FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
Sumário

I. A falta de fundamentação traduz-se numa absoluta ausência do enunciar das razões pelas quais se decidiu num determinado sentido, sendo que a fundamentação é insuficiente quando, apesar de serem enunciadas razões, estas são incompletas ou insuficientes para permitir que se extraia a ilação jurídica formulada pela decisão em causa;
II. Enquanto que a falta de fundamentação gera a nulidade do ato decisório, quando esta for expressamente cominada na lei (cfr. art.º 118.º, n.º 1, do C.P.P.), ou a sua irregularidade, nas demais situações (cfr. art.º 118.º, n.º 2, do C.P.P.), a fundamentação insuficiente sujeita o ato decisório em causa ao risco de ser revogado ou alterado, mas não produz a nulidade ou irregularidade do mesmo;
III. Uma vez que o bem jurídico protegido com o crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º do C.P. reside na autodeterminação sexual, procurando assim proteger o livre desenvolvimento da sua personalidade, em particular na esfera sexual, a lei presume que a prática de atos sexuais com menor, em menor ou por menor de 14 anos de idade, prejudica o desenvolvimento global do próprio menor, pelo que, para determinar se um arguido praticou ou não semelhante crime é absolutamente indiferente saber se o menor de 14 anos de idade em causa teve ou não anteriores experiências sexuais, nomeadamente contactos com material erótico e/ou pornográfico;
IV. Se o agente leva a cabo, perante a mesma vítima, as condutas descritas no n.º 3, do art.º 171.º do C.P. como meio para praticar um dos atos previstos no n.º 2, do art.º 171.º, do C.P., não estando em causa resoluções autónomas e diferentes, incorre no crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 2, do C.P., ainda que tentado.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório:
I.1. Da decisão recorrida:
No âmbito do processo comum coletivo n.º 445/23.8PDAMD, que corre termos no Juízo Central Criminal de Sintra – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, em 12-07-2024 foi proferido e depositado acórdão, cujo dispositivo é do seguinte teor:
1. Procedendo à necessária convolação favor rei, condena o arguido BB pela prática, em autoria material e na forma consumada, por um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, (sobre a pessoa de CC), na pena parcial de 5 (cinco) anos de prisão;
2. Condena o arguido BB pela prática, em autoria material e na forma consumada, por um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal, (sobre a pessoa de CC), na pena parcial de 2 (dois) anos de prisão;
3. Condena o arguido BB pela prática, em autoria material e na forma tentada, por um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelos artigos 22.º, nº 1 e 2 c), 23.º, 73º, nº 1 a) e b) e 171º, nº 1 e 2, todos do Código Penal, (sobre a pessoa de AA), na pena parcial de 2 (dois) anos de prisão;
4. De acordo com as regras de punição previstas nos artigos 77º e 78º do Código Penal, condena o arguido BB, pela prática destes três crimes, na pena única de 6 (seis) anos de prisão;
5. E, por cada um dos 3 crimes, condena o arguido BB nas penas acessórias parciais de 7 (sete) anos de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, previstas no artigo 69.º-B do Código Penal, e condena-o nas penas acessórias parciais de 7 (sete) anos de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, previstas no artigo 69.º-C, n.º 2 e 4 do Código Penal. E, de acordo com as regras de punição previstas nos artigos 77º e 78º do Código Penal, condena o arguido BB, na pena única de 10 (dez) anos de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores e na pena única de 10 (dez) anos de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores;
6. Julga procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido por AA, representada pela sua representante legal, DD, condenando o arguido BB a pagar a esta:
- a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 12 000,00 (doze mil euros). A esta quantia acrescerão os juros de mora legais, vincendos, contabilizados desde a presente data, até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4%, ao abrigo dos artigos 805º, 806º e 556º do Código Civil e da Portaria 291/2003, de 8 de Abril.
7. Nos termos do artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal, decide condenar o arguido BB a pagar € 40 000,00 (quarenta mil euros), a título de montante compensatório, à vítima CC;
8. Mais, condena o arguido no pagamento das custas criminais do processo (cfr. art.s 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e art.ºs 8º e 16º do Regulamento das Custas Processuais e tabela III a este anexo), fixando-se a taxa de justiça individual em 5 (cinco) Unidades de Conta.
9. E condena o arguido no pagamento das custas cíveis, na medida do pedido deduzido por AA e do seu decaimento (cfr. artigo 377.º, n.º 3, do Código de Processo Penal e artigo 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex-vi do artigo 523.º do Código Penal).
10. Após trânsito, e mantendo-se a pena concreta igual ou superior a 3 anos de prisão e para fins de investigação criminal, ordena-se a recolha do perfil de ADN (ácido desoxirribonucleico) ao arguido, nos termos dos art.ºs 1.º, n.º 1 e 2, 8.°, n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12.02., na redação prevista pela Lei n.º 90/2017, de 22/08.
I.2. Do recurso:
Inconformado com a decisão, o arguido BB interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
Emerge o presente recurso da discordância em relação ao acórdão tirado nos autos que condenou o recorrente
- pela prática, em autoria material na forma consumada, por um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, (sobre a pessoa de CC), na pena parcial de 5 (cinco) anos de prisão;
- pela prática, em autoria material na forma consumada, por um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal, (sobre a pessoa de CC), na pena parcial de 2 (dois) anos de prisão; e
- pela prática, em autoria material na forma tentada, por um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelos artigos 22.º, nº 1 e 2 c), 23.º, 73º, nº 1 a) e b) e 171º, nº 1 e 2, todos do Código Penal, (sobre a pessoa de AA), na pena parcial de 2 (dois) anos de prisão;
- em cúmulo, pela prática destes três crimes, na pena única de 6 (seis) anos de prisão;
- por cada um dos 3 referidos crimes,
- nas penas acessórias parciais de 7 (sete) anos de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, previstas no artigo 69.º-B do Código Penal;
- nas penas acessórias parciais de 7 (sete) anos de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, previstas no artigo 69.º-C, n.º 2 e 4 do Código Penal;
- de acordo com as regras de punição previstas nos artigos 77º e 78º do Código Penal, na pena única de 10 (dez) anos de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores;
- e na pena única de 10 (dez) anos de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores;
e, por último, a pagar
- a AA, representada pela sua representante legal, DD, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 12.000,00 (doze mil euros), acrescida de juros de mora legais, vincendos, contabilizados desde a presente data da decisão em crise até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4%, ao abrigo dos artigos 805º, 806º e 556º do Código Civil e da Portaria 291/2003, de 8 de Abril; e
- nos termos do artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal, € 40.000,00 (quarenta mil euros), a título de montante compensatório, à vítima CC.
As razões de discordância com a douta decisão sob recurso são, simultaneamente, de facto e de direito:
I. Desde logo, por, no seu modesto entender, haver erro de julgamento, porquanto o tribunal a quo valorou erradamente a prova produzida quanto à matéria de facto tendente à formação da convicção de que o recorrente praticou os factos pelos quais a final veio a ser condenado, mostrando-se erradamente julgados os factos provados no acórdão em crise sob os números 3 a 14 e 21.
Uma correcta apreciação e valoração do conjunto da prova produzida neste particular, em especial dos depoimentos das menores AA e CC, impunha, como impõe, a absolvição do recorrente relativamente aos crimes pelos quais vinha acusado e foi condenado, quando menos com recurso ao princípio universalmente aceite do in dúbio pro reo, pois não é claro nem isento de dúvidas, portanto, não é seguro, que o arguido algum dia tenha efectivamente tido os comportamentos e praticado os factos que lhe são assacados e pelos quais foi condenado;
II. Por outro lado, por mera cautela e sem prescindir de tudo quanto deixou dito, portanto, sem conceder, há erro da qualificação jurídica dos factos assentes sob o nº 9. e ss, relativamente à AA;
III. Por último, em qualquer circunstância, sem prescindir do que deixou dito, afigura-se- nos que a pena única de 6 (seis) anos de prisão em que o recorrente foi condenado é excepcionalmente severa, sendo certo que a melhor apreciação da matéria de facto provada e uma correcta subsunção da mesma às normas legais aplicáveis não impõe reacção penal de tal monta, mas antes pena única inferior a 5 (cinco) anos de prisão, em concreto pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, sempre, e em qualquer circunstância, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova a cargo da DGRS, nos termos do disposto nos arts. 50.º, n.ºs 1 e 2, e 53.º, n.ºs 1, 2 e 4, do Código Penal.
I – Do erro de julgamento – Matéria de facto tendente à formação da convicção de que o recorrente praticou os factos pelos quais veio a ser condenado
- Factos Provados sob os nºs nºs 3 a 14
a) Salvo o devido respeito, o tribunal a quo errou na apreciação do conjunto da prova produzida relativa aos factos supra referidos e subsequente condenação do recorrente pela prática dos crimes pelos quais foi condenado;
b) Destarte, pelas razões que pormenorizadamente vêm explanadas de forma extensa e concreta no corpo da presente motivação, os segmentos e factos supra referidos, e ora em crise, devem merecer resposta contrária: Não Provados aqueles que erradamente ficaram assentes sob os números nºs 3 a 14;
c) Com efeito, a condenação do recorrente surge por via do grave erro de apreciação por parte do tribunal a quo das declarações prestadas nos autos pelas menores CC e AA.
d) As quais consubstanciam incertezas, ambiguidades e contradições que não são, de nenhuma forma, compatíveis com o graú de certeza que uma decisão judicial condenatória exige.
e) uma correcta apreciação e valoração do conjunto da prova produzida impunha, como impõe, a absolvição do arguido, quando menos com recurso ao princípio universalmente aceite do in dúbio pro reo,
f) pois, como melhor se alcança das boas razões que alinhou no corpo da presente motivação, não é claro nem isento de dúvidas, portanto, não é seguro, que o arguido tenha praticado os factos pelos quais vinha acusado.
Em qualquer circunstância, sem prejuízo do que deixou dito,
II – Da errada qualificação jurídica dos factos
- Factos Provados sob os nºs 9. e ss, relativamente à AA.
g) o tribunal a quo decidiu subsumir os factos que erradamente deu como assentes sob os números 3. a 8., na forma consumada, à norma do artigo 171.º, n.º 1 e 2 do Código Penal (cfr. último parágrafo de fls. 75 do acórdão em crise);
h) por sua vez, quanto aos que deu como assentes sob os números 9. e ss,, ainda que erradamente, o tribunal a quo entendeu subsumir os da matéria dada como assente em 12, relativamente à menor CC, na forma consumada, à norma do artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal (cfr. penúltimo parágrafo de fls. 73, 4º e 7º parágrafos de fls. 74 e penúltimo parágrafo de fls. 75 do acórdão recorrido); e os da matéria assente em 9., relativamente á AA, na forma tentada, à norma do artº 171º, nº 3 do Código Penal (cfr. 1º parágrafo de fls. 75 do acórdão em crise).
i) Não obstante, a final o tribunal a quo condenou o recorrente “pela prática, em autoria material na forma tentada, por um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelos artigos 22.º, nº 1 e 2 c), 23.º, 73º, nº 1 a) e b) e 171º, nº 1 e 2, todos do Código Penal, (sobre a pessoa de AA), na pena parcial de 2 (dois) anos de prisão.”
j) A verdade é que uma correcta apreciação dos factos e a melhor subsunção dos mesmos ao direito, impõe o enquadramento jurídico daquela matéria dada como assente relativamente à AA na norma do artº 171, nº 3, do Código Penal. como, de resto, o tribunal concluiu na fundamentação de direito supra referida.
k) Em bom rigor, tais factos são subsumíveis à norma do artº 171º, nº 3, al. a) do Có- digo Penal, justamente por consubstanciarem importunação de menor de 14 anos mediante formulação de proposta de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, como previsto no artigo 170º.
l) Com efeito, a serem verdadeiros, tais factos preenchem o tipo previsto naquela norma do artº 171º, nº 3, al. a), do Código Penal na forma consumada, e não qualquer tentativa da prática do crime previsto no nº 1 e 2 do mesmo artº 171º daquele diploma legal.
m) Segundo as condições referidas, impõe-se a condenação do mesmo pela prática do referido crime na pena de 6 (seis) meses de prisão, por ser o que impõem a correcta apreciação e subsunção daqueles factos ao direito, e a melhor interpretação da referida norma.
Ainda sem prescindir do que deixou dito,
III – Do exagero da pena principal, das penas acessórias, da indemnização civil e da compensação
A) Da medida concreta das penas parcelares e única
n) Muito embora o recorrente esteja consciente da forte necessidade de se punir com rigor e uniformidade os crimes da natureza sexual, vistas as molduras penais abstractamente aplicadas, entende que as penas parcelares e única aplicadas in casu se mostram excepcionalmente severas;
o) A pena concreta tem como finalidade principal ser um remédio que, não pondo entre parêntesis a censura do facto, potencie a ressocialização do delinquente.
p) É que a pena concreta tem como finalidade principal ser um remédio que, não pondo entre parêntesis a censura do facto, potencie a ressocialização do delinquente, principalmente quando jovem, primodelinquente, com bom comportamento anterior e posterior aos factos, inserido familiar, social e profissionalmente;
q) Com efeito, o desiderato da ressocialização, tendo de ser avaliado em concreto, não pode, contudo, deixar de ter como parâmetro o inconveniente maléfico de uma longa separação do delinquente da comunidade natal, que em nada contribui para a respectiva reintegração social posterior.
r) A melhor apreciação da matéria de facto assente e uma correcta subsunção da mesma ao direito, quando mais, impõe a condenação do recorrente pela prática de
- um crime de abuso sexual de crianças, em autoria material na forma consumada, p. e p. artigo 171.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, (sobre a pessoa de CC), punido com pena de 3 a 10 anos de prisão, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão:
- um crime de abuso sexual de crianças, em autoria material na forma consumada, p. e p. artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal, (sobre a pessoa de CC), punido com pena de 1 a 8 anos de prisão, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão; e
- um crime de abuso sexual de crianças, em autoria material na forma consumada, p. e p. 171º, nº 3, al. a) do Código Penal, (sobre a pessoa de AA), punível com pena até 3 anos de prisão, na pena de 8 (oito) meses de prisão;
- em cúmulo, pela prática destes três crimes, na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, sempre, e em qualquer circunstância, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova a cargo da DGRS, nos termos do disposto nos arts. 50.º, n.ºs 1 e 2, e 53.º, n.ºs 1, 2 e 4, do Código Penal.
s) Com efeito, in casu as penas parcelares devem aproximar-se mais do limite mínimo da moldura penal abstractamente aplicável, designadamente quanto à qualificação jurídica pela qual se pugna relativamente aos factos dos quais foi vítima a AA, e a pena única não exceder, em circunstância alguma, os 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução, com sujeição a regime de prova.
t) É o que resulta de uma correcta apreciação da matéria de facto assente e a melhor interpretação e aplicação dos artºs. 50.º, n.ºs 1 e 2, e 53.º, n.ºs 1, 2 e 4, 71º, 77º, 170º e 171º, nºs 1 e 3 do Código Penal, coisa que o douto Tribunal a quo não fez.
B) Da medida das penas acessórias
u) Nesta esteira, a melhor apreciação da matéria de facto assente e uma correcta subsunção da mesma às disposições previstas nos artigos 69º-B, 69-C, 71º, 77º, 170º e 171º, nºs 1, 2, 3, al. a), todos do Código Penal, quando mais, impõe a condenação do recorrente nas seguintes penas acessórias:
de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, previstas no artigo 69.º-B do Código Penal pelo período de
7 (sete) anos, relativamente aos factos susceptíveis de constituir a prática pelo recorrente de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. artigo 171.º, n.º 1 e 2 do Código Penal sobre a pessoa de CC;
6 (seis) anos, relativamente aos factos susceptíveis de constituir a prática pelo recorrente de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal sobre a pessoa de CC;
5 (cinco) anos, relativamente aos factos susceptíveis de constituir a prática pelo recorrente de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. artigo 171.º, n.º 3 do Código Penal sobre a pessoa de AA; e
de acordo com as regras de punição prevista no artigo 77º do Código Penal, na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores.
de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, previstas no artigo 69.º-C, n.º 2 e 4 do Código Penal pelo período de
7 (sete) anos, relativamente aos factos susceptíveis de constituir a prática pelo recorrente de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. artigo 171.º, n.º 1 e 2 do Código Penal sobre a pessoa de CC;
6 (seis) anos, relativamente aos factos susceptíveis de constituir a prática pelo recorrente de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal sobre a pessoa de CC;
5 (cinco) anos, relativamente aos factos susceptíveis de constituir a prática pelo recorrente de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. artigo 171.º, n.º 3 do Código Penal sobre a pessoa de AA; e
de acordo com as regras de punição prevista no artigo 77º do Código Penal, na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores.
v) Tal, é o que resulta de uma correcta apreciação da matéria de facto assente e a melhor interpretação e aplicação do disposto nos artºs. 69º-B, 69-C, 71º, 77º, 170º e 171º, nºs 1, 2, 3, al. a), todos do Código Penal, coisa que o douto Tribunal a quo não fez.
C) Do Pedido de Indemnização Civil e da Compensação prevista no artº 82º-A do Código Penal
w) Por último, o tribunal a quo condenou ainda o recorrente a pagar a AA, representada pela sua representante legal, DD, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 12.000,00 (doze mil euros), acrescida de juros de mora legais, vincendos, contabilizados desde a presente data da decisão em crise até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4%, ao abrigo dos artigos 805º, 806º e 556º do Código Civil e da Portaria 291/2003, de 8 de Abril; e nos termos do artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal, € 40.000,00 (quarenta mil euros), a título de montante compensatório, à vítima CC.
x) Vista a matéria de facto dada como assente a propósito, a indeminização arbitrada a favor da AA é francamente exagerada.
y) Sem desmerecer a gravidade dos factos, importa referir que os que se provaram relativamente à AA não suscitam reacção indemnizatória de tal monta.
z) Deu-se como provado que os factos praticados foram causa de ansiedade, medo e angústia, não obstante tais danos devem ser cotejados com os factos concretos de que foi vítima, na circunstância a exibição de um vídeo de cariz sexual à menor para obter a realização de coito oral não concretizado tout court.
aa) Sendo certo que na apreciação dos danos eventualmente resultantes de tais factos não pode olvidar-se o facto das crianças em questão terem contactos com material de natureza sexual ou erótica através de vídeos e gravações áudio promovidas por familiares e por elas mesmas com o conhecimento daqueles.
bb) Destarte, uma melhor apreciação dos factos em causa e a melhor interpretação das disposições dos artºs 483º, 496º, nº 1 e 3 e 563º do Código Civil, impõem que o montante a arbitrar a título de indemnização seja fixado em € 4.000,00.
cc) Por sua vez, no que diz respeito à compensação fixada nos termos do disposto no artº 82º-A do Código de Processo Penal pelos danos sofridos por CC, segundo o melhor juízo de equidade, cotejado com a modesta e instável situação económica do recorrente, que será agravada pela prisão que lhe foi determinada, sem olvidar o que retro se deixou dito a propósito dos contactos mantidos também por esta menor com material vídeo e áudio de natureza sexual ou erótica promovidos e aceites pelos familiares e amigos próximos, deve ser fixada em montante não superior a € 10.000,00.
dd) Tal, é o que resulta de uma correcta apreciação da matéria de facto assente e a melhor interpretação e aplicação do disposto nos artºs 483º, 496 e 563º do Código Civil, e 82º-A do CPP, segundo o melhor juízo de equidade, o que o douto Tribunal a quo não fez.
Requereu ainda a realização de audiência para debate da matéria referida no ponto I da motivação, nos termos e para os efeitos do n.º 5, do art.º 411.º do Código de Processo Penal (C.P.P.).
O referido recurso foi admitido por despacho de 26-08-2024.
I.3. Da resposta:
Ao dito recurso respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, concluindo da seguinte forma:
1.º - A mera discordância por parte do recorrente em relação à apreciação/valoração da prova feita pelo Tribunal a quo não traduz qualquer erro de julgamento, sendo antes uma consequência lógica e inevitável do princípio da livre apreciação da prova, de acordo com o qual, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
2.º - De acordo com este princípio, o Tribunal é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos, em detrimento de outros, desde que a opção seja devidamente explicitada e convincente de acordo com aquelas duas vertentes.
3.º - Lida a motivação do Acórdão, verifica-se que o Tribunal recorrido foi claro, explícito e elucidativo ao fundamentar as razões pelas quais não atribuiu credibilidade à versão do arguido e considerou credíveis as versões das testemunhas CC e AA, nas quais não vislumbrou capacidade de efabular, funcionamento psicopatológico ou sociopático ou qualquer interesse em prejudicar BB, à semelhança, aliás, do que os testes cognitivos e psicoemocionais confirmaram.
4.º - Num exercício exemplar de exame crítico de todas os demais elementos de prova produzidos nos autos (pessoal, pericial e outros), o Tribunal recorrido justificou plenamente os motivos pelos quais credibilizou os depoimentos das vítimas e deu como provada a factualidade enunciada na matéria de facto ora sob recurso, nomeadamente os pontos 3 a 14, num exercício de fundamentação absolutamente lógico, coerente, elucidativo e inteiramente consonante com as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer.
5.º - Por todo o exposto, a decisão proferida sobre a matéria de facto (nomeadamente em relação aos pontos 3 a 14 objecto do recurso) deverá permanecer inalterada por se encontrar cabalmente fundamentada, ser compatível com as regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida, e reflectir a justa valoração dos diversos meios probatórios considerados, não tendo o tribunal extravasado os poderes/deveres que emergem dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
6.º - Inexiste qualquer contradição entre a qualificação jurídico-penal dos factos efectuada em sede de fundamentação – capítulo III do Acórdão e a parte dispositiva do Acórdão, que condena o arguido em termos jurídico-penais absolutamente coincidentes com aquele prévio enquadramento
7.º - A matéria de facto dada como provada no Acórdão nos pontos 9. e ss é, em relação à menor/vítima AA, inequivocamente subsumível ao crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelos artigos 22.º, nº 1 e 2 c), 23.º, 73º, nº 1 a) e b) e 171º, nº 1 e 2, todos do Código Penal, pelo qual, para além do mais, o arguido foi condenado, não merecendo o Acórdão qualquer censura quanto à qualificação jurídico-penal que, nessa parte, levou a cabo.
8.º - As penas parcelares (de 5, 2 e 2 anos) e a pena única (de 6 anos) de prisão concretamente aplicadas ao arguido pelos crimes de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, (sobre a pessoa de CC), abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal, (sobre a pessoa de CC) e de abuso sexual de crianças tentado, previsto e punível pelos artigos 22.º, nº 1 e 2 c), 23.º, 73º, nº 1 a) e b) e 171º, nº 1 e 2, todos do Código Penal, (sobre a pessoa de AA) não deixam transparecer qualquer inobservância dos critérios contemplados no artº 71º nºs 1 e 2 do C.P. nem desrespeito pelas finalidades das penas, consagradas no artº 40º nº 1 do mesmo Código, devendo por isso ser mantidas.
9.º - O mesmo se diga relativamente às penas acessórias em que foi condenado, quer as parcelares, quer as penas únicas aplicadas, que são absolutamente proporcionas, adequadas e necessárias às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir e à culpa revelada pelo arguido no cometimento dos factos, devendo igualmente manter-se.
10.º - Ainda que por alguma das vias propugnadas pelo Recorrente a pena de prisão venha a ser reduzida para medida não superior a cinco anos – hipótese que só por dever de ofício se equaciona – não poderá haver lugar à suspensão da respectiva execução porquanto os factos ilícitos perpetrados pelo arguido causaram forte perturbação na comunidade e tiveram nefastos efeitos físicos e psicológicos nas vítimas como ficou bem patente dos depoimentos prestados, sendo que os seus comportamentos só foram interrompidos com a sua detenção e com a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.
11.º - Neste sentido, a confiança comunitária nas normas violadas pelos sucessivos comportamentos do arguido só poderá ser adequada e cabalmente reposta com a aplicação de prisão efectiva, sendo qualquer outra pena, nomeadamente a suspensão da execução da pena de prisão, uma benevolência injustificada e potenciadora da mimetização de comportamentos como aqueles que foram levados a cabo pelo arguido.
12.º - O acórdão recorrido não violou qualquer norma legal, em particular não violou os artºs. 22.º, nº 1 e 2, al. c), 23.º, 50.º, n.ºs 1 e 2, 53.º, n.ºs 1 a 4, 71º, 73º, nº 1, als. a) e b), 77º, 78º, 73º, nº 1, als. a) e b), 170º e 171º, nºs 1, 2 e 3 do Código Penal.
Foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação.
I.4. Do indeferimento da audiência:
Foi indeferida a realização da audiência que havia sido requerida pelo recorrente por ter sido considerado que o recorrente não cumpriu convenientemente o ónus legalmente estipulado para que aquela tivesse lugar.
I.5. Do parecer:
Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer através do qual propugnou pela improcedência do recurso, de acordo com o seguinte:
“(…) 4.2. Posição do Ministério Público no TRL.
Analisados os fundamentos do recurso, acompanhamos a bem elaborada e fundamentada resposta do digno magistrado do Ministério Público junto da 1.ª Instância, ao recurso interposto pelo arguido BB, quando pugna pela improcedência do recurso.
Entendemos que o magistrado do Ministério Público na primeira instância identificou corretamente o objeto do recurso, respondeu a todas as questões de modo claro e esclarecedor, pelo que aderimos, na íntegra, à resposta apresentada, a qual damos aqui por reproduzida.
Na verdade, e como veremos, o acórdão recorrido, a nosso ver, mostra-se acertado e devidamente fundamentado, não nos merecendo nenhum reparo ou censura.
Vejamos.
4.2.1. Da impugnação da matéria de facto.
O arguido impugna expressamente matéria de facto dada provada, indicando os pontos de facto dados como provados sob os números 3 a 14 e 21 do acórdão recorrido que considera incorretamente julgados, no entanto não indicou qualquer prova produzida que tenha a virtualidade de impor, claramente, decisão diversa.
Aliás, o arguido BB limita-se a divergir subjetiva e genericamente na avaliação da prova produzida com recurso a uma argumentação de valoração apoiada em apelos de vida pessoal e não apoiada em elementos de prova concretamente impositiva de sentido contrário à decidida pelo tribunal recorrido.
No entanto, e contrariamente à posição negatória, artificial e preparada do próprio arguido que evola da motivação de recurso, há que referir que, e como bem se fundamenta no acórdão recorrido, que as ofendidas, apesar da sua pouca idade, foram testemunhas credíveis que prestaram depoimentos sinceros, genuínos, e, não obstante as vezes a que prestaram declarações, mantiveram sempre o essencial dos atos que o arguido as obrigou a suportar.
Como o acórdão recorrido muito bem assinala:
“Não se descortina qualquer capacidade por parte destas duas crianças – e os testes cognitivos e psicoemocionais confirmam essa convicção – de manterem, mesmo que com algumas discrepâncias entre os depoimentos que se reconhecem, os elementos essenciais dos factos que narraram ao longo de um processo longo para as suas curtas vidas, numa prova de resistência a que uma mentira de criança sucumbiria. Efetivamente, esta verdadeira Via Crucis inicia-se com o relato a um Inspetor da Polícia Judiciária, depois perante um Juiz de Instrução Criminal, ao que se seguiu, em duas sessões de entrevista e observação, uma Especialista de Psicologia do IML, e, finalmente, o autêntico “calvário” é culminado pela pouco previsível convocatória para depor em Tribunal Coletivo, perante vários intervenientes ou em representação de intervenientes.”
Aliás, o tribunal fundamenta passo a passo, ato a ato, com enorme rigor, o motivo(s) por que deu como provado cada um dos factos e atos em apreciação nestes autos.
Assim, e por isso mesmo, o Tribunal que julga em primeira instância, goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados.
Ora, a questão fundamental é que o tribunal recorrido adquiriu a convicção firme sobre o facto e fundamentou o juízo crítico sobre a prova em que suportou tal convicção de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.
A ser assim, no exame crítico levado a efeito o Tribunal recorrido seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, tendo esta sido apreciada segundo as regras da experiência e da livre apreciação, nos termos do disposto no art.º. 127.º do Código de Processo penal.
Assim, entende-se que não deve haver lugar à alteração da decisão sobre a matéria de facto e, consequentemente, deve improceder a impugnação sobre a matéria de facto.
4.2.2. Das medidas das penas
Contrariamente ao que alega o recorrente, as penas parcelares, únicas e acessórias mostram-se justas, adequadas aos factos e aos crimes em presença, de acordo com a culpa do arguido e as razões de prevenção, geral e especial.
Os crimes em causa, cometidos contra crianças, assumem uma enorme gravidade, sendo rejeitados pela comunidade e geradores de alarme social.
As razões de prevenção geral são por isso muito elevadas.
Acresce que o arguido não fez qualquer exercício de autocensura e muito menos de arrependimento, sendo que os atos só cessaram com a sua prisão, pelo que as necessidades de prevenção especial são também muito elevadas.
Tendo em conta as molduras penais aplicáveis aos crimes em apreço, as penas parcelares, única e acessórias, mostram-se adequadas à culpa e às necessidades de prevenção, afigurando-se-nos que qualquer redução de penas não satisfaria tais necessidades.
*
Pelo exposto, e salvo o devido e muito respeito por diferente opinião, somos do parecer que o recurso interposto pelo arguido deve ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra o acórdão recorrido.
Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do C.P.P., nada foi acrescentado.
I.5. Da reclamação da decisão que indeferiu a realização da audiência:
O recorrente apresentou reclamação da decisão que indeferiu a realização da audiência (cfr. I.4.) alegando, em resumo, que a decisão reclamada é nula nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P. ex vi art.º 374.º, n.º 2, do C.P.P., por não ter cobertura legal, dado que o reclamante indicou como matéria a debater o ponto I da motivação do recurso (“Do erro de julgamento – Matéria de facto tendente à formação da convicção de que o recorrente praticou os factos pelos quais veio a ser condenado - Factos Provados sob os nºs nºs 3 a 14”), que se reconduzia a seis alíneas indicadas nas conclusões do recurso que interpôs, não se podendo fazer equivaler tal indicação à ausência de especificação.
I.6. Da tramitação subsequente:
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.
II. Fundamentação:
II.1. Da reclamação:
II.1.A. Da decisão reclamada:
É do seguinte teor a decisão reclamada:
“(…) No recurso interposto o recorrente requer a realização de audiência para debate da matéria referida no ponto I da motivação, nos termos do art.º 411.º, n.º 5, do C.P.P. Ora, o referido ponto I. da motivação versa sobre o alegado “ (…) erro de julgamento – matéria de facto tendente à formação da convicção de que o recorrente praticou os factos pelos quais a final veio a ser condenado – factos provados sob os nºs 3 a 14”, expondo o recorrente, ao longo de 71 artigos, a sua análise das declarações e depoimentos que menciona e que, na sua visão, conduziriam a diversa decisão quanto àquela factualidade dada como provada.
Cumpre decidir.
“No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos” (cfr. art.º 411.º, n.º 5, do C.P.P.).
A audiência no tribunal de recurso apenas se realiza a requerimento do recorrente, mas o legislador estabeleceu uma limitação ao exercício do direito à audiência em recurso, impondo ao requerente que especifique contemporaneamente o objeto do debate oral pretendido e, assim, à reflexão sobre o seu real interesse, desta forma se evitando o abuso do instituto e a realização de atos processuais supérfluos. Ora, uma vez que o direito ao recurso não inclui necessariamente a realização de audiência pública no tribunal de recurso e a oralidade na discussão do recurso, o requerimento de um recorrente para julgamento do recurso em audiência com omissão de indicação das questões a debater deixa aquele ato sem objeto, devendo ser indeferido (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 09-11-2009, processo n.º 371/07.8TAFAF.G11).
Saliente-se que o ónus processual de identificação concretizada dos pontos da motivação de recurso que se pretende debater que impende sobre o recorrente, enquanto condição de realização da audiência no recurso, tanto permite ao julgador como ao recorrido, em particular ao Ministério Público, que exerce a ação penal, prepararem as questões a discutir em audiência de julgamento, sendo certo que cabe ao relator junto do tribunal de recurso, elaborar uma exposição sumária sobre o objeto do recurso, na qual enuncia as questões que o tribunal entende merecerem exame especial (cfr. art.º 423.º, n.º 1, do C.P.P.), como, simultaneamente, implica um esforço adicional do recorrente na compressão e síntese dos pontos da motivação a discutir, oralmente, em audiência (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 163/2011, de 24-03-20112).
Quando consagrou esta possibilidade, o legislador teve como objetivo central, a possibilidade de se discutir oralmente, em audiência, perante o tribunal de recurso, pontos específicos controvertidos que de alguma forma não pudessem resultar claros da simples leitura da motivação e das respetivas conclusões, visando assim, com o debate em audiência, um melhor esclarecimento desses pontos mais sensíveis. Desta forma, a audiência de julgamento perante o tribunal de recurso assume um carácter excecional, só devendo ser requerida quando resulte do recurso escrito a impossibilidade de explicitar ou dirimir qualquer matéria controvertida que não possa de outra forma elucidar este tribunal sobre o alcance do recurso, não devendo ser arbitrariamente requerida só porque a parte quer vir reiterar oralmente o mesmo que já alegou por escrito (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24-06-2020, processo n.º 1402/07.7TDLSB.L1-33).
Ora, no presente caso, bem vistas as coisas, o recorrente, porém, não procedeu a qualquer especificação, já que a sua indicação não é para quaisquer específicas questões a debater, mas sim para o cerne do recurso que interpôs sobre a impugnação dos concretos pontos da matéria de facto que identifica.
Acresce que não se impõe qualquer convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso. Na verdade, as situações que justificam o convite ao aperfeiçoamento dizem respeito a um ónus de indicação de elementos do recurso cuja omissão redunda na rejeição ou no não conhecimento parcial do objeto do recurso interposto (cfr. art.º 417.º, n.º 3, in fine, do C.P.P.). Com efeito, as situações em causa dizem respeito a: i) indicação de normas ou interpretações normativas, em caso de recurso sobre matéria de direito (cfr. art.º 412.º, n.º 2, do C.P.P.); ii) indicação de concretos pontos de facto e provas, em caso de recurso sobre matéria de facto (cfr. art.º 412.º, n.º 3, do C.P.P.); iii) identificação das gravações da audiência de julgamento, quando existentes (cfr. art.º 412.º, n.º 4, do C.P.P.), iv) especificação obrigatória dos recursos retidos nos quais o recorrente mantém interesse (cfr. art.º 412.º, n.º 5, do C.P.P.). Ora, não é esse o caso dos presentes autos (cfr. o referido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 163/2011, de 24-03-2011).
Por outro lado, não existindo norma que o permita, o convite ao aperfeiçoamento constituiria, na verdade, a renovação do prazo para exercício de direito renunciável, contrariando a vontade do legislador (cfr. o referido acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09-11-2009, processo n.º 371/07.8TAFAF.G1).
Desta feita, uma vez que não foi convenientemente cumprido o ónus legalmente estipulado para que haja lugar à audiência, indefere-se a sua realização.
Pelo exposto e ao abrigo dos citados preceitos legais, indefiro a realização da audiência.
1 https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/90537d69a370c7668025768f003de9f3?OpenDocument
2 https://files.dre.pt/2s/2011/11/211000000/4358343586.pdf
3 https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/b079ccab556ab77b802585ec0032217d?OpenDocument
II.1.B. Da apreciação da reclamação:
No que se refere à alegada nulidade, por falta de fundamentação, da decisão reclamada, cumpre esclarecer que a mesma só existe se houver uma falta absoluta de tal fundamentação, não se verificando a nulidade em causa perante uma fundamentação deficiente (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-06-2023, processo n.º 8013/19.2T9LSB.L1.S11; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-09-2020, processo n.º 2774/17.0T8STR.E1.S12; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-01-2018, processo n.º 388/15.9GBABF.S13; MENDES, António Jorge de Oliveira, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1181).
Na verdade, a falta de fundamentação não se confunde com uma fundamentação insuficiente. Existirá uma falta de fundamentação quando ocorre uma absoluta ausência do enunciar das razões pelas quais se decidiu num determinado sentido. Por seu turno, uma fundamentação insuficiente ocorrerá quando, apesar de serem enunciadas razões, estas são incompletas ou insuficientes para permitir que se extraia a ilação jurídica formulada pela decisão.
No entanto, só a primeira situação gera a nulidade do ato decisório, quando esta for expressamente cominada na lei (cfr. art.º 118.º, n.º 1, do C.P.P.), ou a sua irregularidade, nas demais situações (cfr. art.º 118.º, n.º 2, do C.P.P.). Na verdade, a segunda situação, isto é, a fundamentação insuficiente, sujeita o ato decisório em causa ao risco de ser revogado ou alterado, mas não produz a nulidade ou irregularidade do mesmo (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-03-2014, processo n.º 15/10.0JAGRD.E2.S14).
No presente caso, o facto de o reclamante se insurgir contra as razões avançadas na decisão reclamada é por si só demonstrativo que esta enuncia os fundamentos pelos quais decidiu como decidiu, não sendo inexistente a sua fundamentação, pelo que não se verifica o alegado vício.
Quanto à identificação dos pontos a debater em audiência, conforme se afirma na decisão reclamada, de facto, o reclamante não procedeu a qualquer especificação, já que a sua indicação não é para quaisquer específicas questões a debater, mas sim para o cerne do recurso que interpôs sobre a impugnação dos concretos pontos da matéria de facto que identifica.
Cumpre esclarecer que o mesmo expressamente identifica como questões para debate o ponto I da motivação do recurso, que possui 71 artigos, e não as seis alíneas em que resume tal ponto nas conclusões do recurso que interpôs.
Ora, tal é demasiado indeterminado, não tendo, assim, sido indicados elementos, factos ou pormenores concretos relativamente aos quais o debate em audiência acrescentaria algo à respetiva motivação, o que impossibilitava até a determinação das questões a discutir em audiência e que merecem exame especial.
Assim, é evidente que a audiência mais não seria do que uma repetição do que já foi escrito, não sendo esse o seu propósito.
Acresce que do recurso interposto não resulta a impossibilidade de esclarecer ou resolver qualquer assunto controvertido por outra forma que não seja a realização da audiência.
Nesta perspetiva, não estão verificados os pressupostos exigidos no art.º 411.º, n.º 5, do C.P.P., razão pela qual se mostra fundada a decisão de indeferir a realização da audiência, determinando a apreciação do recurso em conferência.
Assim, é totalmente improcedente a reclamação apresentada pelo recorrente.
II.2. Do recurso:
II.2.A. Dos poderes de cognição do tribunal de recurso:
Está pacificamente aceite na doutrina (cfr., por exemplo, MESQUITA, Paulo Dá, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, 2024, Livraria Almedina, pág. 217; POÇAS, Sérgio Gonçalves, in “Processo Penal – Quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, Julgar, n.º 10, 2010, pág. 245; SILVA, Germano Marques da, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª edição, 2000, pág. 335) e jurisprudência (cfr., por exemplo, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-02-2024, processo n.º 105/18.1PAACB.S16) que, sem prejuízo do conhecimento oficioso de determinadas questões que obstem ao conhecimento do mérito do recurso (cfr., por exemplo, art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P.), são as conclusões que delimitam o seu objeto e âmbito, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19-10-2995, para fixação de jurisprudência, in Diário da República n.º 298, I Série A, págs. 8211 e segs.7).
Na verdade, se o objeto do recurso constitui o assunto colocado à apreciação do tribunal de recurso e se das conclusões obrigatoriamente devem constar, se bem que resumidas, as razões do pedido (cfr. art.º 412.º, n.º 1, do C.P.P.) e, assim, os fundamentos de facto e de direito do recurso, necessariamente terão de ser as conclusões que identificam as questões que a motivação tenha antes dado corpo, de forma a agilizar o exercício do contraditório e a permitir que o tribunal de recurso identifique, com nitidez, as matérias a tratar.
II.2.B. Das questões a decidir:
A esta luz, são as seguintes as questões a conhecer, pela ordem da prevalência processual sucessiva que revestem:
A. Erro de julgamento, nos termos do art.º 412.º, n.º 3, als. a) e b), do C.P.P. quanto aos factos tidos por provados nos seus pontos 3 a 14 (cfr. II.2.D.a.);
B. Enquadramento jurídico-penal dos factos provados 9 a 17 quanto à AA (cfr. II.2.D.b.);
C. Medida das penas (cfr. II.2.D.c.):
1. Medida concreta das penas principais parcelares de prisão (cfr. II.2.D.cc.);
2. Medida da pena principal única de prisão (cfr. II.2.D.ccc.);
3. Suspensão da execução da pena principal única de prisão (cfr. II.2.D.cccc.);
4. Medida das penas acessórias parcelares e únicas (cfr. II.2.D.ccccc.); e
D. Quantias indemnizatórias (cfr. II.2.D.d.).
II.2.C. Ocorrências processuais com relevo para apreciar as questões objeto do recurso:
Ora, com relevo para o definido objeto do recurso, e resultante dos atos processuais a seguir assinalados, importa atentar no seguinte:
II.2.C.a. Do despacho de acusação (cfr. ref.ª 145957181 de 29-08-2023):
Em 29-08-2023 o Ministério Público deduziu acusação, em processo comum e perante tribunal coletivo, imputando a BB a prática, em concurso real, de 3 crimes de abuso sexual de crianças, ps. e ps. pelo art.º 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal (C.P.).
II.2.C.b. Da matéria de facto considerada no acórdão recorrido (cfr. ref.ª 152192322 de 12-07-2024):
Foi a seguinte a matéria de facto considerada em sede de acórdão recorrido pelo tribunal de 1.ª instância:
Discutida a causa, o Tribunal considera provados os seguintes factos, com relevância:
O arguido BB residia, em 2023, na morada sita na … Amadora, sendo vizinho das menores AA (nascida a ... de ... de 2015) e CC (nascida a ... de ... de 2015), as quais residiam no r/c direito e r/c esquerdo, respetivamente.
Em virtude de tal relação de vizinhança, os agregados familiares das referidas residências frequentam as casas uns dos outros.
Em data não concretamente apurada do ano de 2023, mas não posterior a março, no interior da casa do arguido, este disse à menor CC para entrar no quarto do mesmo.
No interior do quarto o arguido abriu as calças que envergava, exibiu o pénis à menor CC e disse à mesma para “pegar” no pénis e, perante a resistência da mesma, o arguido agarrou a mão da menor e colocou a mesma no pénis do arguido.
Seguidamente, e não obstante a resistência da menor, o arguido colocou a mão da menor à volta do pénis e efetuou, com a mesma, movimentos ascendentes e descendentes.
Por a menor tentar retirar a mão, o arguido agarrou na mesma com força, impedindo a menor de retirar a mão, bem como disse à menor “que chupasse”, ao que esta disse que não.
O arguido insistiu e colocou o pénis ereto no interior da boca da menor, agarrou na cabeça da mesma e efetuou movimentos ascendentes e descendentes, repetindo-os, ejaculando no interior da boca da menor.
No decurso dos factos acima descritos, o arguido, munido de um telemóvel, efetuou gravação de tais ações.
No final do mês de março de 2023, no interior do quarto do arguido, este disse às menores AA e CC para chuparem o pénis dele, ao que as mesmas negaram.
Nessa ocasião, o arguido disse às menores que iria mostrar à mãe de ambas o vídeo que gravou e exibiu o vídeo à AA
Seguidamente, o arguido fechou a porta do quarto, baixou a roupa que envergava, deitou-se na cama e disse às menores para agarrarem no seu pénis.
Nessa ocasião, a menor CC colocou as mãos no pénis do arguido e efetuou movimentos ascendentes e descendentes, tendo sido interrompidos porque a mãe do arguido se aproximou do quarto do mesmo.
Seguidamente, as menores deslocaram-se para casa da AA, tendo o arguido, pouco tempo depois, batido à porta, que foi aberta por esta criança.
O arguido dirigiu-se ao quarto das menores, exibindo o pénis e pediu às menores para o chuparem.
Estas negaram fazê-lo.
Ao atuar da forma acima descrita o arguido agiu com o propósito concretizado de satisfazer os seus desejos sexuais com crianças, bem sabendo que tais atos eram adequados a prejudicar o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade destas e que tinham reflexos na esfera sexual da personalidade das mesmas, o que logrou ao atuar da forma acima descrita.
Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
A AA passou a sentir ansiedade e medo de estar na presença do arguido, que lhe passou a provocar sentimento de repulsa e receio.
E passou a apresentar alterações nos níveis de atenção e concentração, que prejudicaram o seu desenvolvimento intelectual.
E deixou de se relacionar com tanta facilidade como antes.
As imagens que a menor foi obrigada a ver irão perdurar na sua memória.
O arguido aproveitou-se do seu poder e domínio sobre a menor e vulnerabilidade desta, traindo a sua confiança.
*
No início de 2023, o arguido tinha 23 anos, residia na ..., com a sua mãe, em casa arrendada, num apartamento de tipologia T3, o qual apresentava boas condições de acomodação.
O padrasto do arguido, EE, coabitava, pontualmente, no agregado, permanecendo, a maioria do tempo, emigrado na ....
A dinâmica familiar era encarada como afetiva e próxima.
A família do arguido tem vínculos familiares, ainda que distantes, com as famílias da AA e da CC.
A relação entre os diferentes elementos destas famílias era próxima, sendo frequentes as visitas e convívios.
Quando foi aplicada a medida de coação de obrigação de permanência na habitação com recurso a meios de vigilância eletrónica, o arguido passou a integrar o agregado familiar da sua tia avó materna, FF, de 58 anos, residente no ....
O arguido encontra-se atualmente acomodado à sua situação coativa, ainda que o cumprimento das regras inerentes à medida seja penosa e assente num sacrifício.
O arguido recebe, com regularidade, visitas de familiares e da namorada, GG, de 20 anos.
O arguido mantém um relacionamento com esta desde janeiro de 2022.
A sua namorada tem sido um suporte afetivo significativo, para si, durante esta fase.
O arguido viveu, até aos 10 anos, em ..., com a avó materna, HH e com outros familiares.
Após a separação dos pais, ocorrida quando tinha cerca de 1 ano, a relação com o pai foi tendencialmente distante.
Após a vinda para ..., o arguido residiu sempre com a mãe, e com o irmão uterino mais velho, II (com 28 anos), o qual se encontra emigrado na ... há cerca de 5 anos.
O arguido mantém uma ligação próxima com o irmão.
Em 2023, o arguido estava empregado na empresa ..., auferindo € 800,00 de salário, a que acrescia o subsídio de alimentação.
O arguido contava e conta com o apoio da mãe, …, que recebia um salário de cerca de € 800,00 por mês, bem como do seu primo, JJ, …, o qual tem prestado apoio financeiro à família, ao longo do tempo, com remessa de valores mensais variáveis.
O padrasto apoiava, nessa altura, a família, com montantes mensais não concretamente apurados.
Em termos de despesas, a principal residiria na habitação no valor de 400 euros.
As restantes despesas eram variáveis.
O agregado não passaria por carências e dispunha de uma situação económica estável e suficiente.
No presente, o arguido depende do apoio de terceiros para a satisfação das suas necessidades básicas, que vêm sendo asseguradas.
Quanto ao percurso escolar e profissional, o arguido concluiu o 12º ano de escolaridade, com cerca de 20 anos.
E teve, em termos laborais, várias experiências, pese embora de forma irregular.
Os trabalhos que foi desempenhando não correspondiam às suas expetativas e alguns mostraram-se exigentes em termos físicos.
O arguido esteve emigrado, em curtos períodos, na ... e na ....
O arguido pondera, como projeto de vida, a hipótese de emigração ou a prossecução de estudos, ainda que não tenha etapas bem definidas.
Em 2023, na data dos factos supra assentes, o arguido mantinha um quotidiano centrado em atividades familiares e de lazer, convivendo com familiares e amigos da sua zona de residência e com a namorada.
Neste contexto, as rotinas seriam pouco estruturadas.
Atualmente, o quotidiano do arguido assenta em jogos, televisão e convívio com família e amigos.
Não são conhecidos consumos de substâncias psicotrópicas, tendo o arguido tido apenas uma experiência de consumo de haxixe em contexto grupal no final da adolescência, da qual mantém más recordações.
Por forma a evitar conflitos/tensões, mormente com familiares das ofendidas, o arguido verbaliza não pretender voltar à anterior morada.
A mãe do arguido pretende prestar apoio ao filho qualquer que venha a ser o desfecho do presente processo.
O arguido tem cumprido, de forma adequada, as regras inerentes à sua atual medida de coação, não existindo registo de incumprimentos.
O arguido não tem qualquer condenação averbada no seu registo criminal.
*
Factos não provados, com relevância para a causa:
Que na situação assente em 3., o arguido dissesse à AA e a outro vizinho para saírem, o que estes fizeram;
Que na situação descrita em 7., o arguido dissesse ainda “para por a cabeça mais para o fundo”;
Que na situação descrita em 9., o arguido tenha empregue, concretamente, a expressão “minhoca”.
Que na situação descrita em 12., o arguido tenha dito a ambas as menores que a “CC já tinha chupado muitas pilinhas”.
II.2.C.c. Dos motivos de facto, indicação e exame crítico das provas exarados no acórdão recorrido (cfr. ref.ª 152192322 de 12-07-2024):
É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo tribunal de 1.ª instância:
A convicção do tribunal, quanto à dinâmica dos factos assentes e sua configuração, resulta do confronto das declarações produzidas pelo arguido, pelo assistente e pela representante legal da demandante, com os depoimentos das testemunhas, documentos carreados para os autos e relatórios periciais que infra serão analisados e cotejados, de acordo com as regras de experiência comum.
Comente-se que as regras de experiência comum, bitola a que o julgador pode recorrer, de acordo com o preceituado nos artigos 127º e 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, autorizam o tribunal a apreciar um determinado comportamento em função do meio cultural e do comportamento social de um determinado grupo, num tempo determinado tempo.
Ora, o arguido em audiência gozou de grande latitude não apenas para apresentar os meios de prova que entendeu, como para produzir, múltiplas vezes, declarações, ainda que as prestadas nas últimas sessões já muito redundantes e focadas no comentário de depoimentos que considerava serem-lhe desfavoráveis.
Além da análise da coerência, interna e externa, das suas declarações, analisou-se a postura corporal do arguido, nas várias sessões, ao produzi-las e mesmo nos seus silêncios.
Efetivamente, examinou-se o seu tom de voz, os gestos e a sua postura corporal, ao produzir as declarações, mas também a sua expressão corporal quando comunicados os depoimentos prestados pelas menores AA e CC na sua ausência, e quando ia entrando em contacto com outros depoimentos prestados perante si.
Admite-se (e até se espera, perante as regras da normalidade), que alguém acusado de um crime tão hediondo e socialmente estigmatizante, reaja com indignação, (se inocente).
Sem se descurar a idade do arguido, o seu contexto social e atual estatuto processual e coativo, as suas idiossincrasias, as habilidades linguísticas (ou falta delas) e projeções para o futuro, o tribunal foi observando o recrudescer das reações externas do arguido, muitas das vezes exageradas em relação à relevância do que era dito, transparecendo que procurava causar no tribunal essa perceção de uma indignação que não se nos afigura como verdadeiramente genuína.
Em suma, o arguido, em declarações que não se afastam substancialmente das produzidas em sede de primeiro interrogatório, em 11 de maio de 2023, declara que o descrito nos pontos 1. e 2. da douta acusação é verdade, confirmando conhecer as menores ali nomeadas “desde sempre”.
E reconhece que, em determinado dia, referindo-se, alcança-se, ao da revelação feita pela AA à mãe, chegou a casa do trabalho, da parte da tarde. A CC pediu ajuda para fazer um trabalho da escola.
O declarante disse, então, ao KK (irmão da CC) e à AA para saírem do seu quarto, pois que este era a única divisão desocupada, ao contrário do que acontecia com a sala. Esclarece que pediu ao KK e à AA para saírem para que a CC se pudesse concentrar na explicação da tabuada. E revela que era frequente a CC fazer os trabalhos consigo.
Nesse dia, que situa, indubitavelmente, no dia ... de ... de 2023, a explicação não durou muito tempo e prometeu que ia dar gomas à CC e até lhe tirou uma fotografia, feliz (que corresponderá à junta a fls. 624).
O arguido revela que não era remunerado por estas explicações, apenas o fazendo por encarar a menor como família. “Zelava muito por eles”, conta, e explica que aquelas crianças o “tinham como exemplo”.
Assim, nega os factos e assume que “sempre foi correto com a CC”.
Questionado, explica que a casa onde habitava é composta por 3 quartos e que a sua mãe se encontrava na cozinha.
Nesse dia, a sua mãe entrou bruscamente no seu quarto e não disse nada, olhando apenas para si. E veio a perceber, mas tarde, que a AA tinha contado “essa mentira”.
A CC foi, entretanto, embora para o quarto com a sua mãe, que a confrontou com esta história contada pela AA.
A sua mãe foi ao ... com a CC, com a AA e com o KK, normalmente, e, à noite, contou-lhe o que a AA tinha dito, ou seja, que ele tinha posto a “pilinha” na boca da CC.
Não se pode deixar de registar, como se observou ao arguido, a forma infantilizada como se refere sempre ao seu órgão sexual, desculpando-se por ter dúvidas como a ele se devia referir em tribunal.
No dia seguinte, o arguido foi a uma festa em ..., com os pais e irmã da AA, LL e com a criança.
O arguido esclarece que levou o seu carro, dando-lhes boleia e aproveitou para ver a sua namorada, que era vizinha da aniversariante.
Na festa, a AA começou a dizer que ele “tinha feito essas coisas à CC” e conta que a menor narrou a história às outras crianças.
Depois desse dia, no dia ..., o arguido foi com a sua mãe, falar com a mãe da AA porque esta estava a inventar estas coisas que eram graves. E quando tem esta conversa, percebeu que a mãe – DD – não gostou porque esta foi mantida à frente do pai da AA.
Na casa desta estavam, para além da menor, os respetivos pais.
Quando questionado pelas razões pelas quais alguém das famílias da CC e da AA, com quem tinha uma relação tão fraternal, poderia ter algo contra si, o arguido, de forma atabalhoada, avança com a explicação de que sempre se deu bem com o pai da AA, mas que este ficou chateado por o declarante ter identificado a amante no telemóvel quando confrontado com isso pela esposa daquele. E esta é a única explicação que avança para haver uma má vontade dos pais das menores em relação a si. Mas esta explicação não colhe, até porque o pai da AA, quando confrontado com a história pelo próprio arguido e pela mãe deste, tendeu a acreditar neste, como se verá que foi dito pela boca do próprio.
Mais, o arguido esclarece que a festa em que a DD descobriu da existência da amante do marido, fazendo um escândalo, ocorreu em fevereiro.
O arguido explica que as menores insistiam, por vezes, para ver vídeos de “tik tok”, justificando, assim, o contacto destas com o seu telemóvel (a que também alude numa conversa mantida com a namorada, por mensagem áudio enviada por whatsapp, que adiante se analisará).
Depois, o arguido afirma que, afinal, a AA já tinha inventado que ele tinha posto a “pilinha” na boca da namorada à frente delas, episódio que considera não ter acontecido.
E avança que estas crianças sempre tiveram acesso a pornografia dos telemóveis dos pais da AA que, nos convívios, falavam abertamente de sexo à frente das menores. Esta disfunção familiar, sendo por si conhecida, aliada à existência de uma história anteriormente inventada, causa estranheza perante a assunção de que fechou a porta para poder ajudar, graciosamente, a CC com os trabalhos, numa altura em que a menor já estaria a entrar de férias.
O arguido não nega uma ida à casa da AA e, para justificar a sua presença ali, apresenta-nos, de forma que se julga artificial, a desculpa de que foi procurar o MM, irmão da AA. E, no que veio a ser contrariado pela AA, além do mais, em sede de audiência de julgamento, diz que a porta estava aberta e entrou, tendo encontrado a porta do quarto do MM igualmente aberta. E afirma que, no quarto, estavam, na varanda, a AA e a CC a brincarem com as bonecas.
Então, o arguido, encontrando as crianças sozinhas, sem supervisão, foi conferir o fogão e foi ver se as coisas estavam desarrumadas. E, depois, foi perguntar porque estavam sozinhas.
Estas informaram-no que o MM tinha saído.
E reconhece que a LL chegou e que o arguido se cruzou, com esta, na saída.
Isto foi antes da pretensa explicação de matemática, esclarece, o que ajuda a validar o depoimento da AA em audiência e em sede de primeiro interrogatório judicial.
Os depoimentos das menores, credenciados pelos relatórios periciais de psicologia, não deixam dúvidas quanto à autenticidade dos seus relatos.
A defesa do arguido, cujas declarações nos mereceram reduzido crédito e se mostram artificiais, focou-se na diabolização das menores, apontando-lhes comportamentos pouco normativos, contactos precoces com pornografia e conversas de cariz sexual tendência para efabular e fixação na temática do sexo oral.
Mas apesar dos meios de prova trazidos para o processo e do depoimento da namorada do arguido, GG, que faz eco do sistema de crenças muito próprio do arguido, nada nas menores permite apontar capacidade de efabular, funcionamento psicopatológico ou sociopático ou qualquer interesse em prejudicar BB.
Aliás, as menores são sempre perentórias em afirmar que gostavam do arguido até ele manter este comportamento para com elas.
E muito menos se descortina qualquer interesse em qualquer dos adultos que, sobre elas, tinha influência em querer distorcer a verdade e comprometer o arguido com uma ação tão socialmente repugnante com a que lhe é imputada.
A contaminação das menores por um adulto ou por outra criança está, conclui-se, fora de causa, até porque é percecionável que não existiu qualquer orquestração de depoimentos.
Não se descortina qualquer capacidade por parte destas duas crianças - e os testes cognitivos e psicoemocionais confirmam essa convicção - de manterem, mesmo que com algumas discrepâncias entre os depoimentos que se reconhecem, os elementos essenciais dos factos que narraram ao longo de um processo longo para as suas curtas vidas, numa prova de resistência a que uma mentira de criança sucumbiria. Efetivamente, esta verdadeira Via Crucis inicia-se com o relato a um adulto de referência, pelo replicar da história a um inspetor da Polícia Judiciária, depois perante uma Juiz de Instrução Criminal, ao que se seguiu, em duas sessões de entrevista e observação, uma especialista de psicologia do INML. E, finalmente, o autêntico “calvário” é culminado pela pouco previsível convocatória para depor em Tribunal Coletivo, perante vários intervenientes ou representantes de intervenientes. Sendo que, no caso da CC, teve de ser improvisada a sua comparência na mesma hora, por forma a salvaguardar que o seu depoimento podia ser colhido antes de se ausentar, em férias, para ....
Esta decisão de trazer as menores a audiência permitiu afastar qualquer réstia de dúvida que subsistisse, nomeadamente pela forma como decorreram as declarações para memória futura, com formulação de questões sugestivas.
E isto apesar de subsistirem divergências entre os relatos feitos pelas duas menores e entre os relatos feitos por elas agora e os anteriormente produzidos, em sede de declarações para memória futura.
A forma sofrida como a CC respondeu às questões, as emoções que a mesma deixou transparecer permitem alavancar certezas, para além de qualquer dúvida, de que esta foi sujeita a estas sevícias sexuais pelo arguido.
E a forma envergonhada e também comovida como a AA prestou o seu depoimento permite afastar dúvidas de que, também ela, acabou por ser abordada pelo arguido da forma como se deu por assente.
Os pormenores vívidos transmitidos, quer em sede de audiência, quer em sede de declarações para memória futura, quer na entrevista à perita do INML não permitem que reste qualquer dúvida de que os factos ocorreram tal como se deu por assente.
A AA, mesmo que referindo que afastou o olhar, numa atitude pueril e comportamento expetável de uma criança do seu perfil, acaba por transmitir ter observado que o vídeo foi feito na perspetiva de cavaleiro, típica do ângulo de filmagem feita por um abusador ou por um sujeito ativo de sexo oral. A menor afirma que se lembra de ver uma cabeça e os cabelos de uma criança, com as mãos apoiadas no colo do adulto, relatando a dinâmica muito própria de um ato de sexo oral que é observado num ecrã, numa filmagem feita pelo sujeito passivo dessa ação.
E a CC recria, pelos seus gestos, de forma sofrida, a maneira como o arguido a forçou a fazer sexo oral e recorre a detalhes que não são usuais e que não são percecionáveis na perspetiva infantil, exceto em crianças que os vivenciam na primeira pessoa (em concreto, na descrição empírica que faz do pénis e da ejaculação).
E perpassa dos respetivos depoimentos, mesmo em sede de declarações para memória futura, que as menores se contiveram a contar mais do que aquilo que se percebe que aconteceu mesmo, não revelando permeabilidade a aceitarem respostas induzidas.
E, não obstante a flutuabilidade de alguns pormenores, mantiveram sempre o fio condutor da versão das ofensas que se dão por assentes.
Sendo que são duas crianças de muito tenra idade, que falam de experiências pessoais diferentes, que apenas se tocam na segunda situação, ainda que com uma perspetiva diferente (são as duas aliciadas, mas apenas uma pratica atos sexuais).
Pelo que a tese da invenção é, com certezas, de descartar.
E vistos os pormenores construtivos revelados (muito bem destacados no relatório pericial de psicologia), vista a sequenciação do relato e consolidação do mesmo, ainda que em momentos em que é solicitado às crianças que mudem a sua perspetiva de abordagem, exclui-se a possibilidade de estarmos perante uma memória implantada ou perante uma falsa memória.
Os depoimentos das duas menores são ainda corroborados, quanto a elementos extrínsecos, por outras testemunhas, que os credenciam.
Ora, em sede de declarações para memória futura, a AA, com 8 anos, declara que é prima da CC e identifica o BB como “primo”.
A menor começou por responder, à pergunta: “Conta lá o que aconteceu, o que tu te lembras?”, da seguinte forma; “Eu e ele a gente estava no quarto e depois”, sendo interrompida e questionada “com a CC e com o BB?”, presumindo-se que assente com linguagem corporal.
E é perguntado “E esse quarto era de quem?”, respondendo a menor “era dele”.
Perguntado se a casa era “dela”, a menor esclarece, no que permite antever a sua capacidade de responder com personalidade, sem se deixar sugestionar, que “era na casa do BB”.
Sendo-lhe colocada a questão, afirma que este morava naquela casa com a mãe dele, com o tio, com a prima e com o primo dele.
E contextualizada a sua presença naquele local, a depoente afirma que ela e a CC foram ver a tia (NN).
“Antes daquilo que aconteceu, foram fazer o quê para o quarto dele”, é-lhe perguntado, e a menor responde que “foram brincar com o irmão”.
A menor responde, a outra pergunta nesse sentido, que o arguido sabe a idade dela e da CC. E assente que era costume brincarem no quarto dele, contando que brincavam às “cócegas” e ao “esconde/esconde”. E confirma à entrevistadora que brincavam com Playstation.
Questionada sobre “quando aconteceu o que ia contar”, revela não se lembra se era tempo de aulas ou em férias.
Após breve silêncio, é-lhe questionado “Aconteceu uma coisa diferente, não foi?”, sendo-lhe solicitado que explicasse o que foi essa coisa “diferente”. E a menor, então, narra que “Quando estavam no quarto, ele começou a obrigar a tocar na parte íntima”.
Entrecortado o relato com a questão sobre se ele estava com a roupa dele vestida ou se, depois, a tirou, “como é que ele fez?”, a menor responde: “Ele tirou a roupa e a CC ficou a tocar na parte íntima”.
Pergunta-lhe a Juiz de Instrução, “ele pediu para ela ficar a mexer lá? Como é que ele disse, lembras-te?”, sendo solicitado, logo de imediato, que esclarecesse se a CC foi lá tocar na parte íntima ou se foi o arguido que, com a mão dele, pôs a mão dela na parte íntima dele, a AA responde que “Ele disse” e ela “pôs”.
A menor é questionada sobre se a CC queria fazer isso e responde, espontaneamente, que ele também mostrou uma “foto” da CC a chupar a parte íntima dele.
Perguntada onde estava essa “fotografia”, ficando a dúvida sobre se a destinatária da questão percebeu se estava a ser questionada sobre o local onde a foto foi exibida a foto ou sobre o local onde decorria a ação visualizada, responde que “estava no carro dele”.
Pela Mmª Juíza de Instrução é observado “No carro? Ah. mas vocês estavam no quarto dele, como é que viram essa fotografia. Foi antes de irem para o quarto dele?”, pressupondo-se que a inquirida responde afirmativamente, em função da reação da Mmª Juiz que responde “Foi?”.
Perguntada sobre o que é que CC “lá no quarto dele” quando mexia na parte íntima dele, fazia, ou seja, “como é que fazia”, a menor responde que ela “tocava e apertava”. E assente que estava com a mão quieta, ou seja, esclarece que não fazia movimento.
E quando lhe é interrogado o que aconteceu a seguir, a menor esclarece que ele começou a deitar e quando a mãe foi ao quarto dele, “ele subiu as calças”. O que se nos afigura uma resposta coerente e lógica com a narrativa de factos que presenciou, notando-se que a menor, apesar das interrupções, tem os factos encadeados na sua memória e narra-os sequencialmente, exercício que seria manifestamente difícil a alguém da sua idade caso os factos não tivessem acontecido desta forma. Narrativa que ajuda à resposta sobre a matéria assente em 11. e 12..
Foi-lhe colocada a questão sobre se não aconteceu “mais nada nesse dia”. E a menor responde “Depois, a gente foi para minha casa, depois ele foi para lá também e começou a fazer a CC, de novo”.
Sendo-lhe perguntado para que divisão foram, ela assente que foram para o quarto. E esclarece que arguido tinha uns calções. E conta, mais uma vez em pormenores muito gráficos, que a CC começou a tocar na parte íntima, porque ele ficou a obrigar, tendo esta metido as mãos dentro dos calções dele.
É-lhe contraposto “o que ela fazia? Tu não vias, não estavas a ver a pila dele nesse momento, não viste. Viste na casa dele, não foi? Ali não viste porque estava dentro dos calções. Mas ela estava com a mão quieta ou a mexer-se” (sic) e a menor responde “estava-se a mexer”, o que sugere a ideia de movimento masturbatório que foi induzido pelo arguido.
Questionado sobre o que o arguido fazia, quando ela fazia isso, afirma que ele dizia para tocar mais, mais ao fundo”.
Entre o afirmado/questionado pela entrevistadora “Ela esteve uns minutinhos a mexer na pila dele”, a menor, demonstrando mais uma vez ter noção do encadeamento temporal dos atos que relata, diz que ele “parou” porque a irmã da depoente, de 16 anos, chegou a casa. E concorda com a frase a “tua irmã não viu que estava a acontecer”. E à questão se “tinham a porta do quarto fechada?”, a menor parece anuir.
A menor esclarece que, depois de saírem de casa do arguido, este foi ter com elas passado um “bocado”, ideia que retoma e que precisa com pormenores vívidos em audiência.
Perguntada pela “fotografia”, se esta estava num papel ou num telemóvel, a menor rapidamente atalha que estava num telemóvel, o que permite, em confronto com o que observou em audiência, pressupor que apesar de procurar não ver, ficou, com pelo menos uma imagem congelada presente na sua memória. E quando a Mmª JIC afirma que a depoente viu foi a foto no carro “foi isso?”, não se ouvindo a resposta, parece que a menor assentiu.
Quando questionada sobre se tinha visto a CC a chupar a pila dele, a menor emociona-se e diz que a CC lhe contou que chupou “duas vezes”, esclarecendo que nunca foi à frente dela.
E parece negar – não se ouve a resposta às perguntas “Tu nunca mexeste na pila dele? Nunca mexeste na pila dele. Estiveste só a ver? – ter tocado no órgão sexual do arguido.
Voltando ao momento em que estava no quarto do arguido, a depoente diz que tentou sair e disse “xau”, o que é sintomático da sua aflição.
Quanto à pergunta se a pila na fotografia estava “grande” ou “pequena”, afirma, entre soluços (sugestivos de emoção e choro) que estava “grande”.
A inquirição para memória futura da CC, na altura com 7 anos, começa com a informação “viste aqui para contar umas coisas que aconteceram contigo e com a tua prima” e com um rapaz, respondendo a menor que ele se chama “BB”.
A menor afirma desconhecer qual a verdadeira relação de parentesco deste em relação a si.
E afirma que ele mandou chupar a pila dele uma vez, na casa dele, no quarto dele.
E explica que, nesse dia, estavam, na casa, a mãe dele, a avó e a irmã.
Questionada sobre se quando isso aconteceu, se estavam os dois sozinhos numa parte da casa, a menor esclarece que ficaram sozinhos no quarto dele.
E não contraria a inquiridora quando esta atalha que as restantes pessoas da família dele “estavam na vida deles”, no resto da casa.
Era normal, esclarece a menor, brincar com o arguido e com a prima, em casa daquele. Brincavam, habitualmente, às “escondidas, à apanhada e ao lobo”. Questionada sobre esta última brincadeira, afirma que era no escuro e o arguido fazia de “lobo”. Ele tinha que apanhá-las e morder no braço.
A menor concorda, depois, com a Mmª JIC quando esta afirma “Nessa vez” “estavas no quarto dele porque ele te chamou, foi isso?”.
Solicitado que descrevesse a roupa que ele envergava, afirma que não sabia descrever, sem que lhe seja conferido grande tempo para reflexão ou resposta.
Explica que ele “tirou a pila”, concordando que saiu da zona do fecho das calças, não descendo as calças.
E conta que o arguido ficou a empurrar a cabeça.
É dito à menor: “ele primeiro pediu para tu ires lá chupar, foi?”, sendo, pela inquiradora, completado, de súbito, “e tu não querias..”, sendo ainda comentado “tu estás a dizer que não com a cabeça, não é?”.
Depois, é afirmado/questionado pela Juiz de instrução Criminal “ele depois é que pegou na tua cabeça, para a tua boca ficar lá junto da pila dele, foi isso?” E esta continua “e tu continuavas a não querer, não era?” e pergunta “como é que ele fez para tu fazeres aquilo que ele queria?” e a criança responde: “Ele ficou a pegar na minha cabeça à força”.
À questão se era a menor quem pegou na “pila” dele ou se ele agarrou na “pila” dele, a CC atalha que “ele” é que pegava na pila dele.
É perguntado: “depois ficaste quieta ou havia movimentos?” a menor assente que ele forçava com a cabeça, alcançando-se que anui que o arguido é que, ao empurrar a cabeça, controlava os movimentos ascendentes e descendentes. A menor não consegue quantificar quanto tempo durou este movimento, dificuldade que mantém sempre que lhe é solicitado para medir o tempo ou localizar temporalmente um acontecimento.
Inquirida sobre o que aconteceu “quando isso acabou”, a menor responde, manifestamente emocionada e chorosa “eu fui para casa”. Volvendo, pouco mais tarde, a este instante temporal, a Mmª JIC questiona “se, nesse momento, saiu alguma coisa da pila dele?”, ao que menor responde que saiu “uma coisa branca”, esclarecendo que ficou dentro da boca. E afirma que ele disse que era para engolir, mas que ela se negou, “cuspiu” e foi para casa.
Perguntado se “foi só uma vez?” (sic), afirma que sim.
A testemunha responde, depois, que ele filmou com o telemóvel. E assente que ele mostrou o vídeo a si e à AA e que ameaçou que ia dizer “à mãe”.
A menor concorda com a ideia de que queria que a mãe soubesse, mas também esclarece que acabou por não o contar.
A criança adianta que “depois” disse à AA para contar à mãe do arguido. E declara que a mãe do “BB foi dizer à mãe”, parecendo manifesto que se refere ao episódio em que OO se dirigiu à casa da outra criança com o filho.
E quanto ao dia em que ele lhe exibiu o vídeo a si e à AA, a CC volta a reiterar que não chupou a pila dele mais vezes.
Mas quando perguntado se houve mais alguma vez que a menor tenha tocado na “pila” dele, esta responde, em coerência com os factos imputados e com o que ora se dá por assente por corresponder à convicção do tribunal para além de qualquer dúvida razoável, que ele “obrigou a tocar”. Perguntada se a prima, a AA estava presente, afirma que “não se lembra”.
Esclarece que tocou uma vez com a “mão” e outra “com a boca”, esclarecendo que teve, assim, dois contactos em dois dias diferentes. Dir-se-á, em complemento ao que resulta do exame pericial de psicologia e ao que foi dito pela menor em audiência que teve “pelo menos” dois contactos em dois dias diferentes, não se excluído que possam ter acontecido outros.
A menor afirma, depois, ali, em sede de declarações para memória futura, que julga que a AA tinha mexido, por o BB “lhe ter dito”.
E deixa claro que há um dia que ele disse que queria que elas chupassem as duas, que ia mostrar o vídeo e elas disseram que não estavam nem aí, esclarecendo que a ameaça de utilização do vídeo ocorreu apenas uma vez.
Vista as manifestas dificuldades, que já se aprofundarão, da testemunha localizar os factos temporalmente, e transpor para a sua narrativa as impressões mnésicas –as recordações – num discurso coerente em termos de organização temporal, fica-se com a perceção, em confronto com o depoimento prestado pela AA, de que o arguido insistiu, no dia indicado em 9., que elas “chupassem o pénis”, fazendo alusão ao vídeo que exibiu e ameaçando que o mostraria às mães.
Estes relatos, prestados perante JIC foram convalidados em audiência por ambas, como se viu, mesmo que com algumas contradições, quando aos elementos essenciais, que permitem cavalgar na certeza de que as menores foram sujeitas a estes abusos.
A explicação dessas contradições prende-se com o que é vertido no relatório pericial de psicologia de ambas as menores e com esta deficiente capacidade de localização temporal.
E prende-se com o modo de funcionamento do processo mnésico de cada criança, sendo certo que este é um processo cognitivo que permite aos seres humanos apreender, reter e recordar a informação captada.
Este processo cognitivo nas crianças está condicionado pela capacidade cognitiva, sendo que estas duas crianças, pela sua idade e estado de desenvolvimento, já tinham recursos cognitivos para relatar um episódio vivido já com alguma riqueza de informação (tinham, mesmo à data da apreensão da informação e das declarações para memória futura, habilidades linguísticas, memória para fonte da recordação e construção de referências temporais e espaciais).
Como escreve Schacter, D. L. (2001) The seven sins of memory. How the minds forgets and remembers. New York: Houghton Mifflin Company, o funcionamento normal da memória envolve esquecimento e perda de detalhes.
No entanto, não deixa a literatura de assinalar que o relato de crianças em contexto forense envolve a recordação de experiências muitas vezes traumáticas e que geram, nas próprias, tensão e ansiedade. Pelo que essa mesma literatura da especialidade demonstra que as crianças relutam e tendem a retardar a revelação de situações de violência sexual, não por limitações de memória, mas por fatores emocionais.
Pelo que ainda que se aceite que as menores tinham os factos, à data da inquirição perante JIC (e na entrevista com a perita do INML) mais frescos, não é de desprezar a veracidade dos seus relatos produzidos em audiência, numa fase em que o esquecimento que faz parte do processo mnésico poderá ter obliterado alguns pormenores na memória descritiva de uma, mas em que o decurso do tempo poderá ter, igualmente, eliminado alguns bloqueios emocionais tão frequentes nos depoimentos de crianças em contexto forense.
Nada permite, dos depoimentos em audiência, concluir que as menores acrescentaram pormenores fruto da sua invenção ou de memórias implantadas.
A verdade é que, em audiência, numa inquirição serena e expurgada, tanto quanto possível de perguntas sugestivas, a menor CC, que foi trazida diretamente da escola, sem que esperasse ser inquirida em audiência (e após curta preparação emocional, por técnica especializada, para adaptação ao contexto de tribunal e para avaliação da sua capacidade narrativa quanto a aspetos neutros) começa por chorar, de forma contida, mas espontânea, vertendo lágrimas genuínas que traduzem emoção verdadeira, quando questionada pelo BB.
A menor esclarece que o “BB era amigo”.
E, de forma emocionada, quando questionada sobre se aconteceu alguma coisa com o BB, conta que gostava dele antes dele fazer “essa coisa” e assevera que jamais contou qualquer mentira que envolvesse esta pessoa.
E expressa, sempre nesta exteriorização de emoção manifestamente genuína e espontânea, que “tem vergonha de contar”.
A testemunha responde, então, que tocou no BB, que tocou “na pilinha do BB”. Ele ficava a “forçar”. Este tinha, quando o fez, a roupa vestida. Uns calções, esclarece.
A depoente afirma que tocou com a sua mão “na pilinha dele” porque ele ficou a “forçar com a mão”. O arguido agarrava na mão dela e levava-a à pila dele.
E esclarece que esses toques aconteceram “mais do que um dia”.
Ainda que a menor, fruto da vergonha e da emoção que já se explicou, fosse contendo a fluidez do seu discurso, foi respondendo, sem hesitações, às perguntas que lhe foram sendo colocadas em alternativa, sempre com espaço para a reflexão e para a resposta, que se acredita provir de um esforço mnésico genuíno.
Assim, excluindo que tenha sido na escola, na rua ou na casa dela, afiança que aconteceu na casa dele, em concreto no quarto dele.
Na casa, estavam outras pessoas, nomeadamente a mãe dele.
A testemunha conta-nos que o arguido fechou a porta do quarto nesse dia e esclarece que era habitual ela fazer trabalhos de casa ali, com o apoio do arguido. E responde que “gostava mais ou menos de ir fazer o trabalho de casa lá”, o que contraria a ideia que o arguido quis fazer passar.
E adianta, espontaneamente, que “na casa da AA também aconteceu”. No quarto desta.
Perguntada, afirma não saber se o arguido fez alguma coisa à AA.
Solicitado que esclarecesse quantas vezes aconteceu consigo, a menor responde, de forma prudente, que aconteceu mais de 4 vezes, não sabendo se “mais de 5”, aditamente ao relato inicial que se compreende à luz do ora explanado sobre o modo o relato de menores vítimas de crimes sexuais em contexto forense.
E a CC precisa que a AA estava com ela numa “situação”, desconhecendo porque é que ela eventualmente não viu o que se passou.
A depoente verbaliza, além de demonstrar, tristeza por contar isto, sobriedade que permite reforçar a certeza sobre a genuinidade do seu depoimento.
E reconhece que não teve coragem de contar a ninguém, evidência que afasta a teoria cabalística defendida pela defesa. O silêncio da menor, apenas interrompido no que tange à AA que acabou por ser, também ela, assediada pelo arguido, apenas reforça a certeza de que a CC age sem qualquer interesse em prejudicar quem quer que seja. Aliás, não se enxerga, repete-se, que motivação a moveria ou a quem a rodeia.
O motivo espontaneamente indicado pela menor perante este Tribunal para não contar a ninguém é coerente com a psicologia dos depoimentos de menores e dos silêncios que, muitas das vezes, acabam por encobrir os seus agressores sexuais. A criança revela-nos que “não disse a ninguém por estar com medo” que ralhassem com ela. A depoente afirma, muito puerilmente, que pensou que a mãe e o pai podiam “brigar com ela”.
Sendo que esta criança é descrita pelos próprios pais como dócil, tendo um perfil de não contrariar os adultos, como veio a ser sublinhado no relatório pericial de psicologia.
A CC, em audiência, reconhece que sabe que a AA foi dizer à mãe do arguido o que aconteceu e afirma que esta “não fez nada”.
A depoente admite que tocou “na pilinha” do arguido com a boca, colocando-a dentro da mesma.
E reconhece que tal aconteceu “mais do que uma vez”. Aliás, acaba por anuir que em todas as situações que “aconteceu com a mão”, também “aconteceu com a boca”. A depoente narra, de forma ilustrativa, que ficava mal disposta quando era forçada a meter o órgão sexual do arguido na boca, revelando que “ficava mal disposta, com vontade de vomitar”, ideia que também repetira na entrevista com a técnica do INML.
E conta, nas suas singelas palavras que saiu “líquido da pilinha do BB”, um líquido “branco”. Este líquido saiu em mais de um dia e observou-o, nomeadamente, na sua mão.
Questionada, explica que não aprendeu, na escola, o que era “pénis”.
A testemunha esclarece que o arguido gravou um vídeo “disso” na casa dele, no quarto dele. E fundamenta a sua razão de ciência porque o arguido lhe mostrou o vídeo.
E afirma que ele lhe mostrou o vídeo quando estava sozinha, mas assente que falou nisso à AA.
A AA disse-lhe que ia contar à mãe.
Esclarece, ainda, que a AA nunca disse o que tinha acontecido com ela.
No entanto, o que ele fez no quarto “fez às duas”.
No carro, responde, depois de questionada, que aconteceu a mesma coisa, asseverando, em mais um pormenor expressivo, que estava com o irmão KK que tem, atualmente, 6 anos. Este estava sentado à frente, no lugar do condutor e a depoente ficou sentada, atrás, com o BB. Aí, nesse banco traseiro, ele pegou na cabeça dela e empurrou contra o pénis dele (a depoente fez o gesto em audiência, servindo-se, de referência, de quem a entrevistou, numa reconstituição de movimento que convence o tribunal de que a menor foi sujeita a um tratamento deste, depondo sobre factos que apreendeu na primeira pessoa).
Perguntado, afirma que nunca disse que queria namorar com o PP, mas admite que disse ao PP uma coisa “sobre pilinha”. E esclarece que foi a AA quem “mandou” dizer ao PP essa coisa sobre a “pilinha”. E afirma ter vergonha de dizer o que disse, então, afirmando que se sentiu mal depois de fazer isso, evidência do normal funcionamento do seu esquema mental e emocional.
A AA, também chamada a audiência de discussão e de julgamento, responde que veio para falar a verdade, quando questionada se sabia o que estava ali a fazer.
A testemunha afirma que conhecia a CC, por terem vivido no mesmo prédio, esclarecendo que a testemunha, entretanto, já não mora lá.
E contextualizando donde conhece o BB, conta que este morava no primeiro andar, a depoente no R/C direito e a CC no R/C esquerdo.
Em questão aberta, a testemunha responde que sabe que “isto” tem que ver com o que “aconteceu à CC”. E tem a ver com a depoente, também.
A testemunha emociona-se e coloca a mão sobre o ventre, sinal que se calcula não ter capacidade para mimetizar e que se associa ao seu sentimento de nervosismo ao depor.
Nervosismo e não de gáudio (mais próprio de crianças com atitudes revanchistas) ou de autoconvencimento (mais presente em crianças autocentradas e que procuram atenção).
A depoente verbaliza que “tem vergonha”, quando diz “o BB obrigou”, sentimento congruente com o normal sentido de valoração ética elaborado por um menor.
Conta, então, localizando espacialmente o episódio, que “foi na casa do BB” (…) “foi no quarto”.
A testemunha explica que estava no quarto, junto com a CC. “Ele obrigou a chupar a chupar a “pilinha dele” e a depoente disse que “não”. Questionada, afirma que o arguido não disse à frente da CC, mas o certo é que a coloca, nesse dia, dentro do mesmo quarto, consigo. Aliás, exclui que o arguido tenha mandado a testemunha sair para ficar com a CC, ou vice versa.
A depoente conta que também esteve com o BB e com a CC na sua casa. Aí, no seu quarto, o arguido deitou-se na cama e começou a obrigar a CC e esta chorou. Entretanto, a irmã da inquirida chegou e o arguido parou. E, depois, a irmã foi embora.
A testemunha atalha que o arguido obrigou “a CC” a tocar na “parte íntima” dele.
E, de forma fluída, revela que o arguido é que foi bater à porta da sua casa. Ele foi lá ter e a testemunha é que lhe abriu a porta, pensando que era outra pessoa.
A testemunha diz que ele entrou e começou a sorrir e ela compreendeu porquê, explicando, depois, que percebera que ele ia insistir (outra vez), ou seja, fazer como fizera no quarto dele e “obrigar a CC”
Esta intuição da menor apenas faz sentido, efetivamente, nesta lógica de ligação temporal e sequencial ao que se passara no quarto do arguido.
A depoente assegura que, na sua casa, estava apenas ela e a CC a verem televisão e que o arguido as chamou para o quarto. No quarto dela, AA, o arguido deitou-se na cama e disse para a CC chupar.
A CC sentou-se no chão, recusando juntar-se ao arguido na cama, e a testemunha ficou de pé.
O arguido parou, diz, quando chegou ali a irmã da depoente, que tem 17 anos de idade. Esta foi ao quarto, o arguido estava deitado. A sua irmã questionou o arguido o que estavam a fazer e a testemunha, por vergonha, não disse.
Ainda que num relato algo confuso, que se atribui à corrosão da memória e à tendência de completar a informação por si apreendida com a que lhe foi descrita pela CC, a AA afirma que o arguido meteu “um doce na parte íntima e a CC chupou”. E ainda que de forma ambivalente, atenta a sua dificuldade em descrever os pormenores do vídeo, esclarece, que viu esse doce no vídeo, mas alcança-se que se trata de uma conclusão sua, por ter visto o BB, em casa da depoente, com uma caixa de doce e por a CC lho ter descrito como aquele fizera.
A AA assegura que viu no vídeo a CC e o BB no carro. E viu a CC a chupar a parte “intíma” dele no carro. E descreve a tal perspetiva cavaleiro a que já se fez alusão. E conta que o BB dizia que era a CC a tocar na parte íntima, pelo que se torna lógico que a exibição do vídeo se insere no contexto de uma coação sobre as menores, ainda que a AA, puerilmente, declare “não saber porque é que ele mostrou o vídeo”. Mas o certo é que a menor acaba explicar que o arguido mostrou o vídeo e disse para as duas “chuparem”.
O vídeo era usado, assim, como uma arma de arremesso, um instrumento de dissuasão. O que valida o depoimento feito, a este propósito, pela CC em sede de declarações para memória futura.
Esse vídeo foi exibido, esclarece de forma segura no final do depoimento, no quarto do próprio BB.
E a testemunha afirma que “não estava a acreditar que era a CC”, percecionando-se que a dificuldade em observar derivava do plano cavaleiro e da relutância da menor olhar para o vídeo. Na descrição do seu comportamento perante a situação, a testemunha esclarece que não queria ver e, por isso, pôs as mãos à frente da cara (como exemplifica espontaneamente em audiência).
A depoente conta, ainda, em sede de audiência de discussão e de julgamento, que o arguido, quando estavam no quarto dele, puxou a mão da testemunha e colocou-a sobre os calções, na zona do pénis. E revela que este toque foi muito curto pois ela tirou logo a mão. E narra, de forma impressiva, que sentiu a “pilinha” dele que era mole e estava para baixo.
A testemunha afirma que viu o arguido a obrigar a CC, mas esclarece, depois, que não viu esta a tocar no pénis do arguido à sua frente.
E narra que a CC lhe contou que o arguido a obrigava a mexer na “pilinha”.
A depoente confirma que contou, primeiro, à mãe do arguido e contou, depois, à sua própria mãe.
A AA conta-nos que disse à mãe do BB que este estava a obrigar a “CC a chupar a pila”. Esta ficou “assustada” (descreve nos seus parcos recursos linguísticos) e disse que ia falar com ele.
E confirma que, noutro dia, a mãe do BB foi à casa da depoente, com o filho.
Questionada, esclarece que contou à sua própria mãe numa sexta feira, “à noite”, em sua casa, no quarto da mãe, sem que mais ninguém estivesse presente.
A sua mãe ficou “assustada” e foi contar ao pai da CC, que ficou chateado e ficou “bravo”.
A testemunha verbaliza tristeza por a mãe do BB não ter acreditado depois de falar com ele.
E confirma que contou, no dia seguinte a ter contado à mãe, na festa a que foi, à namorada do BB. E declara que esta também não acreditou.
No que é credenciado pelo áudio que foi junto pelo arguido e que adiante se comentará, a AA revela-nos que, nessa ocasião, o arguido ficou para trás nas escadas e disse que lhe ia bater.
Também a AA, em audiência, afirma que gostava muito do BB e que brincavam às cócegas. E sentencia que deixou de gostar dele por força desta situação.
Esta depoente ia ao quarto do arguido brincar, fê-lo por mais de vinte vezes, mas não fazia os trabalhos com ele, ao contrário do que acontecia com a CC.
No dia em que contou à mãe do BB (perceciona-se que depois deste ter ido a sua casa), a CC foi fazer TPC´s.
E não tem dúvidas em esclarecer que quando aconteceu isto, o KK estava fora do quarto.
A testemunha contou à mãe do BB, revela, quando a CC ainda estava no quarto.
Ora, perceciona-se dos relatos das menores, feito em audiência e em sede de declarações para memória futura que a “revelação” ocorreu em casa do arguido BB.
Também não resta qualquer dúvida de que os factos vertidos na acusação se iniciaram na casa do arguido que, depois, procura as menores na casa da AA.
O próprio arguido esclareceu que a explicação (a ajuda nos trabalhos) foi dada depois dele ter vindo de casa da AA, onde se dirigiu no contexto que narrou.
Pelo que fica claro que a revelação foi feita em momento posterior (não se rejeitando que até pode ter sido feita em dia diferente) à factualidade descrita de 13. a 15..
Pelo que se perceciona que a publicação da fotografia da CC, no dia ..., em rede social, algo inusitada para o contexto narrado pelo arguido, e o cenário de explicação com promessa de doce, poderia ser encenados pelo arguido para encobrir a sua ação prévia. Efetivamente, ainda que ciente que manobrava a CC, o arguido não pode deixar de percecionar que falhara a sua abordagem à AA.
Estes relatos das menores, feitos em sede de declarações para memória futura e em audiência não podem deixar de ser avaliados à luz das perícias psicológicas juntas aos autos que permitem ao tribunal reforçar a convicção na veracidade dos mesmos.
Assim, a fls. 369, encontramos relatório de perícia médico legal de psicologia à menor CC.
Note-se que, à semelhança do que se observou em audiência, é registado, no relatório, que a menor entrou “no gabinete de forma reservada, e algo inibida”.
É observado, no relatório que a menor «Não evidencia alterações motóricas, de consciência, mantendo a orientação no espaço, no tempo, auto e alopsíquica” e que a “CC perante temas neutros, evidenciou capacidade para distinguir a realidade da fantasia, a verdade da mentira, um segredo bom de um segredo mau, acerca do qual refere “é quando uma pessoa não conta a verdade e tem medo” (sic.). Manifestando alguma dificuldade em dizer que não a um adulto, acedendo facilmente a fazer o que lhe pedem, pontuando o seu comportamento pela vontade de agradar. O que vai de encontro ao descrito pela progenitora, em contexto familiar “ela está a jogar telemóvel, eu digo não, e ela dá, é fácil” (…) “é uma menina obediente” (sic.)».
E, no que também se evidenciou em audiência, sendo comumente conhecido que a dimensão temporal e o conceito tempo é o mais difícil de ser apreendido por crianças desta idade, é observado que «Nas suas verbalizações identifica-se a presença dos conceitos, “O quê, Onde, Quem e Como”, evidenciando alguma dificuldade relativamente ao “Quando”».
E, no que também se observou em audiência, é anotado no relatório que “Evidencia a existência de literacia emocional, associando as emoções básicas a situações que descreve de forma coerente”.
Os demais elementos da entrevista apontam, como se observa, para uma personalidade normativa.
Sob o ponto 4.3., a perícia incide sob o Relato da Criança sobre os Alegados factos. Na condução da entrevista (e o exame decorreu entre ... e ... de ... de 2023) é utilizado como guião o Protocolo NICHD, que motiva um relato livre dos acontecimentos.
Este relato, que permite à Exmª Perita a avaliação da credibilidade do relato da menor, não se afasta substancialmente ou em pormenores relevantes da informação partilhada, nas declarações para memória futura, com a Juiz de Instrução Criminal, referentes ao episódio que se deu por assente de 3. a 8.. E neste relato, a criança descreve a segunda situação, já envolvendo as duas menores, em termos globalmente coincidentes com o assente de 9. a 15. da matéria provada.
Assim, quanto a esta entrevista, perante técnica especializada, conduzida de acordo, com o que se alcança do relatório, com os guias de boas práticas e com os protocolos e técnicas nele enunciados, regista-se o seguinte:
« A CC inicia a relato, “ele disse para chupar a parte inica e tocar depois no próximo dia ele disse à AA que se não chupar a parte inica, ele ia dizer à nossa mãe, e a AA disse para a mãe dele, e depois não lembro” (sic.) Questionada a prosseguir o relato espontâneo, verbaliza “não lembro mais” (sic.) Questionada a descrever a parte inica “não me lembro” (sic.) denota “não vi a parte inica, de mais ninguém” (sic.) Quanto à descrição do local dos factos “estava na casa dele, é no 2º andar, e eu acho que é esquerdo, e ele não tem quintal, ele tem três janelas, e ele tem duas janelas na rua” (…) “eu não estive muitas vezes no quarto do BB, porque muitas vezes ele não deixava” (sic.) Solicitada a fazer um registo gráfico do local, de forma a melhor explicar a sequência dos fatos, a menor coloca a cama em frente à porta de entrada do quarto, e na parede oposta da janela, verbalizando “no quarto do BB, tinha uma janela” (sic.) Prossegue com a contextualização “eu tava em casa a ver televisão, ele foi chamar eu, e depois o meu irmão foi, e depois ele não fez, depois ele disse para ir para chupar a parte inica dele, eu tava a tentar fugir dele, ele me pegou na cabeça assim aqui atrás (exemplificando a mão colocada atrás da nuca)” (…) “ele estava na cama do irmão, o quarto tem três camas, ele estava deitado, e eu estava de pé, ajoelhada na cama do irmão dele” (sic.) Questionada “já tinha acontecido uma vez, ele pôs a fazer assim a abanar a cabeça, não gostei (exemplifica movimento da cabeça, impulsionado por mão colocada atrás da nuca)” (sic.) Prossegue “no próximo dia eu, a AA estávamos sozinhas em casa dela, ele foi pegar nós duas, ele estava a brincar connosco no quarto da AA, e a irmã da AA chegou e depois o BB foi embora” (…) “ele nesse dia mostrou a parte inica à AA, ele tirou por aqui (exemplifica a exibição do órgão sexual, por cima da cintura das calças, como se tivesse um elástico) ” (sic.) Continua o relato “ele tirou por aqui, foi por baixo das calças, ele tinha a parte inica, deste tamanho” (sic.), referindo “era menor, da outra vez era maior, tinha uma coisa branca” (…) “não sei o que era, depois eu fui cuspir fora, para a rua, foi na rua que cuspi” (sic.) Continua o relato “ele vez vídeo, e ele disse que vai mostrar o vídeo, ele filmou e nós dissemos para ele apagar o vídeo, e ele ficou com ele, nós fomos num sitio dizer o que é que aconteceu” (sic.) Questionada se mais alguém viu esse vídeo, verbaliza “não” (sic.). Acerca do conteúdo do vídeo “ele estava parado a agarrar a minha cabeça e abanar a minha cabeça, agarrou com uma mão, e com a outra ficou a gravar” (sic.) Quanto ao seu sentir “eu senti mal, eu queria vomitar só que não posso a casa não era minha, eu cuspi na rua, e lavei a boca” (sic.). Questionada se conhece mais alguém a quem estes fatos aconteceram “não aconteceu com mais ninguém” (sic.). Inquirida se alguma vez tinha visto a práticas destes atos “nunca vi nada, não vi na televisão, nunca vi” (sic.) Acerca da exibição do vídeo a ambas as menores, foi solicita a explicar melhor “quando mostrou o vídeo, ele disse que se nós não fizéssemos isso, ele vai mostrar o vídeo à nossa mãe, e ela vai-nos pôr de castigo” (…) “ficamos caladas e assustadas” (sic.) Questionada acerca do seu sentir quando viu o vídeo, a menor refere “eu não vi o vídeo, era só eu no vídeo, a AA viu o vídeo, mas eu não vi, eu não vi, o BB mostrou só para a AA” (sic.) Quando ao que se passou a seguir “a AA disse que vai dizer para a minha mãe, eu estava com medo, se a mãe me bater” (sic.) Motivada a descrever o “BB” e a sua relação com este “ele tem 22 anos, era muito amiga dele, não sou mais, a mãe e o pai não deixa ir a casa deles, o pai e a mãe não deixam eu ir, a mãe deixa ir o mano, mas o pai não deixa” (sic.) Acerca da “sua amizade com o BB”, verbaliza “eu brincava com o BB às escondidas, à panhada, brincava com ele, com a AA, e o mano” (sic.) Acrescenta “nunca tinha estado sozinha com ele, foi a primeira vez, ele nunca fez antes” (sic.) Voltando à descrição das factualidades “quando ele largou a cabeça, eu tentei ir embora, e ele ficou a pegar no meu braço” (sic.)
Solicitada a descrever de forma mais específica os alegados atos, recorreu-se a “Técnica Touch Survey”, (descrita no ponto 5.3 da Avaliação Instrumental), e que serviu de apoio gráfico. A menor explica “eu chupei e toquei na parte inica do BB (localizada no ponto 5.3)” (…) “ele pegou na minha mão, esta mão (mão direita), ele ficou a pegar e a fazer assim (exemplifica gesto masturbatório)” (sic.) Questionada acerca do como era a parte inica ao toque “não me lembro” (…) “quando eu chupava era molhado, quando não chupava era seco” (sic.) Denota “ele pôs a minha mão, agarrou no pulso, e depois disse chupa” (…) “ele pegou no meu braço, eu gritei, e depois eu chamei o nome da mãe dele, o nome da mãe dele Táta, e depois ele largou a minha mão, eu fugi para a rua, fui cuspir e lavei a boca” (sic.) O que aconteceu quando chegou a casa “a minha mãe não estava em ..., eu ficava com o pai, com o mano e com a tia, eu bati e o mano abriu a porta, não tenho chave de casa” (…) “eu fui lavar a boca e depois foi ver televisão no quarto” (sic.) Questionada quanto ao seu sentir “a barriga ficou a doer” (sic.)».
Na explicação dos resultados sobre a aplicação da Técnica Touch Survey, a Exmª perita esclarece que «Como toque abusivo “não me lembro onde ele tocou” (sic.) Desenhou-se um esquema da figura humana, e solicitou-se a localização gráfica dos toques que alegadamente efetuou no corpo do BB “na parte inica” (sic.) localizando-a na parte da frente do corpo, situada na zona genital, questionada acerca de que nomes dá a zona genital masculina, refere “parte inicia, não sei o nome” (sic.), quanto a nome por que designa a zona genital feminina, verbaliza “pipi” (sic.) Inquirida acerca das partes do corpo com que tocou “na parte inica do BB”, verbaliza “a boca e a mão” (sic.) Questiona acerca de quantas vezes tocou na parte inica do BB “aconteceu a primeira vez, a 2ª vez ele mostrou a parte inica, já não aconteceu” (sic.)».
Em sede de conclusões, a Exmª perita conclui que a menor CC, da observação que foi feita, “Não evidencia alterações psicopatológicas apuráveis em observação clínica”, que se apurou “capacidade de distinguir a realidade da fantasia, a mentira da verdade, reconhecer o significado do guardar segredo. Ressalvando-se alguma dificuldade em dizer que não a um adulto, acedendo facilmente a fazer o que lhe pedem”, observando-se que tal caraterística vai de encontro ao que é descrito pela mãe no comportamento da criança em casa.
E observa-se que «Nas suas verbalizações identifica-se a presença dos conceitos, “O quê, Onde, Quem e Como”, evidenciando alguma dificuldade relativamente ao “Quando”, já esperado no seu nível de desenvolvimento, o que dificulta a contextualização temporal dos factos, mas não compromete a sua capacidade de expressão e compreensão verbal, sendo estes contextualizados com base em referencial externo (outros acontecimentos, ex. a mãe estava em ..., a irmã da AA chegou e encontrou ele no quarto)”.
A Exmª perita conclui que a menor “Apresenta capacidades cognitivas, no limite inferior da média, quando comparado com o seu grupo de referência, evidenciando algumas competências ao nível do pensamento lógico-abstracto, organização preceptiva e estruturação espacial. Demonstra, ainda, alguma capacidade para organizar e reproduzir conteúdos visuais complexos, bem como para os evocar de forma espontânea, o que nos remete para a existência de habilidade para estruturar as suas perceções, com recurso a um elemento orientador, e evocar a suas memórias visuais, mantendo algum grau de fidelidade” e “Quanto ao ajustamento psicafetivo remete-nos para uma menor integrada nos diversos contextos” e “Verifica-se a vivência de relações interpessoais ambivalentes, surgindo nalguns contextos, reparadoras, noutras indutoras de stresse, a menor apresenta alguma capacidade de expressão modulada e socializada de agressividade, no entanto, verifica-se a emergência de conteúdos associados a emoções depressivas, acerca das quais tem dificuldade em vivenciar e que surgem em contexto de solidão e abandono, e se manifestam em sentimentos de tristeza, medo e receio em estar só, o que pode condicionar, o desenvolvimento salutar e harmonioso, ao nível do estabelecimento de relações interpessoais satisfatórias, tendendo a obedecer, ou ir de encontro ao esperado, de forma a garantir a manutenção dos relacionamentos”.
A Exmª Perita não tem dúvidas em concluir que, no “seu relato verifica-se a existência de estrutura lógica e espontânea, com enquadramento contextual dos factos, sequência de eventos, sendo a sua capacidade de detalhar e de exprimir emoções semelhantes a existente em eventos neutros, e adequado ao seu nível de desenvolvimento”.
E, de forma fundamentada e que embica na perceção que o tribunal também construiu, de raiz mais empírica e assente na credenciação e validação da coerência do discurso e postura da depoente CC à luz das regras de experiência comum, a Exmª Perita esclarece «Evidenciando, a menor, alguma dificuldade em situar no tempo, que é transversal a outros acontecimentos neutros narrados por si, surgindo com alguma imprecisão quanto ao enquadramento temporal, mas colocados em sequência quanto ao referencial externo “a irmã da AA chegou”, ou “nesse dia o irmão KK foi, e ele não fez nada” (sic.) Os alegados abusos, são contados em diferentes perspetivas e centrado em diferentes elementos, mantendo a consistência interna, e não sendo contado como um script, admitindo quando questionada, verbaliza “não sei, não lembro mais” (sic.), não se verificando a tentativa de preencher lacunas ou confabular, “enriquecendo” as narrativas verbalizadas. Identificando-se a presença de demonstrações explícitas (ex. exemplificar a colocação da mão na nuca, e o que descreve como o movimento de abanar a cabeça), de detalhes típicos (por ex. solicitação de segredo), com descrição do seu sentir (ex: sentia vontade de vomitar, fiquei com dor de barriga), e descrição deinterações entre os elementos envolvidos, bem como detalhes inusuais ou percebidos na perspetiva infantil (ex. eu queria vomitar só que não posso a casa não era minha, eu cuspi na rua, e lavei a boca), ou (ex. quando eu chupava era molhado, quando não chupava era seco). Face ao exposto, tendo em conta a consistência interna, e inter-relato (considerando ambas as sessões realizadas com a menor), verifica-se a presença da maioria dos indicadores de credibilidade identificados na literatura.»
E considera a Exmª especialista consultora do INMLCF que, “Dos factos narrados emerge de forma distinta o desencadeador da revelação, e na exploração de hipóteses alternativas, considerando a informação a que tivemos acesso no decurso do processo pericial, não consideramos verosímil uma explicação mais plausível que motive a existência de falsas alegações, com base no descrito pela literatura (ex. mentira ou fantasia da menor, falsas alegações induzidas por outrem e excesso de preocupação familiar), sendo esta, em nossa opinião, melhor explicada, pela vivência das factualidades relatadas pela menor”.
E conclui, ainda: “Como tal, tendo por base toda a informação recolhida, consideramos que a CC, tem capacidade para compreender a natureza do processo judicial, verbalizar de forma detalhada as suas vivências, não se apurando limitações de natureza cognitivo-intelectuais ou psicopatológica, que comprometam de alguma forma a sua capacidade de testemunhar”.
E mais, acrescenta “De acordo com a literatura, a vivência de uma situação de abuso sexual, não despoleta a existência de um quadro psicopatológico específico, podendo manifestar-se de diversas formas, no imediato, ou a longo prazo. Quanto à CC, os dados recolhidos sugerem a existência de algumas dificuldades prévias na vivência de afetos negativos, associados à emergência de cariz depressivo, que poderão ser agravados pelas vivências traumáticas descritas no presente processo. Consideramos os factos narrados, susceptiveis de interromper o percurso de desenvolvimento psicossexual normativos da menor, que na dispõem de competências cognitivas, sociais e emocionais, para regular a exposição a actos de índole sexual, revelando-se fundamental o início de um processo psicoterapêutico individual, com vista a ajudar a menor a ultrapassar esta vivência traumática, minimizando a emergência de emoções negativas, ressignificando as factualidade descritas, e promovendo o seu ajustamento emocional e relacional, bem como intervir, no sentido de evitar situações futuras de revitimização, face à acentuada desejabilidade social, e vontade de agradar o outro”.
A fls. 380 e ss., foi apresentado o relatório de perícia médico legal – relatório psicológico – relativo à AA.
Esta tinha, à data da observação, 8 anos de idade.
É observado que a AA “chegou à delegação ..., acompanhada pela mãe, entrando no gabinete de forma decidida”, o que contrastou com a postura em audiência, mais inibida e envergonhada, a que não serão alheias as caraterísticas e simbologia do espaço mesmo no ideário de uma criança, o número de intervenientes na audiência e a evolução da personalidade em um ano de vida (correspondente a mais de 11% do seu tempo de vida). E pode prender-se sobre o que já se desenvolveu sobre os relatos de crianças em contexto forense.
A condução da entrevista é feita seguindo o mesmo guião - o Protocolo NICHD – que motiva um relato livre dos acontecimentos, observando-se que a menor não inova, nem diverge substancialmente do que dissera, pouco tempo antes, perante a Juiz de Instrução Criminal, ainda que em inquirição mais sugestiva.
Assim, a Exmª Perita fez consignar que «A AA refere “eu estava na casa do meu amigo, que se chama BB, ele queria obrigar-me a fazer uma coisa, depois ele me obrigou a ir chamar a CC, e depois ele me mostrou uma foto da CC, a fazer, estou com vergonha de dizer” (sic.) Questionada se prefere desenhar, conjuntamente efetuamos um esquema simples da figura humana, a partir da qual a menor relata “ele mostrou a parte a privada (localiza a zona genital), a chupar a parte privada, era no carro, a CC estava deitada, e ele estava sentado, depois ele mostrou, sabes o que é sexo?” (sic.) Incitada a prosseguir o relato “ele mostrou sexo, mostrou vídeos à CC, eu não vi” (…) “depois ele começou a obrigar a CC a chupar a pilinha dele, e ela não quis, mas depois ele baixou as calças e a CC tocou na parte íntima dele” (sic.) Solicitada a descrever melhor as interações “ele ficou lá a dizer, vá lá, ele só disse vá lá, ele ficava a obrigar a CC, a CC disse que já tinha chupado muitas vezes” (…) “eu não vi sexo nenhum, quando o BB me mostrou o vídeo eu tapei os olhos” (sic.) Acrescenta “eu estava lá com ele no quarto dele, ele disse se eu quero ver uma coisa, eu disse o quê, depois ele me mostrou e eu tapei os olhos” (sic.) Questionada, se fechou os olhos, como sabe que o vídeo foi gravado no carro, “dava para ver o carro, dava para ver era o carro, ele disse que era o carro, e depois a mãe dele começou a acreditar nele” (…) “ele começou a dizer à mãe que era mentira, mas era verdade, ele mostrou vídeo, e ele disse para eu fazer” (sic.) Refere “não sei porque ele mostrou o vídeo, eu só não perguntei porque não quis” (sic.) Inquirida acerca do que falou com a CC, sobre o BB, “a CC disse que já tinha acontecido mais vezes, estás a ver a parte privada?, o BB pôs doce, para a CC chupar a pilinha dele, ela disse que era um doce de cereja, a CC é que disse que era de cereja” (sic.) Quanto a si “não costumava estar no quarto com ele, costumava estar na sala e na cozinha, a CC também, e o irmão da CC também” (…) “ ele chamou AA, ele só me chamou, ele chamou e depois foi o irmão da CC” (sic.). Contextualiza “eu estava sentada em cima da cama da avó do BB, quem estava em casa era o BB, a prima do BB, a avó do BB, e ele me chamou, eu fui junto com o KK, depois ele mostrou foto e o KK foi embora, ele mostrou a CC e mostrou a pilinha dele, ele depois disse para ir chamar a CC” (sic.) Prossegue o relato “eu fui para minha casa, e o BB também foi, e depois o BB ficou sentado na cama, ele obrigou a CC, e a CC também não quis, e depois a minha irmã chegou, e ele foi embora, e só foi isso” (sic.) Refere “ele obrigava a minha irmã a namorar com ele, eu não sei o que ele fazia, toda a hora ia para minha casa, mesmo sabendo que ele tinha uma namorada” (sic.) Questionada, refere “ele mostrou o vídeo e disse para fazer igual, comigo não fazia, só com a CC é que ele fazia essas coisas” (sic.) Acerca da factualidade, quando inquirida se já tinha acontecido anteriormente consigo ou com alguém conhecido “é a primeira vez que eu vi, nunca vi acontecer a ninguém” (sic.) Quanto ao seu sentir “eu estava muito preocupada, eu não sabia que a CC fazia isso” (sic.) De seguida “eu fui falar com a namorada do BB, falei no quarto, ela disse que o BB nunca ia fazer isso, eu disse que o BB fazia aquelas coisas com a CC, ela disse que o BB nunca tinha feito isso com ela” (sic.) Solicitada a explicar melhor as factualidades “a pilinha do BB estava para cima, na pilinha não tava nada, eu não vi no vídeo nada, mas a CC diz que saiu uma coisa branca, foi isso que ouvi, estavam a falar que saiu uma coisa branca da pilinha do BB” (…) “ela disse que o doce era transparente e tinha gosto de cereja” (sic.) Solicitada a fazer um esquema gráfico do carro, onde refere ter sido gravado o vídeo “não sei onde estavam no carro, não consegui ver direito, era no carro, via-se o banco da frente, estava sentada por cima dele, só vi a cabeça da CC para baixo, não sei onde estava o corpo, nem as mãos, não vi onde tinha as mãos” (sic.) Quanto ao conteúdo que estava a visualizar “foi quando a CC chupou a pilinha” (…) “ela não falou nada a ninguém, o BB disse para não dizer, eu disse que não ia guardar o segredo, eu tinha que contar, porque às vezes a minha mãe pode perguntar o que a gente faz lá em cima” (…) “o BB disse para não contar, ele disse só que não era para contar, não disse mais nada” (sic.) Acerca da revelação “eu sentei com a minha mãe no quarto e eu falei o que aconteceu, contei depois numa sexta-feira, foi em março” (…) “não sei porque contei naquele dia, eu contei porque estava preocupada com o CC, porque ela estava zangada” (…) “nós encontramos e ela falava sobre isso” (sic.) Acrescenta “quando o BB nos viu, ele ficava a rir, estava a lembrar o que fazia com a CC” (…) “eu nunca disse o que é que pensei, foi só isso” (sic.) Questionada quanto ao que sabe acerca do órgão sexual masculino, verbaliza “eu não tinha visto a parte privada do meu pai, eu não posso ver, nem dos irmãos, só já vi a parte privada da minha mãe” (sic.) Descreve o que nomeia por “pilinha ou parte privada” (…) “tás a ver a pilinha para cima, tinha uma coisa roxo por cima, tás a ver uma linha” (sic.) Acrescenta “dos bebés eu já vi, mas a parte de cima era diferente, só vi a parte de cima no vídeo, não sei mais” (sic.) Refere “eu vi por a boca na pilinha toda, e ela disse que estava na garganta” (sic.)».
Ou seja, à semelhança do que acontecera antes, perante Juiz de Instrução Criminal, a menor concentra a factualidade que a afeta numa ocorrência única, com uma primeira abordagem no quarto do arguido e uma segunda já na sua casa, para onde ela se deslocou posteriormente e para onde este se dirigiu, depois.
Concluindo o tribunal que existe uma coerência de relato, ao longo do tempo, mesmo em audiência, quando chamada a narrar os factos mais de um ano depois da sua ocorrência.
Por aplicação das várias baterias de testes, a Exmª perita concluiu, quanto à avaliação cognitiva que “O resultado obtido pela menor, tendo como referência o seu grupo etário, situa-se no limite inferior da média para a sua faixa etária (20 pontos), revelando algumas capacidades ao nível do pensamento lógico-abstrato e organização e estruturação espacial”.
E “Na reprodução por memória, obteve um valor significativamente inferior à média (percentil 20), sendo esta prejudicada pelas dificuldades evidenciadas a nível perceptivo, que remetem para uma perceção sem acuidade analítica e organizadora, ainda egocêntrica”.
E apresentou resultados, quanto à capacidade cognitiva abaixo a média para a sua faixa etária.
Desses testes e da observação da entrevista, surge claro, para a Exmª Perita, que não emergem alterações psicopatológicas.
E é concluído, ainda, que em relação à AA se apurou «capacidade de distinguir a realidade da fantasia, a mentira da verdade, reconhecer o significado do guardar segredo, bem como em questionar o adulto e dizer não. Nas suas verbalizações identifica-se a presença dos conceitos, “O quê, Onde, Quem e Como”, e “Quando”, bem como capacidade de compreensão e expressão verbal, adequada e de acordo com o esperado para o seu nível de desenvolvimento» e que a criança «Apresenta capacidades cognitivas, no limite inferior da média, quando comparado com o seu grupo de referência, evidenciando algumas competências ao nível do pensamento lógico-abstracto, organização perceptiva e estruturação espacial».
E conclui a Exmª Perita, sempre de acordo com os seus particulares conhecimentos científicos especializados, que esta menor «Demonstra, no entanto, acentuadas dificuldades para organizar e reproduzir conteúdo visual complexo, bem como a sua evocação (memória visual), o que nos remete para algum défice na estruturação das suas percepções, que ocorrem sem elemento orientador, e ainda numa perspetiva egocêntrica, o que não lhe permite estruturar e evocar as suas percepções, mantendo o grau de fidelidade. De forma a confirmar, a hipótese de que estas dificuldades ocorrem devido a uma imaturidade preceptiva e não por dificuldades mnésicas, implementou-se uma tarefa de memória imediata de dígitos (sub-teste 12 da WISC-III), no qual se obteve um resultado inferior ao esperado para a sua faixa etária. No entanto, na sua forma direta (mais simples), o resultado foi o esperado, sendo inferior na ordem inversa, o que sugere algumas dificuldades quanto a reversibilidade (tarefa que implica funções executivas, mais complexa). Denotando-se, alguma capacidade de atenção e memória, para tarefas simples. Os resultados obtidos remetem também para o impacto da componente afetiva no seu desempenho, nomeadamente da ansiedade e impulsividade (precipitando a realização imediata, sem análise e compreensão prévia da tarefa)».
E considera a Exmª Perita que «Os conteúdos narrativos revestem-se de rivalidade e conflito, em contexto de desenvolvimento psicossocial, com emergência de impulsos agressivos, que quando mais intensos desorganizam a narrativa. Denotando a vivência de sentimentos de culpabilidade, e baixa auto-estima, sendo estes característicos da fase de desenvolvimento vigente, no entanto, surgem com maior intensidade do que o esperado, evidenciando ainda algumas dificuldades de auto-regulação das emoções, que interferem no seu desempenho».
A Exmª Perita também não tem qualquer dúvida a, no caso, concluir que «No seu relato de AA, verifica-se a existência de estrutura lógica e espontânea, com enquadramento contextual dos factos, sequência de eventos, sendo a sua capacidade de detalhar e de exprimir emoções semelhantes a existente em eventos neutros, e adequado ao seu nível de desenvolvimento. Os acontecimentos, são narrados em diferentes perspetivas ou centrados em diferentes elementos, mantendo a consistência interna, e não sendo contado como um script, admitindo quando inquirida, “não sei mais, não vi, ou comigo não fez” (sic.), não se verificando a tentativa de preencher lacunas ou confabular, perante a ausência da informação questionada. Emergindo da sua narrativa a presença de detalhes típicos (por ex. solicitação de segredo), com descrição do seu sentir (ex. estava preocupada), e descrição de interações entre os elementos envolvidos (ex. ele dizia vá lá), bem como detalhes inusuais ou percebidos na perspetiva infantil (ex. tás a ver a pilinha para cima, tinha uma coisa roxo por cima, tás a ver uma linha” (…) “dos bebés eu já vi, mas a parte de cima era diferente, só vi a parte de cima no vídeo). Face ao exposto, tendo em conta a consistência interna, e inter-relato (considerando ambas as sessões realizadas com a menor), verifica-se a presença da maioria dos indicadores de credibilidade identificados na literatura.».
E identificando discrepâncias quanto a alguns pormenores entre os dois relatos das duas crianças, a Exmª Perita apresenta explicação coerente com a análise feita pelo tribunal de confronto de todos os depoimentos prestados pelas menores em tribunal: « Numa perspetiva de análise, entre os relatos das duas menores, surgem algumas discrepâncias, quanto a alguns detalhes, nomeadamente, ao número de vezes, em que os eventos ocorreram com a menor CC, referindo a própria (CC) terem acontecido, duas vezes, e verbalizando AA, que a mesma lhe confirmou ter ocorrido diversas vezes, em diferentes contextos, nomeadamente no carro, e com recurso “a compota de cereja” (sic.), o que nunca nos foi mencionado por CC. No entanto, apesar de imprimir alguma fragilidade aos relatos, estas discrepâncias, podem emergir, em consequência da passagem do tempo, de alguma dificuldades identificada na menor CC, quanto a contextualização temporal dos factos, bem como devido ao processo de aprendizagem/sugestão acidental, uma vez que cada relato, mesmo que em contexto informal, as questões formuladas pelo interlocutor, podem sugestionar as narrativas, sendo assimiladas na memória, influenciando os relatos posteriores. Verifica-se, ainda, a existência de um desencadeador da revelação identificado, quando a AAé exposta à alegada situação abusiva, de imediato conta os factos primeiramente à irmã e posteriormente à mãe. Na exploração de hipóteses alternativas, considerando a informação a que tivemos acesso no decurso do processo pericial, não consideramos verosímil uma explicação mais plausível que motive a existência de falsas alegações, com base no descrito pela literatura (ex. mentira ou fantasia da menor, falsas alegações induzidas por outrem e excesso de preocupação familiar), sendo esta, em nossa opinião, melhor explicada, pela vivência/ocorrência das factualidades relatadas pela menor».
Note-se aqui, que a AA, em momento algum, nomeadamente do que resulta da transcrição da entrevista realizada no INML, afirmou que contou em primeiro lugar à irmã, no que se atribuiu a mero lapso irrelevante de perceção ou de execução da Exmª Perita.
E esta última conclui lapidarmente, na sua perícia, que «Em suma, tendo por base toda a informação recolhida, consideramos que a AA, tem capacidade para compreender a natureza do processo judicial, verbalizar de forma detalhada as suas vivências, não se apurando limitações de natureza cognitivo-intelectuais ou psicopatológica, que comprometam de alguma forma a sua capacidade de testemunhar».
O teor deste relatório permite conferir credibilidade à possibilidade da AA ter visto a sua componente afetiva afetada por estes factos e pela sujeição a esta abordagem abusiva de um adulto em quem confiava, passando a sentir ansiedade que naturalmente perturba os seus níveis de atenção e de concentração que, efetivamente, se situam no limiar mínimo do que é normal para a sua idade. E isto sem prejuízo de se percecionar a intercorrência de outros fatores para esse resultado.
O que justificou que se desse por assente os factos descritos em 18. a 22., ainda que quanto a este último ponto, parte do facto assente é concluído da análise da fatualidade que o antecede.
O medo de estar perto do agressor, além de ser uma decorrência lógica do comportamento narrado pela menor, que não hesitou em denunciar o comportamento, resulta confirmado pelas declarações e depoimentos de DD e DD.
Para além de não ser posta em causa pelo arguido, que admite a fatualidade assente em 1 e 2., a idade da AA comprova-se com base na Certidão de Assento de Nascimento de fls. 528, enquanto a da CC com base na Certidão de fls. 529.
Do cotejo dos demais meios de prova, permite-se reforçar a convicção do tribunal quando aos factos assentes.
QQ, assistente, tem declarações contidas, ainda que seja manifesto o sofrimento que a situação lhe traz. As suas declarações revelam objetividade, sendo restritas à razão de ciência que demonstra ter.
O assistente confirma ser pai da CC e revela como teve conhecimento dos factos. Assim, a mãe da AA, a DD, foi a sua casa, tendo esta solicitado ao irmão do assistente para estar presente, para acalmá-lo. Esta disse que apresentou queixa, informando-o que os factos tinham ocorrido “uns dias antes”.
De forma franca, o assistente explica que até disse que não acreditava, o que é revelador da boa imagem que o arguido gozava perante estas famílias e da confiança que era nele depositada.
O assistente foi à Polícia Judiciária com a filha, mesmo sem ter falado com esta, até porque não se sentiu à vontade para o fazer.
O declarante conta, o que foi comprovado pela exibição, na audiência, do respetivo bilhete de avião, que a mãe da CC tinha ido para ... em 21 de março (voltando em 23 de abril).
Solicitado, o assistente revela que a CC estava bem inserida na escola e tinha boas notas, informação que ajuda a reforçar a convicção de que a menor não tinha qualquer interesse aparente em chamar a atenção. A filha, conclui o assistente, era uma criança dócil e obediente, com comportamentos normativos.
O declarante é bombeiro, trabalhando em turnos rotativos, de 12 horas.
Assim, atenta a boa relação de amizade e de vizinhança, a CC passava muito tempo em casa da OO, a mãe do BB, o mesmo acontecendo com a AA.
No que é coerente com a postura da menor observada pelo tribunal e com os efeitos possíveis de uma criança abusada, o assistente dá a conhecer que a CC está, agora, diferente na escola. Ela já chorou na escola e as notas desceram, comenta.
Em 2023, a CC não tinha telemóvel, tendo o declarante conhecimento que a AA tinha um tablet.
A CC continua a brincar com a AA, confirma.
O assistente assevera que não havia conversas sobre sexo, muito menos em frente às crianças, nos churrascos e convívios que eram organizados em casa de cada uma das três famílias.
Para além da CC, a testemunha e a esposa têm mais três filhos, a RR, com 2 anos, o KK, com 6 anos e o SS, com 20.
Apesar deste apoio, a CC esteve fora, em casa da tia, em … TT, quando a sua esposa foi para ..., mantendo o assistente contacto diário, pelo telefone.
O declarante, ainda que tenha evitado falar com a filha sobre estre assunto, nega que esta tenha tendência para efabular.
DD, mãe e representante legal da AA presta declarações que, genericamente, mereceram algum crédito, sem prejuízo de algumas incongruências que se associam ao modo de funcionamento da declarante e à peculiar relação que mantinha com o companheiro.
A testemunha conta que, no mês de março de 2023, numa sexta feira, a sua filha queria falar consigo e disse-lhe que era urgente. A menor insistia dizendo “tem de ser agora” e “é um assunto sério”.
A AA começou, então, a dizer que o “BB” tem uns “vídeos” no telefone e a dizer “tenho que contar”. E a menor contou-lhe que o arguido “uns dias antes” mostrou uns videos no telefone dele. E começou a reproduzir os gestos que via no vídeo e a explicar que até saiu uma “coisa branca dentro da boca da CC”. E a depoente revela que a sua filha lhe disse que “ele pediu” para ela “fazer”, mas que ela recusara.
A declarante, atordoada, perguntou à menor “tens a certeza do que está a dizer?”.
E a menor asseverou que era verdade e que isso aconteceu em casa da mãe do “BB”.
Questionada, assevera que a “filha não é de inventar coisas” e que não havia qualquer problema com o BB até à altura.
A declarante assume que não contou ao seu marido, que chegou a casa no dia seguinte.
E, porque confiava no BB, ficando atordoada com o relato, pretendendo ver a reação do BB com a AA, convidou o arguido para ir a uma festa “para ver a reação dele com a AA”.
Ora, até pela mensagem de whatsapp que adiante se analisará, percebe-se que este convite já estava feito e justificava-se pela necessidade da família ter alguém que conduzisse os seus membros até à margem sul.
Pelo que o manifesto lapso de memória da declarante não coloca em causa o sentido geral das suas declarações e é manifestamente irrelevante para o apoio da sua narrativa.
Desta resulta que a representante da demandante deu o benefício da dúvida ao arguido e permitiu que este os conduzisse, no dia seguinte, a uma festa de aniversário.
E confirma, no que não é desmentido pelo arguido que, naquele dia, na festa, a AA chamou a irmã da namorada do BB (a UU) e contou o que tinha contado a si. A UU foi contar à VV, a namorada do arguido, que o confrontou.
A declarante confirma que o BB e a respetiva mãe foram à sua casa, no dia seguinte a essa festa, falar do assunto e pedir esclarecimentos. Esta bateu à porta e disse que a AA andava a inventar uma coisa destas, sendo que o BB não falou.
A AA quando ouviu a conversa com a mãe do BB, emocionada, confirmou a história.
E revela que a OO, a mãe do arguido, pediu à AA para “não dizer nada”.
Assim, no domingo, foi apresentar queixa, ainda que se alcance, de fls. 4, que a participação é de ... de ... de 2023, terça feira. E, permanecendo em lapso quanto à data, a testemunha diz que foi na “segunda” à Polícia Judiciária, onde foi informado que tinham que levar a CC.
No que entronca com o afirmado pelo assistente, esta declarante conta que não tinha coragem de contar a este, pelo que falou com um irmão dele e foram, depois, os dois, contar ao QQ.
A depoente explica que a AA não quis mais falar do assunto.
Questionada sobre o PP, DD responde que a mãe deste ia a casa da CC e a AA brincava aí com essa criança, que tem a idade da sua filha “mais ou menos”.
A testemunha confirma que, no dia 5 de março, soube que o seu marido teve um filho de um relacionamento extra matrimonial. E não afasta que houve uma discussão, mas afiança que a AA não soube e não a assistiu. Nessa discussão, a declarante interpelou o seu marido sobre a relação.
Assim, apesar de algumas incoerências ou lapsos, as declarações da representante da demandante são contidas, delas perpassando que, ainda que com algum ceticismo inicial, motivado pela relação de quase família e de profunda amizade que a ligava à OO e filho, DD acreditou no relato feito pela filha.
VV, estudante, de 20 anos, é namorada do arguido há 2 anos e 3 meses, declara.
Não se duvida da credulidade da testemunha na versão que lhe foi levada pelo arguido, mas este depoimento não aporta conhecimento de factos que abalem a convicção do tribunal quando à dinâmica dos factos que se deram por assentes.
A testemunha confirma que conheceu a AA e a CC e que a ligação com elas foi sempre “muito boa”.
A depoente ia a casa do arguido, em média uma vez por semana, por vezes duas, onde privava com as crianças.
Confirma que eram frequentes os convívios entre os membros dos 3 agregados familiares.
Quanto ao seu namorado, conta que este sempre foi respeitado e que sempre que os adultos da sua família ou das outras casas vizinhas precisavam de ajuda, pediam ao “BB”, que estava sempre pronto para ajudar.
A testemunha confirma que o BB trabalhava naquela época, estando a fazer entregas na ....
Confirma que, em determinado dia, o arguido veio ao ..., a uma festa de crianças, no seu prédio, acompanhando a família da AA.
Em determinado momento, a AA e a irmã da depoente estava a cochichar, sendo que elas só se conheceram na festa. A AA disse, ali, na festa, ouviu, que a CC “CC puxou a pila do BB”, asseverando que essa foi a expressão usada perante si.
E assevera que a irmã UU, que vai fazer 11 anos, a informou que a AA tinha dito que a CC andava a” chupar a pila do BB”.
No que se mostra coerente com as conversas via whatsapp mantidas entre a testemunha e o arguido que adiante se analisarão, comenta que este já tinha ouvido a AA vir com uma conversa dessas perante a mãe.
A testemunha conta, depois, que domingo de manhã, o arguido foi a casa da mãe da AA. E explica, no que não nos merece qualquer crédito, que o arguido encetou uma chamada para si e, mantendo a chamada, a testemunha ficou a escutar a conversa.
Ora, as mesmas mensagens juntas pela defesa desmentem este relato, já que se alcança das mensagens áudio e escrita que a testemunha não acompanhou a conversa.
Pelo que se têm por não verdadeiras as declarações da depoente, quando afirma que ouviu a DD a perguntar à AA porque estava a inventar e que, no meio da conversa ouviu o pai da AA dar uma sonora chapada. Não se acreditando que tenha ouvido a DD a dizer que a AA era como as tias – intriguista.
Também não se tem por credível que a DD tenha dito à testemunha que, se tivessem falado só a ela, “não tinha levado isto para a frente”.
A testemunha conta, depois, um episódio que visa, também ele, descredibilizar as menores. Conta que, numa deslocação a casa do BB, quando a depoente estava no quarto deste, deitada em cima da cama, as duas meninas entraram e começaram a dizer que a testemunha estava a chupar a pila do BB em frente delas, o que reputa por mentira, ficando envergonhada.
O seu namorado dizia-lhe que elas tinham hábito inventar estas coisas sempre sobre sexo oral.
A depoente prossegue, depois, contando que a irmã da AA, a LL mandou, por Snapchat, um vídeo com a irmã a simular estar a fazer sexo oral em frente a outros colegas.
E explica que as mensagens publicadas pelo Snapchat são apagadas pela rede social, mas exibe uma mensagem trocada entre ela e a irmã da CC,
Efetivamente, a fls. 575, encontra-se impressão de conversa em rede social Instagram associada a “LL”, em que a sua interlocutora a questiona por um vídeo enviado por esta, “da AA a demonstrar como que a LL chupava o WW”. A pessoa identificada como LL riposta, nessa conversação “A AA tava a gozar, pq realmente ela nunca viu isso né?”. Este documento foi apresentado na sessão de audiência de ... de ... de 2024 correspondendo à impressão feita pela testemunha da mensagem observada pelo tribunal no seu telemóvel.
E, sob a refª 150050543, encontra-se impressão de conversa whatsapp em que é partilhada aquela impressão de conversa de Instagram com a VV.
Mesmo admitindo que o vídeo tenha existido, reitera-se que não se vislumbra interesse e capacidade das menores inventarem e manterem uma história com esses contornos e consequências, valendo, aqui, mutatis mutandis, tudo o que já se deixou escrito sobre os aspetos performativos dos seus depoimentos, escrutinados por técnica especializada e pelo coletivo de juízes.
A depoente elabora, depois, um depoimento muito abonatório da personalidade do arguido que conhece há quatro anos, afirmando que este “tem sempre na cabeça estudar”, sempre “evitou festas” e “só ficava a ver vídeos de empreendedores” .
Questionada, a testemunha explica que era muito raro o arguido ficar sozinho em casa com as menores, estando sempre em casa a avó ou a mãe
A depoente considera, do que observou, que a CC era muito influenciada pela AA, mas deixa-se mais uma vez expresso que a reação corporal de dor e sofrimento apresentada pela primeira criança em audiência não é possível ser mimetizada por alguém com a sua idade e recursos cognitivos (modestos).
A testemunha conclui que aquelas tinham atitudes que “não eram para a idade delas”.
GG acaba por, mais ou menos diretamente, sustentar que a motivação das menores seriam ciúmes da testemunha e o caráter intriguista delas, recordando uma situação em que a AA, em casa dela, se vira para a testemunha e disse que “o BB falava com muitas meninas”.
OO, mãe do arguido, confirma que tinha uma relação muito boa com as menores, que assentava numa relação de parentesco afastada e na relação de vizinhança.
Também esta testemunha assevera que as 3 famílias frequentavam a casa uns dos outros.
A testemunha assevera que o seu filho trabalhou desde 16 de fevereiro até quando foi preso, saindo de manhã e que chegava pelas 17 horas.
Procura a testemunha, mãe do arguido e assim emocionalmente pouco distanciada, assegurar que este não teria oportunidade, com este horário, de ter acesso às crianças antes das 17 horas.
Mas, sem se duvidar que o arguido mantivesse alguma atividade profissional, fica por apurar o respetivo horário e local de execução dessa atividade. Sendo que a defesa do arguido, sempre tão lesta a municiar o processo com elementos que entendia importantes, poderia ter facilmente juntado prova documental de tal atividade.
Ao invés, em 17 de maio de 2024 (refª citius 25658133), a defesa junta uma fotografia, constante de fls. 624, da CC às 16 h38m do dia ... de ... de 2023, que o arguido pretende fazer crer que foi publicada após voltar a casa do trabalho e após a explicação. Não desdenhando que estivera, ainda que no contexto que descreveu, em casa da AA à procura do irmão deste.
Ora, a apresentação deste documento e a hora de publicação associada mostra-se contrária à execução diária e regular de um horário de trabalho que não permitia que o arguido chegasse antes das 17 horas.
A depoente conta, ainda assim, que quando as meninas vinham a sua casa, era normal estar em casa a avó ou a depoente.
A testemunha responde que era mais frequente o seu filho ajudar a CCna sala e, por vezes, ia para o quarto mas deixava a porta aberta. E conta que ele ia para o quarto porque o KK e a AA não deixavam a miúda concentrar-se.
Em março, no último dia de escola, o seu filho “BB” chegou a casa. A CC queria que o BB ajudasse nos trabalhos pois ia para casa das tias.
Ora, a CC não se concentrava porque a AA e o KK não deixavam de fazer barulho e de a distrair. Então, a depoente foi dizer para eles deixarem o BB explicar. Para saírem dali.
Em determinada altura, a AA foi dizer que queria falar com ela. E disse
“O BB está a obrigar eu e a CC a chupar a pilinha”, revelando que questionou a testemunha sobre se tinha falado com mais alguém. E a testemunha diz que a AA disse “eu falei à minha mãe, mas a minha mãe não ligou”.

Ainda assim, por razões de cautela, foi espreitar ao quarto.
E, depois, chamou, a CC e perguntou o que é que o BB disse a ti e à AA.
Afirma a testemunha que a CC ficou envergonhada e não disse. E a testemunha é que lhe perguntou “o BB obrigou a chupar a pilinha?”. E a depoente afirma que acabou por informar a CC que quem tinha dito era a AA.
A depoente chamou o BB e confrontou-o e ele ficou zangado “por tudo o que fazia pelas crianças”.
Conta a testemunha que foi ao ... com as crianças e “correu tudo normal”.
E conta que o BB já a tinha informado que a LL (DD) tinha pedido para dar boleia para uma festa no .... E quando o BB chegou a casa perto das 17horas, depois dessa viagem, disse-lhe que a AA tinha dito, na festa, que a ela e a CC tinham chupado a “pilinha”.
A depoente ficou convencida de que as menores estavam a inventar e foi falar com a LL e disse que o que a AA andava a inventar que “era muito grave se ia para a escola dizer isso” era muito grave.
Depois, WW, o pai da AA chegou ali e deu uma “chapada” na AA. A depoente disse que não ia ali “para isso”.
A testemunha disse à AA “fala o que disseste sobre o BB” e admite que a AA disse, em lágrimas, que o BB tinha dito “para chupar a pilinha”, mesmo depois de levar o estalo. Reação que reforça a convicção do tribunal quanto à impossibilidade da menor estar a construir uma mentira e desta resistir a estas probações.
As meninas deixaram de ir à sua casa.
OO revela, ainda que o KK, o irmão da AA, lhe disse que a mãe (DD) andava a ver filmes de “homem com mulher” no tablet da AA.
Ora, a depoente afirma não se recordar quando é que a criança teve essa conversa, mas declara que foi muito antes disso acontecer.
Entendendo que devia aconselhar a amiga, a testemunha foi falar com a DD dizendo-lhe para seta evitar essas situações, tendo esta admitido que “pegou no sono” e que a AA foi pegar no telemóvel e viu um filme de adultos.
Questionada, a testemunha esclarece que a AA, quando lhe fez aquela revelação, estava tranquila e que a CC estava envergonhada.
A testemunha, com alguma honestidade intelectual, admite que as “meninas” nunca lhe tinham feito nenhuma intriga.
E também confirma que o relacionamento delas e do KK com o BB era bom.
As crianças esperavam por ele para andar na mota, brincavam como ele, jamais tendo percecionado qualquer episódio em que as menores evitassem o seu filho.
A AA perguntava sempre “porque é que o BB está no quarto com a namorada?”, o que se afigura ao tribunal constituir um comportamento normal, de curiosidade infantil.
A testemunha, de forma algo hesitante, responde que a VV disse que a AA tinha dito que a tinha visto “a fazer não sei o quê” com o BB. E conta que isto foi muito antes desta história e assevera que nenhuma das menores disse à depoente que viu a VV a fazer alguma coisa com o BB”.
Sendo-lhe perguntado, OO narra o episódio sobre a discussão entre a DD e o WW, quando esta descobriu que o pai da AA ia ter outro bebé fora da relação.
Assim, a LL fez um escândalo e deu uma pancada ao WW, no meio do convívio que estavam a levar a cabo. A depoente desligou a música, interpôs-se e perguntou “o que é isso?”. E aconselhou-os a saírem dali.
As crianças estavam no quintal, pelo que ouviram.
Ora, esta intervenção, benevolente e bem intencionada, não permitiria, conclui o tribunal, qualquer má vontade para a depoente e muito menos para o seu filho, pelo que não se estabelece qualquer associação entre estes factos e a plausibilidade da teoria da invenção invocada pelo arguido.
Apesar da tendência para a proteção do seu filho, a testemunha parece ter feito, genericamente, um esforço de verdade, alcançando-se estarmos perante uma personalidade bem formada. No entanto, o seu depoimento não permite infirmar a versão da acusação mas antes, vistas as considerações tecidas, corroborá-la.
DD, estudante de 17 anos, declara ser irmã da AA e vizinha do arguido e da CC.
A testemunha, que demonstra, ao longo do seu depoimento, capacidade comunicacional algo reduzida para a sua idade, declara estar de relações cortadas com o arguido.
No entanto, confirma a ideia generalizada de que, antes, se davam todos bem e que frequentavam a casa uns dos outros.
E corrobora que era habitual a AA ir à casa da OO e do BB.
A AA perguntou-lhe, em determinado dia, o que era sexo. A AA contou-lhe, então, que o BB tinha posto a CC a “chupar a pila”. E exemplificou, ainda, como é que eram os movimentos de masturbação, servindo-se do braço da testemunha. E contou que a CC é que lhe tinha contado.
Questionada pela testemunha sobre o que o BB tinha feito, a AA disse que ela não tinha feito nada, que o arguido tinha pegado no braço dela e tentou “que ela fizesse”, mas ela não fez.
A depoente disse à AA para contar à mãe, que estava deitada.
Entretanto, a depoente foi ao ... e, quando veio, a AA já tinha contado à mãe.
Esta conversa teve lugar, recorda-se, em março do ano passado, confirmando que ocorreu na véspera da ida à festa no .... A testemunha foi a essa festa com o padrasto (o WW), com a mãe, com a AA e com o BB.
E, na festa, a irmã da VV, que tem a idade da AA, estava a brincar com esta. A AA contou à criança.
E, ao voltar para casa, a AA disse que o BB tinha dito que lhe ia dar um soco, “porque eu contei à UU” (irmã da VV).
Questionada, a depoente afirma que a AA “nunca lhe disse ter visto um vídeo da CC”.
Também a depoente era amiga do BB e as respetivas famílias davam-se bem, o que permite reforçar a convicção da inexistência de qualquer orquestração para prejudicar o arguido.
A testemunha confirma os traços de caráter que se distinguem nas menores, identificando a sua irmã como “mais quieta” e a AA como mais faladora, mais extrovertida (“fala mais”).
A depoente, depois disso, não falou com a CC, reconhecendo tratar-se de um “assunto delicado”.
Confrontada, a testemunha confirma que enviou um vídeo da AA como se estivesse a agarrar “uma pila”. E admite tratar-se de um vídeo feito por si, tendo sido enviado depois de ter ocorrido esta revelação (após março de 2023).
De forma que é pouco inteligível, a testemunha desculpa-se dizendo que era uma brincadeira. E confirma tratar-se do vídeo mencionado a fls. 575.
E declara que o vídeo foi captado a meio de março.
A depoente, com as suas capacidades narrativas ainda mais prejudicadas pelo embaraço evidente por ser confrontada com este facto embaraçoso, declara que desconhece porque enviou o vídeo para a VV.
Questionada sobre o que é que a irmã simulava no vídeo, a depoente esclarece que era um ato de masturbação junto à boca.
Este vídeo foi captado em sua casa e a testemunha jamais o comentou com a mãe e padrasto.
XX, prima da YY que é mãe da CC, tem um depoimento que consolida a convicção sobre a credibilidade do relato feito pela criança.
Efetivamente, resulta de todo o depoimento, muito espontâneo e muito gráfico, a facilidade que a testemunha tem de lidar com crianças. E a testemunha exemplifica, quase passo a passo, como fez a abordagem à CC para que esta lhe contasse o que se tinha passado. Percecionando-se que o fez com uma abordagem pedagogicamente correta, sem influenciar a menor.
Pelo que se reputa este depoimento de muito importante para o reforço de convicção do tribunal sobre a autenticidade do discurso mantido pela CC.
A testemunha confirma que no mês de ... tinha a CC em sua casa, na ausência da mãe em ....
E conta que a LL (DD) telefonou e perguntou se ela sabia o que se “tinha passado com a CC”.
A LL informou-a sobre o que a AA tinha dito.
A testemunha desligou o telefone e, como lhe é habitual (está sempre a cantar e a dançar pela casa) foi dançar com a CC.
Depois de, assim, a descontrair, a testemunha perguntou à menor se queria ir à casa de banho para a afastar da outra criança que estava na sua casa, sua filha.
A testemunha disse, então, com a voz mais serena que podia “Sabe que não pode mentir à tia” e a CC respondeu “eu sei”.
Assim, foi abordando progressivamente, perguntando se a tratavam bem ali em casa. Depois perguntou “E na casa da mãe, ninguém te bateu?”, ao que a criança disse que não.
Após, perguntou “na casa da NN (OO) alguém te bate? E foi questionando sobre as várias pessoas e como a tratavam. Depois, quando chegou ao BB, a CC “estremeceu”.
E, então, a criança revelou-lhe, triste: “O BB mandou chupar a pilinha dele”. E disse “várias vezes”.
A depoente assevera que a CC nunca mente, acreditando no relato.
ZZ, mãe da CC, confirma que estava em ..., quando se deu esta revelação. Efetivamente, a testemunha precisou de se deslocar àquele arquipélago no dia ... de ... de 2023, voltando a ... de ... de 2023.
Quando estava em ..., a DD informou-a que estava na Judiciária porque o “BB tinha abusado das meninas”. E disse que estava na PJ para apresentar queixa. E disse que tinha falado com o seu marido.
À noite, a depoente telefonou e o marido, QQ, estava a chorar. Este disse que mais tarde telefonava e disse que, no dia seguinte, ia com DD à Polícia Judiciária.
A depoente conta que, ao telefone, falava com a CC e não notou diferenças na sua voz ou no seu discurso.
Quando a depoente chegou a ..., não falou com menor sobre isto deixando “para os psicólogos a conversa”.
A testemunha apercebeu-se, ainda assim, de alterações no comportamento da CC, que começou ter ataques de choro repentinos na escola.
Também esta depoente corrobora que o BB era como um primo, sendo uma figura muito estimada da sua filha.
Ainda que não tenha falado com a menor, a depoente ficou com a perceção que a história tinha acontecido.
E assevera que a sua “filha não mente”, garantindo que esta nunca tinha falado de “pilinhas” ou de questões sexuais.
A depoente, além do mais, valou com a sua prima XX, que falou com a CC e esta revelou-lhe o relato feito pela criança.
E declara que chegou a dizer à CC que não podia ir para casa da NN por causa “daquilo que se tinha passado”, quando esta verbalizou que queria brincar com a AAA a prima do BB, que era sua amiga. E a menor aceitou.
Questionada, conta que a menor tinha um tablet que usava.
E confirma que havia convívios regulares entre as famílias, nomeadamente em churrascos e que o BB chegou a ir a churrascos no seu Quintal.
No quintal, nunca houve conversas de teor sexual entre os adultos, assegura.
Aliás, conta que não era tão próxima da DD como era da OO, pelo que os convívios eram mais restritos à sua família e à desta última.
Sendo-lhe perguntado, responde que a ... (BBB) tem um filho com 8 anos. Este brincava com a CC. E expressamente perguntado, a testemunha afirma que nunca houve qualquer mensagem do seu telemóvel para o da ... a dizer que ia “chupar pila”. Ora, ainda que este não tivesse sido o verdadeiro sentido das palavras da CC, torna-se óbvio que a depoente, como veio a reconhecer posteriormente, encobriu a verdade. E fê-lo, estima-se que, ainda que censuravelmente, para não pôr em causa a versão da filha, na qual deposita, manifestamente, a sua confiança plena.
A testemunha esclarece que do tablet do PP foi enviada uma mensagem para a mãe do PP, em que a CC dizia que “gostava muito do PP”. E explica que o PP veio a chorar a dizer que a CC tinha mandado a mensagem. Esta era um vídeo.
O seu marido, perante esta queixa, brigou com a CC.
A depoente, insistindo-se na questão, declara que “nunca desabafou” com o a OO com preocupação sobre essas mensagens
Mais tarde, noutra sessão, a depoente foi chamada, de novo, a depor e foi confrontada com os ficheiros juntos pela defesa em 17 de maio de 2024 (refª citius 25658133). Efetivamente, a defesa junta uma fotografia, constante de fls. 624, da CC às 16 h38m do dia ... de ... de 2023, a que já nos referimos.
E juntou um vídeo, inserido no Messenger da conta de Facebook de OO, nesse mesmo dia, em que é visível a AA, a CC, o KK e CCC, sentados numa mesa de restauração, alegando a defesa que foi mandado para a YY, a mãe da CC.
Efetivamente, o vídeo parece ter sido partilhado com alguém que aparece, na aplicação Messenger, com o nome YY, mas a partilha surge no seguimento de conversa iniciada às 11h36m, com partilha de um vídeo de barbearia, e tentativa de contacto por chamada Messenger. O que lança dúvidas sobre se as menores foram, num clima de normalidade, ao ... após a mãe do arguido ter sido informada sobre o que se passava.
Mas na mesma ocasião, o arguido junta um vídeo realizado a partir da visualização da mesma aplicação de Messenger, associada à conta da sua mãe no Facebook, com a reprodução de dois áudios e um vídeo e que terão sido enviados pela mãe da CC, para a OO, no dia ... de ... de 2022.
Ali, ouve-se a CC a dizer: “ai tia, tu não vais reclamar, não? A minha prima está a chupar a minha pila que tem nome (impercetível) CC. Hummm. Aiii”
E no segundo registo de áudio, ouve-se “Tia, podes me vir buscar com a minha mºae para…coiso…Nani vir?
O vídeo, sem qualquer caráter sensualizado, ao contrário do que é invocado pela defesa, exibe a CC a dizer “Tia eu gosto do PP, ele é bonito, maravilhoso”.
Pelo que, confrontada com os dois áudios, ZZ confirma que se trata da voz CC. Notando-se que a menor, em audiência, não escondeu ter enviado o áudio.
E DDD confirma que o vídeo retrata, igualmente, a sua CC.
Conta que a menor gravou os áudios e o vídeo no tablet do PP. E reconhece que o áudio com referência a “pila” foi enviado, do seu telefone, para a D. OO, pois estava preocupada e falava tudo com a OO, que era a sua confidente.
Ora, a menor esclareceu o contexto do áudio em audiência e ainda que surja a temática da “pila”, esta referência é feita sem qualquer nexo e numa perspetiva infantilizada, ao contrário dos relatos que a menor veio a fazer, repletos de pormenores credíveis e não usuais na perspetiva infantil.
EEE, primo do arguido, declara que era frequentador da casa do BB, em S. TT.
A testemunha e o arguido conheceram-se em ..., sendo amigos desde sempre.
Quando o depoente veio para ..., o arguido já cá morava.
Os dois amigos tinham interesses comuns, jogavam Basket, frequentavam a casa um do outro. E, uma vez por semana, viam-se.
O depoente tem um depoimento abonatório, apresentando o arguido como alguém que tenta ajudar todas as pessoas e não o revê na prática destes factos, já que o tem por boa pessoa e bem formada.
A testemunha declara, ainda, que jogavam PlayStation no quarto do BB.
A casa do arguido era frequentada por muitas pessoas, já que a família dele é muito acolhedora.
E, nesse contexto, conheceu a CC e a AA, que também frequentavam a casa, nada de estranho tendo assistido.
FFF explica que o arguido BB é filho da sua prima. A testemunha ia passar fins de semana em casa da prima. Trabalhava como interna e ia lá aos fins de semana.
Assim, durante 8 meses ficava lá em casa, ficando no quarto da OO.
O BB, a GGG (sua sobrinha), o TT que tinha cerca de 23 anos e a OO eram as pessoas que, durante o fim de semana, ficavam na casa desta.
A depoente chegou a frequentar churrascos na casa dos vizinhos de baixo, HHH e III (YY). Estes tinham 4 filhos, cujos nomes confirma.
A depoente também tem a perceção de que a DD não frequentava muito os churrascos, mas a AA, sim, ficando ali a brincar com outras crianças.
Segundo a testemunha, estes churrascos começavam às 16/18 h e prolongavam-se até às 22 h e, às vezes, até à meia noite
As crianças ficavam lá mas, depois, iam-se deitar.
Questionada, a testemunha declara não se recordar de ter ouvido falar de sexo. E não presenciou uma briga entre um casal.
A testemunha afirma que não estava quando houve mensagens para o PP, ainda que a OO tenha comentado qualquer coisa sobre conversas que não eram “próprias”.
Assim, viu a AA em casa da OO, observando sempre uma grande amizade entre as duas. E ao fim de semana, quando a depoente lá permanecia, sempre viu a criança a andar à vontade na casa.
Questionada, conta que o BB e o TT dividiam o quarto. O BB sempre gostava de ter a sua porta fechada mas, depois, corrige dizendo “porta encostada” e não no trinco.
A depoente jamais viu qualquer coisa de errado entre o arguido e a AA ou a CC, que também frequentava a casa à vontade.
E reproduz, uma mensagem de voz de ... de ... de 2022, que exemplifica a mensagens que recebeu da AA. Segundo a testemunha, a AA enviava mensagens usando o telemóvel do pai da CC a dizer que a testemunha era “gostosa”.
Reproduzido o ficheiro, a mensagem, captada pelo sistema de registo áudio do citius e, assim, sem interesse de ser junta ao processo, mostra-se pueril, e na linha da admiração de uma mulher adulta por uma rapariga menor que a considera bonita e na qual se revê. Efetivamente, perceciona-se que na linguagem singela da menor, o adjetivo “gostosa” não é proferido com uma conotação sensualizada.
O depoimento desta testemunha é, assim, insuscetível de infirmar a convicção do tribunal quanto aos factos assentes.
A testemunha tem, igualmente, um depoimento muito abonatório do caráter do arguido.
JJJ declara que considera o arguido como “um filho”, apresentando-se como amiga da família.
A depoente vive em ..., mas está numa casa em ... de passagem.
A testemunha tem um filho dois anos mais novos do que o BB, que ficou na casa da OO onde foi recebido como um filho. Este, KKK, chegou no início de 2020 e ficou na casa até novembro de 2020.
Antes de agosto de 2022, a testemunha frequentava a casa da OO, tendo frequentado churrascos na casa do QQ e da LLL, os pais da CC.
A testemunha não ficava até muito tarde nesses convívios, mas jamais presenciou conversas de adultos entre eles ou a discussões entre casais.
Assim, pouco ou nada esclarece sobre os factos, prestando um depoimento igualmente abonatório sobre o caráter arguido.
MMM, filho do padrasto do arguido, informa que partilhava o quarto com o BB.
O depoente dormia, em baixo, numa cama com gaveta.
Corroborando as declarações do arguido, descreve que existia uma máquina de secar e lavar e uma arca frigorífica horizontal na varanda atrás do quarto. A passagem para esta varanda era feita pelo seu quarto, pelo que os utilizadores da casa tinham que entrar no quarto para aceder a estes aparelhos.
A testemunha afirma que a porta era antiga e, no que é esclarecedor sobre a privacidade que era possível ali manter, conta que se fechassem a porta “ninguém conseguia abrir”. Pelo que punham, explica, papel para prender a porta que estava, assim, sempre aberta, bastando empurrar para abrir.
O depoente descreve o arguido como uma pessoa que se dava bem com toda a gente, com aspirações a ter uma carreira política em ... e a frequentar um curso de programação.
Quanto às crianças - a CC, a AA, o KK e a RR - estas iam ao quarto e andavam pela casa com à vontade.
E confirma que o arguido ajudava a explicar as matérias da escola, tendo-o encontrado mais vezes a explicar à CC, mas também o encontrou a explicar à AA.
A AA fazia normalmente os trabalhos em casa, pelo que só ficava se o arguido estivesse a dar explicações à CC e não a distraísse.
A testemunha revela que os churrascos ocorriam mais nos fins de semana e que, quando os frequentava, podia ouvir, tal como as crianças, as conversas dos adultos.
O depoente retirava-se (muito convenientemente, comente-se) quando a “NNN” começava a falar de atos sexuais, pelo que não consegue, assim, reproduzir qualquer conversa concreta desse jaez.
A testemunha identifica o filho da ... e do OOO como PP e conta que estes frequentavam o churrasco.
Ora, quanto a esta matéria, (providencialmente), a testemunha ouviu os pais do PP a dizer ao pai da CC que esta dizia que ia chupar a pila.
O depoente estava a comer e ouviu a conversa.
Toda a postura corporal da testemunha não convence, sendo o seu relato vazio de pormenores que façam pressupor que ouviu esta conversa.
E o mesmo se diga quando (mais uma vez providencialmente) afirma que estava presente quando a mãe da CC foi falar lá casa deste incidente com a D. OO, demonstrando preocupação e questionando o que podiam fazer como pais.
Sendo-lhe questionado, avança, em erro, esclarecendo que a mensagem para o PP seria um áudio.
O depoente revela que só existe um carro lá em casa, que é do seu pai. E afasta que o BB costume ficar com as meninas no carro, desconhecendo se elas andaram, alguma vez de carro com ele. Nunca viu, comenta.
Esta testemunha, que as demais revelam que pouco parava em casa, afirma que, num dia chegou a casa, entrou no quarto e encontrou a namorada do BB transtornada. Esta disse que as meninas foram dizer à mãe do BB, que ela tinha chupado a pilinha do BB à frente delas.
Ora, como se observou, OO não estava a par desta alegada mentira.
Resulta assim, manifesto, que o depoimento desta testemunha é parcial, toca inverosimilmente todas as linhas de argumentação do arguido e não nos merece crédito, atentos os seus elementos de coerência extrínsecos e intrínsecos.
PPP, que reconhece ser conhecida como ..., assume ser a mãe do QQQ.
A testemunha era, assim, de quando em vez, visita da casa da mãe do BB em 2018.
O seu filho ia, ali, brincar com as crianças.
A testemunha esteve, igualmente, em casa da mãe da CC umas 3 vezes. As crianças ficavam no tablet a brincar.
A testemunha confirma que, uma vez, a CC mandou mensagem para si com o tablet do filho (PP). E nessa mensagem, ela dizia que o seu filho era “lindo e maravilhoso” e que gostava muito dele. Concorda, ao visualizar essa mensagem de vídeo, que se tratava de uma mensagem pueril.
E nega que tivesse sido enviada outra mensagem, nomeadamente com referência a chupar “pilinha” e nega que CC tenha mandado outros ficheiros.
Ora, a este depoimento é, igualmente, de atribuir pouco crédito, até porque parece ser desmentido pelos ficheiros que foram enviados pela YY para a OO na mesma ocasião e que teriam sido todos produzidos, acredita-se na mesma ocasião.
RRR, pai da AA, demonstra ter parcos recursos linguísticos e comunicacionais, que prejudicam o seu depoimento.
A testemunha confirma que há um dia que estava em casa e a OO e o BB foram lá ter uma conversa. Estes disseram que a sua filha estava a inventar uma calúnia sobre o BB.
A testemunha foi à sala, onde estava a AA, com a sua mulher e admite que, inicialmente, não acreditou “que ele tivesse feito aquilo às miúdas”.
Assim, perguntou à filha se isso é verdade à frente deles. E a AA chorou e disse, à frente do BB e da OO, que era verdade.
O depoente admite que “ralhou” com a criança, dizendo que isso não era coisa que se dissesse e, ainda assim, ela disse que estava a dizer a verdade. Clarifica que repreendeu, mas não deu uma bofetada.
A testemunha explica, de forma honesta, que ficou na dúvida “porque nem queria acreditar que o BB pudesse fazer aquilo”, demonstrando ter confiança e estima por este.
No entanto, também admite que a AA nunca mentiu sobre estes assuntos.
A testemunha ouviu falar, passados uns tempos, que existiria um vídeo, tendo sido o vizinho, o ..., quem lhe disse isso.
O declarante nega que alguma vez tenha visto a filha a exemplificar o que o BB fez.
A testemunha nega que a AA tenha alguma vez visto vídeos de sexo no tablet e nega que tenha conhecimento dela ter feito qualquer brincadeira a insinuar estar a fazer sexo oral.
O depoente responde não se recordar se a OO estava no churrasco quando se descobriu que a sua amante estava grávida. E reconhece que a sua companheira, no memento, ficou exaltada.
E tem ideia que foi o seu vizinho, o pai da CC, quem acalmou a DD
O depoente, ainda que com dificuldades de expressão, denota fazer um esforço para ser objetivo, e conta que a sua filha, ao falar do BB, disse que era tudo verdade.
Ela já tinha dito o BB, de vez em quando, fazia brincadeiras estranhas, queixa que apenas lhe fez sentido mais tarde, depois da revelação.
A testemunha revela depois, que apesar da confiança no BB, não gostava que ele fechasse a porta para estudar. Ele já fechava com a enteada e não lhe agradava. Assim, já confrontara o BB uma vez com o facto da porta estar fechada.
Cotejando os demais meios de prova, observa-se, a fls 150, auto de busca e apreensão do telemóvel de marca Apple (IPhone 13) com o IMEI ..., onde opera o número de telemóvel ..., encontrado na cama individual com gavetão onde dormia o arguido, que forneceu o código de acesso ao equipamento.
E, no mesmo auto foi feito consignar que os Especialistas da PJ fizeram uma triagem ao conteúdo do telemóvel com recurso a ferramentas forenses, não tendo encontrado qualquer imagem ou vídeo com interesse para os autos, o que exigiu a submissão do aparelho a Exame Pericial Forense.
A fls 277, encontra-se relatório Pericial ao aparelho de telemóvel conclui pela inexistência de conteúdo relevante.
Ora, pouco se permite concluir da ausência desse ficheiro ou de qualquer outro comprometedor para o arguido, já que este, sendo confrontado com a revelação feita à sua mãe e à sua namorada pela AA não poderia deixar, em coerência com o seu comportamento, de apagá-lo. Sendo que o arguido não esconde possuir conhecimentos na área informática, demonstrando interesse em frequentar um curso de programação.
A fls 607 (também sob refª citius 25453327) encontra-se conversa entre o arguido e namorada, com troca de mensagens de vídeo, áudio e escritas, em que o primeiro anuncia à segunda, no dia ... de ... de 2023 que no “sábado” iria a uma festa de uma amiga da LL e que se desenrolaria no prédio daquela. E declara que foi solicitado ir com eles “para lhes levar de carro so aceitei pq te ia ver”. Ou seja, comunica à namorada que aceitou o convite para a ir vê-la. E comunica, igualmente, que o “WW” ia.
A fls 619 e ss., o arguido junta transcrição de mensagens de texto e de 27 mensagens de áudio, trocadas com a namorada VV, no período compreendido entre ... de ... de 2023, pelas 12 horas e o dia ... de ... de 2023, pelas 15h33m, a propósito das acusações que a AA lhes fazia.
Ora, não se pode deixar de comentar que o arguido tem, nessas conversas, o interesse manifesto de manipular a sua namorada, de mantê-la do seu lado, a acreditar na sua narrativa, controlando danos. Até porque a GG já havia sido confrontada, no dia anterior, com esta narrativa pela própria AA
Na primeira mensagem, a namorada VV revela que quando a AA teve a conversa com a mãe, o arguido desvalorizou, dizendo “deixa isso para lá…mas elas são crianças”.
No áudio 2, o arguido explica à namorada que a mãe “acreditou”, perceciona-se, no relato das menores e que esta já tinha avisado para não brincar com as crianças “desde a última vez que aconteceu aquilo contigo”, o que credencia parcialmente o relato da VV, feito em audiência, de que tinha havido algum mal entendido com esta, ou um relato infundado das crianças, ainda que não se permita assentar certezas de que com os contornos por si relatados. Conversa que volta a aflorar no áudio 12.
No áudio 3, o arguido admite à namorada que mandou as outras crianças para fora, para explicar a matéria à CC, que lhe tinha pedido ajuda e para não a desconcentrar. E afirma que a mãe apareceu no quarto, abrindo a porta de repente, com “Bué força” e não disse nada. E diz que a AA já lhe tinha contado.
A mãe foi falar com a CC e o arguido conta que não percebeu que fosse isso e veio a descobrir que esta confirmou as acusações da AA.
E, nestas mensagens, o arguido refere-se à AA como “filha da puta”, “badocha de merda” linguagem depreciativa que se poderia inserir, num determinado contexto, como um ato de descarga da frustração, mas também não se descura que segue a linha de persuasão da namorada. Neste e nos outros áudios, não se capta uma modulação de voz compatível com verdadeira indignação, observação que se estende ao tom de voz apresentado em audiência. Não existe uma modulação de voz coerente com indignação, mas antes só com desespero ou aflição.
Do áudio 5, a VV, demonstrando muito desconforto com a situação, sugere ao arguido que fale com a mãe, para confrontarem as menores para pararem de dizer isso a toda a gente, como fez na festa. Sugestão que aprofunda nos áudios 10 e 16.
Transparece de todos os áudios, para além da diabolização que o arguido faz das menores, coerente com a gestão da situação que faz perante a namorada, a existência de uma cognição distorcida sobre o modo de pensar ou de agir das crianças, parecendo colocar-se ao nível destas.
No áudio 6, sempre nesse registo, resulta manifesto que ameaçou a AA numas escadas dizendo-lhe “para ter cuidado com ele”, o que valida o depoimento da menor feito em julgamento, que alude a este pormenor.
No áudio 18, a VV, na sequência da mensagem escrita, esclarece que estava a pensar que o arguido poderia ter mostrado às menores algum vídeo de pessoas a “chupar”, o que faz pressupor que também a sua namorada tenha uma cognição algo distorcida sobre a vivência da sexualidade.
E no áudio seguinte, o arguido, aproveitando o ensejo dessa sugestão, parece prosseguir na senda da tentativa da manipulação das emoções da sua namorada, já que admite a hipótese de haver um vídeo desses, que tivesse sido visualizado quando emprestava o telefone, deduz-se, à AA.
No áudio 22, o arguido conta à namorada que já bateram na AA, o que é posto em causa pela namorada no áudio 23.
No áudio 24, o próprio arguido admite à namorada que, quando esteve lá (subentendendo-se em casa da AA) a menor parecia que ia manter sempre que era verdade.
A prova dos factos assentes de 16. a 17., ligados à vontade e à vida interior do arguido, são projetados, no exterior, de acordo com regras de experiência comum, pelo comportamento assumido pelo arguido e que se deu por assente. E resultam, além do mais, das considerações já expendidas a propósito das declarações do arguido.
O Tribunal alicerçou a convicção dos factos relativos às condições económicas e sociais do arguido e do desenvolvimento da sua personalidade e percurso de vida, no relatório social junto aos autos, nas declarações produzidas pelo próprio e pelos depoimentos das testemunhas de defesa.
A ausência de antecedentes criminais está demonstrada pelo certificado de registo criminal de fls. 561.
Os factos que se deram por não assentes justificaram-se pelo que ficou dito e pela falta de qualquer meio de prova que os confirmasse, para além de uma dúvida razoável.
II.2.C.d. Do enquadramento jurídico-penal exarado no acórdão recorrido (cfr. ref.ª 152192322 de 12-07-2024):
É a seguinte a fundamentação da qualificação jurídico-penal dos factos provados no acórdão recorrido:
Como se viu, ao arguido foi imputada a prática, de três crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 e nº 2 do Código Penal.
Na secção II do Capítulo V do Código Penal, do livro II, denominada de “crimes contra a autodeterminação sexual”, sob a epígrafe de “abuso sexual de crianças”, dispõe o artigo 171º, nº 1, que “Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos”.
E prevê o nº 2 que “Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos”.
Reza o nº 1 do artigo 22º do Código Penal que “Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”.
O nº 2 esclarece que “São actos de execução:
a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;
b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou
c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores”.
O artigo 23º, nº 1 do mesmo diploma prevê que “Salvo disposição em contrário, a tentativa só é punível se ao crime consumado respectivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão”. O nº 2 estatui que “A tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada” (remetendo, assim, para o regime punitivo previsto no artigo 73º).
Este crime de abuso sexual protege a sexualidade na fase de desenvolvimento da personalidade, estando tipicamente estruturado como um crime de perigo abstrato, que assenta na presunção legal de que os menores de 14 anos não têm capacidade de autodeterminação sexual e que, em virtude dessa incapacidade, a sua submissão a práticas sexuais, mesmo que obtidas sem força ou coação, prejudica o livre desenvolvimento da sua personalidade. Procura-se, pois, com esta tutela, garantir um desenvolvimento adequado da sexualidade.
O limite de 14 anos define, em vários diplomas, a fronteira entre a infância e a adolescência, dúvidas inexistindo que a idade da AA e a CC fica aquém desta fronteira, sendo, pois, “crianças”.
Assim, o tipo objetivo consiste na prática, mesmo que “consensual” de ato sexual de relevo com criança (incluindo a cópula, o coito anal, o coito oral ou a introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos), de “importunação sexual” de criança ou actuação sobre uma criança por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos” - cfr. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 1ª edição, pág, 473 – e após ... de ... de 2015, o aliciamento para assistir a abusos sexuais ou a atividades sexuais.
O tipo subjetivo admite qualquer forma de dolo.
Realizando a subsunção da matéria assente ao direito, temos por assente que em 2023, não após março, o arguido, sendo vizinho da menor CC, nascida ... de ... de 2015, no interior da casa do arguido, disse-lhe para ela entrar no quarto.
No interior do quarto, o arguido abriu as calças que envergava, exibiu o pénis à menor CC e disse à mesma para “pegar” no pénis e, perante a resistência da mesma, o arguido agarrou a mão da menor e colocou a mesma no pénis do arguido.
Seguidamente, e não obstante a resistência da menor, o arguido colocou a mão da menor à volta do pénis e efetuou, com a mesma, movimentos ascendentes e descendentes.
E agarrou a criança com força, impedindo a menor de retirar a mão, bem como disse à menor para que chupasse, ao que a menor disse que não.
O arguido insistiu e colocou o pénis ereto no interior da boca da menor, agarrou na cabeça da mesma e efetuou movimentos ascendentes e descendentes, repetindo os referidos movimentos, ejaculando no interior da boca da menor.
No decurso dos factos acima descritos, o arguido, munido de um telemóvel, efetuou gravação de tais ações.
Mais se apurou que, noutra situação, no final de março do mesmo ano, no interior do quarto do arguido, este disse à mesma menor CC e à AA, nascida a ... de ... de 2015, para chuparem o pénis dele, ao que as mesmas negaram.
Nessa ocasião, o arguido disse às menores que iria mostrar à mãe de ambas o vídeo que gravou e exibiu o referido vídeo à AA
O arguido baixou a roupa que envergava, deitou-se na cama e disse às menores para agarrarem no seu pénis.
A menor CC colocou, então, as mãos no pénis do arguido e efetuou movimentos ascendentes e descendentes.
O arguido foi interrompido porque a mãe deste se aproximou do quarto do mesmo.
Seguidamente, as menores deslocaram-se para casa da AA, sita no piso inferior, tendo o arguido, pouco tempo depois, batido à porta, que foi aberta por esta criança.
O arguido dirigiu-se ao quarto das menores, exibindo o pénis e pediu às menores para o chuparem.
Estas negaram a fazê-lo.
O arguido, mesmo que não contasse, até ao fim, com a oposição expressa da menor SSS, sujeitou-a a atos sexuais que integram a previsão do artigo 171º, nº 1 do Código Penal na segunda situação.
Efetivamente, estamos perante “acto sexual de relevo”, entendido como “todo aquele (comportamento activo...) que, de um ponto de vista predominantemente objectivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de autodeterminação sexual de quem a sofre ou pratica” (cfr. Figueiredo Dias, “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, I, pág. 447).
O preenchimento do conceito tem por limite negativo o princípio da subsidiariedade do direito penal que, como direito de “ultima ratio”, exige que apenas seja tutelada a liberdade sexual contra ações que revistam a mínima gravidade.
Ou seja, têm de estar em causa comportamentos, diretamente relacionados com a esfera da sexualidade e de intimidade sexual e que possam prejudicar, com essa conexão, o direito do menor a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso.
O nº 1 do artigo 171º tem, ainda, como limite, os comportamentos descritos no seu nº 1 e no nº 3.
Ora, inexistem dúvidas de que o arguido, ao levar a que a menor CC o masturbasse, pratica, sobre ela, que o suportou, ato sexual de relevo, previsto no nº 1 do artigo 171º do Código Penal.
Mas mais, o arguido tenta, nessa situação, persuadir a AAa introduzir o pénis dele na boca da menor, não conseguindo o seu objetivo por motivos alheios à sua vontade - a sua mãe aproximou-se do quarto e a menor não cedeu à “chantagem” da exibição de um vídeo de caráter sexual da amiga às respetivas mães.
Destarte, o arguido pratica, em relação à AA, atos de execução de um crime que decidiu cometer e que não se consumou – cfr. artigo 22.º, n.º 1 do Código Penal.
Assim, quanto à situação comprovada em 9. e ss. consideramos que o arguido não pode deixar de estar comprometido com o crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171º, nº 1 do Código Penal, no que tange à menor CC.
Dúvidas inexistem, até pela natureza da conduta, sobre a renovação da intenção criminosa do arguido, já anteriormente perpetrada, em dia anterior sobre a mesma criança.
O arguido procura, por outro lado, sujeitar a AA à prática de coito oral, encetando atos que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, fazem esperar que se seguissem atos de execução do tipo de crime em análise, num processo causal que não se completa com a produção daquele ato de coito oral por motivos alheios à sua vontade.
Realizando a subsunção dos factos provados à norma incriminadora, resulta evidente que o arguido praticou, nesta situação assente de 9. e ss., atos de execução do tipo criminal em apreço (cfr. artigo 22º c) do Código Penal) sobre a AA, para além de atuar, sobre ela, praticando a conduta típica prevista no nº 3 do artigo 171º, que prevê “Quem:
a) Importunar menor de 14 anos, praticando acto previsto no artigo 170.º; ou
b) Actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos;
c) Aliciar menor de 14 anos a assistir a abusos sexuais ou a atividades sexuais;
é punido com pena de prisão até três anos”.
Tendo-se comprovado, além do mais, que bem sabia o arguido que tal conduta não lhe era permitida, mas ainda assim, quis livremente agir do modo descrito, praticando atos sexuais de revelo sobre a CC e procurando sujeitar a AAa coito oral.
Bem sabendo que estava perante menores de 14 anos.
Destarte, para além de estarem preenchidos os elementos objetivos do tipo de crime, estão, igualmente, preenchidos os elementos subjetivos.
Assim, atua com dolo direto, porquanto dispõe o artº 14º, nº 1 do C.P. que “Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar”.
Inexistem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa que estejam apuradas.
Assim, o arguido não pode deixar de ser condenado, quanto a esta situação, operando-se a convolação favor rei, por um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171º, nº 1 do Código Penal, na pessoa da CC e por um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelos artigos 22.º, nº 1 e 2 c), 23.º, 73º, nº 1 a) e b) e 171º, nº 1 e 2, todos do Código Penal, na pessoa da AA.
Já quanto à primeira situação, assente de 3. a 8., o arguido sujeita a menor CC a praticar-lhe um ato de coito oral.
Estão, aqui, preenchidos os elementos objetivos do tipo de crime previsto no nº 1 e 2 do Código Penal.
E estão, igualmente, preenchidos os elementos volitivos e cognitivos do tipo de crime, propondo-se o arguido a praticar este ato, para sua satisfação sexual, conseguindo, nessa ocasião executá-lo, apesar de bem conhecer a idade da menor e que a sua conduta era, assim, proibida por lei.
Este é um crime praticado contra bens pessoais, não sendo admissível a previsão de um crime continuado, mesmo que a ação do arguido, o que não se reconhece, sendo executada por forma essencialmente homogénea, ocorresse no quadro da “solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
Assim, atuando sobre a mesma menor em duas ocasiões distintas, o arguido não pode deixar de ser condenado por tantos crimes quantos os atos parcelares que integram o tipo criminal.
Pelo que o arguido não pode deixar de ser condenado, pela prática, em autoria material, e em concurso real e efetivo, por mais um crime de abuso sexual de crianças, na forma consumada, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, na pessoa da CC.
II.2.C.e. Das penas (cfr. ref.ª 152192322 de 12-07-2024):
É a seguinte a fundamentação da decisão recorrida no que respeita às penas:
Medida da Pena
Em sede de determinação das consequências jurídicas do crime e da reação criminal adequada, a culpa e a prevenção funcionam como critérios gerais orientadores da medida da pena, tendo esta, sempre, como limite, aquela, que é justamente o seu suporte. Relevantes para encontrar a "medida da culpa" são os próprios ilícitos típicos, enquanto apreciados nas suas consequências típicas, que lhe conferem uma certa "imagem" ou sentido social.
Assim, tendo como pressuposto este critério orientador, analisemos então a situação do arguido.
Como se viu, o arguido é condenado pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de crianças na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22.º, 23.º, 26.º, 73.º, n.º 1 a) e b) e 171.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, punido, em abstrato, com pena de 7 meses e 6 dias a 6 anos e 8 meses de prisão, por um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171º, nº 1 do Código Penal, com pena de 1 a 8 anos e por um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171º, nº 1 e 2 do Código Penal, com pena de prisão de 3 a 10 anos.
Uma vez que o tipo de crime em apreço não contempla, em alternativa, pena de diferente natureza, há que graduar as penas de prisão, tendo em conta o critério para determinação concreta da pena, cuja base está consagrada no artigo 71º do Código Penal: “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, e condicionada pelo nº 2 que que se refere às “circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.”
O grau de culpa do agente surge, assim, como indicador do limite intransponível da medida da pena, que deve expressar as exigências de prevenção, que constituem o seu parâmetro.
Vejamos qual o quantum sancionatório para cada crime com que o arguido está comprometido.
O crime de abuso sexual é fortemente estigmatizante e preocupa a comunidade, sendo, assim, prementes as exigências de prevenção geral.
Procurando-se, agora, dentro de cada uma das molduras penais definidas, encontrar a justa medida exigida pelas necessidades de prevenção especial, tem-se em conta que:
- a intensidade do dolo, direto, é média - o arguido não é afetado por parafilias conhecidas, ou de qualquer perturbação de personalidade, que contenda com a sua capacidade de regular a sua conduta de acordo com o juízo normativo que é capaz de fazer. O arguido age motivado pelo desejo de obter satisfação sexual, empreendendo reflexão suficiente neste caso concreto.
- a intensidade dos ilícitos é, dentro do tipo criminal em apreço, pelo menos média, atenta a natureza dos atos, a duração e dinâmica e a idade das menores. O arguido submete a CC, primeiro, a sexo oral, ejaculando, filmando o episódio. Procura, depois, repetir o episódio, convencendo a menor CC a praticar-lhe um ato de masturbação. E atua, simultaneamente, perante a AA, procurando-a persuadir a praticar coito oral, mediante exibição de um vídeo de caráter sexual com a outra criança e mediante coação.
- a conduta anterior ao facto, revelada pela falta de antecedentes criminais e boa integração social e profissional deve ser valorada a favor do arguido. Valorando-se, ainda, a sua extrema juventude, ainda que não lhe seja concretamente aplicável o regime especial para jovens delinquentes.
- o arguido rejeita a prática destes factos e não elabora juízo de auto censura.
Tudo sopesado, entendemos ser de graduar a medida das penas parcelares em:
- 5 (cinco) anos no que tange ao crime de abuso sexual, previsto e punível pelo artigo 171º, nº 1 e 2 do Código Penal;
- 2 (dois) anos, no que respeita ao crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171º, nº 1 do Código Penal;
- 2 (dois) anos, no que respeita ao crime de abuso sexual de crianças na forma tentada.
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Da pena única.
Por ter sido condenado por 3 crimes, que são julgados neste mesmo acórdão, e que estão, assim, numa relação de concurso, importa fixar ao arguido uma pena única.
Assim, operando o cúmulo jurídico, de harmonia com o disposto no artigo 77º do Código Penal, há que aplicar uma pena unitária, que deve ser fixada entre a maior das penas concretamente aplicadas e a soma de todas.
O arguido incorre, assim, por força da aplicação desta regra, numa pena mínima de 5 anos, correspondente à maior das penas aplicadas e máxima de 9 anos, que equivale à soma aritmética das três penas.
De acordo com os traços de personalidade demonstrados pela sua atuação e evidenciados pelo relatório social, visto estarmos perante um arguido primário, atenta a relativa homogeneidade da conduta e sobretudo valorizando-se a sua extrema juventude, apesar da imagem global da ação delinquente ser muito negativa, julga-se adequado condenar o arguido na pena única global de 6 (seis) anos, ou seja, no quarto da diferença da pena máxima aplicada e da pena máxima aplicável em abstrato.
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Das penas acessórias.
Como se viu, foi comunicada, em audiência, a possibilidade de aplicação ao arguido, pelos crimes imputados, as penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores e de proibição de assumir a confiança de menor, nos termos disposto nos artigos 69º-B, nº 2 e 69º-C, nºs. 1, 2 e 4, ambos do Código Penal.
O artigo 69º B foi introduzido no Código Penal pela Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto.
Nos termos do nº 2 deste artigo, “É condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor”.
O escopo desta pena acessória prende-se com os riscos associados à reincidência e aos perigos que os autores deste tipo de crime representam.
A grande maioria da jurisprudência dos Tribunais Superiores concluía que, da interpretação da lei vigente à data dos factos, decorria que esta pena acessória em apreço seria de aplicação obrigatória.
Entretanto, a Lei n.º 15/2024, de 29 de janeiro alterou o artigo 69º B, que passou a ter a seguinte redação:
“1 - Pode ser condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre 2 e 20 anos, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A e 176.º-C, quando a vítima não seja menor.
2 - Pode ser condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre 5 e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A e 176.º-C, quando a vítima seja menor”.
O arguido replica comportamentos em 2 ocasiões, sobre duas vítimas, em factos que demonstram uma deficiência na formação da sua personalidade.
O arguido atua com total desconsideração das vítimas.
É muito jovem, pretendendo posicionar-se no mercado de trabalho, o que reforça, em concreto, do ponto de vista da prevenção especial, a necessidade de aplicação desta pena, ainda que a atual redação pareça colocar na disponibilidade do julgador a ponderação sobre a aplicação, ou não, da pena acessória, num regime que se afigura concretamente mais favorável ao infrator.
Tendo em conta os fatores supra enunciados na fixação das penas parcelares e sem se perder de vista o tempo de reclusão que o arguido previsivelmente irá cumprir, fixa-se a medida parcelar de cada uma das penas acessórias previstas naquele preceito em 7 (sete) anos pela prática de cada um dos crimes de abuso sexual de crianças.
Sanada a discussão sobre o cúmulo jurídico de penas acessórias com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2018, deverão ser observadas as regras do cúmulo jurídico estabelecidas nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, já analisadas.
O arguido incorre, assim, numa pena que deve ser fixado entre o mínimo de 7 anos e o máximo de 20 anos (pena acessória máxima aplicável, atendendo à circunstância da soma aritmética das três penas se fixar em 21 anos).
Tudo ponderado, e considerando, em especial, a perigosidade deste condenado, entende-se ser adequado fixar a proibição do arguido exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas por 10 (dez) anos.
O artigo 69º-C nº 1 dispunha, na data da prática dos factos, que “Pode ser condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre dois e 20 anos, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima não seja menor”.
Nos termos do nº 2, “É condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor”.
Dispõe, por seu turno, o nº 4, que “Aplica-se o disposto nos n.os 1 e 2 relativamente às relações já constituídas”.
Resulta do elemento literal do nº 1 vigente à data dos factos, ao usar o vocábulo “pode”, que a aplicação da pena acessória aí prevista não é obrigatória, ao contrário do que acontecia para a pena acessória prevista no nº 2, de aplicação imperativa.
Este vocábulo mantém-se como eleito pelo legislador após as alterações introduzidas ao preceito ora em apreço pela Lei n.º 15/2024, de 29 de Janeiro, que o alargou à situação do nº 2. Assim, o artigo 69º - C passou a ter a seguinte redação “Pode ser condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre 2 e 20 anos, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A e 176.º-C, quando a vítima não seja menor.
2 - Pode ser condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado entre 5 e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A e 176.º-C, quando a vítima seja menor.
3 - Pode ser condenado na inibição do exercício de responsabilidades parentais, por um período fixado entre 5 e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A e 176.º-C, praticado contra descendente do agente, do seu cônjuge ou de pessoa com quem o agente mantenha relação análoga à dos cônjuges”.
Assim, também aqui se assinala que a lei posterior é concretamente mais favorável ao infrator, no sentido de deixar ao critério do julgador a necessidade da aplicação da pena acessória.
Volvendo ao caso concreto, o arguido é condenado por 3 crimes de abuso sexual de crianças, ainda que as menores não se encontrem, com ele, numa das relações previstas no nº 2 do artigo 69º-C do Código Penal.
Assim, a aplicação desta pena acessória tem primacialmente uma função sancionatória, não se podendo deixar de graduar a sua medida, em função da medida da culpa.
Em concreto, entende-se adequado graduar esta pena acessória prevista no artigo 69º-C, nº 2 do Código Penal em 7 (sete) anos, por cada um dos 3 crimes.
Tendo, agora, de graduar a pena única entre 7 (sete) anos e 20 (vinte) anos, entende-se ser adequado graduar, em concreto, a pena única em 10 (dez) anos, igualmente proporcional e adequada e refletir a imagem global dos factos.
II.2.C.f. Da fundamentação jurídica exarada no acórdão recorrido ao pedido de indemnização deduzido e ao arbitramento de indemnização (cfr. ref.ª 152192322 de 12-07-2024):
Por fim, é a seguinte a fundamentação da decisão recorrida no que respeita ao arbitramento de indemnização:
Do pedido de indemnização civil.
Como se viu, AA, representada pela sua representante legal DD deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando a condenação deste a pagar-lhe € 12 000,00 (doze mil euros) a título de compensação pelos danos morais infligidos.
Alega a demandante, para tanto, como se comprovou, que a conduta do arguido, descrita na acusação, causou-lhe ansiedade, medo e angústia, sendo ainda imprevisíveis os reais contornos dos danos psicológicos causados pela conduta do arguido.
O artigo 129.º do Código Penal remete para a lei civil a regulação da indemnização de perdas e danos emergentes de crime, sendo, portanto, de aplicar à apreciação do pedido deduzido pela ofendida o disposto nos artigos 483.º e seguintes do Código Civil.
O princípio geral no que concerne à responsabilidade civil encontra-se consagrado no artigo 483.º do Código Civil que faz depender o direito a uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual da reunião dos seguintes pressupostos: (i) um ato ou omissão, (ii) ilícito; (iii) culposo (i.e. imputável ao agente); (iv) a existência de dano e (v) o nexo de causalidade entre o ato ou omissão e o dano.
Ora, da matéria de facto dada por provada resulta o preenchimento in casu destes cinco pressupostos do dever de indemnizar, porquanto ficou demonstrada a ocorrência de um facto voluntário, consubstanciado na conduta do arguido exibir um vídeo de cariz sexual à menor para procurar obter, à custa desta satisfação sexual e a realização de coito oral; ilícito, porque violador do direito da ofendida à sua dignidade e autodeterminação sexual e culposo, na medida em que, como se viu já supra, a conduta do arguido é-lhe ético-juridicamente imputável, por ser censurável à luz dos valores eticamente prevalentes.
Por outro lado, ficou também demonstrada a existência de danos na esfera da ofendida, designadamente: ansiedade, dor e angústia, alterações nos níveis de atenção e concentração, que prejudicaram o seu desenvolvimento intelectual, tudo como resulta cristalizado nos factos assentes de 18. a 22..
No que concerne ao nexo de causalidade, consagra o artigo 563.º do Código Civil a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano se for irrelevante para a produção do mesmo, só se tendo tornado condição dele por outras circunstâncias, sendo inidónea à sua produção.
Ora, a factualidade provada demonstra que estes danos tiveram a sua causa naturalística e jurídica na conduta ilícita do arguido, devendo assim dar-se por verificado (nomeadamente com recurso à teoria da causalidade adequada também válida na imputação civilística) o nexo de causalidade entre os danos sofridos pela ofendida e a conduta do arguido. Efetivamente, mesmo que para aquele resultado, em particular para as alterações dos níveis de atenção e concentração possam ter contribuído outros fatores, o certo é que se não fosse a ação do arguido estes danos não teriam ocorrido com esta extensão, sendo a ação empreendida pelo arguido representada por ele como adequada e relevante a causar tal evento.
Há dano não patrimonial “sempre que é ofendido, objectivamente, um bem imaterial, como a integridade física ou a vida, ainda que essa ofensa não seja acompanhada, subjectivamente, de sofrimento.”(cfr. “Direito das Sucessões”, Galvão Telles, 5ª ed., pág. 78)..
Estão, pois, verificados, no caso em apreço, os referidos pressupostos da responsabilidade civil.
Os sentimentos de ansiedade, angústia, medo e perturbação do funcionamento psicoafectivo consubstanciam danos com suficiente gravidade para merecerem a tutela do Direito (artigo 496º nº1 do Código Civil).
Constituiu-se, assim, o demandado na obrigação de indemnizar a demandante.
A indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existia caso não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar de algum modo o lesado pelos danos (…) morais sofridos- cfr. Ac. Do STA de 20 de Junho de 1996, BMJ, 458, pág. 139.
O artigo 562º Código Civil Português aponta o Princípio geral da responsabilidade civil, estabelecendo que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
No caso “sub judice”, não sendo possível a reconstituição natural quanto à dor e demais perturbações sofridas, princípio básico do dever de indemnizar, o montante indemnizatório devido pelos danos efetivamente apurados como causados pela conduta do arguido, será fixado equitativamente (artigo 496º, nº3 do Código Civil), devendo o julgador fazer uso de critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
A conduta do arguido é profundamente antissocial e tem efeitos psicológicos a longo prazo de contornos incertos.
Analisa-se assim o sofrimento da vítima e as potenciais consequências para o normal desenvolvimento da respetiva personalidade e vivência da sua sexualidade.
No juízo de equidade que ora se faz, atende-se, ainda, à situação económica modesta e instável do arguido, que será agravada pela prisão que ora se determina, bem como à imperfeitamente apurada da demandante, se bem que totalmente dependente dos seus ascendentes.
Tudo sopesado, entendemos que o “quantum” indemnizatório de € 12 000,00 (doze mil euros), que foi peticionado é adequado.
À quantia de € 12 000,00 assim arbitrada, acrescerão os juros de mora legais, vincendos, contabilizados desde a presente data, até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4%, ao abrigo dos artigos 805º, 806º e 556º do Código Civil e da Portaria 291/2003, de 8 de Abril.
*
Da compensação à vítima CC.
Assegurado o contraditório quanto à possibilidade de se arbitrar uma indemnização à vítima CC, há que ponderar da verificação dos respetivos pressupostos.
Nos termos do artigo 16º, nº 1 do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04/09, reconhece-se “à vítima” (…) “no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável”.
O nº 2 prevê que “há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.”
De acordo com o artigo 67º-A, do CPP, aditado pelo mesmo diploma, na parte a ter em conta, considera-se “a) 'Vítima': i) A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, directamente causado por acção ou omissão, no âmbito da prática de um crime;(…)
b) “Vítima especialmente vulnerável”, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social”.
O artigo 82º-A, do mesmo Código de Processo Penal, por seu turno, prevê que “1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham. 2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório. 3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”
Assim, estes normativos permitem concluir que ao Tribunal é imposta a obrigação de arbitrar, em relação a vítimas especialmente vulneráveis, uma quantia indemnizatória para reparação pelos danos sofridos, a suportar pelo agente do crime.
CC é vítima de 2 crimes de abuso sexual de criança.
Trata-se de uma vítima menor – à data com 7 anos – e, por isso, especialmente vulnerável.
No caso dos autos, os representantes legais da vítima não deduziram, em seu nome, pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, mas também não se opuseram à atribuição de uma quantia reparadora. Aliás, este desejo até se infere do pedido de indemnização atravessado por QQ.
Deste modo, existem especiais exigências de proteção da vítima que justificam que se fixe uma quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos pela ofendida dos crimes que levaram à condenação do arguido.
A atribuição desta quantia não é regulada pela lei civil, mas nos termos do no artigo 82º-A, do CPP.
Este normativo não consagra um direito a uma indemnização proper rem, mas à reparação dos prejuízos – uma vez que a quantia é tida em conta em ação que venha a conhecer o pedido civil de indemnização, de acordo com o nº 3.
Assim, estando meramente em causa a fixação de reparação, ainda o legislador use o termo “indemnização”, aquela deve ser fixada de acordo com a equidade – cfr. Ac. do STJ de 06/10/2011, Proc. nº 88/09.9PESNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt .
A menor foi sujeita a praticar coito oral e, depois, a praticar masturbação sobre o arguido em, pelo menos, duas ocasiões.
Deste modo, tudo ponderado, considerando a atuação do arguido, potenciada pela especial suscetibilidade da vítima, menor com 7 anos, visto o seu contributo para o sofrimento e ansiedade da vítima ainda que não atingindo níveis patológicos conhecidos ou consolidados, vistas as potenciais consequências para o normal desenvolvimento da personalidade da menor (sentimento de culpa e de vergonha sentido pela vítima e eventual dificuldade em viver saudavelmente a sua sexualidade), e ainda que as condições económicas conhecidas do ora condenado sejam muito humildes, entende-se ser de fixar o montante indemnizatório a pagar pelo arguido a CC em € 40 000,00 (quarenta mil euros).
II.2.D. Da apreciação das questões objeto do recurso:
Cumpre agora analisar as já elencadas questões suscitadas pelo recorrente:
II.2.D.a. Erro de julgamento:
A decisão da matéria de facto pode ser sindicada em sede de recurso pela designada impugnação ampla da matéria de facto a que se refere o art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do C.P.P.
O erro de julgamento, não estando restringido ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Contudo, o recurso da matéria de facto é um remédio jurídico para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida no processo de formação da convicção, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório, rigorosamente delimitado pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-11-2011, processo n.º 158/09.3GBAVV.G2.S18).
Efetivamente, no sistema processual penal nacional o recurso é configurado como remédio jurídico processual referido a vícios concretos da decisão recorrida e não, no que concerne a decisões finais, como uma repetição do julgamento da primeira instância ou segundo julgamento, como se não tivesse existido o primeiro (cfr. MORÃO, Helena, in Direito Processual dos Recursos, Almedina, 2024 pág. 213).
Por isso mesmo é que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas (cfr. art.º 412.º, n.º 3, do C.P.P.).
Sendo que, com relação às duas últimas especificações, quando as provas invocadas tenham sido gravadas, as mesmas devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (cfr. art.º 412.º, n.º 4, do C.P.P.), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (cfr. art.º 412.º, n.º 6, do C.P.P.). Sobre esta indicação que impende sobre o recorrente, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão n.º 3/2012, de 08-03-2012, fixou jurisprudência no sentido de “visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do C.P.P., a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações9.
Assim, é desde logo exigida a indicação dos factos individualizados que constam da decisão recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
Por outro lado, é também exigida a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida, com a explicitação da razão pela qual assim se entende. Na verdade, a utilização do verbo impor, com o sentido de “obrigar a”, não é anódina (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-05-2010, processo n.º 696/05.7TAVCD.S110). A utilização do verbo impor (cfr. art.º 412.º, n.º 3, al. b), do C.P.P.), que aponta para a obrigação de impreterivelmente se aceitar algo, e não do verbo permitir, que admite a existência de várias hipóteses, legitima a conclusão de que não basta estar demonstrada a mera possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo tribunal, o que, aliás, é comum verificar-se, sendo necessário que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido, em sede de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida, e não àquela consignada pelo tribunal recorrido (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05-06-2024, processo n.º 466/21.5PAVNG.P111). Deste modo, deve ser estabelecida uma relação entre o conteúdo específico de cada meio de prova ou de obtenção de prova suscetível de impor decisão diversa com o facto individualizado considerado incorretamente julgado (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16-11-2021, processo n.º 1229/17.8PAALM.L1-5). “Esta exigência corresponde, de algum modo, àquela que é exigida ao julgador para fundamentar os factos provados e não provados, porque do mesmo modo que o julgador tem o dever de fundamentar as decisões, também o recorrente tem que fundamentar o recurso” (cfr. acórdão do tribunal da Relação de Coimbra, de 12-07-2023, processo n.º 982/20.6PBFIG.C112).
Por fim, é exigido ainda que o recorrente refira as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se na ata da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos (quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência – o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens).
O recurso da matéria de facto assim formulado permite que os poderes de cognição deste tribunal de recurso se estendam à matéria de facto e que, sendo o recurso, nessa parte, procedente, venha a ser modificada a decisão quanto a ela tomada na 1.ª instância (cfr. art.º 431.º, al. b), do C.P.P.).
Por seu turno, o não cumprimento do ónus imposto pelo art.º 412.º, n.º 3, do C.P.P. obsta a que este tribunal de recurso possa reapreciar a matéria de facto.
No presente caso, o recorrente limitou-se a defender, por atacado, que os factos dados como provados sob os mencionados pontos 3 a 14 foram incorretamente julgados, devendo ter sido dados como não provados, baseando-se numa pessoal e diferente valoração da prova produzida em audiência de julgamento, pugnando, genericamente, que se conferisse credibilidade à versão do recorrente, em função da conjugação que faz com a demais prova que elenca, ou inverso do efetuado pelo tribunal recorrido.
De uma forma geral, alega que da comparação entre as declarações para memória futura que foram tomadas às menores CC e AA e os depoimentos que ambas prestaram em audiência de julgamento se denotam “imprecisões, ambiguidades, fantasias e contradições”, fazendo referências a uma foto ou vídeo que não foi encontrado no telemóvel do arguido, o que lhes retiraria credibilidade. No seu entender, não eram também merecedores de credibilidade os depoimentos prestados em audiência de julgamento por DD, mãe da AA e DDD, mãe da menor CC, face às “mentiras e omissões” que dos mesmos ressaltariam. Por outro lado, também no seu entender, teria resultado da conjugação dos depoimentos de GG, namorada do recorrente, LL, irmã de AA, BBB , mãe do PP, DDD, mãe da menor CC, de RRR, pai da AA, e dos vídeos juntos (cfr. ref.ª 25658133 de 17-05-2024), um histórico de contactos das menores com material erótico e/ou pornográfica e de mentiras e especulações relacionadas com alegadas praticas eróticas.
Analisando a motivação e as conclusões constata-se que o recorrente não alega, no que concerne aos factos provados e que considera incorretamente julgados, que a descrição que o acórdão recorrido faz do conteúdo das declarações do arguido e do assistente e dos depoimentos das testemunhas elencadas, bem como do teor dos demais meios de prova que refere, não corresponda ao que, na realidade, aquelas declararam ou depuseram ou ao que destes resulta.
Ou seja, não especifica, como deveria ter feito, que, por exemplo, o tribunal recorrido deu como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha e a mesma nada declarou sobre o facto, que inexistia qualquer prova sobre um daqueles concretos factos dados por provados, que foi tido em conta para a prova de um daqueles factos um depoimento de uma testemunha sem razão de ciência da mesma que permitisse a prova do mesmo, ou que um facto foi dado como provado com base em provas insuficientes ou não bastantes para prova desse mesmo facto, nomeadamente com violação das regras de prova (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04-02-2016, processo n.º 23/14.2PCOER.L1-913).
Deste modo, não foi estabelecida qualquer relação entre o conteúdo específico de cada meio de prova suscetível de impor decisão diversa com o facto individualizado considerado incorretamente julgado.
Assim, o recorrente limita-se a procurar substituir a valoração da prova levada a cabo pelo tribunal recorrido pela sua própria visão da mesma, sem que esta se imponha àquela.
Aliás, em bom rigor, o recorrente pretende “uma melhor apreciação do conjunto da prova produzida, designadamente (…)” a que elenca, convicto que “a correcta apreciação do conjunto da prova levará, necessariamente, a uma diferente resposta aos factos em crise, com a consequente absolvição do recorrente, como é de justiça” e, assim, assumidamente endossando a esta instância de recurso a efetivação de um segundo julgamento, pretendendo substituir a sua leitura da prova pela efetuada pelo tribunal recorrido, sem que aquela se imponha a esta, ao contrário do que a propósito é estabelecido na lei processual penal.
Acresce que, no presente caso, lendo a motivação da decisão de facto (cfr. II.2.C.c.), verifica-se que o tribunal recorrido levou a cabo um exame crítico da prova produzida, conjugando os vários meios de prova produzidos, explicando, por referência às razões de ciência, ao grau de verosimilhança, ao conteúdo, à consistência intrínseca das declarações e dos depoimentos, por si só ou conjugados com os demais meios de prova que identificou, porque atribuiu mais relevância e mais credibilidade a determinados relatos que a outros, fazendo, assim, uma correlação e conjugação entre vários meios de prova, na sua globalidade, e não numa análise fragmentada e descontextualizada dos mesmos.
Acresce que, nesse exame, o tribunal recorrido pronunciou-se sobre todos os referidos aspetos salientados no recurso interposto, nomeadamente as discrepâncias existentes entre as declarações para memória futura que foram tomadas às menores e os depoimentos por ambas prestados em audiência de julgamento. A valoração e opção feitas pelo tribunal recorrido, no sentido de credibilizar a versão daquelas quanto aos factos imputados dado que, não obstante aquelas discrepâncias, mantiveram sempre a mesma versão quanto ao essencial dos atos que o arguido as obrigou a suportar, embora contrárias ao pretendido pelo recorrente, são perfeitamente coerentes, não tendo o mesmo emitido nenhum dado de raciocínio que pudesse sugerir arbitrariedade ou preconceito na decisão, nem tão pouco subverteu, ocultou ou extrapolou o significado de nenhum dado probatório.
Cumpre também salientar que uma vez que o bem jurídico protegido com o crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º do C.P. reside na autodeterminação sexual, procurando assim proteger o livre desenvolvimento da sua personalidade, em particular na esfera sexual, a lei presume que a prática de atos sexuais com, em ou por menor de certa idade, prejudica o desenvolvimento global do próprio menor, opção do legislador que não pode ser desrespeitada (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Comentário Conimbricense do Código Penal, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2012, pág. 834).
Assim sendo, para determinar se um arguido praticou ou não semelhante crime é absolutamente indiferente saber se o menor de 14 anos de idade teve ou não anteriores experiências sexuais, nomeadamente contactos com material erótico e/ou pornográfico. Na verdade, mesmo que tenha tido, continua a ser exigível a todo o jovem ou adulto que se abstenha de praticar ato sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, mesmo que não representem qualquer extorsão de contactos sexuais por forma coativa ou análoga, dado que tais atos continuam a atingir o referido bem jurídico protegido. Na verdade, sendo proibida a prática de atos que condicionem a liberdade de escolha e exercício da sexualidade do menor num futuro próximo, a experiência sexual do menor é totalmente indiferente para preenchimento do tipo legal de crime em causa (cfr. LOPES, HHH Mouraz, in Crimes Sexuais - Análise Substantiva e Processual, 3.ª edição, Almedina, 2021, pág. 187).
Por outro lado, a explicação do tribunal recorrido é ainda lógica, assenta em critérios de senso comum e nos princípios da imediação, da oralidade e do contraditório que são característicos da audiência de julgamento, revelando absoluto respeito do princípio de livre apreciação da prova previsto no art.º 127.º do C.P.P.
Cumpre salientar que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (cfr. art.º 127.º do C.P.P.).
Fora dos casos em que se está em presença de limitações probatórias legalmente impostas (cfr. arts. 126.º, 129.º, 130.º, 163.º, 169.º, do C.P.P.), possibilita-se, assim, ao julgador um âmbito de liberdade na apreciação de cada uma das provas atendíveis que suportam a decisão, norteado pelo princípio da descoberta da verdade material, mas tendo que ser guiado pelas regras da ciência, da lógica, da experiência e da argumentação que permita objetivar a apreciação feita.
Lido o acórdão recorrido mostra-se nele suficientemente objetivado e motivado o percurso adotado para a formação da convicção alcançada pelo tribunal recorrido.
Na verdade, no âmbito da sua decisão sobre a matéria de facto, o tribunal recorrido expôs de forma criteriosa e completa o processo de formação da sua convicção, o que se traduziu não apenas na indicação dos meios de prova utilizados, como na enunciação das razões de ciência, da lógica e da experiência, reveladas ou extraídas da conjugação das provas produzidas, sendo os juízos de inferência que fez uma consequência lógico-dedutiva e racional do conjunto dos indícios resultante da prova direta que examinou, permitindo que um qualquer homem médio estranho ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas, compreenda o percurso de formação da convicção do tribunal recorrido quanto à verificação ou não dos vários factos objeto do processo, mesmo que com ele não concorde, não se revelando o mesmo ilógico, arbitrário ou desconforme a essa prova.
Ora, o controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição das declarações e dos depoimentos prestados em audiência, não pode subverter ou aniquilar, até pela própria natureza das coisas, a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente com base na imediação e da oralidade (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 14-03-2023, processo n.º 593/21.9 PCSTB.E114).
Deste modo, tendo sido respeitado o princípio da livre apreciação da prova, tal juízo efetuado pelo tribunal recorrido terá, assim, de prevalecer, sobre a divergente convicção do recorrente acerca do sentido global da prova.
É certo que o princípio do in dubio pro reo, manifestação do princípio da presunção de inocência (cfr. art.º 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – C.R.P.), constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida razoável sobre os factos. Na verdade, nesses casos, impõe-se decisão a favor do arguido (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03-06-2015, processo n.º 12/14.7GBSRT.C115).
Contudo, a dúvida em causa não é aquela que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas a dúvida que este não logrou ultrapassar (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10-12-2014, processo n.º 155/13.4PBLMG.C116).
Exigindo o referido princípio que o julgador se pronuncie de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, a sua violação exige que o mesmo tenha ficado na dúvida razoável sobre factos relevantes e, nesse estado, tenha decidido contra o arguido.
Mas, se assim é, a deteção da violação do referido princípio passa pela sua notoriedade, face aos termos da decisão isto é, deve resultar inequivocamente do texto da decisão que o julgador, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao arguido, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao arguido, o considerou não provado.
Ora, analisada a matéria de facto julgada provada e não provada quanto ao recorrente, bem como a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, não se deteta qualquer estado de dúvida, antes dela resultando uma convicção segura, sendo que também não se vislumbra que o tribunal recorrido devesse ter tido qualquer dúvida, pelo que não havia que lançar mão do princípio in dubio pro reo.
Assim, não se verifica, pois, que o acórdão recorrido haja desrespeitado o princípio do in dubio pro reo.
Assim, a argumentação expendida pelo recorrente, quer nas motivações, quer nas conclusões do recurso, não é de todo eficiente para produzir qualquer alteração da matéria de facto.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso.
II.2.D.b. Enquadramento jurídico-penal dos factos provados 9 a 17 quanto à AA:
Entende o recorrente que relativamente aos factos dados como assentes sob os números 9. e segs., relativamente à AA, na fundamentação, o tribunal recorrido teria subsumido os mesmos ao crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 3, do C.P., sendo que, na decisão, teria condenado o arguido pela prática de abuso sexual de crianças, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 171.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.
Não obstante, entende que uma correta apreciação dos factos e a melhor subsunção jurídico-penal dos mesmos imporia o seu enquadramento no crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 3, do C.P., que refere ser o mencionado na fundamentação.
É manifesto que não assiste qualquer razão ao recorrente.
O coito oral é uma das condutas típicas do crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 2, do C.P., conforme expressamente afirmado em sede de enquadramento jurídico-penal no acórdão recorrido (cfr. II.2.C.d.).
Por outro lado, resulta dos factos provados 9 a 17 (cfr. II.2.C.b.), no que se refere à AA, que o arguido procurou sujeitar a mesma à prática de coito oral, encetando condutas que representam um perigo imediato de lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora em causa (cfr. art.º 22.º, n.º 2, al. c), do C.P.), sendo que só não ocorreu a realização integral do referido tipo por motivos alheios à sua vontade.
O que acontece é que decorre também daquela factualidade que o arguido ainda atuou sobre a referida menor nos termos também punidos no n.º 3, als. a) e b), do art.º 171.º, do C.P., conforme expressamente decorre daquela fundamentação e é evidenciado pela expressão “para além” (cfr. II.2.C.d.). Na verdade, formulou-lhe propostas de teor sexual e constrangeu-a a contacto de natureza sexual (cfr. factos provados 9, 10 – II.2.C.b.), exibiu-lhe vídeo de conteúdo sexual (cfr. factos provados 8 e 10 – II.2.C.b.) e o seu pénis (cfr. facto provado 11 – II.2.C.b.), foi masturbado à sua frente por menor de 14 anos (cfr. facto provado 12 – II.2.C.b.), exibiu à mesma o seu pénis e pediu-lhe que o chupasse (cfr. facto provado 14 – II.2.C.b.).
Ora, se o agente leva a cabo, perante a mesma vítima, as condutas descritas no n.º 3, do art.º 171.º do C.P. como meio para praticar um dos atos previstos no n.º 2, do art.º 171.º, do C.P., não estando em causa resoluções autónomas e diferentes, o concurso assumirá a forma de unidade, incorrendo o agente um só crime, precisamente o que prevê a punição mais gravosa, relevando o número e intensidade dos atos praticados no doseamento da respetiva pena (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Comentário Conimbricense do Código Penal, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2012, pág. 843; LOPES, HHH Mouraz, in Crimes Sexuais - Análise Substantiva e Processual, 3.ª edição, Almedina, 2021, pág. 188).
Por isso mesmo, em sede de enquadramento jurídico-penal, o tribunal recorrido concluiu que, no que concerne à menor AA, incorreu o recorrente, como autor imediato e sob a forma tentada, na prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos arts. 22.º, n.ºs 1, 2, al. c), 23.º, 73.º, n.º 1, als. a) e b), e 171.º, n.ºs 1 e 2, do C.P. (cfr. II.2.C.d.), precisamente o crime pelo qual veio o mesmo a ser condenado (cfr. I.1.).
Assim, não existe qualquer contradição, nem se impõe qualquer alteração ao enquadramento jurídico-penal efetuado.
Improcede, pois, também neste segmento, o recurso.
II.2.D.c. Das penas:
Cumpre salientar que o tribunal de recurso apenas deverá intervir alterando a medida das penas em casos de manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou quando os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e da prevenção em face das circunstâncias do caso (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 197; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-12-2024, processo n.º 2103/22.1T9LSB.S117; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31-10-2024, processo n.º 2390/18.0T9AVR.P1-S118; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-11-2023, processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S119; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-05-2022, processo n.º 1537/20.0GLSNT.L1.S120; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-04-2022, processo n.º 192/19.5JAPDL.S121).
II.2.D.cc. Medida concreta das penas principais parcelares de prisão:
O recorrente entende que as penas parcelares de prisão se mostram excecionalmente severas tendo em conta que é primário, tem bom comportamento anterior e posterior aos factos, à data dos factos o recorrente contava com 23 anos de idade, encontrava-se e encontra-se familiar, social e profissionalmente inserido, tem apoio de toda a família, em especial da mãe e da namorada e tem cumprido, de forma adequada, as regras inerentes à sua atual medida de coação, não existindo registo de incumprimentos.
Por entender que “a pena concreta tem como finalidade principal ser um remédio que, não pondo entre parêntesis a censura do facto, potencie a ressocialização do delinquente”, o recorrente defende que “o desiderato da ressocialização, tendo de ser avaliado em concreto, não pode, contudo, deixar de ter como parâmetro o inconveniente maléfico de uma longa separação do delinquente da comunidade natal, que em nada contribui para a respectiva reintegração social posterior”, pelo que entende serem adequadas as seguintes penas parcelares:
- pela prática, em autoria imediata e sob a forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. art.º 171.º, n.ºs 1 e 2, do C.P., sobre a menor CC, a pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
- pela prática, em autoria imediata e sob a forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. art.º 171.º, n.º 1, do C.P., sobre a menor CC, a pena de 18 meses de prisão; e
- a pena de 8 meses de prisão22, pressupondo que, relativamente a AA, o recorrente teria praticado, em autoria imediata e sob a forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. 171.º, n.º 3, al. a), do C.P., o que, como resulta do já exposto, não se verifica (cfr. II.2.D.b.).
Conforme referido pelo tribunal recorrido (cfr. II.2.C.e.), o crime de abuso sexual de crianças, previsto no art.º 171.º, n.º 1, do C.P., é punido com uma pena de prisão de 1 a 8 anos (cfr. art.º 171.º, n.º 1, do C.P.), o crime de crime de abuso sexual de crianças, previsto no art.º 171.º, n.º 2, do C.P., quando consumado, é punido com uma pena de prisão de 3 a 10 anos (cfr. art.º 171.º, n.º 2, do C.P.) e, quando tentado, com uma pena de 7 meses e 6 dias a 6 anos e 8 meses de prisão (cfr. arts. 23.º, n.º 2, 73.º, n.º 1, als. a) e b), e 171.º, n.º 2, do C.P.).
A determinação da medida de cada uma das penas tem como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção, sendo a função desempenhada por cada um destes critérios definida de acordo com a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico (cfr. art.º 71.º, n.º 1, do C.P. e ANTUNES, Maria João, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, pág. 41 e segs.).
Deste modo, a prevenção geral de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto ótimo de proteção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar (cfr. art.º 40.º, n.º 1, do C.P.).
Por seu turno, a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva (cfr. art.º 40.º, n.º 2, do C.P.).
Ora, dentro desses limites cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à socialização do agente.
Assim, na determinação da medida da pena, o tribunal encontra-se vinculado à observância de três proposições político-criminais:
- O direito penal é um direito de proteção de bens jurídicos;
- A culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento; e
- A socialização é a finalidade da aplicação da pena (cfr. RODRIGUES, Anabela Miranda, in “Medida da pena de prisão – desafios na era da inteligência artificial”, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 4021, Ano 149.º, março-abril de 2020, pág. 260).
Assim, importa ter em conta, dentro dos limites abstratos definidos pela lei, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do respetivo tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o recorrente, na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para exigências preventivas.
Contudo, apesar de estar assim vedada a valoração de circunstâncias que façam já parte do respetivo tipo de crime (cfr. art.º 71.º, n.º 2, do C.P.), não se poderá ignorar a ambivalência que as particulares circunstâncias do caso a atender podem possuir, relevando, assim, para a culpa, mas também para a prevenção (geral e especial), sem que dai resulte violada a proibição da dupla valoração (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 248).
São particularmente elevadas as exigências de prevenção geral que se fazem sentir para se restabelecer a confiança na vigência e validade das normas violadas e que, assim, apontam para um mais severo sancionamento dos agentes deste género de criminalidade, face ao particular eco e ressonância social de enorme repulsa que provoca na comunidade, sendo suscetível de gerar forte alarme social e um profundo sentimento de intranquilidade e insegurança.
É muito elevado o grau de ilicitude dos factos cometidos. Desde logo face à tenra idade das vítimas. Na verdade, tendo o crime de abuso sexual de crianças que ser cometido relativamente a menor de 14 anos de idade, as vítimas tinham metade dessa faixa etária.
Por outro lado, é grave o modo de execução, tendo em conta a multiplicidade de atos praticados pelo recorrente em cada situação. Na verdade, na primeira situação (cfr. factos provados 3 a 8, 16 e 17 – II.2.C.b.), não só o arguido levou a menor CC a praticar coito oral consigo, como, para tal, lhe exibiu o pénis, forçou-a a masturbá-lo e efetuou uma gravação de tais ações. Já na segunda situação (cfr. factos 9 a 17 – II.2.C.b.) atuou sobre as duas menores, levando CC a masturbá-lo na presença de AA, exibiu-lhes o seu pénis e mostrou à AA o dito vídeo.
Por outro lado, são de relevo as consequências psíquicas causadas.
Para além disso o arguido agiu sempre com a modalidade mais intensa de dolo, que se mostra direto, pelo que, sendo a forma mais gravosa de dolo, representa maior desvalor, revelando os factos cometidos uma tenacidade e forte resolução criminosa. Na verdade, após a primeira situação, procurou uma repetição da conduta, desta feita com duas menores, sendo que não obstante as menores terem abandonado o local, o arguido foi no seu encalço procurando concretizar o seu desiderato.
Por outro lado, são bastante desvaliosas as personalidades manifestadas nos factos cometidos. Na verdade, os mesmos foram praticados com evidente abuso da relação de confiança que unia o recorrente às vítimas, fruto da relação de vizinhança existente.
Não ocorreu qualquer arrependimento sincero em relação à prática dos crimes aqui em causa e, assim, de um juízo crítico em relação ao seu comportamento adotado, não se verificando, desde logo, motivo para qualquer atenuação especial das penas (cfr. art.º 72.º, n.º 2, al. c), do C.P.).
Milita a favor do recorrente a ausência de antecedentes criminais, a boa inserção de que beneficia e o cumprimento da medida de coação a que se encontra sujeito.
Contudo, tratam-se de circunstâncias que têm reduzido valor atenuativo por ser a conduta exigida a todo e qualquer cidadão como modo de poder viver em sociedade (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-09-2021, processo n.º 1306/19.0JALRA.C1.S123; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12-11-2013, processo n.º 3362/10.8TXLSB-F.L1-524).
Por outro lado, é certo que o arguido, à data dos factos, apenas possuía 22 anos de idade, o que não pode deixar de militar a seu favor. No entanto, não obstante, já havia estado emigrado e estava profissionalmente ativo, possuindo, pois, uma experiência de vida normalmente associada a faixas etárias mais elevadas.
Por fim, há que ter em conta que uma pena só cumpre a sua finalidade enquanto sentida como tal pelo seu destinatário (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07-11-1996, in Coletânea de Jurisprudência, Tomo V, pág. 47; SANTOS, Cláudia Cruz, in O Direito Processual Penal Português em Mudança – Ruturas e Continuidades, Livraria Almedina, 2020, pág. 21).
Tudo ponderado, só quanto à pena parcelar aplicada pelo crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1, do C.P., praticado em finais de março de 2023 e que vitimou a menor CC, precisamente por ter sido praticado após ter, também em relação a ela, cometido crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 2, do C.P., e ainda para mais na presença de outra menor, afigura-se que a fixada pelo tribunal recorrido manifestamente peca por defeito, ficando aquém do limiar mínimo ditado pelas elevadas exigências de prevenção geral que o caso denota. Contudo, não pode ser introduzida qualquer modificação face ao disposto no art.º 409.º, n.º 1, do C.P.P.
Ora, as demais penas parcelares aplicadas pelo tribunal recorrido não são manifestamente desproporcionais, não impondo os critérios de determinação da pena concreta a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e da prevenção em face das circunstâncias do caso acima elencados.
Em conclusão, as circunstâncias referidas pelo recorrente não podem assumir o peso atenuativo pretendido, pois ou não possuem poder atenuativo ou outros fatores de sinal contrário confluem no caso.
Assim, também neste segmento improcede o recurso interposto pelo recorrente.
II.2.D.ccc. Medida da pena principal única de prisão:
O recorrente pugna por uma pena única não superior a 4 anos e 3 meses de prisão pressupondo um diferente enquadramento jurídico dos factos praticados em relação à AA, bem como penas principais parcelares em medida mais reduzida, pretensões que não obtiveram provimento (cfr. II.2.D.b. e II.2.D.cc.).
A pena única terá, considerando para o efeito as penas aplicadas parcelarmente, como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (cfr. art.º 77.º, n.ºs 1 e 2, do C. P.).
Deste modo, mantendo-se incólumes as penas parcelares de prisão aplicadas, a pena única de prisão terá como limite mínimo 5 anos, cifrando-se em 9 anos o seu limite máximo.
Estabelecida a moldura penal do concurso em causa, deve determinar-se a pena conjunta do concurso, dentro dos limites daquela. Tal pena será encontrada em função das exigências de culpa e de prevenção, tendo o legislador fornecido, para além dos critérios gerais estabelecidos no art.º 71.º do C. P., um critério especial: “Na determinação concreta da pena serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” (cfr. art.º 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do C.P.).
Importa, pois, detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre os factos concorrentes, tendo em vista a totalidade da atuação do respetivo arguido como unidade de sentido, que possibilitará uma avaliação global e a “culpa pelos factos em relação” (cfr. MONTEIRO, Cristina Líbano, in “A Pena “Unitária” do Concurso de Crimes”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, n.º 1, págs. 162 e segs.). Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pág. 286).
Na avaliação desta personalidade unitária do agente, releva, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência, ou eventualmente mesmo a uma carreira criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sendo que só no primeiro caso será de atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. No entanto, não pode ser esquecida a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do respetivo agente.
A concreta circunstância que deva servir para determinar a moldura penal aplicável ou para escolher a pena não deve ser de novo valorada para quantificação da culpa e da prevenção relevantes para a medida da pena, nisso se traduzindo o princípio da proibição de dupla valoração (cfr. art.º 71.º, n.º 2, do C.P. e DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 237).
Contudo, apesar de os princípios da culpa e da prevenção se refletirem na imagem global do facto para determinação da moldura penal aplicável, nada impede que tais princípios entrem de novo em conta, sem qualquer restrição, na operação de determinação da medida concreta da pena única em caso de concurso de crimes. Na verdade, neste contexto, o princípio da proibição de dupla valoração não pode dizer-se violado (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 238).
Como é evidente, na referida operação apenas podem ser atendidos os factos dados como provados e o que deles se pode deduzir.
Ora, no presente caso, estão em causa três crimes, da mesma natureza, sendo evidente a similitude das condutas adotadas. Acresce que dois deles foram praticados sobre a mesma vítima e o outro sobre vítima distinta, todos tendo sido cometidos dolosamente, dois deles na mesma ocasião, mediando entre estes dois e o restante não muito dilatado período temporal, não possuindo o recorrente antecedentes criminais e beneficiando de boa inserção.
Assim, da imagem global dos crimes aqui em causa afigura-se que o conjunto dos factos em apreço é ainda reconduzível a uma mera pluriocasionalidade, pelo que não será de atribuir à pluralidade de crimes cometidos um efeito mais agravante dentro da respetiva moldura penal conjunta.
Tudo ponderado, afigura-se que a pena única fixada pelo tribunal recorrido não é manifestamente desproporcional, não impondo os critérios de determinação da pena única a sua correção a favor do recorrente, em face das circunstâncias do caso acima elencados.
Deste modo, quanto à medida da pena única, também improcede o recurso interposto
II.2.D.cccc. Suspensão da execução da pena principal única de prisão:
Não tendo obtido provimento a pretensão do recorrente na redução da pena única (cfr. II.2.D.ccc.), tendo em conta a medida concreta fixada, uma vez que a suspensão da execução da pena de prisão só é aplicável a penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos (cfr. art.º 50.º, n.º 1, do C.P.), não é legalmente possível suspender a execução da pena única aplicada.
Improcede, pois, neste segmento, o recurso interposto.
II.2.D.ccccc. Medida das penas acessórias parcelares e únicas:
Pressupondo que os factos praticados em relação à AAintegrariam a prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 3, al. a), do C.P., pretensão que não obteve provimento (cfr. II.2.D.b.), o recorrente pugna por penas acessórias, parcelares e únicas, em medidas inferiores às fixadas, limitando-se a defender que tal seria imposto por uma “melhor apreciação da matéria de facto assente e uma correcta subsunção da mesma às disposições previstas nos artigos 69º-B, 69-C, 71º, 77º, 170º e 171º, nºs 1, 2, 3, al. a), todos do Código Penal”.
Assim, em bom rigor, o recorrente nem sequer justifica, com argumentos do caso concreto, a razão pela qual as penas acessórias haveriam de ser alteradas nos termos referidos.
A justificação para a aplicação de penas acessórias no âmbito dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual assenta essencialmente em razões de defesa do interesse dos menores, enquanto possíveis vítimas do crime. Ou seja, razões de prevenção criminal de carácter geral.
As penas acessórias são, em regra, entendidas como uma mera faculdade e não como uma consequência direta do crime, na linha da doutrina aceite de que inexistem efeitos automáticos das penas (cfr. DIAS, Jorge Figueiredo, in Direito Penal - As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1994, pág. 158).
Têm uma função coadjuvante das penas principais, dependendo de razões de prevenção geral e especial e da culpa a determinação da medida concreta, pelo que a pena acessória deve revelar-se necessária, adequada, proporcional e não excessiva.
Ora, os factos levados a cabo pelo recorrente foram praticados em relação a duas menores e com aproveitamento da relação de proximidade que mantinha com as mesmas, pelo que os factos cometidos (cfr. II.2.D.cc. e II.2.D.ccc.) e o que neles transparece da desvaliosa personalidade do recorrente, elevam o limite da culpa. Para além disso, atento o risco de perigosidade de voltarem a ser praticados factos semelhantes, é vincada a necessidade de influir preventivamente na conduta futura do arguido, incutindo no mesmo a censurabilidade da sua conduta, de forma a prevenir a prática futura dos mesmos crimes.
Assim sendo, não só não se deteta desconformidade legal no iter aplicativo das penas acessórias, parcelares e únicas, não se revelando as penas acessórias manifestamente desproporcionais, como aplicar períodos mais reduzidos não contribuiria para a emenda do recorrente, não sendo sequer comunitariamente suportáveis.
Improcede, pois, também nesta parte, o recurso interposto.
II.2.D.d. Quantias indemnizatórias:
A derradeira questão suscitada pelo recorrente prende-se com a condenação do mesmo a pagar a AA a quantia de EUR 12 000 e à vítima CC a quantia de EUR 40 000, aquela fixada ao abrigo do disposto nos arts. 129.º do C.P., 483.º, 490.º, 494.º, 496.º, n.ºs 1 e 4, 562.º, 563.º, 566.º, 805.º e 806.º do Código Civil (C.C.), face ao pedido de indemnização deduzido precisamente por aquele valor, e esta arbitrada oficiosamente ao abrigo do disposto nos arts. 1.º, al. l), 67.º-A, n.º 1, al. b), n.º 3, 82.º-A do C.P.P. e 16.º do Estatuto da vítima.
Relativamente à AAentende o recorrente que apenas se provou “que os factos praticados foram causa de ansiedade, medo e angústia, não obstante tais danos devem ser cotejados com os factos concretos de que foi vítima, na circunstância a exibição de um vídeo de cariz sexual à menor para obter a realização de coito oral não concretizado”, pelo que entende adequada a quantia de EUR 4 000.
Contudo, conforme resulta da factualidade apurada, não só não se resumem a essas as condutas que foram praticadas pelo recorrente sobre aquela menor, como ficou demonstrado que ocorreram outros danos para além dos mencionados.
Na verdade, visando que AA praticasse coito oral consigo, o recorrente disse para a mesma chupar o seu pénis (cfr. facto provado 9 – II.2.C.b.), ameaçou mostrar à mãe daquela e à mãe da amiga que então a acompanhava um vídeo de cariz sexual onde esta última era interveniente (cfr. facto provado 10 – II.2.C.b.), exibiu tal vídeo a AA (cfr. facto provado 10 – II.2.C.b.), exibiu-lhe também o seu pénis por duas vezes distintas (cfr. factos provados 11 e 14 – II.2.C.b.), fez com a outra menor o masturbasse à frente de AA (cfr. factos provados 11 e 12 – II.2.C.b.) e pediu a esta para ela chupar o seu pénis (cfr. facto provado 14 – II.2.C.b.).
Por outro lado, em consequência direta e necessária da conduta do recorrente, não só AA passou a sentir ansiedade e medo, como foi invadida de sentimentos de repulsa, apresentando alterações nos níveis de atenção e concentração que prejudicaram o seu desenvolvimento intelectual, deixando de relacionar com tanta facilidade, ao contrário do que acontecia anteriormente, perdurando na sua memória as imagens que foi obrigada a ver (cfr. factos provados 18 a 22 – II.2.C.b.).
Verificados que estão os pressupostos para a fixação de uma indemnização a AA, de resto descritos no acórdão recorrido (cfr. II.2.C.f.), não poderia o recorrente deixar de ser condenado a pagar àquela uma quantia indemnizatória.
Ora, em face dos danos demonstrados, da sua gravidade e da demais factualidade apurada, tendo presente os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, a quantia atribuída peca por defeito (cfr. art.º 496.º, n.º 4, 1.ª parte, do C.C.), justificando-se, contudo, a sua fixação, atenta a necessidade de se ter que respeitar o pedido deduzido (cfr. art.º 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – C.P.C.).
No que se refere ao arbitramento da referida quantia à menor CC, o recorrente salienta a “modesta e instável situação económica do recorrente, que será agravada pela prisão que lhe foi determinada”, pelo que entende que a mesma deveria ser fixada em EUR 10 000.
Em casos como os que vitimaram CC, o legislador presume verificarem-se “particulares exigências de proteção da vítima”, dispensando-se a necessidade de tal prova, estabelecendo que o arbitramento a título de reparação pelos prejuízos sofridos tem sempre lugar, exceto se a vítima a tal expressamente se opuser (cfr. art.º 16.º do Estatuto da vítima).
A referida reparação, na falta de fixação de critério próprio no art.º 82.º-A, do C.P.P., para onde remete o mencionado art.º 16.º do Estatuto da vítima, deve levar em conta os danos não patrimoniais causados e a situação da vítima, como expressão da gravidade das consequências do crime, as condições pessoais do agente e daquela e a respetiva situação económica, numa ponderação conjunta dos critérios da lei civil, nomeadamente dos arts. 494.º e 496.º, n.º 4, do C.C., convocados pela natureza compensatória da reparação (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-05-2019, processo n.º 134/17.2JAAVR.S125).
No entanto, a referida reparação não visa exatamente substituir a devida indemnização pelos danos causados, sendo que, aliás, decorre do disposto no art.º 82.º, n.º 3, do C.P.P., que a quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta na ação que porventura venha a conhecer do pedido de cível de indemnização (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-05-2018, processo n.º 156/16.0PALSB.L1.S126).
Da matéria de facto provada (cfr. II.2.C.b.) resulta, para além do mais, que a vítima CC era e é de tenra idade, verificando-se, pois, uma necessidade de proteção da mesma e, assim, de arbitrar a referida indemnização.
Resulta da matéria de facto provada que a referida vítima foi molestada sexualmente, sendo obrigada a praticar coito oral e, por duas vezes, masturbar o recorrente, uma das vezes na presença de outra pessoa, tendo sido filmada por ele numa dessas ocasiões, vídeo que foi exibido a terceira pessoa na presença daquela. Acresce que tais atos foram cometidos dolosamente, cujo grau se mostra intenso, tendo sido pautados por elevada ilicitude e gravidade, superior à inerente aos factos cometidos sobre AA. Ora, precisamente face à tenra idade da vítima CC, é notório que tais atos se repercutirão negativamente no desenvolvimento da sua personalidade, em particular na esfera sexual.
Não obstante se deverem evitar indemnizações miserabilistas, mesmo que atribuídas em sede de arbitramento oficioso (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06-02-2024, processo n.º 1907/22.0PBBRR.L1-527), não se poderá ignorar que, ao contrário do que aconteceu relativamente a AA , não foram dados como provados quaisquer outros factos referentes a outros danos já sofridos por CC, o que aliado às modestas condições socioeconómicas do recorrente e da referida vítima, permite concluir ser adequado arbitrar a quantia de EUR 30 000, assim se alterando a decisão recorrida.
Termos em que, e nesta derradeira parte, se concede provimento (parcial) ao recurso.
I.2.E. Das custas:
I.2.E.a. Da reclamação:
Nos termos do art.º 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.) e da Tabela III a ele anexa, deve o reclamante ser condenado entre 1 UC e 3 UC a título de taxa de justiça, tendo em vista a complexidade da causa.
Ora, tendo em conta que foi apenas uma a questão suscitada, não sendo a mesma complexa, julga-se adequado fixar a taxa de justiça em 2 UC.
I.2.E.b. Do recurso:
Só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1ª instância e decaimento total em qualquer recurso (cfr. art.º 513.º, n.º 1, do C.P.P.), sendo o arguido condenado em uma só taxa de justiça, ainda que responda por vários crimes, desde que sejam julgados em um só processo (cfr. art.º 513.º, n.º 2, do C.P.P.), devendo a condenação em taxa de justiça ser sempre individual e o respetivo quantitativo ser fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no R.C.P. (cfr. art.º 513.º, n.º 3, do C.P.P.).
Assim, nos termos do art.º 8.º, n.º 9, do R.C.P. e da Tabela III a ele anexa, deve o recorrente ser condenado entre 3 UC e 6 UC a título de taxa de justiça, tendo em vista a complexidade da causa.
Assim, na área do processo penal, tendo em conta o seu primacial interesse público, que escapa à vontade privada, bem como o estatuto do arguido enquanto sujeito processual e as garantias de defesa que lhe são reconhecidas, nomeadamente o direito ao recurso (cfr. art.º 32.º, n.º 1, da C.R.P.), o legislador entendeu que o arguido só poderia ser responsabilizado pelo pagamento das custas, em sede de recurso, caso decaísse totalmente e, sendo esse o caso, sendo apenas sancionado com uma única taxa de justiça.
Ora, assim sendo, como não houve decaimento total, não há lugar a condenação em custas.

III. Decisão:
III.1. Da reclamação:
Julga-se totalmente improcedente a reclamação apresentada pelo arguido BB (cfr. II.1.B.).
Condena-se o reclamante no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça por ele devida em 2 UC.
III.2. Do recurso:
Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido BB e, em consequência condena-se BB a pagar a CC a quantia de EUR 30 000 (trinta mil euros), acrescida de juros vencidos e vincendos após trânsito em julgado da presente decisão (cfr. II.2.D.d.);
mantendo-se, no mais, o acórdão recorrido.
Sem custas.

Lisboa, 06-02-2025
Relator: Pedro José Esteves de Brito
1.º Adjunto: Rui Poças
2.º Adjunto: João Grilo Amaral
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2. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3df566a8bf3ab44580258640005ae93a?OpenDocument
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5. https://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/021-037-Recurso-mat%C3%A9ria-de-facto.pdf
6. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/458ff4110b557ba080258ac5002d2825?OpenDocument
7. https://files.dre.pt/1s/1995/12/298a00/82118213.pdf
8. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/47eb7e0849111c6580257998003d0cef?OpenDocument
9. https://files.diariodarepublica.pt/1s/2012/04/07700/0206802099.pdf
10. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9ef00b0801a870188025773c004a035a?OpenDocument
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12. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/a9590b9e5e74c3c7802589fd0039aad7?OpenDocument
13. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/657c08333b1da02180257f5a004ad50e?OpenDocument
14. https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/b0b4571de6eb403b8025897c0054ece4?OpenDocument
15. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/e5eed034eb473c2380257db3004dbb26?OpenDocument https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/f97055e17739201d80257e62003405ff?OpenDocument
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19. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cd6d98b804277dc080258a6200375c3b?OpenDocument
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21. http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a04a546a8b81bb3b8025881d00304eca?OpenDocument
22. Embora no item 81.º da motivação, contraditoriamente, o recorrente refira que não deveria ser punido pela prática de tal crime em pena superior a 6 meses de prisão.
23. http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d26ab26fbc63e75e8025875600336a27?OpenDocument
24. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/985B22795F36EA7980257C310040AF9F
25. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/008afd5ecb45703180258407004a401e?OpenDocument
26. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2d5e036bf715d3a6802583700041c141?OpenDocument
27. https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/cc1e4098e188d1c380258ad200314724?OpenDocument