilegais, o que equivale a dizer que as ordens emanadas da IGAS não eram legítimas, na aceção do artigo 348.º, n.º 1, do CP. 6-Consequentemente, não se encontrando preenchido um elemento objetivo típico do crime de desobediência, o Tribunal a quo devia ter absolvido os três Recorrentes da prática do crime de desobediência e, ao não o ter feito, fez errada interpretação e/ou (des)aplicação das seguintes disposições: a) artigo 18.º, n.º 1, artigo 34.º, n.ºs 1 e 2, artigo 46.º, n.ºs 1 e 2, e artigo 267.º, n.ºs 1, 4 e 6, da CRP; b) artigo 2.º, artigo 4.º e artigo 45.º, n.ºs 1, 2, 3, 4 e 8, da Lei n.º 2/2013 c) artigo 1.º, n.ºs 2 e 3, e artigo 123.º do EOE; d) artigo 1.º, artigo 3.º, n.º 1, alínea n), artigo 4.º, n.ºs 1 e 5, artigo 8.º, n.º 1, e artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 276/2007; e) artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 33/2012; f) artigo 3.º, n.º 2, alíneas b) e c), da Lei n.º 27/96; g) artigo 174.º e segs. do CPP; e h) artigo 348.º, n.º 1, do CP. O que deve agora o Tribunal ad quem reconhecer, absolvendo os Recorrentes dos crimes de desobediência pelos quais foram condenados. 7- Nos termos e para os efeitos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, argui-se a seguinte inconstitucionalidade, para que seja conhecida pelo Tribunal ad quem: - inconstitucionalidade normativa do artigo 16.º, alíneas a), d), f) e m), do Decreto-Lei n.º 276/2007 (que é fundamento da sentença proferida pelo Tribunal a quo), por violação do artigo 46.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, interpretada aquela disposição no sentido de que as prorrogativas reconhecidas aos dirigentes dos serviços de inspeção e ao pessoal de inspeção (de acesso e livre trânsito, de realização de inspeções sem dependência de prévia notificação e de solicitação de colaboração às autoridades policiais), afastam a necessidade de mandado judicial prévio legitimador da prática de atos coercivos (próprios do processo penal), no âmbito de sindicância a praticar nas instalações de associações públicas profissionais (ordens profissionais) e relativamente aos seus membros. 8- E mesmo que o Tribunal a quo tivesse razão - e não tem, nem nisso se concede -, ao considerar legítima a atuação coerciva da IGAS sobre a Ordem dos Enfermeiros e os seus membros, sem mandado judicial, caso em que consideraria legítima as ordens da IGAS, devia ter julgado - provado ou não provado - um facto essencial repetidamente alegado pela defesa na contestação e nas suas alegações finais (e já antes até alegado no requerimento de abertura de instrução, que evidentemente aqui não releva), facto esse que foi até objeto de produção de prova em audiência de julgamento e que é o seguinte: o Senhor Dr. EE, Advogado da Ordem dos Enfermeiros, transmitiu aos Recorrentes o seu entendimento (suportado no parecer de jurisconsultos consultados para o efeito), segundo o qual a IGAS só podia praticar atos coercivos próprios do processo penal, na e contra a Ordem dos Enfermeiros, que é uma associação pública profissional (com natureza mista pública e privada), mediante mandado judicial. 9- Sendo que, se provado, esse facto conduz à conclusão de Direito de que os Recorrentes agiram, nos dias 8 e 13 de maio de 2019, de boa fé e com a representação mental de estarem no seu direito de opor-se a atos ilegítimos/ilícitos da IGAS e, portanto, sem dolo [por, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, do CP, terem atuado em erro sobre um elemento normativo do tipo (estarem convencidos de inexistir “ordem legítima”, na aceção do artigo 348.º do CP), ou por, nos termos do artigo 16.º, n.º 2, do CP, terem atuado em erro sobre pressupostos de facto da causa de exclusão da ilicitude “exercício de direito”, prevista no artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP, na aceção do artigo 16.º, n.º 2, do CP, ou seja, em qualquer caso, havendo exclusão do dolo, não se verificando, portanto, o tipo subjetivo do crime de desobediência (previsto no artigo 348.º do CP), o que determina a absolvição dos Recorrentes, pois esse crime não é punível por negligência (v. o artigo 16.º, n.º 3, e o artigo 13.º, ambos do CP) A menos que o Tribunal ad quem - como se pede e se espera - considere não preenchido o tipo objetivo do crime de desobediência e absolva os Recorrentes desse crime, uma vez que o Tribunal a quo não julgou provado nem não provado o facto essencial alegado pela defesa e transcrito na conclusão anterior (o que só teria sentido se tivesse julgado não preenchido o tipo objetivo do crime de desobediência, mas não foi o caso), argui-se aqui nulidade da sentença, ao abrigo do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, pois o Tribunal a quo deixou depronunciar-se sobre questão que devia apreciar, pelo que o Tribunal ad quem deverá declarar tal nulidade e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para julgar o referido facto relativamente ao qual houve puro non liquet. 10- No que respeita à condenação da Recorrente ARC pelo crime de desobediência, o Tribunal a quo julgou incorretamente a matéria dos pontos 43 e 44 dos FDP, que devia ter sido julgada não provada, sendo que impunham decisão diversa as declarações prestadas pela própria Recorrente ARC, bem como as declarações das testemunhas FF, GG, HH, II, JJ e KK, tal como se encontram sumariadas na própria sentença, já que da mesma resulta que nenhuma testemunha reconhece ter dirigido, ela própria, advertência à Recorrente ARC, no sentido de que se não pusesse cobro à sua conduta, impedindo a realização das diligências, incorria na prática do crime de desobediência, razão pela qual a matéria dos referidos pontos 43 e 44 dos FPD deve passar a integrar os FDNP. E porque assim não se pode considerar ter sido feita à Recorrente ARC uma verdadeira cominação, na aceção da lei, que exige que a indicação seja expressa, clara e inequívoca de que o não cumprimento da determinação será punível com a pena correspondente ao crime de desobediência, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 348.º do CP, deve o Tribunal ad quem absolvê-la do crime de desobediência, por a conduta não ser típica. 11- A “ordem” que foi dirigida ao Recorrente AO, pela Senhora Inspetora JJ, da IGAS, não é legítima, na aceção do artigo 348.º, n.º 1, do CP, pois: a) não foi fixado qualquer prazo concretamente ao Recorrente AO, para entregar documentação, tendo-lhe antes sido pessoalmente pedido que o fizesse imediatamente, o que não é adequado e desrespeita o princípio da proporcionalidade; b) na sentença não consta como provado, nem nela de alguma forma se afirma, que o Recorrente AO tivesse ao seu dispor os documentos cuja entrega se diz ter sido recusada. c) o Recorrente AO não estava em condições de cumprir a “ordem” que lhe foi dirigida, por não dispor da documentação em causa; d) o que a IGAS, de resto, sabia; e) a própria IGAS tinha negado previamente ao Recorrente AO a qualidade de interlocutor, pelo que não estava legitimado para entrega documentação da Ordem dos Enfermeiros à entidade sindicante; f) o Recorrente AO não estava sujeito a deveres de informação e de cooperação, para com a IGAS; g) o artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do CP não legitima ordens arbitrárias. Portanto, o Tribunal a quo fez errada interpretação e/ou (des)aplicação das seguintes disposições:
a. artigo 4.º, n.ºs 2 e 5, e artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 276/2007;
b. artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do CP;
c. e, por isso, deve agora o Tribunal ad quem absolver o Recorrente AO do crime de desobediência pelo qual foi condenado. 12-A “ordem” que foi dirigida ao Recorrente JB, pelos Senhores Inspetores da IGAS, não é legítima, na aceção do artigo 348.º, n.º 1, do CP, pois:
a. o Recorrente JB não foi notificado para prestar declarações;
b. não houve requisição do Recorrente JB à entidade para a qual trabalhava, para prestar declarações;
c. das declarações do Recorrente JB, no sentido de que o ambiente era tenso e se sentiu coagido, e que queria ser acompanhado por Advogado, resulta que o mesmo não se recusou a prestar declarações, mas apenas a prestá-las naquele momento e naquelas condições;
d. a insistência, dos Senhores Inspetores da IGAS, na imediata prestação de declarações equivale à efetiva violação do direito do Recorrente JB a fazer-se acompanhar por Advogado. Portanto, o Tribunal a quo fez errada interpretação e/ou (des)aplicação das seguintes disposições: a) artigo 13.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 276/2007; b) artigo 66.º, n.º 3, do EOA; c) artigo 20.º, n.º 2, da CRP; d) artigo 86.º, n.º 2, do CPA; e) artigo 117.º do CPP; e f) artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do CP; e, por isso, deve agora o Tribunal ad quem absolver o Recorrente JB do crime de desobediência pelo qual foi condenado. 13-No contexto em causa (estarem Senhores Inspetores da IGAS, sem mandado judicial, a praticar atos coercivos na Ordem dos Enfermeiros), as expressões “animais”, “selvagens” e “malucos” que, segundo a sentença, a Recorrente ARC terá dirigido aos Senhores Agentes da IGAS e, mais concretamente, à Senhora Inspetora JJ (enquanto tentava libertar LL de uma sala, como resulta dos pontos 32 e 33 dos FDP), tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto (nomeadamente a situação relativa a LL, que a Recorrente então reconduziu a um “sequestro”, como resulta do ponto 41 dos FDP), não são palavras ofensivas da sua honra e consideração, pelo que não devem ser consideradas injuriosas, nem subsumíveis no artigo 181.º, n.º 1, do CP, pois:
a. Recorrente ARC atuou no âmbito do seu “direito ao contra-ataque”(Recht zum Gegenschlag, na sugestiva expressão da doutrina jurídico-penal alemã referida por PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE e já supra citada) e para fazer cessar uma atuação que reputou de crassamente ilegal, da qual a Ordem dos Enfermeiros e a sua contabilista LL estariam a ser vítimas, através da intervenção da IGAS, desprovida de mandado judicial, mas usando de meios coercivos nas instalações da referida ordem profissional;
b. essa convicção da Recorrente ARC não resultou de uma mera crença infundada, mas sim do entendimento jurídico que lhe fora previamente transmitido pelo Senhor Dr. EE, Advogado da Ordem dos Enfermeiros, cuja convicção, após consulta de jurisconsultos para o efeito, era a de que no âmbito de uma sindicância não podem ser praticados atos coercivos (próprios do processo penal) na ordem profissional em causa, contra a sua vontade e sem mandado judicial;
c. a Senhora Inspetora JJ, enquanto sindicante, tinha bem presente a tensão e o clima de confronto que a sua intervenção iria despoletar, sendo que constitui uma sua hipersensibilidade, não tutelada pelo Direito, sentir-se ofendida, na sua honra subjetiva (ou seja, o sentimento da própria honorabilidade ou respeitabilidade pessoal), pelas palavras em apreço;
d. as expressões em causa não possuem idoneidade objetiva para preencher o tipo incriminador, já que não serão nada corteses, mas são inócuas, sob o prisma da sã opinião da generalidade das pessoas de bem, para atingir a referida honorabilidade ou respeitabilidade da Senhora Inspetora JJ. Portanto o Tribunal a quo fez errada interpretação e/ou aplicação do artigo 181º, n.º 1, do CP e, por isso, deve agora o Tribunal ad quem absolver a Recorrente ARC do crime de injúria, na forma agravada, pelo qual foi condenada 14- Subsidiariamente: quanto ao crime de desobediência pelo qual a Recorrida ARC foi condenada, é contraditório o Tribunal aquo constatar que ninguém reconheceu ter verbalizado a cominação à Recorrente ARC, no sentido de que, se não pusesse cobro à sua conduta, incorreria na prática de crime de desobediência, e, simultaneamente, dar como provada a matéria dos pontos 43 e 44 dos FDP, sendo que, se nem se sabe quem alegadamente fez tal cominação, diz a experiência que, muito menos ainda, se pode saber se ela foi feita com o nível de detalhe referido nos ditos pontos 43 de 44 dos FDP, pelo que se verifica o vício a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP e, uma vez que já foi produzida toda a prova concebível a este propósito, deve o Tribunal ad quem decidir essa questão e absolver a Recorrente ARC, da prática do crime de desobediência. A não se entender assim, deve o Tribunal ad quem, nos termos do artigo 426.º, n.º 1, do CPP, determinar o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente a esta questão de saber quem é que - se é que alguém - verbalizou à Recorrente ARC algo que possa consubstanciar a cominação prevista no artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do CP. 15- Subsidiariamente: quanto ao crime de desobediência pelo qual o Recorrente AO foi condenado, constitui uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não constar dos FDP, nem sequer de outra passagem da sentença, referência à circunstância de o Recorrente AO reunir condições de poder não omitir a conduta (entrega de documentação) e de poder cumprir a ordem que lhe é dirigida, pelo que se verifica o vício a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP. Uma vez que a acusação não contém, sequer, a narração de factos a partir dos quais, se fossem provados, se pudesse concluir dispor o Recorrente AO de condições para, querendo, poder cumprir a “ordem”, deve o Tribunal ad quem decidir já a causa e absolver já o Recorrente AO, da prática do crime de desobediência. A não se entender assim, deve o Tribunal ad quem, nos termos do artigo 426.º, n.º 1, do CPP, determinar o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente a esta questão. Por todo o exposto, deve esse Alto Tribunal decidir nos termos pelos quais se pugna na motivação de recurso e nas conclusões antecedentes e:
a. absolver os três Recorrentes dos crimes de desobediência pelos quais foram condenados; e
b. absolver a Recorrente ARC do crime de injúrias, na forma agravada, pelo qual foi condenada, subsidiariamente,
c. revogar a sentença, com fundamento na nulidade de non liquet a que se refere o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo, para que profira decisão julgando provados ou não provados os factos relativos a essencial questão colocada pela defesa (para o caso de se considerar estar preenchido o tipo objetivo do crime de desobediência), com as inerentes decorrências de Direito substantivo em termos de tipicidade subjetiva; e/ou
d. revogar a sentença, com fundamento no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP] e/ou no vício de contradição insanável da fundamentação [artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP], e ordenar o reenvio do processo para novo julgamento da(s) questão(ões) em causa.
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Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413º, do Código de Processo Penal respondeu o Ministério Público concluindo pela improcedência do recurso. (transcrição das conclusões): a) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que condenou os três arguidos pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art.º 348º, n.º 1, al. b), do Código Penal, condenando ainda a arguida ARC, em concurso real, pela prática de um crime de injúria, na forma agravada, previsto e punido pelos art.ºs 181º e 184º, do Código Penal, em pena de multa. B) Como decorre do art.º 16º do DL 276/2007, a sindicância realizada pela IGAS na Ordem dos Enfermeiros, não bulindo com direitos patrimoniais ou pessoais de terceiros, não necessitava de estar suportada em decisão ou mandado judicial, mesmo face à expressa oposição da Ordem, representada pela sua Bastonária, a arguida ARC, pelo que não foi ilegal. C) O leque de poderes funcionais conferidos pelo art.º 16º, do DL 276/2007, à IGAC é muito extenso, mas é esse o quadro legal vigente, que encontra justificação na circunstância de a Ordem dos Enfermeiros estar a desenvolver uma atividade de marcado interesse público (quem e em que condições pode aceder ao exercício da profissão de enfermeiro no território nacional, o que não é questão de somenos importância), sendo que apenas se visa, com as ações inspetivas, assegurar a legalidade do seu funcionamento - estando excluída qualquer ingerência, superintendência ou tutela do mérito. D) A sentença não é nula, por omissão de pronúncia, pois que aborda expressamente a invocada circunstância de os arguidos não terem acatado os pedidos dos Inspetores da IGAS por conselho do advogado da Ordem dos Enfermeiros, o que excluía a ilicitude da sua conduta, versão esta que não vingou, porque contrariada por outra prova, e que, como tal, não integrou a factualidade dada como provada. E) Não se mostram incorretamente julgados os pontos 43 e 44 dos factos provados, pelo que não podem, por apelo ao art.º 412º, do Código de Processo Penal, transitar para a factualidade não provada. F) Os recorrentes não cumpriram o ónus de especificação, considerando, em termos genéricos, que não poderiam ter sido dados como provado estes factos, procurando substituir a convicção de quem julgou pela convicção de quem espera uma decisão favorável. Mas fazem-no sem indicar qualquer meio de prova que obrigasse a decisão diferente, mostrando apenas o seu desacordo quanto à leitura que a Mm.ª Juíza a quo fez da prova produzida e a credibilidade que atribuiu, ou não, a tal prova. G) Não resultou provado que o arguido AO não podia mostrar os documentos que lhe foram solicitados no momento em que lhe foram solicitados, mas sim que não quis entregar a documentação, pelo que desobedeceu claramente à ordem que lhe foi corretamente transmitida. H) Sem que se verifique uma alteração da matéria de facto provada, que apenas poderia ser alcançada por impulso dos recorrentes e nos termos do art.º 412º, do Código de Processo Penal, o que não sucedeu, se lograria que passassem a constar da matéria de facto provada factos distintos, sendo que os assentes sob os n.ºs 8 a 11 são susceptíveis de preencher os elementos objetivos do crime de desobediência pelo qual o arguido AO foi condenado, em decisão que não merece reparo. I) O arguido JB recusou-se a prestar declarações aos Sr.s Inspetores, não resultando provado que não havia condições para o fazer, atento o clima tenso e conflituoso que se instalou durante a realização da ação inspetivas, ou porque queria ter a oportunidade de conferenciar com o seu advogado. J) Não bastava ao arguido JB invocar estes dois motivos como justificação da sua falta de colaboração, pois que deles também se havia de convencer o julgador, o que não sucedeu, pois foi entendimento da Mm.ª Juíza a quo, da análise da prova testemunhal produzida, que o invocado “ambiente tenso” e a referida necessidade de consultar o seu Advogado foram meros pretextos para que este arguido não colaborasse com os Srs. Inspetores da IGAS no dia 13/5/2019. K) As expressões dirigidas pela arguida ARC no dia 13/5/2019 aos Srs. Inspetores da IGAS revestem carácter injurioso e não foram uma mera e compreensível reação, no calor do momento, no uso de um hipotético “direito de contra-ataque”, nem em causa está uma hipersensibilidade desmerecedora de tutela penal por parte da Sr.ª Inspetora JJ, a qual se mostrava no desempenho das suas funções profissionais, ultrapassando, e muito, a barreira do meramente rude e deselegante. L) Não se verifica, no texto da decisão recorrida, qualquer dos vícios elencados no art.º 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não se descortina qualquer falha grosseira que seja detetável, do mesmo passo que não se mostra que tenham sido considerados provados factos incoerentes ou inconciliáveis entre si, nem que o decisor se tenha baseado em juízos ilógicos, arbitrários, absurdos ou contraditórios, desrespeitando as regras da experiência comum e da normalidade da vida. M) Concretamente, a sentença não padece do vício de contradição na sua fundamentação, pois, lida esta, não se encontra qualquer motivo para considerar como não provados os factos 43 e 44. N) A cominação da prática do crime de desobediência foi feita aos arguidos ARC e JB, sendo feita no dia 13/5 pelos Inspetores presentes, devidamente identificados, mais se adiantando que só foi feita pelos Inspetores JJ e KK, daí a menção a “Inspetores”, não se nomeando qualquer deles. O) A matéria de facto considerado como provada é suficiente para fundar a condenação do arguido AO pela prática de um crime de desobediência, não decorrendo da matéria de facto provada que este não podia dispor imediatamente dos documentos que lhe foram solicitados, que não tinha condições reais ou o poder efetivo para entregar tais documentos P) - Contrariamente ao agora alegado, os elementos que não foram fornecidos no dia 8 - nem sequer no dia 13 - eram documentos que a Ordem dos Enfermeiros sabia serem necessários, por constarem de listagem de que já dispunham, estavam disponíveis no edifício da contabilidade, já não eram dados recentes, porque referentes a relatório de atividade já elaborado, e só não foram apresentados por ação deliberada de todos os envolvidos, que não se coibiram de criar, inclusivamente, a aparência de que os forneceriam, aproveitando a ausência dos Srs. Inspetores do edifício do n.º …, porquanto foram ao edifício sede buscar um dispositivo de armazenamento (disco rígido), para se ausentarem daquele. Q) Face ao princípio da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, e não visando o presente recurso um segundo julgamento, mais não resta do que reconhecer que a sentença proferida não se mostra ferida de qualquer vício, nem de um evidente erro de julgamento, estando devidamente fundamentada, e a motivação da convicção do julgador permite seguir, de modo lógico, todo o percurso analítico desenvolvido. R) Verificando-se que a Mm.ª Juíza a quo formou a sua convicção com base em provas não proibidas, o respeito pelo princípio da livre apreciação da prova impõe que, em detrimento da convicção formada pelos recorrentes, prevaleça a convicção que o julgador retirou da prova produzida, motivo pelo qual não nos merece reparo a correção da sentença proferida e esta não pode ser censurada, sob pena de violação do princípio da livre apreciação da prova pelo julgador. ***
Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo.
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Neste Tribunal, na vista a que se refere o art.º 416º do CPP, o Mº. Pº emitiu parecer, aderindo aos argumentos aduzidos pelo Mº.Pº. junto da primeira instância e concluindo pela confirmação integral da decisão recorrida.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo os arguidos respondido.
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Colhidos os vistos legais foi o processo à conferência, onde se deliberou nos termos vertidos neste Acórdão.
II - Delimitação do objeto do recurso.
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995].
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a apreciar:
1-Da inconstitucionalidade normativa do artigo 16.º, alíneas a), d), f) e m), do Decreto-Lei n.º 276/2007 por violação do artigo 46.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, interpretada aquela disposição no sentido de que as prorrogativas reconhecidas aos dirigentes dos serviços de inspeção e ao pessoal de inspeção (de acesso e livre trânsito, de realização de inspeções sem dependência de prévia notificação e de solicitação de colaboração às autoridades policiais), afastam a necessidade de mandado judicial prévio legitimador da prática de atos coercivos (próprios do processo penal), no âmbito de sindicância a praticar nas instalações de associações públicas profissionais (ordens profissionais) e relativamente aos seus membros.
2-A sindicância realizada pela IGAS na Ordem dos Enfermeiros não se mostrava suportada em decisão ou mandado judicial, que era necessário atenta a expressa oposição da Ordem, representada pela sua Bastonária, a arguida ARC, pelo que foi ilegal.
3-A sentença é nula, por omissão de pronúncia, uma vez que desconsidera a circunstância de os arguidos não terem acatado os pedidos dos Inspetores da IGAS por conselho do advogado da Ordem dos Enfermeiros, o que exclui a ilicitude da sua conduta?
4- Foram incorretamente julgados os pontos 43 e 44 dos factos considerados provados, pelo que deverão transitar para a factualidade não provada?
5-O arguido AO não podia mostrar aos Srs. Inspetores os documentos que lhe foram solicitados no momento em que lhe foram solicitados, porquanto não os tinha disponíveis e na sua posse, necessitando de tempo para os apresentar, pelo que não desobedeceu a qualquer ordem.
6- O arguido JB não se recusou a prestar declarações aos Srs. Inspetores da IGAS?
7- As expressões dirigidas pela arguida ARC aos Inspetores da IGAS não revestem um carácter injurioso?
8- A sentença padece de vício de contradição na sua fundamentação, pois, lida esta, não se encontra qualquer motivo para considerar provados os factos 43 e 44 da factualidade assente?
9- A matéria de facto considerado como provada é insuficiente para fundar a condenação do arguido AO, por omissão da circunstância deste poder dispor de imediato dos elementos solicitados?
Da sentença recorrida consta a seguinte matéria de facto provada e não provada (transcrição): - Da acusação 1. No âmbito da instrução do processo de sindicância n.º 1/2019-SND, determinada por despacho de 16 de Abril de 2019 da Ministra da Saúde à Ordem dos Enfermeiros (OE), realizada pela Inspeção-geral das Atividades em Saúde (IGAS), no dia 8 de Maio de 2019, os inspetores sindicantes MM, Chefe de Equipa, e os inspetores II e JJ, todos da IGAS, deslocaram-se à Ordem dos Enfermeiros para a realização de diligências instrutórias. 2. Pelas 14:10 horas apresentaram-se no edifício n.º … da Av. …, identificaram-se e pediram para falar com a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, ARC, a qual desceu do seu gabinete, acompanhada pelo Chefe de Gabinete AO, os quais disseram não ter notícia de qualquer resolução fundamentada, que obstasse à produção dos efeitos suspensivos da providência cautelar intentada pela OE (Providência Cautelar n.º 777/19.0BELSB, que, admitida, suspendeu o processo de sindicância). 3. Os Inspetores explicaram do que se tratava, ou seja, que tinha dado entrada Resolução Fundamentada, a qual permitia retomar os trabalhos de sindicância, tendo assegurado que o Mandatário da OE já estava notificado. 4. A arguida ARC, parecendo não entender o que lhe estavam a ser transmitido, expulsou os Inspetores das instalações da Ordem, abrindo a porta de entrada do edifício, mandando-os sair, aos gritos, dizendo que não podiam estar ali. 5. Os Inspetores acataram e deslocaram-se para o exterior, tendo solicitado a colaboração das autoridades policiais, perante a recusa de acesso e de obstrução ao exercício da acção de inspecção por parte da Bastonária da OE (acompanhamento prestado nos termos do Decreto-Lei n.º 276/2007 de 31 de Julho). 6. Pelas 14:30 horas, os Inspetores entraram novamente nas instalações da Ordem, acompanhados por agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP). 7. Então, a Inspetora JJ foi conduzida ao gabinete da Bastonária, sem que a arguida ARC ali estivesse presente. 8. Pelas 17:00 horas, a Inspetora JJ solicitou ao arguido AO, Chefe de Gabinete da Bastonária da OE, a entrega da documentação que já havia sido solicitada em anteriores reuniões à OE, isto é, a entrega da documentação constante dos pontos 1 a 18 da listagem de folhas 137 e 138 do processo de sindicância, que já havia sido solicitada anteriormente. 9. Em resposta, o arguido AO limitou-se a responder que não falaria com os sindicantes. 10. Foi então o arguido AO advertido, pela Inspetora Sindicante JJ, que tal facto seria considerado de obstrução ao exercício da acção sindicante e que a sua recusa em colaborar configurava a prática de crime de desobediência previsto no artigo 348.º do Código Penal. 11. Com a voz exaltada, o arguido AO referiu que iria intentar uma acção criminal por difamação contra a Inspetora e saiu da sala. 12. Pelas 17:15 horas, na sala da Bastonária, a Inspetora JJ solicitou ao arguido AA, Vice-presidente da OE, a entrega da documentação que já havia sido solicitada à OE, isto é, a entrega da documentação constante dos pontos 1 a 18 da listagem de folhas 137 e 138 do processo de sindicância. 13. Em resposta, o Arguido AA afirmou que nada seria por si entregue. 14. Os Inspetores II e MM deslocaram-se ao edifício da contabilidade, onde se encontravam a Diretora de Recursos Humanos, NN, JB e o OO, que substituía a LL, responsável pela contabilidade, que estava ausente, tendo este último afirmado que já tinha os dados pedidos na contabilidade, pelo que inspetor II saiu para ir buscar um disco rígido onde poderia armazenar essa documentação. 15. Porém, os funcionários da OE que estavam naquele edifício estavam todos ao telefone e começaram a sair do edifício. 16. Nessa sequência, os Inspetores voltaram ao gabinete da Bastonária, para reunir com a Inspetora JJ, tendo decidido que voltariam ao edifício onde estava instalada a contabilidade, com o disco rígido, já acompanhados pela PSP, para recolher os elementos. 17.Ali chegados, acompanhados dos agentes da PSP, entrou no edifício a arguida ARC dizendo que não permitia que perturbassem o normal funcionamento da Ordem, dizendo ainda que estavam a intimidar os trabalhadores. 18. A partir desta ocasião os funcionários mudaram a postura de colaboração que, até então, haviam demonstrado, inclusive o funcionário OO, que havia sido colaborante em fornecer a documentação solicitada, após a chegada da arguida, mudou radicalmente de postura, acompanhando as palavras da arguida, no sentido de estarem a ser intimidados. 19. A arguida ARC repetia incessantemente que aquela era a casa do enfermeiro, que não permitia que perturbassem o normal funcionamento da Ordem. 20. Assim, os Inspetores tentaram obter os elementos constantes do pedido formal de dia 30 de Abril de 2019, salientando que são dados que qualquer instituição deveria ter disponíveis, por já terem sido trabalhados e fazerem parte do relatório de atividades, mas que não lhes foram facultados. 21. Após a chegada do Advogado da OE, PP, e após falar com a arguida, esta mencionou que faria chegar os elementos pedidos numa pen, porém, continuou a recusar facultar certos documentos, como o pedido de avençados e tarefeiros, relativamente ao qual disse “esqueçam”. 22. Perante esta postura os Inspetores decidiram sair das instalações, o que fizeram pelas 19:00 horas, sem levar qualquer documento. 23. Após esta data os Inspetores não receberam os elementos pedidos à OE. 24. Por esse motivo, no dia 13 de Maio de 2019, os Inspetores KK, JJ e II regressaram às instalações da Ordem dos Enfermeiros, desta vez com acompanhamento permanente por parte da PSP aos Inspetores, a fim de serem realizadas as diligências no âmbito do processo de sindicância. 25. Pelas 11:00 horas, acompanhados dos elementos a PSP, os Inspetores sindicantes dirigiram-se aos serviços de contabilidade, aprovisionamento e recursos humanos, situados do edifício no lado oposto à sede da Ordem, que se localiza na mesma Av. …, mas n.º …-B, R/C. 26. Aí chegados informaram os responsáveis de serviço, LL, responsável pelo serviço de contabilidade, JB, responsável pelo serviço de aprovisionamento, e NN, responsável pelo serviço de recursos humanos, que iriam proceder à audição dos próprios e dos trabalhadores. 27. Deu-se, então, início às diligências, começando pela inquirição de LL, coordenadora da área da contabilidade da OE, a qual mostrou estupefação pelos Inspetores ali estarem, porque, segundo informou, já tinha entregue a listagem e a documentação dos 18 pedidos formulados pela IGAS, os quais eram compostos por elementos da contabilidade e aprovisionamento, que tinham sido recolhidos pela própria e que os tinha feito chegar à Bastonária, a arguida ARC, bem como muitos dos outros pedidos. 28. Os Inspetores explicaram, então, que não tinham recebido tais documentos, pelo que a pretendiam ouvir em declarações, ao que a mesma acedeu, fazendo-o no seu gabinete, localizado no R/C. 29. Pelas 12:20, estando a decorrer o final da tomada de declarações de LL, com normalidade, chegou às instalações da Ordem dos Enfermeiros a Bastonária, a arguida ARC, acompanhada de um canídeo de porte médio, sem trela ou açaime, dirigindo-se, de imediato, ao gabinete onde decorriam as diligências, gritando, em tom bastante exaltado e agressivo, dizendo para a LL sair imediatamente da sala. 30. Aos gritos, a Arguida dizia “saia daí”. 31. Dirigindo-se a todos, incluindo aos elementos da Polícia de Segurança Pública, que se encontravam no exterior da sala, a arguida ARC dizia que não podiam estar ali, para saírem do local. 32. A arguida ARC tentava aceder ao interior da sala, gesticulando, mas os elementos da PSP não permitiram a sua entrada na sala, colocando-se junto à porta, impedindo a sua entrada. 33. Então, a arguida ARC, porque não conseguia alcançar o manipulo, uma vez que os Agentes da PSP estavam defronte da porta, impedido que entrasse, desferiu um pontapé na porta. 34. Devido ao alarido criado pela arguida, que perturbava a diligência, foi aberta a porta da sala em que decorria e a LL deslocou-se até à porta da sala, nervosa e transtornada. 35. Nesse momento a arguida puxou-a pelo braço, fazendo-a sair da sala, ao mesmo tempo que dizia que não tinha que prestar declarações. 36. A PSP, que até aí estava a fazer contenção, de molde a que a arguida não entrasse na sala, já não fez contenção, permitindo que a LL abandonasse o local, a reboque da arguida ARC. 37. Destarte, LL acabou por não assinar o auto das declarações que tinha prestado. 38. De seguida, a arguida ARC deslocou-se novamente para o interior das instalações e referiu veementemente que a PSP deveria sair imediatamente da Ordem dos Enfermeiros, assim como os Inspetores da IGAS. 39. Dirigindo-se aos Inspetores apelidou-os de «insensíveis», «animais», «selvagens» e «malucos». 40. Os Inspetores solicitaram que fosse mantida a calma, informando que estavam a realizar o seu trabalho, estando a decorrer a tomada de declarações, e solicitando que houvesse colaboração. 41. Dirigindo-se à Inspetora QQ a arguida disse “Esteja calada, a Senhora aqui não fala, não pode estar aqui” e dirigindo-se a toda a equipa prosseguiu: “Estão a sequestrar pessoas, vocês são malucos, quem é que pensam que são? Estão aqui a criar um espetáculo, não têm autorização para estar aqui”. 42. Não obstante o apelo à calma pelos Inspetores, a arguida ARC continuou com a mesma conduta, dizendo, sobrepondo-se às vozes daqueles, que não podiam estar ali, que não eram a Polícia Judiciária e que só poderiam lá estar com ordem do Tribunal Administrativo. 43. Os Inspetores informaram a arguida que ao estar a impedir a realização das diligências que pretendiam levar a cabo no âmbito do processo de sindicância incorria no crime de desobediência previsto no artigo 348.º do Código Penal. 44. Destarte, foi advertida a arguida pela equipa Inspetiva que tinha o dever de colaborar com a equipa e de facultar a informação e documentação solicitada pelos serviços de inspecção da IGAS, sendo que a violação dos deveres de informação e cooperação para com aqueles a faria incorrer em infração criminal. 45. Ciente da advertência com a prática de ilícito criminal de desobediência se o não fizesse e continuasse na conduta de não colaboração, a arguida manteve a mesma postura de hostilidade. 46. FF, Comissário da PSP, informou a arguida que iria continuar a colaborar com os Inspetores da IGAS e que não iria abandonar, naquele momento, as instalações. 47.A Arguida ficou ciente da sua responsabilidade penal se continuasse na recusa de colaboração com a equipa Inspetiva, o que aconteceu. 48. A conduta da arguida manteve-se, dizendo aos Inspetores que iriam ter processos-crime, proferindo “isto não acaba aqui” , “vou efetuar queixa de todos”, acabando por abandonar o edifício, acompanhada pelo Mandatário, que, entretanto, chegara, dizendo que se iria deslocar à Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública. 49. Antes de sair das instalações, a Arguida incitou os funcionários, dizendo-lhes para não colaborarem com os Inspetores. 50. Os Inspetores dirigiram-se, então, ao arguido JB, responsável pelo Aprovisionamento da OE, a quem pediram que os acompanhasse à sala em frente, a fim de ser ouvido em sede de declarações. 51.O Arguido, de forma perentória, recusou prestar declarações ou qualquer colaboração. 52.O Arguido JB foi, nessa sequência, informado pelos Inspetores da IGAS que a sua recusa em colaborar configurava a prática de crime de desobediência previsto o artigo 348.º do Código Penal. 53. Porém, JB continuou a negar prestar qualquer declaração ou colaboração. 54. Seguidamente, cerca das 12:30 horas, praticamente todos os trabalhadores abandonaram as instalações da Ordem e a maior parte dos armários das suas salas foram trancados com cadeados. 55. Os Inspetores questionaram o funcionário RR se dispunha da chave dos armários, para que os mesmos pudessem ser abertos, tendo este afirmado não possuir as chaves. 56. Depois do almoço, os trabalhadores já não voltaram aos seus postos de trabalho, tendo apenas ali se deslocado para marcarem o ponto e, de seguida, abandonaram as instalações. 57. Uma vez que não se encontravam no local funcionários que pudessem prestar declarações e que os armários, das duas salas do edifício onde se encontravam, estavam fechados a cadeado, situação que não se verificava à chegada, durante o período da manhã, o que impossibilitava o acesso a documentação, os Inspetores da IGAS ficaram impossibilitados de exercer as funções que lhes estavam acometidas. 58. Perante a ausência total de colaboração, os Inspetores da IGAS não puderam realizar mais diligências, nem de inquirição pela ausência de funcionários, nem de consultas de documentos em face dos armários fechados. 59. Assim, os Inspetores deram por terminadas as diligências cerca das 15:30 horas. 60. Até à conclusão do relatório de sindicância, em 15 de Julho de 2019, não foi remetida à IGAS a informação solicitada. 61. Nunca a arguida ARC manifestou qualquer vontade de colaboração com a equipa Inspetiva, antes pelo contrário, instigou os funcionários da OE a não colaborar com a equipa da IGAS. 62. Os inspetores sindicantes da IGAS encontraram obstáculos, deliberadamente movidos pelos Arguidos, para a realização das diligências, mesmo na presença de elementos da Polícia de Segurança Pública, a que tiveram que recorrer, e que foram impeditivos do exercício da actividade sindicante. 63. Os arguidos violaram os deveres de informação e de cooperação para com os serviços de Inspecção bem sabendo que tal os fazia incorrer em responsabilidade criminal. 64. Tinham, pois, consciência de que, com os comportamentos descritos, inviabilizavam a realização das diligências de sindicância, o que quiseram e lograram todos os arguidos concretizar, seguindo as orientações da arguida ARC, estando cientes de que, ao recusar o dever de colaborar incorriam em responsabilidade criminal 65. Ao dirigir as palavras descritas à Inspetora JJ, a arguida ARC actuou de forma livre, deliberada e consciente, visando atingir o bom nome, honra, dignidade e consideração profissional da Ofendida, Inspetora da IGAS, que ali se encontrava no exercício de funções, o que a arguida concretizou ciente dessa qualidade da visada. 66. O arguido AO manteve uma postura de recusa em prestar informação e colaborar em fornecer a documentação solicitada, obstruindo a realização das diligências pelos Inspetores, mesmo depois de advertido que incorria em responsabilidade criminal por desobediência. 67.O arguido JB manteve uma postura de recusa em prestar declarações e colaborar, obstruindo a realização da diligência solicitada pelos Inspetores, mesmo depois de advertido que incorria em responsabilidade criminal por desobediência. 68. Ao praticar os referidos factos agiram os Arguidos de forma, livre, deliberada e consciente, com intenção concretizada de desobedecer aos comandos que lhe eram transmitidos. 69. Agindo com o propósito concretizado de não acatar as ordens e instruções legítimas que lhe foram transmitidas, mesmo depois de advertidos de que tal conduta os faria incorrer em responsabilidade criminal por desobediência. 70. Assim atuaram bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. Relativamente ao enquadramento socioeconómico dos arguidos - Arguida ARC 71. A arguida vive com a sobrinha. 72. A casa onde reside é arrendada suportando uma renda mensal no montante de € 700,00 (setecentos euros). 73. A arguida é ainda titular de casa própria com recurso a crédito à habitação suportando uma prestação bancária mensal no montante de € 400,00 (quatrocentos euros), a qual se encontra arrendada, sendo-lhe paga uma renda mensal no montante de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros). 74. A arguida aufere rendimento líquido mensal de cerca de € 3.000,00 (três mil euros). 75.A arguida tem como habilitações literárias Licenciatura em Enfermagem e Mestrado em Saúde Comunitária Dos antecedentes criminais 76. A arguida não tem antecedentes criminais registados. - Arguido JB 77.O arguido reside com a mulher e a filha de 3 anos de idade. 78. A casa onde residem é própria dos sogros. 79. O arguido aufere retribuição líquida mensal no montante de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros). 80. O arguido tem como habilitações literárias, Licenciatura em Ciências da Comunicação, Mestrado em História e Pós-Graduação em Contratação Pública. Dos antecedentes criminais 81.O arguido não tem antecedentes criminais registados. - Arguido AO 82.O arguido vive com a companheira e três filhos de 21, 18 e 15 anos de idade. 83. A casa onde residem é própria adquirida através de empréstimo bancário, suportando uma prestação mensal no montante de € 700,00 (setecentos euros). 84.O arguido aufere a quantia de € 3.000,00 (três mil euros) a título de retribuição mensal. 85.O arguido suporta uma prestação de saúde no montante de € 1.200,00 (mil e duzentos euros) mensais. 86.O arguido tem como habilitações literárias Licenciatura em Direito. Dos Antecedentes Criminais 87.O arguido não tem antecedentes criminais registados. - Arguido AA 88.O arguido vive com a mulher e dois filhos de 20 e 16 anos 89. A casa onde residem é própria adquirida através de empréstimo bancário, suportando uma prestação mensal no montante de € 460,00 (quatrocentos e sessenta euros). 90. O arguido aufere a quantia de € 3.000,00 (três mil euros) a título de retribuição mensal. 91. O arguido tem como habilitações literárias Licenciatura em Enfermagem e Mestrado em Enfermagem Comunitária. Dos Antecedentes Criminais 92. O arguido não tem antecedentes criminais registados. – Da Contestação 93. No dia 6 de Maio de 2019, a Ordem dos Enfermeiros deu entrada de uma Providência Cautelar contra o Ministério da Saúde e a Senhora Ministra da Saúde, Dra. SS, para suspensão do ato que determinou a sindicância à OE, com fundamento na sua ilegalidade e suscitando sérias dúvidas sobre a imparcialidade com que a IGAS e os seus agentes (Inspetores) atuavam no processo de sindicância, a qual correu no Tribunal Administrativo de Círculo, sob o n.º 777/19.0BELSB, tendo sido determinada, por despacho judicial, a suspensão do processo de sindicância. 94. Em 7 de maio de 2019, a Senhora Ministra da Saúde emitiu Resolução Fundamentada, mediante a qual foi determinada a manutenção de todos os efeitos do despacho de 16 de abril de 2019 que determinou se procedesse à sindicância à OE. 95. A Resolução Fundamentada, destinada a obstar aos efeitos suspensivos da Providência Cautelar intentada pela OE, foi comunicada ao processo acima referido, sob requerimento de 8 de maio de 2019, com data de entrada no SITAF às 12:34:34. 96. Requerimento esse que através do SITAF foi notificado ao Sr. Dr. EE, Ilustre Mandatário da OE naqueles autos, pelas 12:34:56 desse mesmo dia, tendo-se averbado registo de leitura pelas 13:32:46. 97. No dia 08/05/2019, os três Senhores Inspetores da IGAS, II, KK e JJ, com prévio conhecimento da apresentação a juízo da referida Resolução Fundamentada, deslocaram-se à OE, sem qualquer pré-aviso. 98. A arguida ARC, informou os inspetores da IGAS que a sindicância poderia ser retomada se comprovassem a entrada da resolução fundamentada 99. Já mais tarde, um agente da PSP exibiu ao Advogado da OE, que ali se havia deslocado, o comprovativo da resolução fundamentada. 100. A arguida ARC teve de se ausentar das instalações da OE. 101. O arguido AA, nas circunstâncias referidas em 13., disse não ter delegação de competências. 102. No dia 21 de Maio de 2019, foram enviados pela OE os balancetes analíticos, balanços, demonstrações de resultado, demonstração de fluxos de caixa, dos anos de 2016 a 2018, e ainda mapas de pessoal. 103. No dia 28 de Maio de 2019, foram enviados 43 emails com anexos referentes aos documentos solicitados sob os n.ºs 34 a 36. 104. No dia 30 de Maio de 2019, foram enviados 32 emails com anexos referentes aos documentos solicitados sob o n.º 36. B) Factos não provados Da prova produzida e com interesse para a decisão da causa resultaram não provados os seguintes factos. Que: a) No circunstancialismo referido em 12. e 13., foi o arguido AA advertido, pela Inspetora Sindicante JJ, que tal facto seria considerado de obstrução ao exercício da acção sindicante e que a sua recusa em colaborar configurava a prática de crime de desobediência previsto no artigo 348.º do Código Penal. b) Ainda assim o arguido AA manteve a sua conduta e postura de recusa em prestar qualquer informação e entregar a documentação solicitada, abandonado a sala. c) No circunstancialismo referido em 17. e 18., em 8 de Maio de 2019, o Inspetor MM explicou à arguida ARC que tinha o dever de colaborar com a actividade inspetiva, invocando a legislação e cominando-a com o crime de desobediência, caso não o fizesse. d) O arguido AA manteve uma postura de recusa em prestar informação e colaborar em fornecer a documentação solicitada, obstruindo a realização das diligências pelos Inspetores, mesmo depois de advertido que incorria em responsabilidade criminal por desobediência. e) Agindo com o propósito concretizado de não acatar as ordens e instruções legítimas que lhe foram transmitidas, mesmo depois de advertido de que tal conduta o faria incorrer em responsabilidade criminal por desobediência. f) Actuou bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Da Contestação g) No dia 8 de Maio de 2019, no n.º ... da Av.ª ..., os funcionários da OE encontravam-se a ser intimidados pelos inspetores da IGAS. h) Houve uma alteração da postura dos inspetores da IGAS.
O Tribunal recorrido fundamentou a decisão de facto pelo seguinte modo (transcrição): A arguida ARC começou por referir que na sua ótica trata-se de uma “perseguição” da Ministra da Saúde de então, Dr.ª SS, relativa à sua pessoa, porquanto esta quando exercia as funções de Presidente da ACSS já havia solicitado a realização de uma sindicância à Ordem dos Enfermeiros, a qual lhe foi negada pelo então Ministro da Saúde Dr. BB, situação que lhe foi relatada pelo então Secretário de Estado Dr. UU. Mais disse que os inspetores que se deslocaram à Ordem dos Enfermeiros o fizeram em 29 de Abril, 8 de Maio e 13 de Maio todos do ano de 2019. Mencionou então que no dia 29 de Abril quando da presença dos inspetores nas instalações da Ordem e após ter sido referido por estes que iriam proceder a uma sindicância à Ordem foi-lhes solicitado documento relativo à mesma, tendo apenas lhe sido exibidos artigos de opinião, esclarecendo que, todavia, nesse dia as coisas correram pacificamente tanto que “o seu cão, que consigo vai todos os dias para a Ordem e onde permanece chegou a “brincar” com os inspetores” , tendo ficado combinado que o seu chefe de gabinete – AO – seria o interlocutor entre a Ordem e os inspetores da IGAS Disse ainda que nesse mesmo dia 29 de Abril foram ouvidos alguns funcionários da Ordem, de entre eles JB, VV e LL, sendo que quanto a esta última foram os inspetores informados de que a mesma atravessava um período complicado na sua vida estando muito fragilizada. Salientou ainda que foi acordado estar disponibilizado no dia 3 de Maio parte da documentação que havia sido solicitada, a qual seria em parte recolhida por LL, assim como se deslocaria de Barcelos onde reside, o tesoureiro WW, para reunir com os inspetores o que não chegou a acontecer, porque estes avisaram no período da manhã a sua indisponibilidade, tendo reagendado para o dia 6 de Maio. Ainda no tocante à sindicância referiu que a Ordem interpôs uma providência cautelar no Tribunal Administrativo, que sustou a sindicância, no entanto, foi apresentada resolução fundamentada pelo Ministério da Saúde em 8 de Maio de 2019, tendo nesse mesmo dia os inspetores deslocando-se às instalações da Ordem no n.º …. Relativamente a este dia 8 de Maio, disse que os inspetores compareceram nas instalações da Ordem, no n.º …, nada tendo referido à secretária, dizendo apenas que havia a resolução fundamentada, não exibindo qualquer documento, estando a inspetora QQ a gritar “sindicância” , “sindicância”, razão pela qual foi contactado o Advogado Dr. EE, o qual transmitiu que de nada sabia, pelo que lhes foi referido que apenas entravam com uma notificação, após o que a declarante abandona as instalações. Referiu então que quando regressou novamente à ordem, recebeu um telefonema de VV no qual esta lhe transmite que os inspetores se encontravam no n.º …, e que estavam “a intimidar funcionários” tendo a declarante ali se deslocado. Disse então que já no n.º …, os inspetores gritavam exibindo o crachá “têm de colaborar, se não tinham um processo”, mencionando que apesar de o referirem nunca mencionaram quais os concretos documentos que pretendiam, querendo apenas “copiar o computador da VV para um disco externo” , no entanto, conseguiu-se acordar o regresso dos inspetores no dia 9 de Maio, para que estes levantassem uma pen com os documentos. Disse a arguida que os documentos solicitados podiam interferir com dados pessoais, pelo que foi requerido parecer à Comissão de Proteção de Dados, bem como a um jurista, na medida em que alguns documentos tinham apostos os nomes dos funcionários, e que por esse motivo alguns documentos poderiam, demorar mais tempo a entregar, assim como, alguns documentos encontravam-se nas secções regionais da Ordem sendo necessário solicitá-los e nessa medida informaram que no dia 13 de Maio poderiam ainda não estar disponibilizados, o que levou o chefe de gabinete a requerer uma prorrogação do prazo de entrega, que não foi aceite pelos inspetores, negando que este fosse o interlocutor. No tocante ao dia 13 de Maio, referiu que recebeu uma chamada telefónica, bem como um SMS do tesoureiro da Secretaria Geral – WW – no qual lhe deu conta que os inspetores se encontravam nas instalações e que se haviam deslocado para o n.º …. Nesse mesmo telefonema foi-lhe relatado que “tinham prendido” a contabilista no gabinete, a qual lhe havia pedido ajuda quando foi beber um copo de água. Disse ainda que por ter indicação que a PSP igualmente se encontrava no local contactou o Comando Nacional relatando o sucedido, ao que lhe foi respondido que os agentes estavam a cumprir ordens, acompanhando os inspetores da IGAS, tendo então a arguida deslocando-se ao n.º …, constatando um veículo policial, no meio da Avenida, com as luzes ligadas. Referiu que entrou nas instalações do n.º …, com o propósito de saber o que se passava, razão pela qual interpelou os agentes questionando o que ali se encontravam a fazer e se tinham mandado judicial para o efeito, pois encontravam-se dentro das instalações, dizendo ainda que pretendia apurar o que se passava com a funcionária LL, negando ter entrado no n.º … com o cão, assim como ter gritado ou esbracejado, tendo dois agentes se colocado de imediato em frente da porta do gabinete, tendo a declarante feito menção de abrir a porta, mas sem sucesso. Negou ainda a declarante ter desferido quaisquer pontapés na porta, aludindo que não o podia fazer porque os agentes estavam à frente da mesma, assumindo, todavia, ter chamado pela funcionária LL assim como a questionado se estava bem, sendo que esta lhe respondeu que não a deixavam sair, razão pela qual continuou a dialogar com aquela, tendo então alguém aberto a porta do interior, constatando a inspetora QQ de costas a agarrar os braços da LL, ao que esta última ao ver a arguida estende a mão agarrando a da declarante, quando lhe batem na mão, sendo nessa ocasião que a arguida gritou dizendo “não me batem”, tendo igualmente chamado “insensíveis” aos inspetores, atenta a situação particular de LL e da qual aqueles tinham conhecimento desde o dia 29 de Abril. Mais referiu que durante a sua presença no n.º …, o inspetor KK “abanava” o crachá, tendo a atuação dos inspetores gerado medo nos funcionários da Ordem, nomeadamente quando a funcionária LL se encontrava dentro da sala com estes e gritava que não a deixavam sair, negando ainda a declarante que se tenha dirigido à inspetora QQ, apenas o tendo feito em relação ao inspetor KK, relatando que após a saída de LL da sala, os três inspetores ali se fecharam novamente, tendo mexido em papéis e arrombado portas e gavetas, deixando tudo desarrumado, bem como desaparecido um telemóvel. Negou a arguida que em alguma ocasião fosse advertida da prática de um crime, nomeadamente, de desobediência, ou que lhe fosse movido qualquer processo. Referiu a arguida que não se dirigiu a nenhum inspetor em particular, mas antes de forma genérica, assim como disse aos agentes da PSP que estavam a ser coniventes com o que ali se passava, negando quaisquer outras frases ou afirmações, acabando depois por sair do interior das instalações. O arguido JB, disse ter começado a colaborar com a Ordem dos Enfermeiros em Julho de 2018 na área da contabilidade, respondendo diretamente a XX, tendo cessado funções em Março de 2020, referindo ser técnico superior e nunca ter feito parte de qualquer órgão da Ordem. Relativamente ao contacto tido com os inspetores da IGAS, disse que ocorreu em duas ocasiões, no dia 29 de Abril e no dia 13 de Maio. Disse que no dia 29 de Abril foi chamado pelo Secretário Geral de que havia uma inspeção da IGAS, tendo participado na reunião acerca da tramitação, e, onde foram solicitados vários documentos, pelo que, entre 29 de Abril e 13 de Maio esteve a digitalizar processos da área da contratação pública desde o ano de 2012 que se encontravam na sede, documentos estes que depois foram colocados numa pen, para que fosse entregue. No tocante ao dia 13 de Maio, disse que ainda no período da manhã constatou a presença de um carro da PSP no exterior das instalações da Ordem no n.º …, desconhecendo o que havia ocorrido na sede no n.º …. Mais relatou que um dos inspetores dirigiu-se a si advertindo-o que não podia sair das instalações pois tinha de ser ouvido, razão pela qual já não saiu, assim como referiu desconhecer a situação de saúde por que passava LL. Mencionou o declarante que o ambiente vivido dentro das instalações era tenso, pela presença da PSP no local, desconhecendo o que se passava na sala onde se encontrava LL, no entanto, apercebeu-se, pelo vidro da sua sala, da chegada da Sr.ª Bastonária, a aqui arguida ARC, a qual dirigiu-se de imediato para a sala onde estava LL, sendo nessa ocasião que se levanta, juntamente com YY, e constata a PSP à frente da porta da sala onde estava LL. Mais disse que LL sai, a chorar, desorientada e dirige-se para a porta da rua acompanhada pela Sr.ª Bastonária e pelo KK. Disse o arguido que após os inspetores KK e II lhe dizem que tinha de se identificar e que tinha de ir prestar declarações, ao que o arguido nega, por se sentir coagido uma vez que estava rodeado pelos inspetores, bem como pela saída precipitada da LL da sala, não pretendendo ser ouvido sem um Advogado presente, tendo então a inspetora QQ lhe dito “sabe o que está a fazer” , dizendo-o num tom altivo, após, também o inspetor KK lhe refere “vamos mover-lhe um processo se não entra dentro da sala” , posição que o arguido manteve, abandonando o local, e que o fez por pretender ser acompanhado por causídico, referindo de forma expressa que ninguém o advertiu com a cominação do crime de desobediência. Relatou ainda que quando estava a sair foi abordado por um agente da PSP que lhe pediu a identificação. Questionado disse que em momento algum a Sr.ª Bastonária lhe disse para não entregar documentos aos inspetores. O arguido AO disse trabalhar como prestador de serviços para a Ordem dos Enfermeiros tendo referido quanto aos factos que no primeiro contacto com os inspetores da IGAS em 29 de Abril, ficou acordado que o declarante seria o interlocutor entre as duas entidades, Ordem e IGAS, e por esse motivo elaborou e-mail a 3 de Maio, a solicitação da Sr.ª Bastonária, no qual requeria a prorrogação do prazo de entrega de documentos, atenta a impossibilidade de os mesmos estarem disponibilizados atempadamente, tendo obtido resposta a 6 de Maio, do inspetor MM, o qual referia que o declarante não podia requerer tal prorrogação, uma vez que se tratava de um mero interlocutor e não de alguém que fazia parte dos órgãos sociais da Ordem, situação que foi comunicada/apresentada à Sr.ª Bastonária. Relativamente ao dia 8 de Maio, no período após almoço, surge nas instalações um agente da PSP, o que levou o declarante a chamar o enfermeiro AA, aqui arguido, sendo nessa ocasião que tiveram conhecimento da resolução fundamentada que havia sido apresentada e a qual desconheciam, mencionando que a referida resolução foi exibida pelos inspetores no telemóvel que traziam consigo, e que por esse motivo permitiram a sua entrada, esclarecendo que no dia 6 de Maio a Ordem havia dado entrada em Tribunal de uma providência cautelar em reação à sindicância. Referiu o arguido que lhe foram solicitados documentos, por parte do inspetor MM e do outro inspetor, ao que lhe respondeu que aguardariam pela chegada da Sr.ª Bastonária, e que por esse motivo a entrega da documentação ia demorar, assim como, pelo facto da IGAS o ter afastado da condição de interlocutor. Mencionou então que nessa ocasião a inspetora QQ lhe solicitou novamente a documentação, referindo que estava a cometer um crime, salientando, contudo, que nunca ninguém falou em desobediência, ao que o declarante retorquiu que também a Ordem iria agir face ao que ali se estava a passar, relatando igualmente que do que constatou em relação ao enfermeiro AA, os inspetores pretendiam que este assinasse uns documentos. Ainda no que ao dia 8 de Maio respeita afirmou que houve uma reunião em que foi acordada entrega de documentação no dia 9 de Maio, mas que o declarante não esteve presente na reunião. Questionado quanto à intervenção da PSP, disse que foi contactado pelo RP da PSP o qual comunicou que iriam estar presentes agentes da PSP durante a realização da sindicância e que a Sr.ª Bastonária já sabia porque conhecia o Diretor Nacional da PSP, presumindo o declarante que o interlocutor julgaria estar a falar com alguém da IGAS. O arguido AA disse quanto aos factos que participou na reunião que teve lugar no dia 29 de Abril e na qual estiveram igualmente presentes os sindicantes, a Sr.ª Bastonária e outros elementos da Ordem, tendo nessa reunião sido solicitada a fundamentação apresentada para a realização da sindicância, mencionando que foi igualmente apresentada pelos inspetores um lista com documentação necessária, da qual alguma deveria ser entregue no dia 3 de Maio, referindo então que nesse dia 3 de Maio, ninguém procedeu ao levantamento da documentação, tendo a Ordem apresentado providência cautelar no dia 6 de Maio, com a qual se suspendeu a realização da sindicância, a qual foi retomada com a resolução fundamentada apresentada pelo Ministério da Saúde no dia 8 de Maio, mas da qual não tinham qualquer conhecimento, na altura em que os inspetores compareceram nas instalações da Ordem – sede. Reportando-se ao dia 8 de Maio, disse o arguido que foi chamada a sua presença, uma vez que se encontrava presente no local a PSP, sendo nessa ocasião que tomaram conhecimento da referida resolução fundamentada, razão pela qual ligaram para a Sr.ª Bastonária, tendo igualmente sido contactado o Dr. EE, advogado, que lhes transmitiu indicações que seguiram. Após as indicações do advogado, permitiram a entrada dos inspetores, tendo os mesmos sido encaminhados para o gabinete da Sr.ª Bastonária, ao que o declarante seguiu para o seu gabinete. Referiu que um dos inspetores dirigiu-se ao seu gabinete e mencionou que pretendia falar com o declarante, ao que este lhe solicitou que aguardasse, dirigindo-se depois ao gabinete onde aqueles se encontravam – da Sr.ª Bastonária – onde lhe pediram que assinasse um documento, que desconhece o que tratava, mas que se recusou a fazê-lo porque a Sr.ª Bastonária chegaria em 5 minutos e o declarante não tinha competências delegadas que lhe permitissem assinar, regressando em seguida ao seu gabinete. Relatou o arguido que nunca lhe foi dito que lhe colocariam um processo ou que praticava um crime de desobediência, na medida em que tudo decorreu de forma calma. Relativamente à reação dos funcionários, disse que estes afirmaram sentirem-se pressionados, nomeadamente no que à Dr.ª VV respeita, em virtude da reunião que se havia realizado. Salientando ainda que no dia 9 de Maio, ninguém se deslocou à Ordem para levantar a documentação. No que respeita ao dia 13 de Maio disse que nada presenciou à exceção dos inspetores a abandonarem as instalações. A testemunha FF, disse ser agente da PSP e conhecer os arguidos do exercício de funções, tendo quanto aos factos referido que se deslocou às instalações da Ordem dos Enfermeiros no dia 13 de Maio de 2019 acompanhando os inspetores da IGAS após indicações do hierarquia de comando, esclarecendo que se deslocou, juntamente com Chefe ZZ e AAA às instalações da IGAS pelas 10.00h, onde foram recebidos, pela Inspetora Geral, à data Dr.ª BBB, após o que seguiram com os inspetores até à sede da Ordem dos Enfermeiros, com a única intenção de manter a ordem pública. Referiu a testemunha que os inspetores, já na Ordem, dirigiram-se à receção, não conseguindo precisar com quem falaram, sendo que o objetivo era a deslocação à secção de contabilidade que ficava no lado contrário da Avenida .... Relatou o depoente que já no local das diligências, permaneceram no hall/átrio de entrada, apenas para garantir a ordem, enquanto os inspetores foram falando com quem, da secção visada, ali se encontrava, não tendo presenciado qualquer conduta imprópria ou gritos de “Sindicância” , apenas se apresentaram na qualidade de inspetores e fizeram-no de forma calma Mais relatou que os inspetores entraram num gabinete, cuja porta dava para o hall/átrio de entrada, com uma funcionária, a qual chegou a sair cerca de 2 vezes, para beber água e comer, após o que chega a Sr.ª Bastonária, exaltada, a gritar “que tínhamos de sair dali, que não podíamos ali estar”, tendo ainda tentado entrar dentro do gabinete, sem sucesso, porque o depoente e os outros agentes colocaram-se em frente à porta do referido gabinete para o impedir, tendo ainda a Sr.ª Bastonária, de forma audível dito, dirigindo-se aos inspetores que eram “animais” , “insensíveis” e que “não podem fazer o que estão a fazer”. Mencionou ainda a testemunha que em seguida a funcionária que se encontrava no interior do gabinete, saiu, aparentando estar transtornada, não conseguindo precisar se a chorar, mas que em nenhuma ocasião solicitou ajuda ou disse algo que fosse indiciador de ali estar contra a sua vontade. Disse o depoente não conseguir precisar de forma clara como é que a Sr.ª Bastonária tentou abrir a porta, sendo que esta se encontrava no trinco, mas que o fez com um pontapé. Mais referiu que as coisas estavam a correr normalmente, com os funcionários a colaborar, o que sucedeu até a Sr.ª Bastonária aparecer, sendo esse o espoletar da mudança de comportamento por parte dos funcionários. Questionado disse que nesse dia 13 de Maio, os inspetores perguntaram aos funcionários se tinham as chaves dos armários que se encontravam fechados à chave, se podiam abrir, se podiam ver a documentação, existindo um ambiente colaborativo, colaboração essa que cessou com a chegada da Sr.ª Bastonária, e, por se estar perto da hora de almoço, os funcionários saíram, não tendo regressado, à exceção de um funcionário que ali se manteve até às 15.00 horas, salientando que quando se encontravam para sair, agentes de entre os quais o depoente e inspetores, surgiu a Sr.ª Bastonária acompanhada pelo chefe de gabinete, o advogado e também da comunicação social. Relativamente à cominação que terá sido efetuada pelos inspetores o depoente foi perentório em afirmar que o fizeram, referindo que estavam obrigados a colaborar e que caso não colaborassem incorriam no crime de desobediência, tendo-o feito de forma audível para quem ali se encontrava e com uma postura serena, não conseguindo, contudo, precisar qual dos inspetores o fez. Mencionou o depoente que já se havia deslocado às instalações da Ordem em data anterior, mais concretamente, no dia 8 de Maio, tendo nessa altura sido solicitada a presença da PSP, a fim de se aferir o que se passava nas instalações da Ordem. Nessa altura, disse, abordaram os inspetores da IGAS que se encontravam no exterior das instalações, os quais comunicaram que estavam a tentar proceder a uma inspeção/sindicância, e que não o estavam a permitir. Mais relatou que por não possuir qualquer conhecimento prévio, tentou auscultar ambas as partes, por forma a melhor compreender. Referiu o depoente a propósito do dia 8 de Maio que não pode precisar se foi impedida a entrada dos inspetores nas instalações da Ordem, mas que quando a PSP ali chegou estes estavam no exterior, tendo ainda o depoente falado com o advogado da Ordem o qual lhes disse ter sido intentada providência cautelar com carácter suspensivo, relativamente à sindicância, no entanto, havia sido apresentada resolução fundamentada pelo Ministério e que a Ordem havia sido notificada 2 horas antes. A testemunha foi confrontada com fls. 3 a 3 verso (auto de notícia) e fls. 7 a 8, tendo confirmado a sua assinatura. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 5., 6., 24. a 30. e 36. a 40. dos factos provados. A testemunha GG disse ser agente da PSP e conhecer arguidos de nome e do exercício de funções, tendo quanto aos factos referido que, no dia 13 de Maio com o chefe ZZ e o Comissário Paiva acompanharam os inspetores da IGAS às instalações da Ordem dos Enfermeiros, cerca das 11.00 horas, tendo desde logo os inspetores informado acerca daquilo que iam fazer, dirigindo-se primeiro à sede e depois para o outro lado na Avenida. Referiu ainda que já no lado contrário à sede, as coisas aparentavam estar a decorrer com normalidade quando após algum tempo os funcionários começaram a “desaparecer” e a fechar os armários com cadeados, os quais se encontravam abertos quando chegaram, mencionando que tal sucedeu depois de terem efetuado um telefonema ao que recorda. Disse ainda que os inspetores haviam solicitado alguns dossiers, desconhecendo a testemunha se foram ou não disponibilizados, tendo ainda tentado falar com alguns funcionários, sem sucesso, conseguindo, no entanto, falar com uma funcionária, de nome LL, a qual estava já a ser ouvida há algum tempo quando chega a Sr.ª Bastonária acompanhada por um canídeo, vindo exaltada dizendo “são uns insensíveis” , “uns malucos” , “Não têm que estar aqui” , dirigindo-se, na sua ótica quer aos inspetores, quer aos agentes da PSP que ali se encontravam. Mais referiu que a Sr.ª Bastonária se dirigiu para a porta do gabinete/sala onde os inspetores se encontravam acompanhados pela funcionária LL, e por forma a tentar abrir a porta desferiu um pontapé na mesma, sem sucesso, não conseguindo a testemunha precisar se o pontapé foi desferido quando os agentes já se encontravam em frente da porta ou não, conseguindo apenas dizer que foi-lhes pedido para não deixar ninguém entrar e que tal terá sido o que motivou a colocarem-se em frente à porta, salientando que o fizeram não para impossibilitar alguém de sair, mas antes, impossibilitar que alguém entrasse. Disse o depoente que, daquilo que presenciou, a funcionária LL entrou no gabinete “de livre e espontânea vontade”, ninguém a agarrou, não conseguindo esclarecer se a funcionária saiu ou não do gabinete, porquanto o depoente era o condutor da viatura policial e esta havia sido deixada na via pública com os rotativos ligados, descrevendo o gabinete/sala onde se encontrava a funcionária e os inspetores como tendo uma janela de vidro que permitia visualizar-se as pessoas que estavam no seu interior, mas não se conseguia ouvir aquilo que diziam. Mencionou ainda que após a conduta da Sr.ª Bastonária, a porta do gabinete abriu-se tendo a funcionária LL saído do interior do mesmo, enervada, não conseguindo precisar se a mesma estava a chorar, sendo que na altura após abrirem a porta e ter saído a funcionária, a qual foi puxada pelo braço pela Sr.ª Bastonária, foi esta advertida do dever de colaboração que lhe assistia e que caso não colaborasse incorria na prática do crime de desobediência, não conseguindo precisar qual dos inspetores o fez. Esclareceu a testemunha que após esta situação, a Sr.ª Bastonária saiu, regressando só mais tarde já com a comunicação social, mencionando ainda que quando deram conta já ninguém se encontrava nas instalações, aludindo a que o local parecia um dia feriado, já que se mantiveram no local até cerca das 16.00 horas, mas os funcionários já não regressaram após o almoço, limitando-se a ir picar o ponto e sair, esclarecendo ainda que quando saíram da primeira vez estava a aproximar-se a hora de almoço. A testemunha foi confrontada com fls. 12 a 17 (fotos), 7 a 8 e 12, cujo teor confirmou. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 24. a 30., 36. a 40. e 43. a 45. dos factos provados. A testemunha HH, disse ser agente da PSP e conhecer os arguidos do exercício de funções, tendo quanto aos factos referido que foi chamado pelo superior hierárquico e deslocaram-se às instalações da IGAS, onde lhes foi comunicado que iriam acompanhar os inspetores que iam realizar uma sindicância, que anteriormente tinham sido impedidos de o fazer, razão pela qual se deslocaram às instalações da Ordem dos Enfermeiros, tendo nessa altura os inspetores mostrado uns documentos que tinham e pediram para falar com a Sr.ª Bastonária, ao que lhe foi transmitido que esta não se encontrava na Ordem, sendo-lhes dito que aguardassem no piso superior o que foi recusado e dirigiram-se ao outro edifício. Ainda no tocante à reunião na IGAS referiu a testemunha de forma perentória que nada lhes foi referido ou transmitido em relação à Sr.ª Bastonária. Mais disse que já no outro edifício, situado do outro lado da Avenida, falaram com uma funcionária e escolheram uma sala, tendo esse contacto corrido calmamente, esclarecendo que quando existem situações de sindicâncias, é natural que as diligências a efetuar o sejam com recato e privacidade. Disse ainda que, entretanto, chega a Sr.ª Bastonária a dizer “não podem estar aqui”, “não têm nada que estar aí”, a qual ficou ainda mais exaltada quando vê uma funcionária dentro da sala/gabinete e começa a gritar-lhe “sai daí” , “não tens que estar aí”, nada tendo sido dito ou respondido do interior, ao mesmo tempo que tenta entrar dentro do gabinete, razão pela qual o depoente e os outros agentes, não se recordando se naquela ocasião estavam dois ou três, se colocaram à frente da porta, o que levou a que a Sr.ª Bastonária tivesse pontapeado a porta para o efeito, sem sucesso porque a mesma foi impedida pelo depoente, logo após, a porta é aberta do interior e a Sr.ª Bastonária e porque a funcionária se encontrava perto da porta puxa-a para fora, desconhecendo se com o acordo da funcionária ou não. Relatou ainda o depoente que quando se dirige para o exterior a arguida diz, dirigindo-se aos inspetores “são malucos”, “insensíveis”, “animais”, “selvagens”, assim como dirigindo-se aos agentes ali presentes refere-lhes “quanto a vós vou fazer queixa à Direção Nacional” porque “não podiam aqui estar”. Referiu a testemunha que após a saída da Sr.ª Bastonária, os funcionários começaram também a sair, uma vez que se estava perto da hora do almoço, não tendo os mesmos regressado para o período da tarde, apercebendo-se os inspetores que os armários tinham sido fechados a cadeado, sendo que à chegada, quer dos agentes, quer dos inspetores, os mesmos encontravam-se abertos, tendo sido questionada uma das funcionárias ali presentes se podiam abrir os armários ao que lhes responderam que não possuíam as respetivas chaves. Mais disse que quando se encontravam a delinear o que fazer, surge a Sr.ª Bastonária acompanhada de uma equipa de reportagem a dar uma entrevista, tendo inclusive os agentes solicitado à equipa que se encontrava que não procedesse à recolha de imagens dos inspetores. Questionada a testemunha disse que, para além da advertência efetuada a um funcionário que se encontrava a filmar, não constatou qualquer outra a ser efetuada. A testemunha foi confrontada com fls. 12 a 17 (fotos), 7 a 8 e 12, cujo teor confirmou. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 5., 6., 36. a 40. e 41. (apenas quanto à parte final) dos factos provados. A testemunha II, disse ser chefe de divisão no Instituto Camões, mas que há data dos factos se encontrava em mobilidade na IGAS, razão pela qual conhece os arguidos, tendo quanto aos factos referido que se deslocou às instalações da Ordem dos Enfermeiros em três ocasiões, 29 de Abril, 8 de Maio e 13 de Maio. Disse a testemunha que no dia 29 de Abril tudo decorreu harmoniosamente, tendo contactado com LL, mas também com os arguidos, à exceção de AO, salientando, no entanto que se sentiu de algum modo escrutinado/investigado por ter exercido funções no INEM, atentas as questões que lhe foram colocadas pela Sr.ª Bastonária, considerando que ingressou na IGAS por procedimento concursal de mobilidade intercarreiras, mencionando ainda que, ao que recorda, nessa reunião, ou no dia seguinte, foi entregue lista com a documentação necessária. Relatou ainda o depoente que no dia 29 de Abril deslocaram-se da parte da IGAS, para além de si, os inspetores JJ e MM, tendo este último sido substituído por KK no dia 13 de Maio, passando este último a chefiar a equipa. Mencionou o depoente que entre o dia 29 de Abril e o dia 8 de Maio não lhes foi entregue qualquer documentação, salientando a propósito que apenas se deslocaram novamente às instalações da Ordem no dia 8 de Maio, já no período da tarde, porquanto havia sido entregue providência cautelar por parte da Ordem no Tribunal Administrativo, à qual reagiu o Ministério por meio de resolução fundamentada, tendo sido esta a razão pela qual foi possível retomar a sindicância Relativamente ao dia 8 de Maio, disse a testemunha que tentaram falar com a Sr.ª Bastonária, tendo esta descido acompanhada pelo seu chefe de gabinete, alegando não ter conhecimento acerca da resolução fundamentada e por esse motivo disse “ponham-se daqui para fora”, mas fê-lo “aos berros” , razão pela qual saíram para o exterior e chamaram a PSP, cujos agentes demoraram algum tempo a chegar e por desconhecerem daquilo que se tratava falaram com ambas as partes. Relatou ainda o depoente que após algum período de tempo foi-nos permitido entrar nas instalações e encaminhados, por uma funcionária da receção, ao que julga, para o gabinete da Sr.ª Bastonária, todavia, a mesma já ali não se encontrava, razão pela qual tentaram falar com um responsável, não conseguindo precisar se AO ou AA, os quais reagiram, não conseguindo precisar quem disse o quê, mas que um deles afirmou que não tinha delegação de competências e o outro que não falava com sindicantes, e do que se recorda terão dito que faziam queixa contra a inspetora QQ. Afirmou ainda o depoente que foi a inspetora QQ quem efetuou a cominação com crime de desobediência ao Dr. AO, após a afirmação de que não falava com sindicantes, ameaçando até com um processo, salientado que ela testemunha nada fez. Relativamente à documentação solicitada no dia 29 de Abril, disse que nada foi entregue por parte da Ordem, mas que no dia 8 de Maio afirmaram que a mencionada documentação estava em suporte informático nas instalações do outro lado da Avenida, e por esse motivo, a testemunha e MM dirigiram-se ao mencionado edifício no n.º … , na posse de um disco rígido para efetuar a respetiva recolha de elementos, situação que foi comentada por AO ainda na sede, sendo que na sua ótica ter sido a partir desse momento que as coisas deixaram de correr de forma normal. A testemunha esclareceu que os funcionários do n.º … começaram a abandonar as instalações, razão pela qual o inspetor MM optou por retornar à sede para se reunirem e estabelecer o que fazer em seguida, mencionando que, do que tem memória, a Sr.ª Bastonária chegou com a comunicação social, afirmando que “não podiam ali estar”, “quem pensam que são” , situação que se alterou um pouco após o contacto que estabeleceu com o Advogado, tendo, nessa sequência, referido que os inspetores já tinham na posse elementos dos relatórios de gestão, ao que lhe foi referido que se pretendia igualmente elementos extraídos da aplicação, não conseguindo precisar se nessa altura foi concedido novo prazo, tendo os inspetores abandonado o local cerca das 18.00/18.30horas. Questionado disse não ter memória de alguém ter sido advertido quanto ao dever de colaboração. No tocante aos factos relativos ao dia 13 de Maio, disse que se deslocaram à Ordem uma vez que entre o dia 8 e o dia 13 de Maio, dos documentos solicitados apenas haviam sido remetidos 10% dos mesmos, nomeadamente balancetes, extratos bancários, balancete por centro de custos (o qual afirmou o depoente que terá sido por engano), esclarecendo que no âmbito da sindicância obtiveram também documentação que lhes foi entregue por terceiros Referiu o depoente que foram no período da manhã, e logo acompanhados pela PSP, tendo-se dirigido à sede e logo após para as instalações no n.º …, onde se encontravam os departamentos de contabilidade e aprovisionamento, fazendo-se acompanhar de impressora e computadores que traziam consigo. Esclareceu que por já terem conhecimento de quem eram as pessoas responsáveis pela contabilidade, aprovisionamento e recursos humanos, dirigiram-se logo a essas pessoas, contactando em primeiro lugar com LL, a qual transmitiu que as informações requeridas já tinham sido facultadas, todavia, disse o depoente que não as tinham recebido, descrevendo o seu contacto com esta como cordial. No tocante à sala escolhida disse que o fizeram por ser envidraçada e estar mais perto da entrada, sendo nesse local que foi ouvida a Dr.ª LL, a qual se levantou para falar com Dr. JB, sendo que as declarações por aquela prestadas foram elaboradas pela inspetora QQ, não tendo as mesmas sido assinadas, por não terem conseguido logo imprimir, mesmo após a tentativa da Dr.ª LL o tentar fazer com uma pen da Ordem, igualmente esta sem sucesso, salientando ainda que a Dr.ª LL se ausentou da sala, pelo menos, duas ou três vezes, mencionando também que lhes havia sido comunicado, no dia 29 de Abril, que aquela estava com um problema e não se encontrava bem, mais referiu que não existiram quaisquer problemas até à chegada da Sr.ª Bastonária, aos gritos, tendo nessa altura a Dr.ª LL começou a chorar. Disse o depoente que viram pela janela envidraçada a chegada da Sr.ª Bastonária, que gritava “saia daí, assim como nos chamou “selvagens” referindo ainda “o que pensam que são” tendo sido logo percetível a mudança de comportamento dos funcionários, esclarecendo ainda que o inspetor KK estava a abrir a porta quando há um pontapé que abre na totalidade e a Dr.ª LL é puxada para fora. Relativamente à advertência efetuada do crime de desobediência, a testemunha foi perentória em afirmar que não o fez, mas apesar de afirmar que foi feita, não consegue precisar qual dos inspetores QQ ou KK o fizeram. Mais disse que após a saída da Dr.ª LL tentaram falar com a Dr.ª VV, responsável pelos Recursos Humanos sem sucesso, porque a mesma já tinha saído, o que os levou a tentar falar com o Dr. JB, que de acordo com a testemunha se recusou a dar informação que já havia sido previamente solicitada, bem como a ser ouvido em declarações, o que conduziu a nova advertência. Referiu a testemunha que à chegada e enquanto falavam com os funcionários os armários encontravam-se abertos, que, entretanto, foram fechados a cadeado. Questionada a testemunha acerca da necessidade de mandado judicial, disse que tal situação não lhes foi referida, mas apenas em relação aos agentes da PSP que ali se encontravam. Relativamente à presença da PSP, disse que por ter sido necessário a presença destes no dia 8 de Maio, daí a presença destes logo no dia 13 de Maio, não conseguindo referir se foi por eles solicitada. A testemunha foi confrontada com fls. 7 a 8, 19 a 20 (autos elaborados), fls. 18 (auto relativo à Dr.ª LL) e fls. 12 a 17 (fotos), tendo quanto a estas referido que se tratavam de open space em frente à sala onde procederam à inquirição da Dr.ª LL, confirmando igualmente a sua assinatura. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1. a 42., 50. e 54. dos factos provados. A testemunha JJ, disse ser trabalhadora em funções públicas nas Águas de Coimbra (técnica superior – Jurista) e conhecer os arguidos do exercício de funções quando se encontrava em mobilidade na IGAS em 2019, tendo quanto aos factos referido que a equipa responsável pela sindicância iniciou consigo e os inspetores MM e CCC, passando a partir de 8 de Maio a equipa a ser chefiada pelo inspetor KK, negando ter tido qualquer instrução política para o efeito. Mencionou a testemunha que se dirigiram à Ordem dos Enfermeiros em três ocasiões, a primeira a 29 de Abril, e posteriormente a 8 e 13 de Maio, aludindo a que no dia 29 de Abril se tratou de uma reunião de abertura, a qual foi pré-agendada, estando presente na mesma a chefe das equipas de inspeção da IGAS a Dr.ª DDD, para além de um responsável da secção Sul da Ordem, o Dr. AO enquanto representante da Sr.ª Bastonária (intermediário entre a IGAS e a Ordem na pessoa da Sr.ª Bastonária), o Dr. EE enquanto advogado da Ordem, a Dr.ª LL responsável pela contabilidade, não tendo a certeza da presença do enfermeiro AA. Relativamente à reunião de 29 de Abril, disse ainda que a Sr.ª Bastonária solicitou o despacho da Diretora Geral da IGAS, pelo que tal documento foi solicitado aos serviços e após a sua receção foi retomada a reunião, sendo que na mesma foi entregue listagem extensa relativa a documentação necessária à sindicância, mencionando que houve alguma “celeuma” até ao documento n.º 20, e, por ser extensa a listagem foi concedido prazo para a respetiva entrega, não conseguindo precisar se nesta data foi logo agendada nova reunião, esclarecendo que alguma da documentação era de rápida obtenção, enquanto que outra seria de obtenção mais demorada, razão pela qual os prazos de entrega também eram diferentes, não conseguindo concretizar quais as datas para cada um deles. Mencionou a propósito que previamente aos dias 8 e 13 de Maio foi remetida comunicação eletrónica a informar da deslocação dos inspetores, não encarando a IGAS a necessidade de qualquer mandado judicial para o efeito. Referiu a depoente que entre o dia 29 de Abril e o dia 8 de Maio, a Ordem dos Enfermeiros deu entrada no Tribunal Administrativo de uma providência cautelar relativamente à sindicância, providência esta que por ter efeito suspensivo, suspendeu o prosseguimento daquela, todavia, por ter sido apresentada resolução fundamentada por parte do Ministério da Saúde, a qual já havia sido notificada via SITAF ao mandatário da Ordem, foi decidido prosseguir com a sindicância, e por esse motivo, nesse mesmo dia - 8 de Maio – após o período de almoço deslocaram-se às instalações da Ordem. Disse a testemunha que se deslocou acompanhada dos colegas II e MM, que chefiava, tendo após o contacto na portaria a Sr.ª Bastonária descido acompanhada do seu chefe de gabinete, altura em que comunicaram a existência da resolução fundamentada, pelo que iriam prosseguir com a sindicância, tendo a Sr.ª Bastonária afirmado desconhecer a sua existência, dizendo “ponham-se lá fora, não autorizo que estejam cá dentro” , expressão que foi proferida, segundo as declarações da testemunha de forma agressiva, pelo que optaram por sair para o exterior. Após a saída para o exterior, disse a depoente que contactaram a Dr.ª DDD, a qual disse para chamarem a PSP, o que fizeram, tendo a patrulha comparecido cerca de 1 hora depois, todavia, os agentes não “sabiam ao que iam” pelo que questionaram o que se passava, acabando por agir como uma mediação de conflito, após o que conseguiram entrar de novo nas instalações da Ordem, mas desta vez acompanhados pelos agentes da PSP. Disse a testemunha que no dia 8 de Maio, houve troca da equipa da PSP, tendo a depoente que exibir a legislação aos novos agentes que compareceram, por forma a esclarecê-los e que o fez na presença dos demais inspetores que a acompanhavam. Mencionou a depoente que já no interior das instalações, foi-lhes disponibilizada uma sala no 1.º andar, já indicada na reunião de 29 de Abril, e por estarem munidos dos próprios computadores, a testemunha manteve-se nessa sala a analisar documentação e os dois colegas deslocaram-se ao outro edifício da Ordem, voltando depois, sendo nessa altura que foi solicitada a presença do Dr. AO, ao qual solicitaram a documentação já anteriormente requerida, o qual respondeu que não dava qualquer documentação, tendo-lhe sido explicado do dever de colaboração, sob pena de não o fazer incorrer num crime, nomeadamente “Dr. AO, como qualquer outro funcionário está obrigado a entregar os documentos porque se mantiver a recusa incorre na prática de um crime” tendo o mesmo manifestando-se dizendo que iria apresentar queixa crime contra a depoente, saindo em seguida. Relativamente a AA, nesse mesmo dia 8 de Maio, foi solicitado contactarem com o mesmo, o qual se apresentava nervoso, tendo respondido à pergunta acerca da documentação que “não entregava nada” afirmando “que não tinha delegação de competências da Sr.ª Bastonária”, referindo a depoente não se recordar quem efetuou a advertência das consequências da não colaboração, se a depoente ou MM. Salientou ainda a testemunha que a dada altura o inspetor II retornou às instalações/sede para se munir de um disco externo para que a informação a fornecer pela Dr.ª LL fosse guardada, todavia, tal não se chegou a verificar. Referiu ainda que deixaram de ter interlocutores nas instalações da Ordem, pelo que se limitaram a elaborar os respetivos autos de notícia, tendo toda a equipa da IGAS abandonado as instalações cerca das 18.00h/19.00h. Relativamente ao dia 13 de Maio, disse a testemunha que previamente comunicaram à IGAS que não voltariam às instalações da Ordem sem o devido acompanhamento policial, pelo que, houve lugar a uma reunião na sede da IGAS com a Diretora da mesma, bem como com a equipa da PSP que os iria acompanhar, a qual refere se encontrava melhor informada e melhor preparada, salientando então, que logo após a reunião se deslocaram para as instalações da Ordem, fazendo parte da equipa nesta altura o inspetor KK que substituiu o inspetor MM, tendo-se apresentado na portaria o cartão de identificação. Disse então que neste dia 13 de Maio, a Sr.ª Bastonária não se encontrava nas instalações, tendo sido solicitado na portaria que necessitavam de contactar com os responsáveis da contabilidade, dos recursos humanos e do aprovisionamento, pelo que foram encaminhados para o outro edifício da Ordem, tendo os inspetores sido acompanhados pelos agentes da PSP. A testemunha descreveu de forma clara, as instalações do segundo edifício da Ordem, nomeadamente a disposição e localização da sala onde ficaram, mais concretamente a sala envidraçada onde efetuaram as diligências, a qual era o gabinete das responsáveis pela contabilidade e recursos humanos, bem como a sala em frente onde se encontravam os armários com pastas, referindo não ter plena certeza se foi o inspetor KK quem disse que queria falar com cada um(as) dos(as) responsáveis, tendo sido este quem procedeu à recolha de imagens através de fotografia da sala dos armários. Disse a depoente que muito embora tenha sido solicitada a colaboração dos responsáveis, a titular dos recursos humanos ausentou-se, tendo inclusive, deixado a sua mala e casaco na sala, mas não mais regressou, tendo sido um funcionário que posteriormente ali se dirigiu a ir buscar tais objetos, o que levou a que fosse inicialmente ouvida a Dr.ª LL, responsável pela contabilidade, a qual se mostrou surpresa com a presença dos inspetores, considerando que a mesma referiu já ter entregue a documentação disponível e anteriormente solicitada à Sr.ª Bastonária. Aludiu a depoente à situação débil da Dr.ª LL, a qual lhes havia transmitido que não tinha tomado o pequeno almoço, pelo que a mesma comeu no gabinete, sem qualquer problema, da parte desta, ou dos inspetores, referindo terem sido informados acerca da fragilidade psicológica daquela por força de um aborto que a mesma havia sofrido, razão que os levou a terem mais cuidado com a mesma. Durante as declarações da Dr.ª LL, esta ausentou-se para se dirigir à outra sala onde afirmou existirem alguns documentos e outros que estariam no seu computador, tendo manifestado ainda a sua disponibilidade para efetuar a impressão dos autos e dos documentos na impressora da Ordem, caso tivessem uma pen que o permitisse, podendo fazê-lo do seu próprio computador atenta a inexistência de porta USB na impressora. Salientou a testemunha que a postura da Dr.ª LL, foi sempre colaborativa, não apresentando qualquer relutância, assim como nunca foi forçada a prestar a sua colaboração, nem foi mantida na sala contra a sua vontade. Disse ainda que, quando a Dr.ª LL se encontrava a ler as suas declarações previamente à assinatura das mesmas, apercebem-se da chegada da Sr.ª Bastonária, aos gritos, dizendo “LL, saía daí” o que deixou aquela bastante nervosa, sendo que a Sr.ª Bastonária se dirigindo aos agentes da PSP no local “ponham-se daqui para fora” , “não têm mandado, não podem estar aqui” e reportando-se aos inspetores “são uns animais, umas bestas”. Disse a testemunha que os agentes da PSP foram tentando acalmar os ânimos da Sr.ª Bastonária, sendo que nessa altura o inspetor KK abre a porta para dizer “tenha calma que estamos numa diligência”, a Sr.ª Bastonária desfere um pontapé na porta e puxa a Dr.ª LL para fora, a qual nessa ocasião estava a chorar, saindo de imediato do local na companhia daquela, sem que tivesse oportunidade de assinar o seu auto de declarações. Quando da saída da Dr.ª LL disse a depoente que se dirigiu à Sr.ª Bastonária, mas não se recordar em concreto, e esta lhe responde “você aqui não fala!” fazendo-o de dedo em riste, optando a depoente por não responder sob pena de a situação se poder agravar, mencionando que não efetuou qualquer advertência à Sr.ª Bastonária. Ainda no que respeita à advertência efetuada, referiu que foi o inspetor KK quem o fez, nomeadamente referindo que com a sua conduta estava a obstruir a realização da sindicância e que se persistisse na mesma praticava o crime de desobediência, advertência que não conduziu a qualquer alteração de comportamento. Questionada disse que os documentos que obtiveram ou foram enviados por correio eletrónico pela Ordem ou foram remetidos através de denúncia anónimas. Disse a testemunha/ofendida que as expressões proferidas pela Sr.ª Bastonária a ofenderam na sua honra e dignidade, uma vez que se encontrava no local no exercício de funções e cumprimento de ordens, tendo vivenciado o que descreveu como uma situação muito desagradável, salientando a este propósito a presença de comunicação social no exterior, nas duas deslocações às instalações da Ordem. Mencionou a testemunha que para além da Dr.ª LL, solicitaram ainda a presença do Dr. JB, tendo este referido que inexistiam condições e que por isso não falava, pelo que foi advertido que se não colaborasse incorria na prática de um crime – desobediência – e mesmo assim persistiu na conduta, razão pela qual lhe foi solicitada a identificação que não forneceu, mas ao que julga acabou por fazer junto da PSP. A testemunha referiu que não era expectável que existisse obstáculo à atuação da IGAS, sendo que lhes foi logo comunicado no dia 29 de Abril, pela Sr.ª Bastonária, que uns documentos iriam ser facultados e outros não, uma vez que teriam que ver com avençados e tarefeiros. No tocante ao dia 13 de Maio, disse que saíram das instalações da Ordem, a meio tarde, uma vez que era infrutífera a permanência nas mesmas considerando que todos os funcionários saíram à hora de almoço e não retornaram ao serviço, salientando que quando saíram do edifício se encontrava no exterior a comunicação social, um funcionário da Ordem e ao que se recorda o Dr. AO que estava a filmar, havendo colocado tal filmagem nas redes sociais. Foi a testemunha questionada se em alguma ocasião gritou “sindicância, sindicância” assim como exibiu o crachá, o que esta negou ter efetuado, salientando que não possuía qualquer crachá. A testemunha foi confrontada com diversos documentos, nomeadamente, fls. 5 a 5verso, 6 a 6verso, 7 a 8, 18 a 18verso, 19 a 20 (autos) e fls. 9 a 17 (fotos) cujo teor confirmou, e ainda fls. 521 a 524, 525, 526 a 534, 528 a 542, 596 a 597, 625 a 626 e 627 a 629 (autos e e-mails) tendo quanto a todos eles referido não ter memória dos mesmos à exceção do documento constante de fls. 531 que assumiu ter recebido. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos1. a 62. dos factos provados. A testemunha KK, disse ser inspetor da IGAS e conhecer os arguidos do exercício de funções, tendo quanto aos factos referido que foi substituir um colega na sindicância que estava a ter lugar, pelo que se deslocou às instalações da Ordem – edifício sede - com mais dois colegas no dia 13 de Maio acompanhados por agentes da PSP, tendo no local se apresentado, mandando-os aguardar, ficando a PSP no exterior, no entanto, o depoente referiu que avisou desde logo que as diligências iriam ser iniciadas com o acompanhamento da PSP. Disse o depoente que previamente à deslocação às instalações da Ordem foi efetuada reunião com a PSP nas instalações da IGAS, a qual se destinava igualmente ao depoente saber o que se iria fazer, uma vez que havia acabado de integrar a equipa. Mais disse que inexistia a necessidade de obter mandado judicial porque se encontravam no âmbito de uma ação inspetiva. Referiu a testemunha que as diligências iam ter lugar no outro edifício da Ordem, pelo que chegados ao local falaram com o responsável pela contabilidade – Dr.ª LL – a qual esteve sempre calma e respondeu às perguntas que lhe foram colocadas, tendo esta referido não compreender a razão da sua inquirição uma vez que já havia enviado ao Conselho Diretivo a documentação que havia sido solicitada anteriormente, no entanto foi sempre colaborante tendo oferecido o seu computador para proceder à impressão e posterior assinatura das suas declarações, encontrando-se a rever as declarações impressas quando surgiu a Sr.ª Bastonária muito exaltada, a falar em tom de voz elevado, gritando “animais selvagens, quem são vocês para estarem aqui”, assim como dirigindo-se aos agentes no local dizia “não podem estar aqui sem mandado” , dizendo para a Dr.ª LL para sair do gabinete que não tinha nada que ali estar o que levou a que a Dr.ª LL ficasse enervada. Disse o depoente que a PSP se encontrava nas instalações e que foram para junto da porta do gabinete onde os inspetores se encontravam, e que se encontrava fechada, por força da atitude da Sr.ª Bastonária, situação que era visível através das vidraças do gabinete, sendo nessa ocasião que o depoente vai abrir a porta questionando o que se passava quando a Sr.ª Bastonária desfere um pontapé na porta e puxado a Dr.ª LL para fora, tendo saído das instalações não mais voltando ao local. Relatou ainda a testemunha que foi sempre pedido à Sr.ª Bastonária que parasse com o comportamento que estava a ter, por forma a não impedir o exercício de funções por parte dos inspetores, nomeadamente, a tomada de declarações à Dr.ª LL. Mencionou a testemunha que também pretendiam ouvir o Dr. JB, não tendo presente que o interpelou, ao que se recorda terá sido a inspetora QQ, tendo aquele recusado, referindo que “inexistiam condições para prestar declarações”, não tendo memória de o mesmo ter requerido a presença de Advogado para tal, razão pela qual lhe foi solicitada a identificação assim como efetuada a advertência da prática do crime de desobediência, mantendo ainda assim a recusa, todavia, e a este respeito, disse o depoente que a Sr.ª Bastonária respondeu “ponham os processos que quiserem”, não tendo presente quem efetuou a advertência à Sr.ª Bastonária, no entanto referiu que nunca passou por situação semelhante, quer no sector público, quer no sector privado. Questionado quanto à existência ou não de condições para a inquirição, disse que na sua ótica existiam caso o Dr. JB o pretendesse, afirmando que a resposta do mesmo terá sido apenas dada daquela forma por se encontrar na presença dos superiores hierárquicos na opinião da testemunha. Referiu o depoente que efetuaram fotografias aos armários onde se encontravam as pastas de que iriam necessitar, as quais nessa ocasião se encontravam abertos, mas posteriormente, os mesmos armários foram fechados com cadeado. Aludiu ainda a testemunha ao facto de pretenderem ouvir o máximo de pessoas possível naquele dia 13 de Maio, todavia, os funcionários foram saindo das instalações pela hora de almoço, regressando depois desta picavam o ponto e voltavam a sair, razão pela qual não conseguiram falar com ninguém, nem tão pouco obter documentação. Após estes factos tiveram ordens superiores para não mais se deslocarem às instalações da Ordem, sendo a documentação passado a ser solicitada por e-mail ou por outros meios. A testemunha foi confrontada com fls. 47 a 49 (registo de ocorrência), 7 a 8, 9 a 17, 18 a 18verso e 19 a 20, cujo teor confirmou. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 24. a 62. dos factos provados. A testemunha MM, disse ser inspetor da IGAS atualmente em licença sem vencimento de longa duração e conhecer os arguidos do exercício de funções, tendo quanto aos factos referido que acompanhou os inspetores JJ e II no dia 29 de Abril às instalações da Ordem dos Enfermeiros, para apresentação e início do processo de sindicância que havia sido determinado pela Sr.ª Ministra da Saúde, referindo ainda que igualmente se deslocou aqueles serviços no dia 8 de Maio com os mesmos inspetores. Disse o depoente que no dia 29 de Abril, foram recebidos pela Sr.ª Bastonária, a qual vinha acompanhada pelo seu chefe de gabinete, tendo sido a equipa da IGAS encaminhada para uma sala onde teve lugar a reunião, na qual foi entregue uma listagem com a documentação necessária, tendo ainda a Sr.ª Bastonária solicitado cópia do despacho que determinou a realização da sindicância, relativa esta quer à contabilidade, quer aos recursos humanos, o qual foi disponibilizado após ter sido remetido pela IGAS, ao que confrontando o mesmo a Sr.ª Bastonária afirmou que nenhuma documentação iria ser entregue, salientando que nesse mesmo dia no período da tarde, ao que recorda ainda falaram com o Dr. JB e a Dr.ª LL, salientando de forma categórica, que neste dia 29 de Abril nunca foi questionada a necessidade de mandado judicial. Mais referiu que com a entrega da listagem foi fixado prazo para essa entrega, sendo de uns documentos até 3 de Maio e outros até 10 de Maio. Relativamente aos factos ocorridos no dia 8 de Maio, disse a testemunha que voltaram às instalações da Ordem, no período da tarde, já sem a Dr. DDD, a qual apenas se deslocou aquele local por questões de cordialidade da IGAS para com a Ordem dos Enfermeiros, sendo que a deslocação da equipa apenas se verificou após o conhecimento da entrega da resolução fundamentada por parte do Ministério da Saúde à providência cautelar entregue pela Ordem no dia 6 de Maio, a qual suspendeu os trabalhos, e por força da entrega dessa resolução, a equipa obteve ordem para prosseguir com a sindicância. Na sede da Ordem, falaram então com a Sr.ª Bastonária, a que deram conhecimento dessa mesma resolução fundamentada, a qual permitia a retoma da sindicância, no entanto, a Sr.ª Bastonária referiu não ter conhecimento de nada, assim como o Advogado, tendo dito em tom exaltado, de acordo com o depoente, “ponham-se lá fora” , pelo que saíram para o exterior, tendo disso contactada telefonicamente a Dr.ª DDD, solicitando a presença da PSP. Mais disse o depoente que a PSP chegou cerca de 1 hora depois, tendo a inspetora QQ lhes exibido o documento do SITAF, bem como o diploma que regula a atuação da IGAS, uma vez que os agentes no local, não sabiam o que se passava. Mencionou a testemunha que cerca das 16.30 horas já se encontrava no local o advogado da Ordem, referindo ainda que foi solicitada pela equipa da IGAS à PSP que identificassem as pessoas que tinham presenciado “terem sido postos na rua”, pelo que, cerca das 17.00 horas a inspetora QQ elaborou os autos, dando conta nessa ocasião que não disponham de impressora, tendo esta sido solicitada mas foi aquela informada que o equipamento se encontrava noutro lado, assim como não iria ser disponibilizada documentação, pelo que, foi advertido de que incorria no crime de desobediência por obstrução à sindicância. Mais referiu o depoente, que a Sr.ª Bastonária, que havia saído, entretanto regressou tendo após dialogar com o advogado da Ordem mencionado que a documentação relativa a tarefeiros e avençados não seria disponibilizada, assim como documentação passível de edição. Relativamente aos prazos, disse que foram solicitadas prorrogações de 30 e 60 dias para entrega da documentação, no entanto, tais prazos requeridos não eram compatíveis com os prazos da sindicância, pelo que, afirmou a testemunha, foi referido pela Ordem que iriam então entregar alguns documentos. Questionado, afirmou o depoente que logo no dia 29 de Abril, foram avisados dos dever de colaboração que lhes assistia, e que se não o fizessem incorreriam no crime de desobediência, salientando, todavia, que nada a testemunha disse no dia 8 de Maio, relativamente à Sr.ª Bastonária. Aludiu igualmente a testemunha que apenas foi necessária a presença da PSP no dia 8 de Maio, porquanto a equipa foi “colocada na rua” pela Sr.ª Bastonária. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1. a 23. dos factos provados. A testemunha YY, disse ser técnico administrativo da Ordem dos Enfermeiros desde 2002, razão pela qual conhece os arguidos do exercício das suas funções, tendo quanto aos factos referido que no dia 13 de Maio encontrava-se no seu local de trabalho com JB, nomeadamente, na secção de aprovisionamento, quando entraram uns senhores acompanhados pela PSP, tendo-se identificado à minha interpelação como inspetores, tendo estes seguido para a sala da contabilidade, local onde se encontram igualmente os recursos humanos. Mais disse a testemunha que contactou com a Diretora de Recursos Humanos, que se encontrava de saída, dizendo-lhe que ia preparar uma sala no 2.º andar para o efeito, tendo-o feito após haver contactado com XX, o qual não atendeu, pelo que ligou ao Dr. AO sendo este quem disse para que fosse providenciada uma sala, mas sem sucesso, na medida em que os inspetores não o aceitaram, mencionando a propósito que foi nesta altura que falou com a Dr.ª LL. Referiu o depoente que quando se dirigiu à sala da contabilidade, encontravam-se na mesma os inspetores, assim como a Dr.ª LL, a qual juntamente com a inspetora encontravam-se a colocar qualquer coisa no computador da Dr.ª LL, desconhecendo se internet ou uma simples pen. Mais disse que 15/20 minutos depois surgiu a Sr.ª Bastonária, a qual deixou o cão na rua, tendo solicitado ao depoente que o fosse buscar, assim como pretendia esta entrar na sala onde se encontrava a Dr.ª LL, mas encontrava-se um agente da PSP à porta, não permitindo que o fizesse. Relatou a testemunha que a Sr.ª Bastonária estava muito nervosa, assim como todos os funcionários que se encontravam no local, e dizia à Dr.ª LL “se não queres estar aí, não estejas”, fazendo-o num tom mais alto, aludindo ainda que, para si, a Dr.ª LL, por ter constatado esta através do vidro a chorar, encontrava-se ali contra a sua vontade. Esclareceu o depoente relativamente à PSP que um dos agentes se encontrava na porta, um outro junto ao leitor biométrico e um agente junto à porta da sala. Questionada a testemunha disse que a Dr.ª LL gritava “tirem-me daqui”, fazendo-o na sequência da chegada da Sr.ª Bastonária, nomeadamente quando esta tentava abrir a porta, pelo que o depoente se dirigiu à Sr.ª Bastonária, com a intenção de a acalmar, tendo sido “impedido” pelos agentes da PSP. Neste conspecto, alguém abre a porta do interior, desconhecendo quem o fez, mas ao ver a mão da Dr.ª LL, a Sr.ª Bastonária puxa-a para fora, sendo levada para o exterior por RR, referindo que não ter visto a Sr.ª Bastonária a desferir qualquer pontapé na porta ou outra situação similar. Disse a testemunha que se encontravam todos muitos nervosos, razão pela qual até pediu para ir almoçar mais cedo, tendo regressado posteriormente dirigindo-se para o andar de cima, para a zona da copa, porque ainda se encontrava muita gente no local, permanecendo aí cerca de 1 a 2 horas, esclarecendo que no período da tarde nada viu, regressando apenas ao posto de trabalho cerca das 15.30 horas. A este propósito disse a testemunha não se recordar se o Dr. JB permaneceu consigo na copa, afirmando que terão ido almoçar os dois como faziam usualmente. Questionado disse ter sido a primeira vez que viu os inspetores desconhecendo o pretendido por estes, na medida em que nada lhe foi referido, muito embora os mesmos se tenham identificado com essa qualidade. Referiu o depoente relativamente à Dr.ª VV que a terão convidado a sair da sala, porque consigo o fizeram, mais concretamente no momento em que avisou que tinham uma sala disponível no 2.º andar, sendo igualmente nessa ocasião que pediram que se identificasse. Mais mencionou que a Dr.ª LL era visível dentro da sala onde este e os inspetores se encontravam, assim como quanto à presença da Sr.ª Bastonária que a mesma terá aparecido porque alguém lhe terá ligado que não o depoente. Questionado relativamente aos armários, disse que os mesmos se encontram sempre fechados, tendo sido o depoente quem tratou dos cadeados, acabando por referir que na sua sala – economato - se encontram fechados, não conseguindo precisar o mesmo quanto às demais salas. A testemunha foi confrontada com os documentos de fls. 9 a 17 (fotos), tendo esclarecido que a foto de fls. 9 e 10 é do gabinete da Dr.ª LL, fls. 12 a 16 relativas à sala de tesouraria/contabilidade/ secretariado e fls. 17 relativa à sala da testemunha. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 24. a 27. (este último apenas quanto à testemunha LL) dos factos provados. A testemunha LL, disse ter exercido funções na Ordem dos Enfermeiros entre Outubro de 2016 e Abril/Maio de 2019, conhecendo por esse motivo todos os arguidos, referindo quanto aos factos que se tratou de um momento desconfortável, na medida em que havia chegado para trabalhar e de repente ficou sozinha na sala com os inspetores e a polícia, aludindo que após sair da sala ficou cerca de 1 hora a chorar. Esclareceu, todavia, que quando chegou às instalações havia visto o carro da polícia e tal não foi impeditivo de entrar, uma vez que disse estar tranquila, apontando que o problema pessoal que vivenciava à data a possa ter fragilizado, a par de ter referido que previamente à situação em apreço já havia solicitado/manifestado a sua intenção de sair da Ordem. Ainda no tocante à situação vivenciada junto dos inspetores, disse que chegou a pedir para tomar o pequeno almoço, por não se encontrar confortável, fazendo-o no exterior da sala – na copa – tendo solicitado a alguém que avisasse a sede, descrevendo como sentindo-se com a liberdade condicionada, mas ter à data a noção de que tinha de ali ficar. Relativamente à sua participação, disse que colaborou por saber que tinha de colaborar, considerando que era uma das contabilistas certificadas da Ordem, salientando que previamente já havia contactado com um dos inspetores, em contexto que não conseguiu referir com precisão, mas eventualmente na sede. Questionada disse não ter recordação de lhe ter sido referido para não entregar documentação, uma vez que faz parte das obrigações entregarem aquilo que é solicitado. Disse a testemunha, de acordo com as declarações prestadas em sede de inquérito e que foram reproduzidas em sede de audiência, de acordo com as quais questionou os inspetores acerca do que era a sindicância, os quais lhe tentaram explicar, referindo que face às explicações sentiu que tinha de colaborar, assim como referiu que o inspetor II reforçou com a menção de que se não respondesse cometia um crime, no entanto, disse que ninguém a estava a maltratar, tendo saído apenas após a chegada da Sr.ª Bastonária, a qual a tirou de dentro da sala, não sabendo quem abriu a porta da mesma. Chamada a explicar a razão pela qual estava a chorar, disse não conseguir explicar o porquê, nem aquilo que o espoletou. A testemunha foi confrontada com fls. 9 a 17, referindo que fls. 12 retrata a sala da equipa e fls. 16 aparenta ser a sala, referindo quanto aos armários que podem ser os da sua sala ou de outra. No tocante aos armários disse que se encontravam fechados os que continham informação confidencial, sendo estes abertos e depois fechados ao final do dia. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 27. dos factos provados A testemunha RR, disse ter exercido funções na Ordem dos Enfermeiros entre Setembro de 2105 e Setembro de 2019, razão pela qual conhece os arguidos, tendo quanto aos factos referido que se encontrava nas instalações do n.º …, na sua sala quando chegaram duas pessoas acompanhadas por dois agentes da PSP, os quais ficaram à entrada da porta do local onde a testemunha se encontrava de costas – um open space, com porta de acesso, mas envidraçado -, tendo as outras pessoas se dirigido para a sala da contabilidade. Disse a testemunha que pouco tempo depois ouviu a Sr.ª Bastonária a chegar, apenas pelo diálogo que foi estabelecido com os agentes da PSP, uma vez que aquela dizia num tom mais elevado/carregado “não podem estar aqui” , não conseguindo precisar se a frase era dirigida à PSP ou aos inspetores, mas concluiu que assim seria por serem as únicas pessoas externas à Ordem, todavia, mencionou não ter dado conta da presença do cão. Referiu a propósito a testemunha que ouvia várias vozes, mas não conseguia perceber o que diziam, apercebendo-se depois da saída da Dr.ª LL, mencionando que quando o depoente se dirigiu à casa de banho, a Sr.ª Bastonária lhe pediu que levasse a Dr.ª LL no seu carro, tendo entregue a chave do mesmo para o efeito, razão que levou o depoente a deslocar-se com a Dr.ª LL até à sede, onde foram buscar o carro, tendo ambos almoçado juntos e passeado, pois aquela encontrava-se chorosa, desconhecendo o motivo, após o que o depoente entregou o veículo no n.º … – sede da Ordem -, regressando ao edifício do n.º …. Relatou a testemunha que quando voltou para o n.º …, cerca das 15.30 horas/16.00 horas, deslocou-se para o seu gabinete, o qual se encontrava vazio, desconhecendo a razão pela qual os seus colegas, cerca de 6/7, ali não se encontravam. Disse ainda que os inspetores o questionaram acerca dos armários que se encontravam fechado, nomeadamente se tinha as chaves, respondeu negativamente, não conseguindo precisar se existiam armários abertos que depois foram fechados. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 24., 25., e 41. (apenas quanto a não poder estar no local) dos factos provados. A testemunha EEE, disse ser administrativa na Ordem dos Enfermeiros desde Maio de 2015, razão pela qual conhece todos os arguidos, tendo quanto aos factos referido que se encontrava na receção com a colega FFF chegaram os inspetores da IGAS, dois homens e uma mulher, que se identificaram, de forma normal, pelo que, informaram a secretária da Sr.ª Bastonária da comparência dos mesmos nas instalações, os quais aguardaram depois então no r/c. Mais disse que ouviu a conversa entre os inspetores, a Sr.ª Bastonária e o Dr. AO, os quais solicitaram aos primeiros a autorização para ser realizada a sindicância, ao que se recorda não teriam pelo que saíram chegando posteriormente acompanhados pela PSP, sendo só nesta altura que as coisas se complicaram. Mencionou a depoente que consigo todo o comportamento dos inspetores foi normal, não tendo presenciado quaisquer gritos, aludindo ainda ao facto que naquela data não foi proferida a palavra sindicância, tendo conhecimento da mesma apenas mais tarde. Referiu ainda a depoente que foi solicitada a sua identificação por parte da PSP cerca das 16.30 horas. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1. e 6. dos factos provados. A testemunha FFF, disse ser técnica de secretariado desde Março de 2014 na Ordem dos Enfermeiros, razão pela qual conhece todos os arguidos, tendo quanto aos factos referido que os inspetores da IGAS contactaram consigo em duas ocasiões, 8 e 13 de Maio de 2019. Disse que no dia 8 de Maio, o gabinete da Sr.ª Bastonária foi contactado pela receção a dar conta da presença daqueles nas instalações, razão pela qual a depoente se dirige ao r/c onde contacta com os inspetores, afirmando que a inspetora repetiu por várias vezes a palavra “sindicância” , fazendo-o de forma impositiva, mas não de modo mal educado, salientando que a repetição da expressão aconteceu face às questões por si colocadas, referindo que o fez para poder informar a Sr.ª Bastonária, para a qual telefonou a avisar, tendo os inspetores aguardado pela chegada daquela. Referiu a testemunha que a Sr.ª Bastonária desceu ao r/c com o Dr. AO, o seu chefe de gabinete, os quais trocaram algumas palavras com os inspetores, que não conseguiu perceber, acabando por concluir que não ocorreu nada de mais. No tocante ao dia 13 de Maio, disse que a Sr.ª Bastonária não se encontrava, quando da chegada dos inspetores, a qual se deu de forma tranquila, pelo que, ao contactar com aquela, a mesma lhe disse para encaminhar os inspetores para o seu gabinete, o que a depoente fez, tendo sabido posteriormente que estes se ausentaram, nada lhe tendo sido solicitado. Disse a depoente que nunca precisou “qualquer convite” para que os inspetores abandonassem as instalações, nem que tenha sido solicitada qualquer documentação. No decorrer da inquirição da testemunha foi esta confrontada com as declarações prestadas em sede de inquérito, e nas quais havia referido que recebeu os inspetores por diversas vezes, os quais numa das ocasiões não se faziam acompanhar de qualquer documento que lhes permitisse a entrada. Referiu nessas mesmas declarações que a Sr.ª Bastonária após ter sido informada e descido juntamente com o chefe de gabinete, pediu aos inspetores para saírem, após os que questionada disse que o documento para entrarem foi solicitado pela Sr.ª Bastonária. Atentas algumas discrepâncias entre umas e outras declarações, referiu a testemunha que confia mais naquilo que referiu em sede de inquérito, por estarem mais vivos os factos, mas que as declarações prestadas em audiência também refletem aquilo que sucedeu. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1. dos factos provados. A testemunha XX, disse ser secretário geral da Ordem dos Enfermeiros desde Fevereiro de 2016, razão pela qual conhece os arguidos tendo quanto aos factos referido que estes ocorreram em três ocasiões – 29 de Abril, 8 e 13 de Maio -, havendo participado nos dois dias iniciais, isto é, 29 de Abril e 8 de Maio. Disse a testemunha, relativamente ao dia 29 de Abril, que haviam sido informados da realização da sindicância, tendo os inspetores sido encaminhados para o gabinete da Sr.ª Bastonária, bem como sido ouvidos alguns funcionários nesse mesmo dia no período da tarde. Referiu ainda que as primeiras conversações foram com os dirigentes da Ordem, e à tarde foram ouvidos JB, LL da contabilidade e VV dos recursos humanos. Mencionou o depoente que, daquilo que ouviu nas instalações, foi igualmente requerida documentação, sendo que as suas funções têm contacto direto com o aprovisionamento, salientando não ter memória de ter participado em reunião na qual estivesse presente o Dr. EE. Questionado disse que da informação que tem, toda a documentação requerida pela IGAS foi disponibilizada, mais concretamente a relativa ao aprovisionamento. No tocante ao dia 8 de Maio, disse ter ideia da interposição de uma providência cautelar, tendo por essa razão “parado” a sindicância, e que nesse dia, os inspetores permaneceram na sede cerca de 45 minutos / 1 hora, não tendo o depoente presenciado qualquer coisa que não fosse um ambiente educado, sem qualquer conotação impositiva, em ambos os dias. Referiu a testemunha que numa dada ocasião, já no período da tarde, o chefe de gabinete da Sr.ª Bastonária solicita alguma documentação, que não precisa, tendo os inspetores dito que a mesma seria disponibilizada quando da chegada da Sr.ª Bastonária, tendo por isso aqueles aguardado, desconhecendo se falaram ou não com o Vice-Presidente, considerando que não se encontrava presente no período da manhã. Relativamente ao dia 13 de Maio, disse que se encontrava no gabinete, tendo tido conhecimento dos factos ocorridos no n.º ... através de uma das secretárias do gabinete da Sr.ª Bastonária, sabendo que esta teve de se deslocar aquele edifício. Disse saber igualmente que RR foi buscar o carro da Sr.ª Bastonária, referindo que aquele surgiu no n.º ..., acompanhado de LL, quando foi entregar a viatura, altura em que foi igualmente buscar o cão, de cor preta, e que é usual o mesmo estar nas instalações da Ordem, brincando com os funcionários, tendo o depoente visto os inspetores, no dia 29 de Abril, estarem a brincar com o mesmo no jardim, que se situa ao nível do 1.º piso. Mais disse que, daquilo que viu, LL estava enervada, a chorar, tendo conhecimento o depoente que os inspetores haviam sido informados de que aquela havia saído de uma baixa médica. Relatou o depoente que recebeu um pedido de reunião urgente, da parte de JB, referindo este que tinha sido identificado pela PSP, na medida em que lhe tinha sido solicitada documentação e que havia respondido que só entregaria a mesma com autorização da Sr.ª Bastonária. Esclareceu ainda que JB respondia perante si, informando ainda que a documentação foi apenas a este solicitada, considerando, para além do mais, que nunca esteve presente em qualquer reunião formal com os inspetores. Disse igualmente que existiram funcionários da Ordem que “se sentiram” pela forma como foram tratados por parte da IGAS, esclarecendo que o que foi referido quanto a LL o soube da parte da Sr.ª Bastonária. Foi ainda a testemunha questionada relativamente à forma como os armários se encontram nas salas do n.º …, referindo esta desconhecer quantos aos que se encontram no gabinete de contabilidade e recursos humanos, aludindo a que no gabinete de aprovisionamentos uns encontram-se fechados e outros abertos. No tocante à presença da PSP, referiu que no dia 8 de Maio constatou a sua presença, o mesmo não sucedendo no dia 13 de Maio, ressalvando que essa presença lhe foi transmitida por terceiros. Questionado disse o depoente que nunca ouviu a expressão “sindicância”, nem a exibição de qualquer crachá ou cartão, apenas se limitou a cumprimentar os inspetores, com bom dia ou boa tarde. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1., 6. e 24. dos factos provados. A testemunha GGG C. da Fonseca Marques, disse ser jurista na Ordem dos enfermeiros desde o Verão de 2018, razão pela qual conhece todos os arguidos, tendo quanto aos factos referido que apenas viu a chegada dos inspetores à Ordem, uma vez que o seu gabinete é no n.º ... – sede – não se tendo dirigido ao n.º .... Referiu a depoente que não tem presente a deslocação dos inspetores no dia 29 de Abril, apenas tendo recordação de algumas movimentações, mas desconhecendo o porquê. No tocante ao dia 8 de Maio, disse ter visto os 3 inspetores, assim como o Dr. AO dirigirse à senhora dizendo “a Sr.ª Bastonária está a chegar” , mencionando que este conhecimento adveio do facto de o seu gabinete se situar junto dos gabinetes da Sr.ª Bastonária, do secretariado, bem como do Vice Presidente e de XX e AO, aludindo a propósito que, quando se dirigia a uma impressora, encontrando-se os inspetores num gabinete ouviu o Dr. AO responder, a algo que lhe terá sido dito, da seguinte forma “eu sei dos meus direitos”, dirigindo-se em seguida para o seu gabinete. Ainda relativamente ao dia 8 de Maio, encontrava-se AA no seu gabinete, quando foi chamado pelos inspetores, tendo aquele respondido da mesma forma “a Sr.ª Bastonária está a chegar”, tendo a depoente tido conhecimento posteriormente que havia sido solicitado algo, que, no entanto, desconhece. Na sequência das suas declarações foi a mesma confrontada pelas declarações prestadas em sede de inquérito, atento o requerimento apresentado para o efeito, nas quais referiu que no primeiro dia da sindicância os inspetores foram até ao seu gabinete para se apresentarem, tendo as coisas corrido calmamente, sem quaisquer conflitos até ao dia 8 de Maio, dia em que ouviu o Dr. AO dizer “a senhora está a ameaçar-me, eu conheço os meus direitos” , mencionando ainda que qualquer interação que tenha existido o foi com a Sr.ª Bastonária, relatando ainda não ter ouvido qualquer gritaria. No que ao dia 13 de Maio respeita, disse nada ter visto porquanto o seu posto de trabalho é na sede – n.º … – não se deslocando ao n.º …, à exceção do 2.º andar. Mais referiu não ter conhecimento dos e-mails trocados. Disse ainda que o ambiente vivido era normal, considerando que se tratava de uma sindicância, salientando tratar-se de um ambiente educado de parte a parte, esclarecendo que via as diligências a serem efetuadas, mas que nada a si foi solicitado. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1., 2. e 24. dos factos provados. A testemunha NN, disse ser responsável pelos Recursos Humanos da Ordem desde 28 de Novembro de 2016, razão pela qual conhece todos os arguidos, tendo quanto aos factos referido que contactou três vezes com os inspetores da IGAS, não conseguindo precisar a primeira data, mas que se tratou de uma reunião que teve lugar no n.º …, a qual decorreu de forma cordata, tendo sido dada uma lista com mais de uma página, da qual constavam documentação da sua área, estando ainda presente a Dr.ª LL, bem como a ideia de que JB estaria presente. Esclareceu ainda que a listagem continha mais documentação relativa à área da contabilidade e de contratação pública, tendo ainda sido solicitado que a documentação pretendida fosse preparada. Referiu a depoente que ficou responsável por agregar toda a documentação requerida e proceder à sua entrega à Sr.ª Bastonária, o que efetivamente fez em suporte informático – pen -, salientando ainda que alguma dessa documentação respeitava às secções regionais, tendo sido LL quem o fez, bem como disse que da documentação que lhe solicitada alguma respeitava ao cumprimento do RNPD, tendo por isso, quanto a essa matéria sido acordado com os inspetores que as listas a entregar não conteriam qualquer referência nominativa. No tocante ao dia 8 de Maio, disse ao que se recorda estar sozinha, quando se apercebe, através da janela do gabinete que dá para o hall de entrada, da chegada de duas pessoas que se dirigem à sua sala, sendo uma das pessoas o inspetor com quem havia falado no primeiro dia, o qual questionou se a documentação já se encontrava pronta, uma vez que a vinham recolher, sendo o outro inspetor quem afirmou que caso a documentação não fosse entregue era instaurado processo crime, salientando, todavia a testemunha, que nunca negou/recusou qualquer entrega. Disse a testemunha que, entretanto, chegou AA, assim como o advogado da Ordem, não conseguindo precisar se era o Dr. EE, relatando a depoente aquilo que se estava a passar, nomeadamente que se tinha sentido intimidada, altura em que já se encontrava no local um outro inspetor, porquanto, dos dois anteriores um deles ausentou-se, negando aqueles que o tivessem feito. Referiu a depoente que após esta situação, sentaram-se para decidir aquilo que era necessário e como iriam proceder. Salientou ainda que a documentação se encontrava pronta, tendo sido nesta altura que a depoente disse ter agregado toda a documentação e a entregue à Sr.ª Bastonária, uma vez que seria esta quem a entregaria aos inspetores, através de e-mail, sendo uma decisão estabelecida por aquela. Relativamente ao dia 13 de Maio, afirmou que constata a entrada de quatro pessoas as quais se dirigiram à sala da depoente, tendo dois dos quais se identificado como inspetores, dos quais reconheceu apenas a senhora e um dos senhores. Referiu que lhe foi transmitido que iam falar com funcionários e que o iriam fazer na sala da depoente, sendo que quando questionados se podiam antes ocupar uma sala no 2.º andar, o recusaram, afirmando que a depoente seria a primeira a ser ouvida, ao que esta questionou se tinham algum documento que legitimasse aquela ação, ao que lhe responderam que não necessitavam, mencionando a dada altura a sindicância. Referiu ainda que nessa altura retirou algumas coisas pessoais para se deslocar para outra sala, altura em que chegou a Dr.ª LL, dirigindo-se esta para a sua secretária, ao que os inspetores disseram que falariam também com esta, mas que não o fizeram num tom cordial, sendo que a Dr.ª LL não percebeu o que se estava a passar, tendo a depoente saído, e após, foi a porta fechada tendo no exterior da sala permanecido dois agentes da PSP, junto à porta. Disse a testemunha que é nessa altura que contacta com a Sr.ª Bastonária, dado que a sua preocupação era a Dr.ª LL. Mencionou a testemunha que quando saiu do gabinete e após o telefonema dirigiu-se ao 2.º andar, local onde se encontravam os funcionários que ali normalmente trabalham, assim como alguns do 1.º andar que para ali se deslocaram, segundo a depoente, por medo/receio, local onde permaneceram até cerca das 15.00 horas, tendo nessa altura a testemunha se dirigido para o seu gabinete onde já ninguém se encontrava. Questionada relativamente aos armários, disse que os da sua sala, quando saiu se encontravam abertos, referindo, no entanto, é usual ao final do dia serem os armários fechados, assim como a sala. Disse a depoente que quando desceu constatou que haviam almoçado na sua sala e que existiam pastas que tinham sido mexidas, as quais se encontravam nos armários que estavam abertos, não atribuindo tal situação à Dr.ª LL. A propósito do período de tempo que naquele dia permaneceu nas instalações, disse que ficou até às 18.30 horas/19.00 horas, tal como é usual fazer, tendo conversado com RR. A testemunha foi confrontada com fls. 9 a 17 (armários) esclarecendo que a fls. 12 (sala da contabilidade), a fls. 9 a 11(não consegue precisar a que respeita) e fls. 13 a 17 (sala da contabilidade, sendo fls. 17 a sala onde se encontravam JB, YY e RR). As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1., 14. e 24. dos factos provados. A testemunha HHH, disse ser administrativa na Ordem dos Enfermeiros desde 2015, razão pela qual conhece todos os arguidos, tendo quanto aos factos referido quanto aos factos ocorridos no dia 13 de Maio que se encontrava no departamento de contabilidade, local onde presta funções, quando constata a entrada de seis pessoas pela porta do n.º …, três agentes da PSP e as outras três que desconhecia, tendo estes últimos se dirigido para a sala onde se encontram os diretores dos recursos humanos e da contabilidade, esclarecendo que do seu local de trabalho, ainda que sem a vista totalmente desimpedida conseguiu ver que apenas se encontrava naquela sala a diretora dos recursos humanos, tendo a Dr.ª LL chegado posteriormente, esclarecendo, no entanto, ter depois tido conhecimento de que as pessoas já ali se haviam dirigido uma semana antes. Salientou a propósito que apenas soube que se tratavam dos inspetores da IGAS após estes terem falado com os colegas, sendo estes quem lho disseram. Referiu a depoente que os agentes da PSP estavam inicialmente no corredor da entrada, tendo depois um agente se colocado junto à porta de saída e os outros dois junto à porta da sala da Dr.ª LL, isto depois de esta já ter chegado e após a saída da Dr.ª VV, altura em que a porta foi fechada Disse a testemunha que foram igualmente chamados à sala da Dr.ª LL dois colegas, III e JB, os quais retornaram ao seu local de trabalho, isto previamente ao fecho da porta da sala da Dr.ª LL. Relatou a testemunha que viu a porta da referida sala abrir e de lá sair a Dr.ª LL para se deslocar à copa, com o intuito de beber água, sendo nessa altura que esta aborda a depoente e pede para que contactassem alguém uma vez que não a deixavam sair. Mencionou a depoente que contactou o superior hierárquico – WW – relatando que a Dr.ª LL lhe transmitira que o ambiente estava constrangedor, e que a porta estava fechada porque não a queriam deixar sair, sendo WW quem disse que iria contactar com a Sr.ª Bastonária, referindo que o contacto foi efetuado na casa de banho, uma vez que os inspetores haviam “ameaçado” YY que “lhe tiravam o telemóvel porque estaria a filmar” Relatou a testemunha que após haver contactado com a Dr.ª LL esta regressou à sala e a porta voltou a fechar-se, posteriormente chegou a Sr.ª Bastonária, altura em que já se encontravam os dois agentes à porta da sala, não tendo permitido que esta acedesse à mesma, razão que a levou a dizer em tom alto, mas não a gritar, “LL saia porque pode fazê-lo de livre vontade” , tendo a Dr.ª LL respondido a chorar “não me deixam sair” apercebendo-se a depoente, através do vidro, que os inspetores estavam à frente da Dr.ª LL, eventualmente para não a deixar sair. Mencionou igualmente que se apercebeu da saída da sala do YY que dizia “não toquem na Sr.ª Bastonária, deixem a Sr.ª Bastonária”, no entanto, disse a testemunha que nada viu ser feito. Referiu ainda que, entretanto, a porta se abre e do interior saiu a Dr.ª LL, de algum modo “encolhida” , sendo puxada pela Sr.ª Bastonária, saindo depois para o exterior acompanhada por RR, esclarecendo que por volta da hora de almoço começaram a dispersar e que à hora em que a depoente saiu para almoçar apenas se encontravam nas instalações os inspetores. Disse a testemunha que após a hora de almoço foi contactada pela Dr.ª LL, tendo a depoente, juntamente com RR, ido buscar-lhe artigos pessoais ao gabinete e entregue aquela no exterior, tendo aguardado com esta pela chegada do marido daquela. Questionada relativamente aos armários, disse que os da sua sala estão sempre fechados à chave, desconhecendo os dos outros departamentos, referindo que os armários contêm pagamentos, contratos a fornecedores, conferência de despesas, por serem essas as matérias tratadas pela depoente, salientando que a si não foi solicitada qualquer documentação, negando ter recebido quaisquer instruções para fechar os armários. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 24. e 30. (apenas quanto à afirmação não quanto ao modo) dos factos provados. A testemunha WW, disse ser tesoureiro do Conselho Diretivo da Ordem desde Janeiro de 2016, razão pela qual conhece todos os arguidos, tendo quanto aos factos referido ter sido convocado para uma reunião com os inspetores para o dia 3 de Maio, reunião que foi desconvocada, não tendo a mesma sido remarcada, pelo que não conhece os inspetores. Disse a testemunha que não esteve presente, nem no dia 8, nem no dia 13 de Maio, apenas tendo tido conhecimento do que lhe foi relatado, mencionando que se deslocou à Ordem o dia 10 de Maio, porque os inspetores podiam aparecer, e face ao que relataram do dia 8 de Maio, sendo que, no dia 13 de Maio recebeu uma chamada da HHH que lhe comunicou ter a Dr.ª LL lhe pedido ajuda porque os inspetores “a estavam a prender” e “queriam que assinasse um documento” , tendo sido neste circunstancialismo que o depoente, após haver contactado diversas pessoas sem sucesso, enviou um SMS para a Sr.ª Bastonária a relatar o que lhe havia sido transmitido, tendo, ao que pensa, igualmente mencionado “inspetores estão a fazer merda na Ordem”. Disse o depoente que contactou com a Dr.ª LL na tarde desse dia 13 de Maio, afigurando-se-lhe que a mesma estava abalada e revoltada, quer com os inspetores, quer com os colegas que não a ajudaram, pelo que ficou agradecida à Sr.ª Bastonária pela sua intervenção, mencionando que a partir desse dia ela não mais entrou na Ordem, referindo que apenas voltou a ver a Dr.ª LL no Tribunal. Questionada a testemunha, esta afirmou, relativamente à sindicância que teria de ver com a proibição de exercício de funções de natureza sindical por se tratar de uma Associação de Direito Público. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 29. (apenas quanto à presença da testemunha LL) dos factos provados. A testemunha JJJ, disse ser presidente do Conselho Regional da Secção Sul da Ordem dos Enfermeiros desde Janeiro de 2020, tendo sido vice-presidente entre 2016 e 31 de Dezembro de 2019, razão pela qual conhece todos os arguidos, tendo começado por referir que não esteve em qualquer reunião com os inspetores da IGAS, referindo quanto aos factos que apenas contactou com estes no dia 13 de Maio, e concretamente na mediação para atribuição de sala no r/c, esclarecendo que exerce funções no 2.º andar. Referiu o depoente que quando chegou às instalações deparou-se com um carro patrulha, o carro da Sr.ª Bastonária e esta com o cão, a qual ao ser questionada acerca do que se passava respondeu “prenderam uma funcionária” , após o que o depoente se dirigiu para o seu local de trabalho, no 2.º andar, vendo nesse piso a diretora dos recursos humanos, cujo local de trabalho é no r/c, tendo-lhe sido relatado que estavam com medo por ali se encontrar a polícia e estar a haver uma sindicância, ao que o depoente entendeu tal medo como desproporcionado. Disse a testemunha que optou por descer ao r/c, identificando-se à PSP, constatando então a presença de três pessoas, no interior, ao que se dirige à copa aguardando que estes saíssem, mas como o tempo estivesse a passar, vem novamente ao exterior sendo nessa ocasião que interpela o inspetor “mais velho” por causa da sala que estavam a utilizar, por forma a alcançar solução favorável a todos, mas sem sucesso, referindo aqueles que estavam bem naquela sala, fazendo-o de forma cordial, nada mais tendo visto, salientando que permaneceu no local, surgindo depois o motorista com um saco dirigindo-se à sala onde se encontravam os inspetores. Enquanto se encontrava no r/c, disse a testemunha ter visto os inspetores dirigindo-se a JB manifestando intenção de este prestar declarações, tendo este afirmado “quero colaborar, mas não tenho Advogado” tendo o inspetor referido que “lhe punha um processo”, não tendo ouvido qualquer menção a crime de desobediência, salientando ainda que ouviu a Sr.ª Bastonária falar com JB dizendo-lhe “não te preocupes com estes processos, a Ordem dos Enfermeiros paga todos os Advogados”. Referiu o depoente que JB foi identificado, tendo voltado para o seu gabinete. Questionado disse o depoente que viu a Dr.ª LL, muito transtornada, a tremer, o que não era seu hábito. Relativamente à Sr.ª Bastonária, disse que esta quando está enervada, baixa o tom de voz, falando calma e pausadamente, não tendo dado conta de qualquer falta de urbanidade. No tocante aos armários, disse o depoente que no 2.º andar os mesmos se encontram fechados, mas por causa da sua natureza – processos disciplinares -, mencionando que quando falou com os inspetores os armários do r/c se encontravam abertos, afirmando inexistirem quaisquer ordens para fecho daqueles. Questionado disse que ao conselho jurisdicional nunca chegou qualquer pedido/elemento escrito para obstarem à entrega de documentação, desconhecendo se o foi oralmente. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 24. e 50. dos factos provados. A testemunha KKK, disse ser professor universitário, não conhecendo pessoalmente os arguidos à exceção de JB, mas tão somente do Tribunal e os demais da comunicação social, mencionando que teve conhecimento da sindicância através da comunicação social, tendo sido o Dr. EE quem lhe solicitou um parecer jurídico em Julho de 2019, tendo-o feito na sequência de um parecer dado pelo depoente à Ordem dos Advogados em Maio de 2019, havendo este expressado a sua surpresa por comungarem de posição idêntica. Disse o depoente que na sua opinião terá sido o Dr. EE quem deu informação à Ordem dos Enfermeiros para a reação à sindicância, nomeadamente, num primeiro momento para colaborarem e num segundo momento para não fornecerem qualquer documentação, nem colaborarem, tudo no âmbito do direito de resistência. Especificou o depoente que o parecer solicitado abordava três problemas, um que se prendiam com a articulação entre a Ordem enquanto entidade pública e entidade privada; outro relativo aos poderes do Ministério da Saúde sobre a Ordem dos Enfermeiros e limites à intervenção; e por fim, a atuação dos titulares da Ordem dos Enfermeiros sobre a sindicância (esta a questão concreta colocada), tendo o parecer sido elaborado de acordo com os elementos fornecidos pelo Dr. EE, mais concretamente quanto ao título judicial que habilitasse a entidade de inspeção. A testemunha deu a sua posição relativa à temática, referindo que apenas se pode concluir pela necessidade de mandado judicial sob pena de na sua ausência, o ato ser nulo, permitindo o exercício do direito de resistência. Referiu o depoente que na sua ótica não houve colaboração face à intervenção dos inspetores junto dos computadores, nomeadamente a retirada de informação dos mesmos, através da introdução de pen para o efeito, mas sempre de acordo com a informação prestada pelo Dr. EE, na qual mencionou uma atuação mais “musculada/robusta” por força do despacho do Ministério da Saúde em resposta à providência cautelar. Mencionou ainda que tudo o que lhe foi transmitido respeitava à não colaboração da Ordem e não relativamente à forma de entrada dos inspetores. Referiu a testemunha que na sua opinião num primeiro momento existiu uma aceitação tácita por parte da Ordem dos Enfermeiros, no entanto, existindo ou não colaboração entende que o ato é nulo por força da ausência de mandado judicial. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quanto à forma como foi contactado e a sua intervenção junto da Ordem dos Enfermeiros, sendo as mesmas merecedoras de credibilidade, referindo-se em tempo, que a testemunha em sede de depoimento exprimiu a sua opinião acerca da situação que lhe foi apresentada. A testemunha EE, disse ser advogado tendo sido contactado para que se pronunciasse acerca da legalidade da sindicância, passando desde Abril de 2019 a patrocinar a Ordem dos Enfermeiros, referiu então que na sequência do contacto inicial com a Sr.ª Bastonária constatou que esta já tinha uma posição formada acerca da sindicância, mas ainda assim colocou a questão quanto à legalidade da mesma, tendo sido posteriormente entregue aquela as respetivas conclusões, nomeadamente entender que o diploma que regula as inspeções não pode ser aplicado às Ordens Profissionais, entendendo por isso que existem atos que necessitam de ordem judicial, por contenderem com direitos fundamentais. Referiu ainda que foi o depoente quem sugeriu o contacto com o Prof. KKK, tendo este emitido parecer Quanto aos factos, disse que no dia 29 de Abril informou a Sr.ª Bastonária que teriam de colaborar, ainda que sob protesto, tendo igualmente de ser impugnado o ato nos Tribunais, sendo que não era do agrado da Ordem aquilo que se estava a passar, uma vez que as pessoas se sentiam “violadas”, esclareceu ainda que quando chegou às instalações existia uma concentração de pessoas, que julgou serem enfermeiros. Disse o depoente que nesse dia 29 de Abril, os sindicantes entraram tendo havido lugar a uma reunião, na qual esteve presente a Dr.ª DDD, técnica superior da IGAS, a qual tomou a palavra, após o que a Sr.ª Bastonária questionou acerca da notificação do ato de sindicância, tendo aquela referido que não a tinha na sua posse, após o que contactou a chefia, acabando por mencionar que a Ordem iria ser notificada, aludindo ainda que não houve qualquer comportamento anómalo, considerando que o tratamento foi cordial de parte a parte. Aludiu ainda a testemunha ao facto de nessa data AO ter ficado como interlocutor entre os inspetores e a Ordem. Referiu ainda o depoente, relativamente ao dia 29 de Abril que a notificação solicitada chegou cerca das 14.00 horas, sendo que previamente constatou a presença de agentes da PSP no local, os quais lhe comunicaram que estavam a assegurar a integridade física dos sindicantes/inspetores. No tocante ao dia 8 de Maio, referiu que a 3 de Maio havia o depoente dado entrada de uma providência cautelar junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, a que corresponde o n.º 7719/19, com vista à suspensão da eficácia do ato, tendo sido tal providência merecido despacho judicial no qual deveria o requerente da mesma sustentar a posição quanto à Ministra da Saúde, tendo merecido tal despacho resposta na qual foi concretizada a razão da responsabilidade civil concomitante entre Ministério da Saúde e Ministra da Saúde, acabando por ser proferida decisão na qual foi indeferido o pedido quanto à Ministra da Saúde por despacho de 9 de Maio, decisão que após recurso foi confirmada pelo TCA Sul. Mencionou igualmente que foi contactado telefonicamente, nesse dia 8 de Maio, pelo Dr. JB o qual lhe deu conta de que a sindicância iria prosseguir por força da resolução fundamentada apresentada pelo Ministério da Saúde, tendo o depoente se dirigido à sede da Ordem, onde se encontrava à porta a comunicação social, assim como agentes de PSP, sendo um dos agentes que lhe exibe a referida resolução fundamentada no telemóvel, altura em que os inspetores se dirigem ao outro edifício. Referiu a testemunha que alguma da documentação que havia sido solicitada no dia 29 de Abril já era passível de entrega e outra que poderia ser disponibilizada no dia seguinte, a qual, de acordo com a informação que lhe foi feita chegar, nunca foi levantada. Relativamente aos inspetores, disse que a forma de atuação do dia 29 de Abril para o dia 8 de Maio sofreu modificações, apresentando-se estes mais “agressivos” relativamente às pessoas da Ordem. Salientou ainda que foi colocada em causa pela Ordem a presença daqueles inspetores, uma vez que se encontravam em instabilidade de vínculo por mobilidade, não estando esta ainda consolidada, assim como o Dr. MM que se havia pronunciado quanto à realização da sindicância, questões de incompetência que foram suscitadas em sede de suspensão da eficácia do ato. Relativamente ao dia 13 de Maio, disse que recebeu uma chamada telefónica da Sr.ª Bastonária dando conta de que os inspetores se encontravam a levar a cabo a sindicância, sendo o ambiente tenso, considerando que se encontrava presente a PSP, com o veículo estacionado à porta, quando da chegada do depoente às instalações. Disse ainda que lhe foi transmitido por um funcionário que “os inspetores o queriam ouvir, tendo respondido que apenas o fazia com um advogado, tendo então sido ameaçado com um processo” , assim como que “os inspetores estavam fechados lá dentro” , no entanto, esclareceu o depoente que não viu os inspetores nesse dia 13. Disse a testemunha que o ambiente na Ordem, entre os funcionários era tenso, de revolta e mal-estar, descrevendo a postura do inspetor mais novo como “muito excitado”, tendo até solicitado ao agente da PSP que identificasse AO. Considerando que nada presenciou, disse a testemunha que lhe foi relatado que os inspetores almoçaram nas instalações, assim como uma situação com uma funcionária, para além de que tiraram fotocópias e tudo o que quiseram, nomeadamente elementos dos computadores com uma pen. Relatou ainda que o depoente, a Sr.ª Bastonária e AO se deslocaram à Direção Nacional da PSP, na ..., para questionar a razão da presença da PSP nas instalações da Ordem, tendo percebido nessa altura que aqueles tinham ordens para tal, considerando então que as coisas não teriam ocorrido por acaso. Questionado relativamente à conduta dos inspetores para com a testemunha, esta referiu que foram cordiais, ainda que com algumas diferenças entre o dia 29 de Abril e o dia 8 de Maio. Mais referiu que na sua ótica a sindicância é ilegal, todavia, tal questão encontra-se sob apreciação no Tribunal Administrativo, esclarecendo que ainda assim, comunicou à Ordem que deveriam de colaborar dentro da legalidade, e que reagiriam em Tribunal contra quaisquer atos que contendessem com direitos fundamentais, nomeadamente porque existiam documentos com dados de carácter pessoal, ou se fosse arrombada alguma porta, por exemplo. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, quer quanto à forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1., 21., 24. e 93. a 100. dos factos provados. O Tribunal teve ainda em consideração a prova documental junta aos autos, nomeadamente, os Autos de notícia de fls. 2 a 3; 5; 6; 7 a 8 e 19; Fotografias de fls. 9 a 17; Auto de declarações de fls. 18; Auto de diligências de fls. 20; Documentos de fls. 47 a 63 e 70 a 79; Participação de fls. 82 a 84; Documentos de fls. 171 a 263 (nomeadamente, providência cautelar, resolução fundamentada e decisão); Informação da IGAS e certidão do relatório de sindicância de fls. 680 a 726; e Participação criminal e documentos juntos com o requerimento apresentado em 11 de Maio de 2021, de fls. 474 a 629, e fls. 1327. Da prova produzida em sede de audiência concatenada com a prova documental constante dos autos importa desde já considerar que os inspetores da IGAS se deslocaram em três ocasiões às instalações da Ordem dos Enfermeiros, a saber, 29 de Abril de 2019, 8 de Maio de 2019 e 13 de Maio de 2019. Muito embora a deslocação a 29 de Abril de 2019 não se mostre eivada de qualquer circunstancialismo específico, não podemos deixar de referir que nessa ocasião teve lugar uma reunião, entre a IGAS e a Ordem dos Enfermeiros, a qual tinha por objetivo informar, não só da instauração da sindicância por parte do Ministério da Saúde, mas também da documentação a disponibilizar por necessária à realização da mesma, tendo para o efeito sido entregue listagem abrangente, a qual de acordo com os inspetores era extensa, tendo, face a essa mesma extensão, sido concedidos prazos para a respetiva entrega. Mais se apurou que, no decurso da referida reunião, que decorreu de forma cordial, foi solicitado por parte da arguida ARC, Bastonária da Ordem, o despacho que determinou a realização da sindicância, o qual foi disponibilizado já durante a reunião pela Dr.ª DDD, enquanto responsável de equipa da IGAS que acompanhou os inspetores, altura em que foram igualmente interpelados alguns funcionários da Ordem, nomeadamente a Dr.ª LL, responsável pela contabilidade, tendo esta última referido desde logo que alguma da documentação solicitada não poderia ser de imediato disponibilizada, tendo ainda na mesma ocasião sido referido que a documentação constante da listagem que respeitasse a tarefeiros e avençados não seria disponibilizada. A este propósito não podemos deixar de referir que, ainda que tivessem sido estabelecidos prazos para a entrega da documentação por parte da Ordem, tais prazos de entrega não obstavam à deslocação dos inspetores da IGAS às instalações da Ordem, como os arguidos pretenderam fazer crer. Aliás, sempre se dirá, que o livre trânsito de que os inspetores beneficiavam não implicavam qualquer necessidade de anúncio prévio à sua deslocação, pelo que, afirmar que compareceram quando não eram aguardados não pode colher, nem constituir qualquer causa de justificação da conduta tida pelos arguidos. Por seu turno, e ainda que existissem algumas datas fixadas para a referida entrega de documentação, não podemos deixar de referir, desde já, que a entrada em juízo da providência cautelar por parte da Ordem dos Enfermeiros, suspendeu a realização da sindicância, pelo que, qualquer deslocação após aquela data estava suspensa por força da mencionada providência. Por outro lado, tendo ainda resultado da prova produzida que a documentação solicitada a 29 de Abril seria remetida, na sua maioria, por via eletrónica, não se compreende porque razão, essa mesma documentação não foi remetida, considerando, mormente, que a mesma já havia sido entregue pela Dr.ª LL à arguida ARC, então Bastonária da Ordem, e ainda que tal envio fosse efetuado de forma limitada pelas razões que se prendiam com avençados e tarefeiros. Ainda no tocante à reunião do dia 29 de Abril, não podemos deixar de referir que a sindicância levada a cabo pela IGAS causou na Ordem dos Enfermeiros alguma revolta, esta, aliás, assumida pela arguida ARC, que considerava tal decisão como uma “perseguição política”, por parte da então Ministra da Saúde. Posição reveladora dessa mesma revolta mostra-se evidenciada com o facto de questionar a competência dos inspetores para a sua realização, mormente, dos inspetores II e JJ, porquanto estes à data se encontravam em mobilidade intercarreiras, todavia, a este respeito não podemos deixar de referir que a mobilidade intercarreiras é uma figura legalmente prevista na Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, mais concretamente nos artigos 92.º e seguintes, e que a consolidação dessa mesma mobilidade cabe ao dirigente do serviço, por decisão do dirigente máximo do órgão ou serviço de destino, no caso dos autos, o(a) Inspetor(a) Geral das Atividade em Saúde, e não do Ministro(a) da Saúde. Acresce que, também não podemos deixar de mencionar que o exercício de funções em mobilidade, implica a assunção dos mesmos direitos e deveres ao nível funcional de que beneficiam os trabalhadores em funções públicas já com o seu vínculo permanente à IGAS, pelo que, ao serem indicados para a realização da sindicância, estavam os inspetores obrigados a fazê-la, de acordo com as funções que se encontravam a desempenhar, o que fizeram. Destarte, resulta à saciedade que a reunião inicial que teve lugar a 29 de Abril de 2019, apesar de haver decorrido de forma cordial, afirmação veiculada por todos os intervenientes na mesma, não podemos deixar de referir que, atentas as regras da lógica e da experiência comum, tal cordialidade era apenas aparente, considerando as suspeições levantadas, e aliás reiteradas em audiência pela arguida ARC, relativamente à intenção subjacente à realização da sindicância. A este propósito, sempre se dirá, que qualquer extrapolação de índole política, que se tentou trazer a juízo, não pode ter qualquer aceitação ou consideração nos presentes autos, na medida em que, nestes não se discutem as razões que conduziram à instauração da sindicância, mas sim a conduta dos elementos da Ordem relativamente aos inspetores que realizavam essa mesma sindicância. Mais se logrou provar que, após a reunião do dia 29 de Abril, a Ordem dos Enfermeiros deu entrada em juízo, no Tribunal Administrativo, de uma providência cautelar a qual suspendeu os efeitos da sindicância que se mostrava a decorrer, situação que apenas foi revertida através da submissão aos autos administrativos de resolução fundamentada por parte do Ministério da Saúde, no dia 8 de Maio de 2019, resolução esta que inverteu a suspensão que até aí se verificava, e por força do levantamento da suspensão da sindicância, foi determinada a deslocação dos inspetores, nesse mesmo dia 8 de Maio de 2019, no período da tarde, às instalações da Ordem dos Enfermeiros e em concreto ao n.º …, onde se localiza a respetiva sede. Apurou-se ainda, que no dia 8 de Maio de 2019, quando os inspetores se dirigiram à sede da Ordem, sita no n.º …, os mesmos identificaram-se e solicitaram junto da portaria/secretaria falar com a Sr.ª Bastonária, a aqui arguida ARC, razão pela qual aguardaram a presença desta, no rés-dochão, o que veio a suceder, vindo esta acompanhada pelo seu chefe de gabinete, o aqui arguido AO. Mais se apurou que, os arguidos ARC e AO ao serem confrontados com o prosseguimento da sindicância, afirmou aquela desconhecer a existência de qualquer resolução fundamentada, a qual também não era conhecida por parte do mandatário da Ordem, pelo que, opondo-se à presença dos inspetores nas instalações da Ordem lhes disse “ponham-se na rua” , sendo na sequência desta conduta que, após contacto com a IGAS na pessoa da Chefe de equipa – Dr.ª DDD – foi solicitada a presença da PSP no local. Após a chegada da PSP, cerca de 1 hora depois, os agentes que compunham a patrulha efetuaram diligências de mediação, imediatamente depois de terem sido informados da razão da presença dos inspetores naquele local, assim como, foram aqueles esclarecidos pelos sindicantes da sua função e quais as diligências que pretendiam levar a cabo, apurando-se igualmente que na sequência dessas manobras de mediação, os inspetores da IGAS lograram entrar, de novo, nas instalações da Ordem, sendo encaminhados para um gabinete no 1.º andar, local onde permaneceu a inspetora QQ, tendo, por sua vez, os inspetores II e MM deslocando-se às instalações do n.º …, fazendo-o com vista à obtenção de documentação, tendo-lhes sido transmitido que a mesma se encontrava disponível para entrega em suporte informático; todavia, tal documentação não foi entregue, ao contrário do previamente afirmado. Aqui chegados, não podemos deixar de referir que, da prova produzida em sede de audiência, não se logrou apurar que os inspetores tenham entrado nas instalações da Ordem verbalizando em alta voz “sindicância, sindicância” , na medida em que a testemunha EEE que se encontrava na portaria da Ordem, e a quem os inspetores se dirigiram, não o confirmou, nem tão pouco foi efetuada qualquer exibição de crachá, o qual, aliás, os inspetores negaram possuir. A este respeito importa referir que apesar de a testemunha FFF fazer referência a ter ouvido, pelo menos, duas vezes a expressão sindicância, certo é que não colhe o seu depoimento, porquanto afirmou que se encontrava no 1.º andar, tendo apenas descido ao rés-do-chão mas voltado a subir ao 1.º andar, não conseguindo por isso ouvir o que era dito, ora, uma vez que os inspetores se encontravam no rés-do-chão, onde aguardaram pela arguida ARC e pelo arguido AO, necessariamente que nada poderia ter ouvido. Para além do mais, também não pode colher o seu depoimento na medida em que refere ter ouvido a palavra sindicância por duas vezes, mas nunca ter ouvido a arguida ARC, nomeadamente, mandar os inspetores sair das instalações, considerando que, quer os inspetores, quer os arguidos se encontravam naquela ocasião no mencionado rés-do-chão. Ainda no tocante ao dia 8 de Maio de 2019, resulta provado que os arguidos AO e AA foram interpelados pelos inspetores da IGAS, interpelação essa efetuada com o objetivo de lhes ser entregue a documentação solicitada, a qual estaria disponível. Relativamente ao arguido AO negou este efetuar tal entrega, pelo que foi o mesmo advertido, pela inspetora JJ, do dever de colaboração que lhe assistia, sem que lograsse obter qualquer colaboração, e, persistindo este na recusa, foi o mesmo advertido de que incorria na prática de um crime, sendo que, os inspetores JJ e MM reiteraram que a advertência foi efetuada quanto à prática do crime de desobediência. No tocante ao arguido AA, foi referido pelos inspetores que quando lhe foi solicitada colaboração, nomeadamente a entrega de documentação, este respondeu que “não tinha delegação de poderes para o efeito e que por isso nada podia entregar” mencionando ainda que “a Sr.ª Bastonária estava a chegar” , situação que, de acordo com a prova produzida, levou os inspetores a o advertirem de que o mesmo tinha o dever de colaborar, todavia, não se logrou apurar qual dos inspetores, JJ ou MM o fez, considerando que nenhum dos dois foi capaz de o concretizar. Ora, inexistindo qualquer outro elemento probatório, para além da afirmação de que foi efetuada a advertência, sem que essa mesma afirmação seja perentória o bastante, dúvidas persistem nesta parte ao Tribunal por quem e de que forma foi efetuada a advertência, e ainda, em que circunstâncias a mesma possa ter ocorrido, uma vez que, a mera afirmação de “não possuir delegação de competências” , só por si não se nos afigura como uma não colaboração. No tocante à arguida ARC, não se logrou apurar que nesta data, tenha a mesma sido advertida pelos inspetores da IGAS da prática do crime de desobediência, porquanto não se efetuou qualquer prova que permita concluir que o inspetor MM efetuou tal advertência, pelo que necessariamente deste ilícito será a arguida absolvida. Relativamente ao dia 13 de Maio de 2019, apurou-se que previamente à deslocação para as instalações da Ordem, teve lugar uma reunião na sede da IGAS, com os agentes da PSP que iriam acompanhar os inspetores nas diligências a realizar, por força doas circunstâncias verificadas na deslocação do dia 8 de Maio. Após a reunião na IGAS, os inspetores, já acompanhados pelos agentes da PSP, deslocaram-se às instalações da Ordem, primeiro ao n.º … – sede – onde se “apresentaram” novamente, sendo encaminhados para o n.º ..., local onde se encontravam os serviços e onde iriam ouvir em declarações os funcionários responsáveis pela contabilidade, recursos humanos e aprovisionamento/contratação, sectores visados pela documentação já solicitada em 29 de Abril. Quando chegaram ao n.º ..., pretendiam os inspetores contactar com a Dr.ª LL, responsável pela contabilidade, com a Dr.ª VV, responsável pelos recursos humanos, e com o Dr. JB, responsável pelo aprovisionamento e contratação, apenas havendo logrado obter a participação da Dr.ª LL, considerando que a Dr.ª VV, à chegada dos inspetores se ausentou, pese embora tenha sido por aqueles interpelada para o efeito, tendo igualmente se apurado que a Dr.ª VV, abandonou seu gabinete e dirigiu-se para os serviços no 2.º andar, naquele mesmo n.º ..., referindo esta ter contactado telefonicamente com a arguida ARC, dando-lhe conta da situação Logrou-se ainda apurar que os inspetores da IGAS optaram por ficar no gabinete da Dr.ª VV e da Dr.ª LL, situado no rés-do-chão do n.º ..., gabinete este envidraçado, o que permitia a visualização de que se encontrava no seu interior, assim como permitia perceber o que se passava no exterior, considerando a localização do mesmo. Nas instalações da Ordem dos Enfermeiros no n.º …, situam-se os serviços de contabilidade, recursos humanos e aprovisionamento, serviços estes cujos gabinetes se mostravam munidos de armários, conforme resulta do teor das fotografias de fls. 12 a 17, os quais se encontravam abertos à chegada dos inspetores da IGAS, todavia, esses mesmos armários foram fechados com cadeados, conforme se alcança das fotografias constantes de fls. 12 a 17, cadeados estes que foram colocados pelos funcionários da Ordem como forma de obstar o acesso dos inspetores à documentação ali existente, não colhendo qualquer credibilidade a afirmação de que os armários se encontravam sempre fechados, na medida em que as fotografias efetuadas comprovam o contrário, nem tão pouco que foram os inspetores que “arrombaram” os cadeados, porquanto da prova produzida resultou que quantos estes abandonaram as instalações da Ordem os armários permaneceram fechados. Relativamente às diligências de inquirição a ter lugar naquele gabinete, apurou-se que a Dr.ª LL chegou, o que face à ausência da Dr.ª VV levou a que os inspetores da IGAS abordassem aquela para prestar declarações, o que aconteceu. No tocante às declarações da Dr.ª LL estas foram marcadas pela sua colaboração, tendo-se ausentado do referido gabinete, pelo menos em duas ocasiões, uma para tomar o pequeno almoço, considerando que a mesma havia relatado não o ter feito, e outra na tentativa de proceder à impressão do auto através do seu computador, sem sucesso; tal conduta, ao contrário do que se pretendeu fazer transparecer, afasta a referência a “sequestro” que se tentou fazer transparecer. Ainda no que ao acesso ao computador da Dr.ª LL respeita, se é certo que resultou claro que este acesso existiu, mas que o mesmo foi efetuado pela própria Dr.ª LL e não como se tentou fazer transparecer ter sido um dos inspetores à revelia desta. Com efeito, a opção por um gabinete envidraçado, bem como, a saída por mais do que uma vez da Dr.ª LL do gabinete onde estava a prestar declarações, constituem elementos bastantes para afastar qualquer conduta imprópria por parte dos inspetores, aliás, caso a posição destes fosse de “forçar o depoimento” , certamente que ao abordarem a Dr.ª VV, esta não se teria ausentado, o que, conforme acima referido, aconteceu. Para além do mais, importa referir que não se mostra minimamente verossímil a afirmação da testemunha HHH de que foi abordada pela testemunha LL para que ligasse a pedir ajuda porque não a deixavam sair da sala, porquanto a testemunha LL encontrava-se fora da sala, o que desde logo nos permite concluir que podia abandonar as instalações a par do que fez a testemunha VV, o que não sucedeu, tendo ao invés regressado à sala para prosseguir com as suas declarações. Por outro lado, ainda que se possa compreender o incómodo de que padecia a testemunha Dr.ª LL, aliás afirmado por esta, e que necessariamente se prendia com o facto de se estar perante um processo de sindicância, tal incómodo não se mostra bastante para se afirmar que a mesma “estava presa na sala” , tal como afirmou a testemunha HHH; com efeito, sendo notório o mal-estar por parte da Ordem na realização da sindicância, necessariamente que quem estivesse a colaborar com aquela, nomeadamente através da prestação de declarações, se sentiria incomodada com a “colaboração” que estivesse a prestar, a par de que, uma situação incómoda não é compaginável com detenção, nem tão pouco era essa a situação verificada. Com efeito, o mal-estar da Ordem para com a realização da sindicância era por mais evidente, resultando desde logo, da postura da arguida ARC no dia 8 de Maio, após a entrada em juízo da resolução fundamentada, em resposta à providência cautelar instaurada pela Ordem, quando mandou os inspetores “se porem na rua”, a par do teor dos contactos que foram estabelecidos com a arguida ARC no dia 13 de Maio, nomeadamente da mensagem constante de fls. 1327, mensagem essa referida em audiência pela testemunha WW que a remeteu. Destarte, resulta claro que inexistiu qualquer limitação da liberdade da testemunha LL, até porque, estando presentes agentes da PSP, necessariamente que, vislumbrando estes, qualquer conduta imprópria por parte dos inspetores da IGAS, teriam necessariamente que atuar, ainda que se tivessem deslocado ao local para garantir a realização da sindicância, o que não sucedeu. Por outro lado, da prova produzida, resultou manifesto que a diligência de inquirição da Dr.ª LL apenas foi perturbada pela chegada da arguida ARC, a qual entrou a proferir expressões em voz alta dizendo “Não têm nada que estar aqui”, “Não podem estar aqui” , e, dirigindo-se à sala envidraçada onde se encontravam os inspetores com a testemunha LL, dizendo ainda “LL saia daí” , “LL não a podem obrigar a estar aí”. Mais resultou que, atenta a forma como a arguida se dirigia para a sala envidraçada, levou a que os agentes da PSP se colocassem na frente da porta da sala por forma a impedir que a arguida ARC entrasse na mesma, na medida em que esta ao se aproximar, bateu na porta numa tentativa de a abrir, sendo nessa altura que a testemunha LL começa a chorar, acabando por sair após a porta ter sido aberta do interior pelo inspetor KK e de imediato a arguida ARC puxa a testemunha LL para fora, impossibilitando a finalização das declarações desta. Resultou ainda igualmente provado que a arguida ARC enquanto se dirigia para a porta do gabinete dirigindo-se aos inspetores da IGAS disse “são uns animais”, “uns selvagens”, “uns insensíveis e malucos”. Ora, estas afirmações são desde logo, aptas a ferir a honra e consideração a quem são dirigidas, mormente a quem se encontrava no exercício de funções, não podendo tais expressões ser consideradas como meros desabafos, em virtude da sindicância de que a Ordem estava a ser alvo, mas antes com a intenção de atingir os visados, o que conseguiu. Acresce ainda referir a este propósito, que não estamos na presença de um mero uso da liberdade de expressão, na medida em que, quer as expressões empregues de “animais”, “selvagens” e “malucos”, quer o tom elevado e carregado com que as mesmas foram proferidas, necessariamente se conclui que as mesmas visavam ofender a honra e consideração dos seus destinatários, e em concreto, naquela ocasião, pelos inspetores II, JJ e KK, sendo ainda reveladoras da não aceitação por parte da arguida aa atuação da IGAS. Ainda a propósito do tom empregue, resulta das regras da lógica e da experiência comum que face à “irritação/revolta” da arguida ARC para com a sindicância a que a Ordem estava a ser sujeita, da qual à data era Bastonária, já anteriormente evidenciada na conduta no dia 8 de Maio, necessariamente nunca poderia esta falar num tom baixo e calmo, considerando as indicações que lhe haviam feito chegar de que a “Dr.ª LL estava presa numa sala” , todavia, sempre se dirá que, ainda que fosse essa a informação que lhe havia sido transmitida, necessariamente que atentas as funções que exercia, deveria a arguida previamente ter averiguado da veracidade das mesmas, mais concretamente, indagado juntos dos inspetores da IGAS, ou até dos agentes da PSP, o que se estava a passar e não dar ordens para que a testemunha LL que se encontrava a prestar declarações saísse da sala. Apraz ainda referir que, a conduta levada a cabo pela arguida ARC, e em concreto com a tentativa da parte desta de alcançar a porta do gabinete, desferindo uma pancada, para dali retirar a testemunha LL, apenas não foi alcançada por a mesma ter sidos impedida pelos agentes da PSP, os quais se posicionaram na frente da porta, salientando-se que, tal saída da testemunha LL apenas teve lugar, após o inspetor KK ter procedido à abertura da porta, a qual se encontrava fechada no trinco, dizendo “Estamos numa inquirição” e em ato contínuo a arguida ARC puxa a testemunha LL para o exterior, a qual, nesta ocasião, se encontrava a chorar, situação que não podemos imputar ao ato de inquirição, mas antes por força das circunstâncias que se verificavam fora da sala, considerando que, até à chegada da arguida ARC, tal não havia acontecido. Após a saída da testemunha LL do gabinete onde se encontrava, o qual se reitera era envidraçado, sendo, por isso, possível ver quem se encontrava no seu interior, o inspetor KK adverte a arguida ARC de que estava a obstruir a realização da sindicância, em concreto, da inquirição que estava a ter lugar, e que a persistir com tal conduta praticava o crime de desobediência, advertência que não conduziu a qualquer mudança de comportamento por parte da arguida, acabando esta, após algum tempo, se ausentar das instalações do n.º .... Ainda relativamente à presença dos inspetores da IGAS nas instalações da Ordem, não podemos deixar de referir que algumas das testemunhas tentaram fazer transparecer um ambiente de medo e terror pela presença daqueles, situação que foi contrariada pelas declarações de outros funcionários, também depoentes, não se podendo deixar de considerar as declarações da testemunha JJJ que afirmou achar “o medo desproporcional” apenas por estar a decorrer uma sindicância e se encontrarem agentes da PSP nas instalações da Ordem, sendo que esta testemunha afirmou haver interpelado os inspetores relativamente à ocupação por estes de uma outra sala, o que não foi aceite por aqueles, mas enfatizando que o trato com os inspetores foi sempre normal, sem qualquer situação que lhe causasse qualquer medo. No tocante ao arguido JB, resultou provado que este foi interpelado pelos inspetores, logo no período da manhã, que pretendiam tomar-lhe declarações, situação que tentaram levar a cabo após a diligência interrompida com a testemunha LL, no entanto, este referiu que “entendia não haver condições para prestar declarações”, o que o levou a ser advertido pela inspetora QQ que estava obrigado a colaborar e não o fazendo incorria na prática do crime de desobediência, todavia, aquele persistiu em não colaborar, tendo a testemunha JJJ afirmado que a arguida ARC nessa sequência disse a JB “não te preocupes com processos que a Ordem paga todos os Advogados”. Aqui chegados, e muito embora se compreenda que a situação vivenciada após a chegada da arguida ARC às instalações do n.º … tenha causado alguma reação por parte dos funcionários da Ordem, não podemos deixar de salientar que a Ordem dos Enfermeiros estava a ser sujeita a uma sindicância, legalmente determinada, e em relação à qual estavam, os elementos da Ordem, obrigados a prestar toda a colaboração, e que nessa medida, ao invés de recusar prestar declarações, quiçá poderia o arguido ter solicitado que as mesmas fossem prestadas noutro dia, o que não sucedeu, nem tão pouco foi referido pelo arguido, ou por qualquer outra pessoa. Importa ainda referir que o incómodo por parte da Ordem dos Enfermeiros relativamente à sindicância que se encontrava a decorrer, é evidenciado com a presença da comunicação social nos dias em que os inspetores se deslocaram às instalações da Ordem, logo desde o dia 29 de Abril, a par da contestação à sindicância por parte de manifestantes que ali se encontravam nessas mesmas ocasiões, ora, conforme supra se referiu, a IGAS, e em concreto os inspetores que ali se deslocaram, encontravam-se em pleno exercício de funções, por decisão legitimamente proferida, tendo estes manifestado a sua indignação quanto à presença da comunicação social, pelo que, a presença daquela apenas pode ser imputada à Ordem como tentativa de condicionar/destabilizar a realização da sindicância. Para além do mais, das condutas descritas, tidas pelos arguidos, não podemos deixar de salientar que estes referiram que “seguiam as orientações do Advogado” , no entanto, este em sede de declarações, referiu que a Ordem tinha de colaborar, à exceção de situações que colocassem em causa a intimidade da vida privada, ou revelassem alguma ingerência em direitos fundamentais, e que a atuação contra a sindicância teria lugar em sede judicial. Ora, conforme supra referido, a atuação da IGAS resulta legalmente determinada e em caso algum se afigurou como violadora de direitos fundamentais, nem tão pouco em sede de violação de intimidade da vida privada. A este respeito, não podemos deixar de referir que estamos numa Ordem Profissional e não numa residência particular, situação que parece ser desvalorizada na medida em que, por diversas vezes foi referido em audiência que os arguidos estavam “na sua casa” , mas considerando que se trata de Ordem Profissional, necessariamente que não se pode falar em casa no sentido estrito, como se pretendeu, mas antes num sentido amplo, nomeadamente como casa de todos os profissionais que aquela Ordem representa. Ainda a propósito da expressão empregue “na sua casa” , não podemos deixar de referir a menção constante da acusação, relativa à presença do cão da arguida ARC, “Pop” , nas instalações da Ordem, menção igualmente trazida a juízo pelos arguidos e pelos funcionários da Ordem que depuseram em audiência, fazendo transparecer a normalidade dessa situação, relatando ainda “o convívio dos inspetores” com o animal quando ali se deslocaram no dia 8 de Maio, no entanto, e ainda que tal situação não tenha qualquer relevância para os presentes autos, sempre se referirá que tal facto é evidenciador do sentido de disposição das instalações por parte da arguida ARC. Deste modo, necessariamente se tem de concluir que os arguidos ARC, AO e JB cometeram o crime de desobediência pelo qual vinham acusados, na medida em que, todos eles tinham perfeita consciência de que estavam obrigados a colaborar, situação em relação à qual foram advertidos logo desde o dia 29 de Abril, e não o fazendo incorriam na prática do crime imputado, para além do mais, importa ainda salientar que não estamos na presença de sujeitos que não têm conhecimentos, mas antes, perante licenciados, sendo o arguido AO licenciado em Direito. Destarte, atentas as regras da lógica e da experiência comum e bem assim, tendo por base a prova produzida em sede de audiência, dúvidas inexistem da prática do crime por parte dos arguidos ARC, AO e JB. A convicção do tribunal sedimentou-se nas declarações dos arguidos, no depoimento das testemunhas, e nos documentos juntos aos autos, conforme supra mencionado, permitindo concluir pelos factos provados na forma em que o foi. No que respeita aos elementos psicológicos e volitivos dados como provados, resultaram da análise da prova produzida, posto que de acordo com as regras da experiência e normalidade, outro não poderia ser o conhecimento e vontade dos arguidos aquando da prática dos factos. No que concerne aos antecedentes criminais dos arguidos os mesmos resultaram dos respetivos certificados de registo criminal juntos aos autos, respetivamente, sob a referências Citiusn.ºs 39846164, 39846165, 39846169 e 39846166. Relativamente às condições económicas e pessoais dos arguidos, a convicção do Tribunal sedimentou-se nas declarações por estes prestadas em sede de audiência, que mereceram credibilidade. No que respeita à matéria de facto dada como não provada, resultou de a prova produzida ter imposto resposta negativa, ou não ter sido produzida qualquer prova. Quanto ao demais o Tribunal não se pronunciou por se tratar de matéria argumentativa, conclusiva ou de Direito. ***
III – Fundamentação
De acordo com as regras de precedência lógica importará, em primeiro lugar, apreciar as questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.
Em seguida, das questões relativas à matéria de direito.
Será, pois, de acordo com estas regras de precedência lógica que serão apreciadas as questões suscitadas.
Do vício de omissão de pronúncia - art.º 379.º, n.º 1 al. c) do C.P.P.
Alegam os recorrentes que mesmo que o Tribunal a quo tivesse razão, ao considerar legítima a atuação coerciva da IGAS sobre a Ordem dos Enfermeiros e os seus membros, sem mandado judicial, caso em que consideraria legítima as ordens da IGAS, deveria ter julgado - provado ou não provado - um facto essencial repetidamente alegado pela defesa na contestação e nas suas alegações finais, facto esse que foi até objeto de produção de prova em audiência de julgamento.
Referem que consta do artigo 9.º da contestação que: a) o Senhor Dr. EE, Advogado da Ordem dos Enfermeiros, transmitiu aos Recorrentes o seu entendimento, segundo o qual a IGAS só podia praticar atos coercivos próprios do processo penal mediante mandado judicial; b) assim, os Recorrentes agiram, nos dias 8 e 13 de maio de 2019, de total boa fé e com consciência da licitude dos seus atos (enquanto atos de oposição a atos que, esses sim, reputaram de ilegais).
Que esta questão foi expressamente tratada no âmbito da inquirição da testemunha EE, que teve lugar no dia 21 de abril de 2023, tendo este declarado, como se refere na própria sentença, ter informado a Recorrente ARC, na sua qualidade de Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, “[…] que o diploma que regula as inspeções não pode ser aplicado às Ordens Profissionais, entendendo por isso que existem atos que necessitam de ordem judicial, por contenderem com direitos fundamentais […]”.
Que esta questão foi, ainda, referida pela testemunha KKK, que, segundo a sentença, ter-se-á expressamente referido ao exercício do direito de resistência por parte da Ordem dos Enfermeiros, em linha com as instruções dadas pelo Senhor Dr. EE.
E é o próprio Tribunal a quo que, na “Motivação da Decisão de Facto”, refere, a dado passo, que os Recorrentes referiram ter seguido as “[…] orientações do Advogado […]”. Mas sem extrair, daqui qualquer conclusão quanto à motivação e convicção dos Recorrentes, no momento da prática dos factos, e ao erro em que poderiam estar a atuar, nomeadamente quanto a julgarem (ainda que porventura mal) haver ingerência (ilegal) da IGAS em direitos fundamentais.
Que esta questão foi, por fim, expressamente tratada nas alegações apresentadas pela defesa dos Recorrentes, no dia 16 de junho de 2023, tendo sido então referido que, no limite, os Recorrentes teriam atuado em erro sobre pressupostos de facto de causas de exclusão da ilicitude, na aceção do artigo 16.º, n.º 2, do CP, com referência ao artigo 31.º, n. 2, alínea b), do CP.
Mais alegam que é manifesta a relevância da questão de saber o que foi comunicado aos Recorrentes pelo Advogado da Ordem dos Enfermeiros, quanto ao que a IGAS podia ou não fazer no quadro de uma sindicância, sem mandado judicial, e a convicção com que (em função disso) os Recorrentes atuaram. Se os factos alegados na contestação tivessem sido dados como provados, deles se teria de retirar a conclusão de Direito de que os Recorrentes agiram, nos dias 8 e 13 de maio de 2019, de boa fé e com a representação mental de estarem no seu direito de opor-se a atos ilegítimos/ilícitos da IGAS e, portanto, sem dolo [por, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, do CP, terem atuado em erro sobre um elemento normativo do tipo (estarem convencidos de inexistir “ordem legítima”, na aceção do artigo 348.º do CP)]. Ou por nos termos do artigo 16.º, n.º 2, do CP, terem atuado em erro sobre pressupostos de facto da causa de exclusão da ilicitude “exercício de direito”, prevista no artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do CP.
Ou seja, em qualquer caso, sem verificação do tipo subjetivo do crime de desobediência (previsto no artigo 348.º do CP), o que igualmente teria determinado a absolvição dos Recorrentes.
Terminam dizendo que analisada a sentença, o que se constata é que o Tribunal a quo ignorou esta questão. O que está aqui em causa é, claramente, um problema concreto e não um mero argumento.
Pedem que seja declarada a nulidade da sentença, ao abrigo do art.º 379º nº 1 al. c) do CPP, e que seja ordenada a baixa dos autos ao Tribunal a quo para julgar os referidos factos relativamente aos quais houve puro non liquet.
O MP pronunciou-se no sentido de que a sentença não é nula, por omissão de pronúncia, pois que aborda expressamente a invocada circunstância de os arguidos não terem acatado os pedidos dos Inspetores da IGAS por conselho do advogado da Ordem dos Enfermeiros, o que excluía a ilicitude da sua conduta, versão esta que não vingou, porque contrariada por outra prova, e que, como tal, não integrou a factualidade dada como provada
Cumpre saber se assiste razão os recorrentes.
Conforme se refere no Ac. do STJ de 16/02/2022, Proc. nº 333/14.9TELSB.L1-A.S1, a “Omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre questões ou matérias, de direito substantivo ou processual, que conformam o objeto da concreta pretensão de justiça penal. A omissão de pronúncia causadora de nulidade de sentença ou acórdão, prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, preenche-se com a falta de pronúncia sobre questão ou questões que, suscitadas pelos sujeitos processuais ou de conhecimento oficioso, o tribunal devia ter apreciado. Omitir pronúncia sobre determinada questão é, simplesmente, nada dizer sobre a mesma, não tomar sobre essa concreta questão, substantiva ou processual, qualquer posição, expressa ou implícita, mas claramente entendível, a não ser que resulte claramente prejudicada pela decisão de outras.”.
Como refere ANTÓNIO DA SILVA HENRIQUES GASPAR, in Código de Processo Penal Comentado’, Almedina, 2016, p. 1132. “[…] A nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar - artigo 608.º, nº 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 4º, do CPP […]”.
Daqui decorre que existe omissão de pronúncia quando o Tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Conforme resulta do artigo 374.º do Código de Processo Penal, sentença deve conter o relatório, a fundamentação e o dispositivo.
A fundamentação, que se segue ao relatório, há-de conter a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal – n.º 2 do artigo 374.º referido.
Dispõe o artigo 379.º do CPP o seguinte:
1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a
d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º”.
Destas normas e da sua conjugação com o disposto no artigo 368.º, n.º 2, do CPP, é inequívoco que o tribunal deve pronunciar-se sobre os factos alegados na contestação com interesse para a decisão, não sendo lícito ao tribunal, porque resultaram provados os factos da acusação, não se pronunciar sobre os factos da contestação.
Importa convocar, também, o que dispõe o artigo 410.º do Código de Processo Penal, a propósito dos fundamentos do recurso.
«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova. (...)».
Daqui resulta que os vícios acima referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente a segmentos de declarações ou depoimentos prestados oralmente em audiência de julgamento e que se não mostram consignados no texto da decisão recorrida.
Como é dito no acórdão do TRE de 24-1-2023, no processo 176/19.1T9ALR.E1, “A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, ocorrendo quando se conclui que com os factos considerados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato que é preciso preencher. Porventura melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o Tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final”.
Assim sendo, o vício em causa existe quando da factualidade que consta na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
Este tem sido o entendimento do STJ como se constata pela análise feita, entre outros, aos seguintes acórdãos: Acórdãos do STJ de 7/04/2010 (proc. n.º 83/03.1TALLE.E1.S1, 3ª Secção, in www.dgsi.pt) de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49), bem como de Leal- Henriques e Simas Santos, in “Código de Processo Penal anotado”, vol. 2.º, 2ª ed., págs. 737 a 739.
Como refere LLL, Processo e Decisão Penal Textos, CEJ, 2019, p. 39/40 «(…) Pressuposto do que seja a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é desde logo uma noção minimamente exata do que seja o objeto do processo: conjunto de factos ou de questões, cuja determinação é dada em primeira linha pela acusação ou pronúncia, peças processuais a partir das quais se vai estabelecer a vinculação temática do tribunal, mas também pela contestação ou pela defesa, ou ainda pela discussão da causa. Determinando-se desse modo os poderes de cognição do juiz, para assim também se poder afirmar que aquilo que o tribunal investigou ou os factos sobre os quais fez incidir o seu poder/dever de decisão eram, no fundo, os que constituíam ou formavam o objeto do seu julgamento, ou da audiência de julgamento, nos termos do artigo 339.º, n.º 4, do CPP, e que fora deste não ficou nenhum facto que importasse conhecer, dando-os como provados ou não provados, tanto faz. Só se existir algum desses factos, que não tenha sido objeto de apreciação pelo tribunal, é que poderemos concluir pela insuficiência da decisão sobre a matéria de facto provada (ou não provada) e com ela de violação do princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, porquanto o tribunal não investigou, como lhe competia, toda a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa”.
Tendo em conta o que acabamos de mencionar, bem como o que resulta do disposto nos artigos 339º nº 4, 368º nº 2 e 374º nº 2, todos do CPP, o tribunal deve indagar e tomar posição sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela contestação ou que resultem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a decisão. Daqui decorre que, ainda que para a solução de direito que o tribunal tem como adequada para o caso, se afigure irrelevante a prova de determinado facto, o tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre a verificação ou não de determinados factos, o que pressupõe a sua indagação se tal facto se mostrar relevante num outro entendimento jurídico plausível.
Como resulta claramente no disposto no nº 4 do artigo 339º do CPP, não obstante o objeto do processo estar delimitado pela acusação, o objeto da discussão vai para além disso, nele se incluindo, também, como resulta claramente da norma em causa, os factos alegados pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, sempre com vista às finalidades a que se referem os artigos 368.º e 369.º.
Para além dos factos alegados pela defesa, assim como todos os demais na definição do nº 4 do artigo 339 do CPP, fazerem parte do objeto da discussão, a lei impõe, como resulta claro do nº 2 do artigo 368º do CPP, que o juiz tome posição, dando-os como provados ou não provados, de forma descriminada e especificadamente, sobre os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa.
A razão de ser destas exigências legais prende-se, em primeiro lugar, com as finalidades do julgamento penal que é, em síntese, o momento onde são apresentados todas as provas e argumentos com vista a que o Tribunal possa alcançar a verdade histórica e decidir justamente a causa, mas, também, em dar concretização prática ao estabelecido no artigo 205º da CRP – dever de fundamentação das decisões dos tribunais – sendo que esse dever, relativamente à sentença, visa, nas palavras de Germano Marques da Silva, In “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo 2008, 4ª Edição Revista e atualizada, II Volume, páginas 153 e 154. em «lograr obter uma maior confiança do cidadão na Justiça, no autocontrolo das autoridades judiciárias e no direito de defesa a exercer através dos recursos.». Para além disso, pretende-se assegurar as garantias de defesa do arguido, previstas no artigo 32º da CRP, de modo a que este possa ficar a conhecer e tomar posição sobre todas questões de facto e de direito abordadas pelo tribunal, assim como evitar a necessidade de repetição de novo julgamento, com todas os prejuízos para a realização da justiça que daí resultam, nas situações em que o tribunal a quo decidiu não tomar posição sobre determinados factos, quer sejam da acusação, quer sejam da defesa, e o tribunal ad quem vir a considerar que esses factos ignorados são, afinal, relevantes para a decisão.
Como refere Sérgio Poças, Da Sentença Penal — Fundamentação de Facto, Julgar nº 3, 207, p. 24/25 “A pronúncia deve ser inequívoca: em caso algum pode ficar a dúvida sobre qual a posição real do tribunal sobre determinado facto. Na verdade, se sobre determinado facto não há pronúncia expressa (o tribunal nada diz), pergunta-se: o tribunal não se pronunciou, por mero lapso? Não se pronunciou porque não indagou o facto? Não se pronunciou porque considerou o facto irrelevante? Não se pronunciou porque o facto não se provou? Face ao silêncio do tribunal todas as interrogações são legítimas. Das duas, uma: ou o facto é inócuo para a decisão e o tribunal, com fundamentação sintética, di-lo expressamente e não tem que se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação, ou, segundo um entendimento jurídico plausível, é relevante e nesse caso deve pronunciar-se de acordo com a prova produzida».
Por último, cumpre afirmar que, não obstante o juiz estar obrigado a tomar posição sobre os factos alegados pela acusação e pela defesa, isso não significa que o tribunal não possa, ou não deva expurgar da sua atividade probatória, factos irrelevantes para a decisão, factos inócuos, considerações meramente conclusivas ou conceitos de direito.
Sobre esta questão veja-se o Ac. RG, proferido no processo Nº 248/07.GAFLG.G1 «Quanto aos factos provados e não provados, devem indicar-se todos os que constam da acusação e da contestação, “quer sejam substanciais quer instrumentais ou acidentais, e ainda os não substanciais que resultarem da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão e também os substanciais que resultarem da discussão da causa, quando aceites nos termos do art.º 359º, nº 2”. O que importa é que os factos sejam relevantes para a decisão da causa. E relevantes serão todos os factos essenciais à caracterização do crime ou integradores de causas de exclusão. Como é óbvio, os factos inócuos não têm que fazer parte dessa indicação e os conceitos de direito e as conclusões de facto, quer constem da acusação quer da contestação, não podem dela fazer parte. Não é, obviamente, exigível que os factos provados e não provados sejam ipsis verbis os da acusação ou da contestação».
Quanto aos factos que os recorrente alegam terem sido omitidos pelo tribunal recorrido (factos alegados no artigo 9 da Contestação e melhor concretizados nos artigos 269 e 270 da mesma peça processual), verifica-se que os mesmos foram excluídos da sentença, na medida em que não se mostram entre os factos provados ou não provados, sendo que da análise crítica da prova não se alcança o motivo pelo qual foi tomada essa opção. Foram considerados irrelevantes? Não foram tidos em conta na sentença por não se terem provado? Deveu-se a lapso?.
Com efeito, no artigo 9º da contestação, apresentada no dia 26-5-2022, os arguidos, agora recorrentes, alegaram o seguinte: “Relativamente a essa sindicância, a Ordem dos Enfermeiros, a sua Bastonária ora Arguida ARC e os seus colaboradores (nomeadamente os ora coarguidos Dr. AO, Enfermeiro AA e Dr. JB) foram aconselhados pelo Ilustre Advogado Sr. Dr. EE (em conexão com por vários outros juristas e jurisconsultos a quem solicitaram esclarecimentos e pareceres sobre a sindicância) fundamentalmente com base em doutrina jurídica que veio a constar, de forma muito sistematizada e muito bem fundamentada, do artigo jurídico publicado em 2019, na “Revista de Direito Administrativo”, intitulado Dos limites constitucionais à intervenção do Estado nas associações públicas profissionais, da autoria do Professor Doutor KKK (Catedrático Decano de Direito Público da Faculdade de Direito de Lisboa), o qual se encontra junta como Doc. 2, de fls. 515 a 520, pelo que foi de total boa fé e com consciência da licitude dos seus atos que os Arguidos agiram nos dias 8 e 13 de Maio de 2019, ou seja, no pressuposto de que a IGAS, ainda que no âmbito de uma sindicância, só podia praticar atos coercivos próprios do Processo Penal – restritivos de direitos fundamentais, como a liberdade, a reserva da vida privada, a propriedade privada e a reserva e integridade de dados informáticos – mediante mandado judicial e que, por isso, não estando os Senhores Inspetores do IGAS, nem os Agentes da PSP que os acompanhavam, munidos de qualquer mandado judicial, agiram ilicitamente, nomeadamente quando: entraram nas instalações da OE sem autorização de quem de direito; quando abriram gavetas e arrombaram armários da OE sem autorização de quem de direito; quando subtraíram documentos e outros objetos de propriedade da OE sem consentimento de quem de direito; quando introduziram uma pen em computadores da OE sem a isso estarem autorizados e copiaram, sem autorização, dados não públicos da OE; quando obrigaram, ou tentaram obrigar, funcionários da OE a ser imediatamente inquiridos à porta fechada, sem admitir que estivessem acompanhados de advogado como era sua vontade e sem poderem sair quando quisessem.”
Por sua vez, o artigo 269 da contestação diz o seguinte: “Das declarações da Arguida Bastonária ARC e dos Arguidos Dr. AO e Enfermeiro AA, decorre que a sua conduta foi também norteada pelos conselhos do Ilustre Advogado da OE, Sr. Dr. EE, que assentaram em doutrina que veio a constar de forma muito sistematizada e muito bem fundamentada, do artigo jurídico publicado em 2019, na “Revista de Direito Administrativo”, intitulado Dos limites constitucionais à intervenção do Estado nas associações públicas profissionais, da autoria do Professor Doutor KKK (Catedrático Decano de Direito Público da Faculdade de Direito de Lisboa), o qual se encontra junta como Doc. 2, de fls. 515 a 520”.
Ora, tendo em conta o teor do alegado pelos arguidos na contestação e o objeto da discussão na audiência de julgamento, verifica-se que a uma das questões centrais para o preenchimento do elemento objetivo do crime de desobediência prende-se com a questão de saber se a ordem transmitida aos arguidos pelo IGAS constitui um mandado legítimo da autoridade em matéria de serviço e ordem pública.
Por sua vez, os arguidos alegaram, na contestação, que lhes foi transmitido, pelo advogado da Ordem dos Enfermeiros, que era entendimento deste que a IGAS só poderia praticar atos coercivos próprios do processo penal mediante mandado judicial e que, perante essa informação e dada a ausência de mandado judicial a legitimar a atuação da IGAS agiram, nos dias 8 e 13 de maio de 2019, de total boa fé e com consciência da licitude dos seus de atos de oposição, bem como em representação mental de estarem no direito de opor-se a atos ilegítimos/ilícitos da IGAS e, portanto, sem dolo [por, nos termos do artigo16.º, n.º 1, do CP, terem atuado em erro sobre um elemento normativo do tipo (estarem convencidos de inexistir “ordem legítima”, na aceção do artigo 348.º do CP)], ou por estarem em erro sobre pressupostos de facto de causas de exclusão da ilicitude, na aceção do artigo 16.º, n.º 2, do CP, com referência ao artigo 31.º, n. 2, alínea b), do CP.
Deste modo, é manifesta a relevância a questão de saber, a partir dos factos alegados pela defesa, se os arguidos (ARC ao impedir a entrada e permanência dos inspetores da IGAS nas instalações da Ordem dos Enfermeiros, perturbar a realização das diligências inspetivas, negar a entrega de documentos e não facultar informações e AO em negar a entrega de documentos e facultar informação) agiram em erro sobre um elemento normativo do tipo (estarem convencidos de inexistir “ordem legítima”), ou se agiram em erro sobre pressupostos de facto da exclusão da ilicitude “exercício de um direito”. Com efeito, estes factos mostram-se relevantes para a verificação do tipo subjetivo do crime de desobediência, previsto no artigo 348.º do CP e que, a verificar-se, teria como efeito a absolvição dos arguidos.
Assim sendo, a sentença recorrida ao não tomar posição, em termos factuais, sobre o alegado pelos arguidos nos artigos 9, 269 e 270 da contestação deixou de se pronunciar sobre um facto ou factos sobre o qual se impunha uma tomada de posição.
Assim, e ante a evidência da variedade de soluções plausíveis de direito, afigura-se-nos inequívoco que, no caso concreto, impõe-se a averiguação dos referidos factos já que os mesmos, na versão dos arguidos, são suscetíveis de excluir a sua responsabilidade criminal, motivo pelo qual a sentença recorrida sofre do alegado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, bem como da omissão de pronúncia, na medida que os factos alegados na contestação deveriam ter sido levados em conta na enumeração dos factos provados ou não provados, pois que, naturalmente, foram entendidos pelos arguidos como factos relevantes para a sua defesa e para a decisão da causa.
Como tal, ao não dar como provados, ou não provados, aqueles factos da contestação e que acima identificamos, o tribunal a quo não deu cumprimento ao art.º 374°, n° 2, do C.P.P., abstendo-se de conhecer questões de que devia conhecer, omissão de pronúncia que é violadora também do art.º 379º, nº 1, als. a) e c) do C.P.P., o que faz com que a sentença sob recurso esteja ferida de nulidade.
A nulidade foi arguida pelos arguidos/recorrentes em sede de recurso (artigo 379º, nº2, 1ª parte do CPP).
Analisada a sentença, constata-se que foi dado como provado o que costa do ponto 12 dos factos assentes, ou seja, que “Pelas 17:15 horas, na sala da Bastonária, a Inspetora JJ solicitou ao arguido AA, Vice-presidente da OE, a entrega da documentação que já havia sido solicitada à OE, isto é, a entrega da documentação constante dos pontos 1 a 18 da listagem de folhas 137 e 138 do processo de sindicância”.
No ponto 20 dos factos assentes consta o seguinte: “Assim, os Inspetores tentaram obter os elementos constantes do pedido formal de dia 30 de Abril de 2019, salientando que são dados que qualquer instituição deveria ter disponíveis, por já terem sido trabalhados e fazerem parte do relatório de atividades, mas que não lhes foram facultados.
Por sua vez, da contestação, em particular da leitura feita aos artigos 10 a 27, constata-se que os arguidos ARC e AO alegam factualidade relativa ao início da sindicância, a qual teve lugar no dia 29 de maio de 2019 nas instalações da OE, a forma como os inspetores da IGAS foram recebidos pela OE, as diligências de instrução que lhes foram solicitadas, nomeadamente a tomada de declarações a alguns funcionários da OE e a entrega de documentos e respetivos prazos de entrega.
Mais alegam que prestaram toda a colaboração, nomeadamente procedendo à recolha da documentação solicitada e que esta só não foi entregue no prazo estipulado, dia 3 de maio de 2019, por não ter sido possível coligir todas essa informação em tempo útil, nomeadamente porque boa parte dela se encontrava dispersa pelas secções da OE espalhadas pelo País. Referem que deram conhecimento à IGAS que não era possível dar satisfação, dentro do prazo indicado, à documentação solicitada, pois do acervo documental solicitado constavam documentos que contêm dados legalmente protegidos (pelo que iriam solicitar à Comissão Nacional da Proteção de Dados que informasse como deviam proceder).
Esta factualidade, alegada nos artigos 10 a 27 da contestação, na perspetiva da defesa, é suscetível de justificar, não só o cumprimento dos deveres de colaboração a que estavam sujeitos, mas também o motivo pelo qual, nos dias 8 e 13 de Maio de 2019, não procederam à entrega dos documentos solicitados a 30 de Abril de 2019. Para além disso, ao alegarem que alguns documentos contêm dados legalmente protegidos, entronca no cerne da sua defesa quando alegam que agiram convencidos que seria necessário um mandado judicial a legitimar a atuação da IGAS, isto é, em total boa fé e com consciência da licitude dos seus de atos de oposição, bem como em representação mental de estarem no direito de opor-se a atos ilegítimos/ilícitos da IGAS. Nesta conformidade, importa apurar se os documentos identificados no artigo 12 dos factos assentes, no todo ou em parte, contêm dados legalmente protegidos.
Deste modo, tal como se verificou quanto aos factos 9, 269 e 270 da contestação, a sentença ao não tomar posição quanto ao alegado nos artigos 10 a 27 de contestação (dar como provados, ou não provados), não deu cumprimento ao art.º 374º, nº 2, do C.P.P., abstendo-se de conhecer questões de que devia conhecer, omissão de pronúncia que é violadora também do art.º 379º, nº1, als. a) e c) do C.P.P., o que faz com que a sentença sob recurso esteja, também por aqui, ferida de nulidade.
O tribunal de recurso tem o poder de “suprir” as nulidades da sentença. Mas este poder é muito reduzido na prática, porque ele só poderá ser exercido negativamente. Isto é, o tribunal de recurso só pode exercer o poder de suprir a nulidade nos casos em que o tribunal recorrido se tenha pronunciado sobre questões de que não podia conhecer …Em todos os outros casos, o tribunal de recurso não pode exercer o seu poder de suprimento, pois esse exercício corresponderia à supressão de um grau de jurisdição (acórdão do TRL, de 14.4.2003, in CJ, XXVIII, 2, 143, e acórdão do TRE, de 8.7.2003, CJ, XXVIII, 4, 252) – [cf. Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, págs. 983, 985].
Nesta conformidade e concluindo, não sendo no caso indiferente, designadamente quanto à verificação do crime de desobediência, apurar o alegado nos artigos 9, 269 e 270 e 10 a 27 da Contestação (expurgando-se naturalmente a matéria conclusiva e conceitos de direito), impõe-se anular a sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra que, se necessário com recurso a repetição de prova, colmate as lacunas apontadas, decidindo em conformidade.
Fica prejudicado, em face do que se acaba de decidir, o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso quanto à arguida ARC e AO.
***
Quanto ao arguido JB, dado que os factos que lhe foram imputados, que se mostram provados, prendem-se com o facto de não ter acatado a ordem oral de prestar declarações aos inspetores da IGAS no próprio ato da sindicância, faz com que a apreciação da sua conduta não esteja dependente da decisão acima referida, motivo pelo qual iremos, de imediato, analisar os fundamentos do seu recurso.
Com efeito, de acordo com a sentença recorrida, a consumação do crime de desobediência, por parte do arguido JB, ocorreu quando advertido pelos inspetores da IGAS, não se dispôs a prestar declarações.
Quanto a este arguido JB mostra-se assente a seguinte factualidade: 50. Os Inspetores dirigiram-se, então, ao arguido JB, responsável pelo Aprovisionamento da OE, a quem pediram que os acompanhasse à sala em frente, a fim de ser ouvido em sede de declarações. 51.O Arguido, de forma perentória, recusou prestar declarações ou qualquer colaboração. 52.O Arguido JB foi, nessa sequência, informado pelos Inspetores da IGAS que a sua recusa em colaborar configurava a prática de crime de desobediência previsto o artigo 348.º do Código Penal. 53. Porém, JB continuou a negar prestar qualquer declaração ou colaboração. (…) 67.O arguido JB manteve uma postura de recusa em prestar declarações e colaborar, obstruindo a realização da diligência solicitada pelos Inspetores, mesmo depois de advertido que incorriam em responsabilidade criminal por desobediência. 68. Ao praticar os referidos factos agiram os Arguidos de forma, livre, deliberada e consciente, com intenção concretizada de desobedecer aos comandos que lhe eram transmitidos. 69. Agindo com o propósito concretizado de não acatar as ordens e instruções legítimas que lhe foram transmitidas, mesmo depois de advertidos de que tal conduta os faria incorrer em responsabilidade criminal por desobediência. 70. Assim atuaram bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
A sentença recorrida, no que concerne à qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido JB, apresentou a seguinte fundamentação: “Ora, conforme se constata pela análise dos factos provados, tal cominação da prática de um crime de desobediência foi feita, tendo os arguidos reiterado no seu não cumprimento, pelo que, a consumação do crime de desobediência ocorreu quando os arguidos não procederam à entrega da documentação solicitada (arguido AO), não se dispuseram a prestar declarações (arguido JB) e impediram a realização da diligência de inquirição (arguida ARC), sabendo que não podiam agir dessa forma em virtude da ordem legal. Dos factos provados resultou assim que os arguidos, após serem advertidos da prática do crime de desobediência caso mantivessem as suas condutas, os mesmos nada fizeram persistindo nas condutas. A ordem dada aos arguidos foi legítima e emanada de entidade competente para o efeito, tendo os arguidos desrespeitado tal ordem. (…) No tocante aos arguidos ARC, AO e JB, resultou da prova produzida que após as advertências efetuadas, a cada um dos arguidos, sob a cominação de prática de um crime de desobediência, os arguidos persistiram na mesma, optando voluntariamente quer por não entregar a documentação solicitada, quer recusando sujeitar-se a ser inquirido, quer em perturbar a realização da diligência de inquirição de uma funcionária fazendo com que essa mesma diligência terminasse, desobedecendo, assim todos os arguidos, a uma ordem legítima que lhes havia sido dada, e ficando cientes de tal desobediência. Concluímos assim que com as suas condutas os arguidos preencheram os elementos típicos do crime de desobediência pelo qual vinham acusados. Não existem no presente caso causas que excluam a ilicitude ou a culpa já que os arguidos são imputáveis, agiram com liberdade de decisão, pois, apesar de saberem que a sua conduta era punida criminalmente, poderiam e deveriam adotar conduta conforme ao Direito, pelo que devem ser punidos pelo crime de que vêm acusados, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.”
O arguido JB alegou o seguinte: A conduta do Recorrente JB também não preenche os elementosobjetivos de um crime de desobediência, por violação dos deveres decolaboração com a ação de sindicância, neste caso traduzida num supostoincumprimento da solicitação que lhe foi efetuada para prestar declarações. De acordo com artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 276/2007deve haver notificação das pessoas a ouvir.E a comparência deve ser requisitada à entidade na qual exercem funções. Se é assim em relação à Administração Direta e Indireta do Estado, por maioria de razão essas formalidades têm de ser respeitadas em relação a entidades da Administração Autónoma do Estado! Consta do ponto 50 dos FDP: “Os Inspetores dirigiram-se, então, ao arguido JB, responsável pelo Aprovisionamento da OE, a quem pediram que os acompanhasse à sala em frente, a fim de ser ouvido em sede de declarações”. E consta do ponto 51 desses mesmos FDP: “O Arguido, de forma perentória, recusou prestar declarações ou qualquer colaboração”. A menção “[…] ou qualquer colaboração […]” deve ser desconsiderada, pois é conclusiva. Quanto a ter-se o Recorrente JB recusado a prestar declarações, isso é verdade e o próprio confirmou-o, em julgamento. (…) Ora, em primeiro lugar, houve violação do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 276/2007, pois não houve notificação prévia ao Recorrente JB para a prestação de declarações. E, em segundo lugar, houve violação do n.º 2 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 276/2007, pois nenhuma requisição foi dirigida à Ordem dos Enfermeiros, para a prestação de declarações pelo Recorrente JB. Ou, seja, as circunstâncias em que os Senhores Inspetores da IGAS pretenderam que o Recorrente JB prestasse declarações - de imediato, sem qualquer notificação ou requisição prévia! - não se apresentavam como compatíveis com a normalidade e adequação de tal ato sindicante. Pois, de facto, como consta da própria sentença, o Recorrente JB declarou, além disso, que a) o ambiente dentro das instalações “[…] era tenso […]”, b) a testemunha LL saiu da sala onde estava; a ser ouvida “[…] a chorar, desorientada […]”, c) se recusou a prestar declarações naquele momento porque se sentiu coagido “[…] uma vez que estava rodeado pelos inspetores […]” e pela forma como LL saiu da sala, e d) porque não queria ser ouvido “[…] sem um Advogado presente […]”. Aliás, ainda de acordo com a própria sentença, a testemunha KK, Inspetor da IGAS, declarou que o Recorrente JB se recusou a prestar declarações, tendo então afirmado que “[…] inexistiam condições para prestar declarações […]”. Nem com os direitos do referido Recorrente JB, que quis, e isso mesmo manifestou, ser assistido por Advogado. Manifestação esta que, de resto, é incompatível com a recusa de prestação de colaboração, já que quando alguém afirma querer se assistido por Advogado, isso, em princípio, significa que está disposto a prestar declarações (ainda que com o devido apoio jurídico). Ora, qualquer cidadão, em qualquer circunstância, pode fazer-se acompanhar por Advogado, perante qualquer instância. É isso mesmo que resulta do artigo 66.º, n.º 3, da Lei n.º 145/2015 de 9 de setembro, que estatui, lapidarmente, o seguinte: “O mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza”. O que, de resto, está em linha com o artigo 20.º, n.º 2, da CRP: “Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade”. Sendo certo que a acima referida necessidade de notificação prévia para a prestação de declarações se destina, também, a permitir, precisamente, que quem é chamado a prestar declarações disponha do tempo necessário para organizar a sua assistência por Advogado, se assim o desejar. É, pois, por isso que estas notificações devem ser realizadas com uma antecedência mínima em relação à data de comparência (na falta de outra disposição, aplicar-se-ão os 10 dias a que se refere o artigo 86.º, n.º 2, do CPA). Sendo que, se a testemunha não comparecer, se terá sempre que apurar se a falta é justificada (v., por exemplo, o artigo 117.º do CPP). O que se afigura de todo inconcebível é uma autoridade pública (não judicial) exigir a certa pessoa que preste declarações de imediato, naquele preciso momento (sem que a pessoa em causa perceba, sequer, em que qualidade)! E que, dizendo a pessoa em causa que não está disposta a ser ouvida nessas condições, se considere estar a praticar crime de desobediência! O Recorrente JB não devia, pois, obediência à ordem, ilegal, que lhe foi dirigida, para prestação imediata de declarações, sem prévia requisição e, sobretudo, sem prévia notificação para o efeito. Tanto mais que tinha direito a fazer-se acompanhar por Advogado e manifestou essa vontade, sendo-lhe, na prática, negado o respetivo exercício. O Tribunal a quo, ao não o reconhecer, decidiu mal, pelo que deve agora o Tribunal ad quem revogar a sentença e substitui-la por decisão que absolva o Recorrente JB do crime de desobediência, pelo qual foi condenado”.
O MP nas conclusões de recurso, quanto ao arguido JB, alegou o seguinte: “O arguido JB recusou-se a prestar declarações aos Srs. Inspetores, não resultando provado que não havia condições para o fazer, atento o clima tenso e conflituoso que se instalou durante a realização da ação inspetiva, ou porque queria ter a oportunidade de conferenciar com o seu advogado. Não bastava ao arguido JB invocar estes dois motivos como justificação da sua falta de colaboração, pois que deles também se havia de convencer o julgador, o que não sucedeu, pois foi entendimento da Mm.ª Juíza a quo, da análise da prova testemunhal produzida, que o invocado “ambiente tenso” e a referida necessidade de consultar o seu Advogado foram meros pretextos para que este arguido não colaborasse com os Srs. Inspetores da IGAS no dia 13/5/2019”.
Cumpre apreciar:
O crime de desobediência p e p pelo art.º 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, pelo qual o arguido JB está condenado, tem a seguinte redação:
1 - Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:
(…)
b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.
Está aqui em causa o interesse administrativo do Estado em garantir a obediência aos mandados legítimos da autoridade em matéria de serviço e ordem pública. Com efeito, pretendeu o legislador com tal incriminação proteger a autonomia intencional do Estado e, de uma forma particular, “a não colocação de entraves à atividade administrativa por parte dos destinatários dos seus atos” (Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, III, Coimbra Editora, 2001, 350).
Daqui decorre que são elementos objetivos do tipo a ordem ou mandado, a legalidade substancial e formal da ordem ou mandado, a competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão e a regularidade da sua transmissão ao destinatário (Cfr. Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos, Código Penal Anotado, Rei dos Livros, 2.ª Edição, Volume II, p. 1089 e ss).
A alínea b) do n.º 1 do artigo 348.º existe, assim, tão-só para os casos em que nenhuma norma jurídica, seja qual for a sua natureza, preveja um comportamento desobediente.
São, afinal, desobediências não tipificadas, a ficarem dependentes, para a sua relevância penal, de uma simples cominação funcional.
Para que o comportamento desobediente se verifique e assuma relevância criminal é necessário, antes de mais, que exista uma ordem ou mandado revestidos de legalidade substancial, ou seja, têm que se basear numa disposição legal que autorize a sua emissão ou decorrer dos poderes discricionários do funcionário ou autoridade emitente.
Por outro lado, exige-se a legalidade formal que se traduz na exigência de as ordens ou mandados serem emitidos de acordo com as formalidades que a lei estipula para a sua emissão.
Exige-se, ainda, que a autoridade ou funcionário emitente da ordem ou mandado tenham competência para o fazer, isto é, que aquilo que pretendam impor caiba na esfera das suas atribuições.
Por último, os destinatários têm que ter conhecimento da ordem a que ficam obrigados, o que exige um processo regular e capaz para a sua transmissão, por forma a que aqueles tenham conhecimento do que lhes é imposto ou exigido.
Quanto elemento subjetivo do crime, não exige a norma em apreço uma qualquer intenção específica por parte do agente na perpetração do ilícito, sendo certo que, as mais das vezes, o mesmo apenas procura escapar a uma situação – que culmina na referida ordem ou mandado – que contraria os seus próprios interesses.
Assim, trata-se de um crime exclusivamente doloso, mas em que o dolo pressuposto é meramente genérico; tratar-se-á, no fundo, de “conhecer e querer todas as circunstâncias fácticas que o tipo descreve” (Cristina Líbano Monteiro, ob. cit., 358), sendo a atuação dolosa independente do conhecimento das normas que alicerçam a punibilidade da conduta.
No caso em apreço, não restam dúvidas que não existe qualquer disposição legal a cominar a exigência imposta ao arguido JB (prestar declarações de imediato sem notificação prévia) como punição da desobediência, pelo que o preenchimento do tipo só pode verificar-se se estivermos perante uma «cominação funcional», feita por autoridade ou funcionário competentes para ditar a ordem, ou seja, se a ordem transmitida ao arguido era legítima, foi emanada pela autoridade competente e se se mostra regularmente comunicada.
Em todo o caso, tal não significa a avalização de qualquer discricionariedade, na medida em que, numa interpretação a contrario da lei, facilmente se conclui não ser devida obediência a ordens ou mandados ilegítimos, ainda que emanados da autoridade competente e regularmente comunicados.
Há que referir, na sequência do que é dito no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 2/2013, que mesmo nos casos de ausência de norma sancionatória que preveja a conduta em causa ou de procedimento compulsório destinado a evitar as consequências do comportamento desobediente, estas consequências, em homenagem ao princípio da proporcionalidade, terão que ter uma gravidade compatível com a criminalização através da cominação ad hoc de autoridade ou funcionário, a que se reporta a al. b) do nº 1 do art.º 348º do C. Penal.
Deste modo, não será a mera ausência de previsão incriminadora ou sancionadora que legitima a criminalização da conduta através da cominação a emitir pela autoridade ou funcionário competente, exigindo-se ainda que a conduta a justifique materialmente, por imposição do mesmo princípio de intervenção mínima do direito penal, ou da necessidade da pena, como resulta do nº 2 do art.º 18º da CRP e, portanto, da proporcionalidade entre a danosidade social da conduta desobediente e a reação.
Como é dito no referido AFJ 2/2013 “A cominação resulta de um ato de vontade individual e não normativo, pelo que só a análise de todo o circunstancialismo que rodeou a emanação da ordem poderá assegurar a conformidade com a CR da necessidade de criminalização da conduta”
O legislador ao remeter, a propósito da concretização de cada um dos elementos típicos utilizados - legitimidade da ordem emitida, regularidade da sua comunicação e competência da autoridade ou funcionário de que emana -, para outras disposições legais, o preceito em causa pode qualificar-se como um preceito penal “em branco”, ou seja, um preceito cuja norma de comportamento é preenchida através da convocação de outras disposições, mesmo que situadas no âmbito de ordenamentos não penais (cfr. F. Dias, Crime de Câmbio Ilegal, CJ, ano XII, 1987, tomo 2, pg. 54).
Assim sendo, importa convocar as atinentes normas legais com relevância para o caso em apreço.
Os preceitos que importa considerar são os seguintes:
Artigos 199º d) e 267º nº 2 da Constituição da República através dos quais se determina que o Governo exerça poderes de tutela sobre a Administração autónoma.
O DL 104/98, de 21 de Abril – alterado pela Lei 156/2015, de 16-09, que criou a Ordem dos Enfermeiros e aprovou o seu estatuto, do qual decorre, quanto à sua natureza e regime jurídico, o seguinte:
1- «(...) é a associação pública profissional representativa dos que, em conformidade com o presente Estatuto e as demais disposições legais aplicáveis, exercem a profissão de enfermeiro. 2 A Ordem goza de personalidade jurídica e é independente dos órgãos do Estado, sendo livre e autónoma no âmbito das suas atribuições. 3 - A Ordem é uma pessoa coletiva de direito público, que se rege pela respetiva lei de criação, pela Lei nº 2/2013, de 10 de janeiro, e pelo disposto no presente Estatuto» (art.º 1º).
Dispõe a Lei nº 2/2013, de 10 de Janeiro - que aprova o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais - que as associações em causa são «entidades públicas de estrutura associativa representativas de profissões que devam ser sujeitas, cumulativamente, ao controlo do respetivo acesso e exercício, à elaboração de normas técnicas e de princípios e regras deontológicos específicos e a um regime disciplinar autónomo, por imperativo de tutela do interesse público prosseguido» (art.º 2.º); mais acrescenta que estas são de constituição excecional - preenchidos determinados requisitos-correspondendo «a cada profissão regulada (…) apenas uma única associação pública profissional (art.º 3º) e criadas por lei (art.º 7º).
A categoria de associação pública com maior expressão dentro da administração autónoma são as associações públicas profissionais, designadamente, as ordens profissionais, entre as quais se inclui a Ordem dos Enfermeiros, cujos membros regulam e disciplinam o exercício da sua atividade profissional.
Estas associações profissionais revelam-se fundamentais na concretização dos princípios da descentralização e da participação dos particulares na gestão efetiva da Administração Pública (art.º 267, n.º 1, da CRP).
Desta forma, encontram-se sujeitas a uma tutela de legalidade idêntica à exercida pelo Governo sobre as autarquias locais, ressalvados os casos especialmente previstos na lei em que pode existir uma tutela de mérito (art.º 45º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 2/2013, de 10 de Janeiro).
A lei determina que estas associações públicas estão sujeitas a diferentes tipos de controlo: tutela administrativa (art.º 45º); controlo jurisdicional a exercer pelos tribunais administrativos (art.º 46º); fiscalização do tribunal de Contas (art.º 47º); prestação de informações e esclarecimentos ao Governo e à Assembleia da República (art.º 48º).
Quanto à tutela administrativa, que é a que importa para o caso, diz a lei 27/96, alterada pela lei 1/2011 de 30 de novembro – que aprovou o regime jurídico da Tutela administrativa LTA (art.º 45º nº 1, 2, 4 e 8) - trata-se de uma tutela essencialmente inspetiva.
Com efeito, a descentralização administrativa fez surgir a necessidade da figura da tutela administrativa, concedendo-se ao Estado o direito de controlar a atuação das entidades tuteladas, enquanto agente zelador do interesse público.
Quanto à natureza jurídica da tutela administrativa entendemos, na sequência daquilo que defendem José Gomes Canotilho e Vital Moreira, que se trata de uma função administrativa de controlo, com vista à garantia da ordem jurídica e do respeito pela legalidade democrática. (Cfr. CANOTILHO, José Gomes; MOREIRA, Vital, Constituição Portuguesa Anotada, Vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, 2014, p. 746.)
Quanto à tutela sobre a Ordem dos Enfermeiros, determina o art.º 123º do seu Estatuto que esses poderes são exercidos pelo membro do Governo responsável pela área da saúde. De acordo com o art.º 11º DL 124/2011, de 29-12, alterado pelo DL nº 7/2017 de 9-01 cabe à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde auditar, inspecionar, fiscalizar e desenvolver a ação disciplinar no setor da saúde. Por sua vez, o DL 33/2012 de 13-2, art.º 4º nº 1 al. e) determina que cabe ao Inspetor-Geral “instaurar e decidir processos de averiguações de inquéritos e disciplinares, bem como propor a realização de sindicâncias.
De acordo com o art.º 3º da LTA a tutela é exercida através da realização de inspeções, inquéritos e sindicâncias sobre as associações públicas profissionais.
Esta modalidade de tutela possui uma dimensão instrumental de recolha de dados, factos e indícios através de operações materiais, que se traduzem na análise de documentos e na procura de informações.
Dispõe o artigo 4º do Decreto-Lei nº 276/2007, de 31 de julho, que regula o regime Jurídico da Atividade de Inspeção da Administração Direta e Indireta do Estado, o seguinte: 1 - Os serviços da administração direta, indireta e autónoma do Estado, bem como as pessoas singulares e coletivas de direito público e privado objeto de ação inspetiva, encontram-se vinculados aos deveres de informação e cooperação, designadamente fornecendo os elementos de informação necessários ao desenvolvimento da atividade de inspeção, nos moldes, suportes e com a periodicidade e urgência requeridos. 2 - Os dirigentes e trabalhadores das entidades inspecionadas têm o dever de prestar, no prazo fixado para o efeito, todos os esclarecimentos, pareceres, informações e colaboração que lhes sejam solicitados pelos serviços de inspecção. 3 - As entidades inspecionadas devem dar conhecimento aos serviços de inspeção das medidas adotadas na sequência das ações de inspeção, designadamente do resultado dos processos disciplinares instaurados em resultado delas. 4 - Para o cumprimento das suas atribuições é conferida aos serviços de inspeção a faculdade de solicitar aos serviços da administração direta e indireta do Estado a afetação de pessoal técnico especializado para acompanhamento das ações de inspecção. 5 - A violação dos deveres de informação e de cooperação para com os serviços de inspeção faz incorrer o infrator em responsabilidade disciplinar e criminal, nos termos da legislação aplicável.
Por sua vez, quanto à prestação de declarações, diz o artigo 13º do diploma aqui em causa, que: 1 - Os titulares dos órgãos e serviços da administração direta e indireta do Estado, bem como das empresas e estabelecimentos objeto de ação de inspeção podem ser notificados pelo inspetor responsável pela ação de inspeção, para a prestação de declarações ou depoimentos que se julguem necessários. 2 - A comparência, para prestação de declarações ou depoimentos em ações de inspeção ou procedimentos disciplinares, de trabalhadores da administração direta e indireta do Estado, bem como de outros trabalhadores do sector público, deve ser requisitada à entidade na qual exerçam funções. 3 - A notificação para comparência de quaisquer outras pessoas para os efeitos referidos no número anterior pode ser solicitada às autoridades policiais, observadas as disposições aplicáveis do Código de Processo Penal.
Há que ter em atenção o disposto no artigo 11º do mesmo diploma quando dispõe que: No exercício das suas funções, os dirigentes dos serviços de inspeção e o pessoal de inspeção deve pautar a sua conduta pela adequação dos seus procedimentos aos objetivos da ação.
Quanto à Ordem dos Enfermeiros, a competência para determinar a realização de inquéritos e sindicâncias está reservada ao Ministro da Saúde, por força das disposições conjugadas dos artigos 6º nº 2 da LTA, 45º nº 3 da LAPP e 123º EOA.
Quanto ao leque de poderes funcionais conferidos à atividade de inspeção, o mesmo mostra-se definido pelo art.º 16º, do DL 276/2007, de 31 de julho. Entre esses poderes destacam-se os seguintes: a) Direito de acesso e livre -trânsito, nos termos da lei, pelo tempo e no horário necessários ao desempenho das suas funções, em todos os serviços e instalações das entidades públicas e privadas sujeitas ao exercício das suas atribuições; b) Requisitar para exame, consulta e junção aos autos, livros, documentos, registos, arquivos e outros elementos pertinentes em poder das entidades cuja atividade seja objeto da ação de inspeção; c) Recolher informações sobre as atividades inspecionadas, proceder a exames a quaisquer vestígios de infrações, bem como a perícias, medições e colheitas de amostras para exame laboratorial; f) Solicitar a colaboração das autoridades policiais, nos casos de recusa de acesso ou obstrução ao exercício da ação de inspeção por parte dos destinatários, para remover tal obstrução e garantir a realização e a segurança dos atos inspetivos; h) Obter, para auxílio nas ações em curso nos mesmos serviços, a cedência de material e equipamento próprio, bem como a colaboração de pessoal que se mostrem indispensáveis, designadamente para o efeito de se executarem ou complementarem serviços em atraso de execução, cuja falta impossibilite ou dificulte aquelas ações; i) Utilizar nos locais inspecionados, por cedência das respetivas entidades inspecionadas, instalações em condições de dignidade e de eficácia para o desempenho das suas funções.
Assim, em face aos preceitos acabados de enunciar, é indubitável a validade substancial da sindicância realizada pela IGAS na Ordem dos Enfermeiros. Questão diferente, que não cumpre agora analisar, é o modo como essa sindicância deveria ser realizada.
Assim, sobre os arguidos, entre os quais o arguido JB, pelas funções que desempenhavam na Ordem dos Enfermeiros e por força das normas legais supracitadas, recaia um conjunto de deveres de informação e cooperação no âmbito da ação inspetiva levada a cabo pela IGAS.
Para a concretização dessa sindicância, que no fundo corresponde ao exercício de um poder do Estado, a lei confere um leque de poderes funcionais à IGAS que encontra justificação na circunstância de a Ordem dos Enfermeiros estar a desenvolver uma atividade de interesse público e sujeita à tutela administrativa do Estado.
Em relação ao arguido JB, cumpre referir, desde já, que a referência feita nos artigos 51, 53 e 67 dos factos assentes, em que o arguido se recusou a prestar colaboração aos inspetores da IGAS no âmbito da ação inspetiva, atento o seu conteúdo vago, genérico e conclusivo, não assume qualquer relevância criminal. Com efeito, como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante do STJ, as imputações genéricas, sem qualquer especificação das condutas, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente.
Assim, alegar na acusação e fazer constar nos factos provados que o arguido JB se recusou a colaborar com os inspetores da IGAS, sem que se concretize que atos é que lhe foram exigidos e que esses atos estavam dentro do seu âmbito funcional, ou seja, que o arguido tinha o dever e a possibilidade de cumprir esses concretos atos, jamais poderá ser configurada como sendo uma ordem validamente transmitida e à qual o arguido estava obrigado a cumprir.
Deste modo, o que resta, com a possibilidade de configurar uma recusa a uma ordem legítima é a recusa, por parte do arguido JB, em prestar declarações no decurso da ação inspetiva.
Mostra-se provado, aliás o arguido nem contesta essa factualidade, que os Inspetores da IGAS dirigiram-se ao arguido JB, responsável pelo aprovisionamento da OE, a quem pediram que os acompanhasse à sala em frente, a fim de ser ouvido em sede de declarações e que este, de forma perentória, recusou prestar declarações.
Também está provado que o arguido foi advertido que a recusa em prestar declarações o faria incorrer na prática de um crime de desobediência.
O recorrente aceita, embora com reservas, que sendo a Ordem dos Enfermeiros uma associação pública profissional, fazendo parte da Administração Autónoma do Estado, esteja sujeita a tutela administrativa, de natureza inspetiva, a exercer pelo membro do Governo responsável pela área da saúde, aceita, também, que essa tutela possa materializar-se numa sindicância e aceita, ainda, que essa sindicância possa ser executada pela IGAS, já não aceita que devesse obediência à ordem para prestar declarações imediatas, por esta ordem ser ilegal por não ter existido prévia requisição e, sobretudo, por não ter existido prévia notificação para o efeito.
Assim, a questão concretamente discutida nos autos consiste em saber se a advertência feita pelos inspetores da IGAS ao arguido, ora recorrente, nas circunstâncias descritas na factualidade provada, respeitante à tomada imediata de declarações, fora das circunstâncias previstas no artigo 13º do Decreto-Lei nº 276/2007, de 31 de julho, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, é legítima, nomeadamente em função do princípio da legalidade penal.
Cumpre dizer, desde já, na sequência da fundamentação do AFJ 2/2013, que só́ a ausência completa de qualquer expediente compulsivo previsto numa disposição legal, destinado a evitar as consequências perniciosas de um comportamento desobediente, ou a previsão na lei de uma consequência, que se mostre na prática claramente insuficiente, autorizará a cominação ad hoc a realizar pelo funcionário.
Deste modo, cumpre saber se o legislador previu, em termos normativos, o modo como devem ser tomadas as declarações no âmbito das ações inspetivas e quais as consequências, ao nível sancionatório ou processual, para a recusa em prestar declarações.
Ora, tendo em conta o regime legal estatuído no artigo 13º Decreto-Lei nº 276/2007, de 31 de julho, acima transcrito, verifica-se que a atuação dos inspetores da IGAS, ao exigir a tomada imediata de declarações ao recorrente, configura uma violação do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 276/2007, pois não houve notificação prévia ao Recorrente para a prestação de declarações, bem como uma violação do n.º 2 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 276/2007, pois nenhuma requisição foi dirigida à Ordem dos Enfermeiros, para a prestação de declarações pelo ora Recorrente.
Para além disso, a exigência feita ao arguido para prestar declarações de imediato, sem a possibilidade de se fazer acompanhar por advogado, constitui uma violação do disposto no artigo 66.º, n.º 3, da Lei n.º 145/2015 de 9 de setembro e do artigo 20º nº 2 da CRP, nomeadamente o direito reconhecido a qualquer cidadão de fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade, o que conduz à ilegalidade da ordem.
Nesta conformidade, não obstante a ordem ter sido emanada por autoridade ou funcionário com competência para o efeito e ter sido comunicada ao recorrente, a mesma é ilegítima, por ser ilegal, o que faz com que o arguido JB não estivesse obrigado ao seu acatamento. Com efeito, não é devida obediência a ordens ou mandados ilegítimos, ainda que emanados da autoridade competente e regularmente comunicados.
Assim sendo, a conduta do recorrente JB não preenche os elementos objetivos de um crime de desobediência, por não existir violação do dever de prestar declarações.
Em face do exposto, não se pode imputar ao arguido JB a prática de qualquer crime de desobediência, pelo que as suas condutas devem ser excluídas dos factos dados como provados nos pontos 67, 68, 69 e 70.
E tendo presente o enquadramento jurídico supra referenciado, o arguido JB tem de ser absolvido do crime de desobediência.
Fica prejudicado, em face do que se acaba de decidir, o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.
IV - DISPOSITIVO
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente os recursos interpostos e em consequência:
Declarar nula, quanto aos arguidos ARC e AO, a sentença recorrida, nos termos do art.º 379., n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, a qual deverá ser substituída por outra que, se necessário com recurso a repetição de prova, colmate as lacunas acima apontadas, decidindo em conformidade;
Revogar a sentença recorrida e absolver o arguido JB da prática do crime de desobediência, p e p pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
Fica prejudicado, em face do que se acaba de decidir, o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.
Sem tributação
Notifique
Lisboa, 30 de janeiro de 2025
Ivo Nelson Caires B. Rosa
Manuela Trocado
Paula Cristina Bizarro
Processado por computador e revisto pelo Relator (cf. art.º 94º, nº 2 do CPP).