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CADUCIDADE
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
NULIDADE
TERRITORIALIDADE
Sumário
I. Os prazos estabelecidos no art. 276º do Cód. Proc. Penal não são prazos de caducidade. São prazos meramente ordenadores e de referência, não possuindo qualquer natureza preclusiva do poder-dever que cabe ao Ministério Público de arquivar o inquérito ou de proferir acusação. II. Uma reunião que decide uma estratégia de investigação não é um acto processual, não exigindo a presença do arguido ou o seu defensor. O que o arguido e o seu defensor têm direito, é a ser ouvidos sobre o resultado dessa conversa (ou reunião) depois de vertido em promoção ou requerimento. III. Transmitidos os autos às competentes Autoridades Judiciárias da República Federativa do Brasil por delegação da continuação do procedimento criminal a essas mesmas Autoridades, ao abrigo do disposto nos arts. 1º, alínea b), 89º e 90º, nº 1 da Lei 144/99, de 31.08 (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal), o processo é transmitido no estado em que se encontra. IV. Sendo o pedido de cooperação recusado quando existir risco de agravamento da situação processual de uma pessoa por virtude da violação da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, esse risco tem que ser avaliado como efectivamente existente para poder existir a recusa. V. A transmissão de autos, operada ao abrigo do disposto nos arts. 1º, alínea b), 89º, e 90º, nº 1 da Lei 144/99, de 31.08, que prevê expressamente que a continuação da investigação de um inquérito instaurado em Portugal pode ser delegada num Estado estrangeiro que a aceite – desde que verificadas determinadas condições expressas em tal Lei – constitui uma excepção à regra da territorialidade, consagrada por legislação especial, no âmbito da cooperação judiciária internacional e, enquanto excepção legal (prevista em Lei da República), não pode ser vista como atentatória da soberania do Estado português. VI. O interesse na boa administração da justiça referido na alínea d) do nº 1 do art. 90º da Lei 144/99, de 31.08, consubstancia-se em assegurar, da melhor maneira possível, a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, em reprimir as infracções da legalidade e em dirimir os conflitos de interesses, públicos e privados.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,
Relatório
No âmbito do Inquérito com o nº 322/20.4JELSB que corre termos no Juiz 1 do Tribunal Central de Instrução Criminal, na sequência de despacho que decidiu estarem verificados os requisitos necessários à transmissão dos autos às competentes Autoridades Judiciárias da República Federativa do Brasil e deferiu o pedido de delegação da continuação do procedimento criminal a essas mesmas Autoridades, incluindo a transmissão dos bens móveis encontrados na posse da arguida e que se encontram apreendidos à ordem dos presentes autos, vem a arguida AA interpor recurso desse despacho pedindo que seja o mesmo revogado por:
- ser nulo, nos termos do art. 119º al. c) do Cód. Proc. Penal, por violação dos princípios constitucionais da territorialidade, da soberania do Estado português, da proporcionalidade, do direito de defesa, do princípio do ne bis in idem, e do direito de propriedade da arguida; e dada a nulidade do inquérito, nos termos do art. 120º, nº 2, al. d) do Cód. Proc. Penal.
Requer, assim, que se mantenha a separação dos processos em Portugal e no Brasil e os bens apreendidos adstritos aos presentes autos do processo português – sem descurar do legal recurso a mecanismos alterativos de cooperação judiciária internacional em matéria penal – e para tanto, formula as conclusões que se transcrevem: 1º. O presente recurso vem interposto do despacho proferido em 06/11/2024 pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, que considerou procedente, por provado, o pedido de delegação da continuação do presente procedimento criminal às Autoridades Judiciárias da República Federativa do Brasil, efetuado pelo Ministério Público. 2º. A recorrente não pode conformar-se com o douto despacho, uma vez que o mesmo é omisso quanto a algumas das questões por si suscitadas, no seu requerimento de fls. 2284 a 2292 e padece de contradição entre a fundamentação e o juízo decisório. 3º. Entendeu, desde logo, o Tribunal a quo que os prazos de duração máxima do inquérito são prazos “meramente ordenadores” e que, por isso, a sua decorrência não obsta a que a continuação da investigação seja delegada num Estado estrangeiro que a aceite, entendimento com o qual não pode a recorrente concordar, porquanto tal significa desconsiderar em absoluto o plasmado no art.º 276º do CPP e, por isso, sobrepor-se à Lei, em derrogação expressa do princípio da legalidade consagrado no art.º 2º do CPP. 4º. Na verdade, apenas a Lei pode determinar os prazos de duração máxima do inquérito criminal, caso contrário significa violar o disposto no art.º 20º, n.º 5 da CRP, que reconhece tal competência apenas ao legislador ao determinar que “Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos” (negrito nosso). 5º. Por isso, entende a recorrente, que os prazos de duração máxima do inquérito estabelecidos no art.º 276º do CPP são prazos de caducidade, conforme fixado no Aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09/07/2015, proferido no processo n.º 213/12.2TELSB-F.L1-9, o que significa que a perseguição criminal no momento atual (volvidos mais de 4 anos), se encontra prejudicada pela decorrência do prazo de caducidade sem que tenha sido proferido o despacho de encerramento do inquérito, o que se reflete na delegação da continuação do procedimento criminal num Estado Estrangeiro. 6º. Assim sendo, a ultrapassagem dos prazos de duração máxima do inquérito obsta desde logo ao recurso ao mecanismo de cooperação judiciária internacional em matéria penal que o despacho recorrido ordenou, sendo manifestamente inconstitucional o art.º 276º do CPP quando lido e interpretado com o sentido com que o foi pelo Tribunal a quo de que os prazos aí fixados são prazos meramente ordenadores, por violar o disposto no artigos 32º, n.º 2 e 20º, n.º 5, ambos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade esta que se invoca e requer para todos os efeitos legais. 7º. Além disso, a recorrente entende que a transmissão de procedimentos e bens apreendidos para o Brasil compromete o seu direito a um processo justo em Portugal e que a separação dos processos e autonomia do procedimento penal em Portugal é essencial para garantir que a defesa seja exercida de forma plena e eficaz, com observância do princípio da presunção de inocência, evitando-se a contaminação do processo português por elementos não julgados em solo nacional. 8º. Resulta dos autos que não foram poucas as diligências de investigação realizadas, não foram poucas as testemunhas inquiridas, foram bastantes as provas documentais recolhidas assumidas como relevantes para os autos e foram ainda realizadas buscas e apreensões, perícias,… Muitas delas em relação às quais ainda nem sequer foi conferida publicidade, atento o segredo de justiça dos autos e, portanto, a respeito das quais a recorrente não pôde ainda apresentar a sua defesa. 9º. Acresce ainda que refere o despacho recorrido que a reunião que ocorreu no Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais da Procuradoria Geral da República sem a prévia convocação da arguida e sua mandatária não constitui um ato processual, entendimento com o qual não pode a ora recorrente concordar, já que o “acto processual é toda a acção, comportamento ou actuação praticadas no processo, ou em vista do processo, e integram-se na dinâmica processual enquanto unidade perspectivada pela finalidade do processo penal, delimitando a sua relação sequencial o momento da prática de cada um deles.” (Ac. do TRC de 11/10/2023, proferido no Processo n.º 509/22.5PAMGR-B.C1). 10º. Tendo a arguida direito a estar presente em atos que lhe digam respeito (art. 61º, n.º 1 al. a) do CPP), mostra-se inconcebível a ocorrência de tal reunião e, portanto, nula qualquer proposta ou acordo que da mesma diretamente advenha (cfr. art.º 119º al. c) CPP). 11º. Acresce que não cabe ao Ministério Público acordar com Estado estrangeiro a transmissão integral de processo, porquanto a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto prescreve o processo de delegação num Estado estrangeiro para continuação de procedimento penal, o qual não passa por qualquer acordo, mas sim por uma decisão proferida por um Juiz (art.º 91º, n.º 3), como a decisão a quo. 12º. A decisão de delegação da continuação do procedimento criminal no Estado Brasileiro é absolutamente injustificada, uma vez que nesse Estado foi deduzida acusação há 2 anos e meio e em Portugal nem sequer foi deduzida acusação nos termos e para os efeitos do artigo 283º do CPP, sendo que é a acusação que tem o efeito de solidificar e estabilizar os autos. 13º. O despacho recorrido afirma que as autoridades judiciárias do Estado Brasileiro conseguiram identificar todos os responsáveis pelos factos ilícitos investigados nesse país e que esse país tem maior acervo de prova, ao mesmo tempo que afirma que os crimes em investigação ocorreram em Portugal, pelo que se mostra incompreensível a transmissão do procedimento criminal para o Estado Estrangeiro. 14º. A delegação dos autos que pretendeu o Tribunal a quo com o despacho recorrido tem como pressuposto o facto de as investigações e diligências que devem ser feitas no inquérito já terem sido realizadas, aparentemente, coincidindo as conclusões do Ministério Público de Portugal - que não foram formalizadas por ausentes de suporte probatório - com a acusação deduzida pelo Ministério Público Federal do Brasil. Vide em concreto o despacho recorrido: “(...) não se vislumbram outras diligências a realizar em Portugal para a descoberta da verdade material (…) as autoridades judiciárias brasileiras têm em aberto um processo criminal no qual é arguida a cidadã AA, e no âmbito do qual, por estarem na posse de um maior acerco de elementos de prova (…) resulta existir uma total conexão entre os suspeitos e a arguida AA, que estavam a ser investigados em território nacional, afigurando-se pois, que todas as diligências necessárias para o efeito terão de ser realizadas naquele país (…)” 15º. Ora, isto significa precisamente que o Ministério Público já finalizou o inquérito em Portugal, estando em evidente incumprimento do direito processual penal português, uma vez que, finalizado o inquérito, deve o Ministério Público proferir o seu despacho final de acusação ou arquivamento. Por esse motivo, verifica-se, inquestionavelmente, a nulidade prevista no art.º 120º, n.º 2, al. d) do CPP, por não ter sido praticado ato legalmente obrigatório, a qual se invoca e requer para todos os efeitos legais. 16º. Relativamente à omissão de pronúncia do Tribunal a quo, a mesma reporta-se à simples referência, a título conclusivo, do seguinte: “(…) ao contrário do defendido pela arguida, a transmissão dos presentes autos de inquérito para a República Federativa do Brasil não viola o princípio da territorialidade, nem constitui uma violação da soberania nacional e da capacidade do Estado Português de investigar e julgar crimes ocorridos dentro das suas fronteiras (…)” 17º. Negar os argumentos invocados pela recorrente no seu requerimento aos autos de fls. 2284 a 2292 não se coaduna com o dever de fundamentação dos atos decisórios consagrado no art.º 97º, n.º 5 do CPP, sendo na verdade uma falta do Tribunal a quo que lhe permitiu não dar razão à ora recorrente, pois dúvidas não existem de que, nos termos do art.º 4.º do Código Penal, a jurisdição portuguesa é exercida sobre crimes cometidos no território nacional, independentemente da nacionalidade do agente. 18º. O próprio despacho recorrido, no trecho supra transcrito, corrobora o critério da jurisdição competente in casu, sendo inquestionável que os factos ocorreram em Portugal e que o facto ilícito se considera praticado neste país, nos termos conjugados do disposto nos artigos 7º do CP, 19º, n.º 1 e 3 e 22º, n.º 2 todos do CPP e 88º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, pelo que terá de proceder, em 2ª instância, a invocada violação do princípio da territorialidade que fere a decisão de transmissão dos presentes autos às Autoridades Judiciárias da República Federativa do Brasil. 19º. Quanto ao argumento do prejuízo para a instrução dos autos em Portugal e direito de propriedade e violação da soberania do Estado Português, invocado pela recorrente, também ausente de fundamentação para a sua improcedência no despacho recorrido, reitera-se que existem bens que foram apreendidos em Portugal, à ordem dos presentes autos, cuja propriedade e origem deverão ser discutidas nos autos em cuja apreensão foi ordenada e validada, pelo que a recorrente entende que o despacho recorrido, ao ordenar a transmissão dos bens para a República Federativa do Brasil compromete o seu direito de propriedade sobre os bens e o seu direito à defesa. 20º. Nos termos do art.º 2º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, a transmissão de processos penais (art.º 1º, n.º, al. a)) subordina-se sempre à proteção dos interesses da soberania, da segurança, da ordem pública e de outros interesses da República Portuguesa, constitucionalmente definidos. 21º. É o Estado Português que detém o monopólio da jurisdição sobre os processos que envolvem a aplicação da lei nacional, de acordo com o seu sistema legal e constitucional. É a Lei interna e a Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal que determinam não só a competência para a investigação e julgamento dos factos em causa nos presentes autos, mas também a soberania do Estado, que jamais deve ser colocada em causa porque outro Estado solicita sucessivos pedidos de cooperação judiciária internacional. 22º. Transferir os presentes autos para a jurisdição da República Federativa do Brasil coloca em risco a aplicação dos direitos, garantias e deveres definidos pela legislação portuguesa, como também compromete princípios processuais próprios, como a imparcialidade, a integridade dos atos processuais, e os direitos de defesa, fundamentais para a administração da justiça em Portugal, contrariando o disposto nos arts. 1º e 2º da Constituição. 23º. Sendo os presentes autos delegados no Estado Brasileiro nos termos ordenados pelo despacho recorrido, onde a recorrente é investigada e está acusada da prática de outros crimes, a respetiva legislação e condições jurídico-penais irão prejudicar os seus direitos de defesa e de propriedade, pois que os meios judiciais brasileiros não se coadunam com os valores e garantias que a ordem jurídica portuguesa protege. 24º. Por tudo isto e no modesto entendimento da recorrente, a soberania e independência do Estado Português são colocadas em causa pelo despacho recorrido, assim como o direito a um julgamento justo e a uma defesa plena, nomeadamente, no que respeita ao direito de propriedade proclamado pelo art.º 62º da Constituição, o que impõe a revogação do despacho recorrido. 25º. Além da falta de fundamentação quanto aos argumentos apresentados pela recorrente no seu requerimento aos autos de fls. 2284 a 2292, a recorrente não pode ainda conformar-se com o entendimento do Tribunal a quo quanto à verificação dos pressupostos nos artigos 89º e seguintes da Lei n.º 144/99, de 31/08, pois desde logo o facto da transmissão do procedimento criminal causar prejuízo significativo à justiça obsta perentoriamente à delegação objeto de decisão no despacho recorrido. 26º. Na verdade, a recorrente entende que a análise destes pressupostos pelo Tribunal a quo foi superficial e ancorada, simplesmente, no requerimento do Ministério Público de fls. 2260 a 2274. 27º. Ficou por especificar o interesse da boa administração da justiça (n.º 1. al. d) do artigo 90º da Lei 144/99), pois esta não se basta com a simples vontade do Estado delegante ou do Ministério Público, mas exige que, diante dos princípios do direito penal, efetivamente, seja vantajoso que outro Estado continue o processo penal. 28º. Não basta, portanto, a conexão superficial e circunstancial que é apresentada no presente caso, sendo que o facto de outro Estado ter deduzido acusação contra a mesma arguida e ter deduzido, simultaneamente, acusação contra outros arguidos se mostra inclusive desajustado face à boa administração da justiça quando nesse país estão em causa factos aí praticados e nos presentes autos estão em causa factos aqui supostamente praticados. 29º. Admitir que a prova ou meios de prova se encontram no Brasil e não em Portugal quando aqui decorreram anos de investigação, com realização de buscas e apreensões, perícias, constitui evidente defraudar do disposto nos arts. 89º e 90º da Lei 144/99 e nos arts. 276º e ss. do CPP, bem como premente violação do princípio da presunção de inocência da recorrente (cfr. art.º 32º, n.º 2 da CRP), já que o despacho recorrido afirma expressamente “não se vislumbram outras diligências a realizar em Portugal para a descoberta da verdade material”. 30º. Ainda que o Tribunal a quo concordasse com o Ministério Público quanto à verificação de uma total conexão entre os agentes do crime e que entendesse que a factualidade é coincidente, a verdade é que, se assim fosse, então já teria sido deduzida acusação, tal como foi há mais de 2 anos no Brasil! E então, que o seja – em Portugal –, para que a recorrente possa conhecer e compreender a integralidade da factualidade indiciada e, então, aqui defender-se de forma adequada e justa. 31º. Deste modo, entende a recorrente que o despacho recorrido é insuficiente na sua fundamentação e verificação das condições legais para transmissão dos presentes autos para o Estado Estrangeiro, não podendo com ele concordar. 32º. Entende ainda a recorrente que o despacho recorrido contraria o disposto no art.º 6º, n.º 1 als. a), b) e c) da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, uma vez que este determina que o pedido de cooperação é recusado quando existir risco de agravamento da situação processual de uma pessoa por virtude da violação da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais ou de fundadas razões para crer que a cooperação é solicitada com o fim de perseguir ou punir uma pessoa em virtude da sua raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, das suas convicções políticas ou ideológicas ou da sua pertença a um grupo social determinado. 33º. Atentas as relações da recorrente com o meio judiciário brasileiro, os sucessivos processos nos quais é objeto de investigação, muitos deles envolvendo também altos dirigentes políticos, é evidente o receio de agravamento da sua situação processual. Nesse sentido, terá também de ser revogado o despacho recorrido. 34º. Por fim, mas não menos importante, importa referir que o despacho recorrido incorreu em erro notório ao referir que “A continuação da investigação de um inquérito instaurado em Portugal pode ser delegada num Estado estrangeiro que a aceite encontra expressa consagração legal nos artigos 1.º, alínea b), 89.º, e 90.º, n.º 1 da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal), não se cingindo os mecanismos de cooperação judiciária internacional à expedição de Cartas Rogatórias, como parece ser o entendimento da arguida (…)”, porquanto, em momento algum a ora recorrente demonstrou entender que a cooperação judiciária internacional se cinge à expedição de Cartas Rogatórias, mas buscou demonstrar no seu cristalino requerimento de fls. 2284 a 2292 que existem mecanismos de cooperação judiciária internacional alternativos à delegação da continuação do inquérito e que, ao mesmo tempo, salvaguardam a soberania do Estado Português e os direitos de defesa e propriedade da recorrente. 35º. Nos termos expostos, sendo a competência para o inquérito do Estado e Tribunais Português, a participação das autoridades brasileiras nos presentes autos sempre deverá ocorrer sob direção das autoridades portuguesas, bem como em respeito à reciprocidade, pelo que entende a recorrente que o despacho recorrido deve ser revogado, por violar a soberania do Estado, a autonomia dos processos e o direito à defesa. 36º. Além das referidas nulidades do despacho recorrido, nos termos do art.º 119º, al. c) do CPP e do inquérito, nos termos do art.º 120º, n.º 2 do CPP, bem como da inconstitucionalidade do art.º 276º do CPP quando interpretado como o foi pelo Tribunal a quo no sentido em que os prazos aí previstos são “prazos meramente ordenadores”, por violação do disposto nos arts. 32º, n.º 2 e 20º, n.º 5, ambos da Constituição, importa ainda ressaltar, com base em tudo o que antes ficou exposto, as demais inconstitucionalidades patentes no despacho recorrido 37º. O facto de o Tribunal a quo ter simplesmente desatentado da jurisdição competente para os presentes autos e ter, através de despacho, cedido a competência para continuação do inquérito à República Federativa do Brasil, compromete a jurisdição portuguesa sobre o crime, violando o princípio da soberania (art.º 1º da CRP). 38º. Além disso, há uma notória incompatibilidade da delegação na República Federativa do Brasil da continuação dos presentes autos com o direito à defesa e ao processo equitativo (art.º 32º da CRP). 39º. O despacho recorrido viola ainda os princípios da proporcionalidade e necessidade plasmados no art.º artigo 18.º, n.º 2 da CRP, onde se prevê que a restrição de direitos, liberdades e garantias deve respeitar o princípio da proporcionalidade, sendo apenas admissível quando estritamente necessário, o que não sucede nomeadamente em relação ao direito de propriedade da recorrente sobre os bens que o despacho recorrido pretendeu transmitir para a República Federativa do Brasil e em relação às garantias do processo criminal. Isto porque, na verdade, o Tribunal a quo tinha outros instrumentos de cooperação judiciária internacional que se mostram menos onerosos e, ainda assim, deles prescindiu neste momento. 40º. Por outro lado, do despacho recorrido não resulta qualquer garantia para a recorrente de que os presentes autos não irão correr autonomamente no Brasil, muito pelo contrário, uma vez que aquilo que o art.º 89º e seguintes da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto prevê é uma delegação para instaurar ou continuar um procedimento penal. Daí decorre uma só garantia: não pode instaurar-se novo processo em Portugal pelo mesmo facto (Art.º 93º, n.º 1 da referida Lei). 41º. E quanto a isto, o despacho recorrido afirma que a factualidade indiciada nos presentes autos “também configura a prática de crimes na República Federativa do Brasil” e que “(…) as autoridades judiciárias brasileiras têm em aberto um processo criminal, no qual é arguida a cidadã AA e, no âmbito do qual, por estarem na posse de um maior acervo de elementos de prova, conseguiram identificar todos os responsáveis pelas transacções referentes à aquisição, preparação e acondicionamento no interior do jacto privado, de toda a cocaína que foi apreendida em ... e também posteriormente em Portugal, tendo, nessa sequência, sido deduzida acusação pelas autoridades judiciárias brasileiras, de cujo teor resulta existir uma total conexão entre os suspeitos e a arguida AA, que estavam a ser investigados em território nacional (…)”, o que, além de contraditório, desde logo corrobora o entendimento da recorrente de que é precoce considerar que os presentes autos e aqueles nos quais foi deduzida já acusação no Brasil versam sobre a mesma factualidade - o que motiva uma decisão de não delegação da continuação do presente procedimento criminal às Autoridades Judiciárias da República Federativa do Brasil. 42º. Ao mesmo tempo, o supra transcrito leva-nos a concluir que a arguida será investigada pelos mesmos factos em dois processos distintos no Brasil, pelo que, tendo um já acusação deduzida, parece-nos óbvio que nos presentes autos, mediante a delegação da sua continuação na República Federativa do Brasil, será de imediato deduzida acusação, remetendo-se a mesma arguida para julgamento em dois processos paralelos, em evidente violação do princípio ne bis in idem (artigo 29º, n.º 5 da CRP), ressaltando, por isso, a inconstitucionalidade material do despacho recorrido. 43º. O despacho recorrido compromete de forma irremediável a segurança jurídica e o princípio da não duplicidade de processos, sendo, portanto, inconstitucional transferir o processo em tais condições, sem que, primeiramente, se estabilizem os presentes autos através do despacho final de inquérito. 44º. Finalmente, a transferência dos bens apreendidos à ordem dos presentes autos para o Brasil ordenada pelo despacho recorrido, sem que a recorrente possa exercer o pleno contraditório sobre os mesmos em Portugal, representa uma restrição desproporcional e inconstitucional do direito de propriedade, consagrado no artigo 62.º da CRP, além de privá-la de uma análise imparcial sob o prisma da legislação portuguesa.
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A Digna Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância contra-alegou pugnando pela manutenção do despacho recorrido a apresentando as seguintes conclusões: I- No articulado do recurso apresentado por AA, identificado como X, pág. 2342 verso (ideia ínsita desde logo no inicio da peça de recurso, no ponto 4 (fls. 2326), não está em causa uma nulidade, na medida em que os pedidos apresentados pelo Ministério Público ou por uma das outras entidades processuais, ou são deferidos se apresentam cabimento legal, ou pelo contrário, são indeferidos, no caso de não serem conformes à lei, não decretando por isso o Meritíssimo Juiz a “nulidade do pedido”; II- Analisadas as motivações de recurso da arguida, constata-se que a mesma elencou questões que o Meritíssimo Juiz a quo não mencionou pelo que o douto despacho recorrido não tinha que apreciar a questão elencada nos pontos 3, 4, 5, 6 das conclusões (pág. 2338 e 2338 verso), e como tal, a pretensão formulada pela arguida não é lícita, por o despacho recorrido não ter apreciado tais questões; III- Sendo manifesta a improcedência desta pretensão recursiva, impondo-se, quanto à mesma, a sua rejeição, nos termos conjugados do artigo 420.º n.º 1 alínea a) e 414.º n.º 3 do CPP; IV- O próprio acórdão citado pela arguida ora recorrente, no ponto 5 (fls. 2338 verso) quando menciona os prazos de caducidade, reporta-se a situações de inquéritos onde o que se pretende/discute é que seja apreciada a declaração de atribuição ao inquérito de especial complexidade e não possui um efeito uniformizador, de fixação de jurisprudência, sendo por demais consabido que os prazos de termo de inquérito não são perentórios, não colocando termo à investigação, motivo pelo qual se ultrapassados, se tem que comunicar superiormente, indicando o porquê do atraso e período previsível para conclusão- cfr. artigo 276.º do CPP; V- No que se reporta à questão da reunião que ocorreu, via online, com os colegas brasileiros, responsáveis no Brasil, pela dedução da acusação contra AA, não tinha a arguida que ser notificada para estar presente, contrariamente ao que defende nos pontos 9-11 das conclusões de recurso (págs. 2338 verso-2339), situação que não integra qualquer tipo de nulidade, reiterando-se uma vez mais, que são de natureza taxativa e têm assim que estar expressamente previstas na lei; VI- A mencionada reunião é integradora da própria investigação, com análise do que é necessário/preparatório do envio dos autos para outro país, em nada diferindo por ex., de uma reunião preparatória de buscas, que até podem ser em simultâneo em outros países. Assim sendo, não se pode deixar de consignar que, nestas situações, os arguidos não têm que estar presentes. VII- Trata-se de uma diligência que se optou por consignar nos autos por uma questão de transparência e respeito por todos os intervenientes, de lealdade processual, e como tal lavrou-se a sua ocorrência e seu teor; VIII- Quanto ao alegado pela recorrente nos pontos 11-15, sempre se dirá e contrariamente ao pretendido pela arguida, que o Ministério Público apenas procurou salvaguardar o princípio constitucional do ne bis in idem - cfr. artigo 29.º n.º 5 da CRP. IX- Na verdade, a posição defendida pela recorrente importa a existência de dois processos pendentes: um no Brasil e o outro em Portugal, com nefastas consequências que daí podem advir: duplicação de diligências, contraposição de evidências e oposição de decisões; X- A interpretação realizada pelo Meritíssimo Juiz a quo é correcta e conforme a todo o ordenamento jurídico, sendo respeitados os princípios ínsitos na Lei 144/99 - a Lei de Cooperação Judiciária Internacional em matéria penal, nomeadamente no seu artigo 8.º; XI- Relativamente à questão da territorialidade e soberania- vide articulado 18 e seguintes das conclusões de recurso de AA - sempre se dirá que o Estado português, por via dos seus órgãos constitucionais e soberanos, decidiu legislar no sentido de prescindir de parte da sua pretensão punitiva em julgar certos ilícitos, em razão de princípios universais, de maior relevância do que o sistema de Justiça em si, como são na economia dos presentes autos, o respeito pelo ne bis in idem; XII- In casu, o crime de tráfico de estupefacientes desenvolveu-se em dois países: Portugal e Brasil, não se tendo consumado num só acto e num só momento, embora obedecendo ao mesmo desígnio criminoso; XIII- Neste tipo de crime, a possibilidade da sua transnacionalidade é óbvia, pois os actos de execução são praticados em mais do que um país, circunstância que potencia a pretensão punitiva de vários Estados; XIV- Assim sendo, o Ministério Público ao promover a transmissão dos autos, o que mereceu deferimento, mais não fez do que tutelar de forma justa, os interesses processuais da recorrente, evitando a ocorrência de um duplo julgamento (ou até mais, em casos de separação de processos) e a existência de um labirinto processual internacional, o que dificultaria de sobremaneira as possibilidades de defesa da arguida; XV- A interpretação (errónea, em nosso entender) da arguida, que menciona de forma explícita na conclusão articulada em 32 (pág. 2341 do recurso) em que defende que o despacho recorrido contraria o artigo 6.º da Lei 144/99, vai implicar a desconsideração da vontade soberana do Estado Português, consagrada neste diploma legal, ignorando o disposto nos seus artigos 89.º e 90.º; XVI- Não se pode ignorar e desconsiderar a legislação própria que rege estas matérias, sendo a transmissão dos autos a posição que melhor tutela os próprios interesses da arguida, para evitar duplo julgamento, ou ficar um inquérito pendente em Portugal, aguardando a decisão final de um julgamento no Brasil (até ao trânsito em julgado em Instância superior), perpetuando artificialmente um inquérito; XVII- No que concerne à questão da remessa dos bens apreendidos ao Brasil, acompanhando a transmissão dos autos de inquérito, mais não é do que a efectivação da regra consagrada em acordos de Cooperação - in casu, o Acordo de Cooperação entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil para a redução da Procura, Combate à Produção e Repressão ao Tráfico Ilícito de Drogas e Sustâncias Psicotrópicas, celebrado entre as partes, em Brasília aos 07.05.1991 - vide artigo 1.º alínea d), do referido diploma; XVIII- Tratam-se de questões já resolvidas, consagradas em Acordos e até Convenções, que vigoram em Portugal por via do disposto no artigo 8.º da CRP.; XIX- A transmissão de bens entre Estados mais não é do que o reconhecimento de uma consequência actual da fenomenologia criminal, com matrizes transnacionais, que implicam que os Estados aceitem e reconheçam a necessidade de estreita colaboração policial e judicial; XX- No caso em apreço, estão verificadas as razões do pedido de transmissão estabelecidas pelo artigo 89.º da Lei 144/99, bem como as condições especiais de que depende a delegação, previstas no artigo 90.º do citado diploma legal; XXI- A conclusão final é de que está a República Federativa do Brasil melhor posicionada para apreciar todo o comportamento da arguida AA, considerado na sua globalidade, tudo no interesse da boa administração da Justiça; XXII- Ao contrário do pretendido pela recorrente, o Tribunal a quo não errou ao considerar verificados os requisitos legais de transmissão do procedimento criminal; XXIII- O douto despacho judicial ora recorrido, está devidamente fundamentado; XXIV- Nem sequer está em causa uma adesão tout court aos argumentos do Ministério Público, sem previamente se ter realizado um juízo crítico da complexidade da questão, contrariamente ao defendido pela recorrente. XXV- Os despachos do Ministério Público e do Meritíssimo Juiz, são diferentes, não se confundem nos seus aspectos substantivos, tendo uma dimensão analítica valorativa própria.
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Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto acompanhou a posição defendida pelo Ministério Público na primeira instância.
A recorrente respondeu ao Parecer renovando o teor do recurso.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação
A decisão sob recurso é a seguinte: Por requerimento que integra fls. 2260 a 2274, e por entender mostrarem-se reunidos os requisitos necessários para o efeito, o Ministério Público veio requerer a delegação da continuação do presente procedimento criminal às competentes Autoridades Judiciárias da República Federativa do Brasil. Notificada para o exercício do contraditório, a arguida AA pronunciou-se, por requerimento que integra fls. 2284 a 2292, concluindo no sentido de dever ser declarada a nulidade do pedido do Ministério Público para delegação do procedimento penal à República Federativa do Brasil, nos termos do art. 119.º, al. c) Cód. Processo Penal, por violação dos princípios constitucionais da territorialidade, da soberania do estado português, da proporcionalidade, do direito de defesa, do princípio do ne bis in idem, e do direito de propriedade da arguida, bem como a nulidade do inquérito nos termos do art. 120.º, n.º 2, al. d) do Cód. Processo Penal (i.), de se determinar a manutenção da separação dos processos em Portugal e no Brasil, mantendo a investigação e o julgamento dos factos ocorridos em território português na jurisdição nacional, de forma a assegurar os direitos constitucionais da arguida e a soberania do Estado (ii.) e de ser ordenada a manutenção dos bens apreendidos em território português no âmbito do processo penal português, permitindo à arguida o exercício da sua defesa e salvaguardando o seu direito de propriedade (iii.). Cumpre apreciar e decidir. De acordo com o disposto nos artigos 1.º, alínea b), 89.º, e 90.º, n.º 1 da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal), a continuação da investigação de um inquérito instaurado em Portugal pode ser delegada num Estado estrangeiro que a aceite, quando: a) o facto integre crime segundo a legislação portuguesa e segundo a legislação daquele Estado; b) a reação criminal privativa da liberdade seja de duração máxima não inferior a um ano ou, tratando-se de pena pecuniária, o seu montante máximo não seja inferior a quantia equivalente a 30 unidades de conta processual; c) o suspeito ou o arguido tenham a nacionalidade do Estado estrangeiro ou, sendo nacionais de um terceiro Estado ou apátridas, ali tenham a residência habitual; d) a delegação se justificar pelo interesse da boa administração da justiça ou pela melhor reinserção social em caso de condenação. No caso sub judice, o Ministério Público tem legitimidade para requerer a delegação num estado estrangeiro da continuação do presente procedimento penal. Constata-se que, no âmbito dos presentes autos, encontram-se em investigação factos passíveis, de, em abstracto, configurarem a prática de um crime de tráfico de produto estupefaciente agravado, p.p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-B a este anexa, a que corresponde a moldura abstracta de 5 a 15 anos de prisão, de associação criminosa, p.p. pelo art. 28.º do mesmo diploma e de branqueamento, p.p. pelo art. 368.º-A do Cód. Penal, suspeitando-se da existência de uma rede organizada, que, de uma forma sistemática, introduzia em Portugal largas quantidades de cocaína, sendo o produto estupefaciente transportado desde o Brasil, acondicionado de forma dissimulada dentro de jactos/aeronaves pertencentes a entidades particulares, que aterravam em Portugal em aeródromos e pistas de aterragem de natureza privada, para após o descarregamento e armazenamento daquele produto, procederam à distribuição e comercialização da cocaína para outros países do continente europeu, sendo os lucros provenientes de transacções do produto estupefaciente reintroduzidos na economia legítima, por via de aquisição de bens de valor elevado. Tal factualidade também configura a prática de crimes na República Federativa do Brasil. A arguida AA tem nacionalidade brasileira. Acresce que, como resulta do requerimento do Ministério Público de fls. 2260 a 2274, não se vislumbram outras diligências a realizar em Portugal para a descoberta da verdade material, não se podendo olvidar que, como de forma mais pormenorizada se refere no requerimento do Ministério Público, as autoridades judiciárias brasileiras têm em aberto um processo criminal, no qual é arguida a cidadã AA, e no âmbito do qual, por estarem na posse de um maior acervo de elementos de prova, conseguiram identificar todos os responsáveis pelas transacções referentes à aquisição, preparação e acondicionamento no interior do jacto privado, de toda a cocaína que foi apreendida em ... e também posteriormente em Portugal, tendo, nessa sequência, sido deduzida acusação pelas autoridades judiciárias brasileiras, de cujo teor resulta existir uma total conexão entre os suspeitos e a arguida AA, que estavam a ser investigados em território nacional, afigurando-se pois, que todas as diligências necessárias para o efeito terão de ser realizadas naquele país, tendo, na reunião realizada via zoom, no dia …2024, pelas 15H00, que ocorreu no Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais da Procuradoria Geral da República, alcançado um entendimento conjunto, uma solução consensual, acordando-se na transmissão integral, incluindo os bens apreendidos, dos presentes autos para a República Federativa do Brasil. No requerimento apresentado a arguida invoca diferentes fundamentos para se opor à transmissão dos autos para as Autoridades Judiciárias da República Federativa do Brasil, não lhe assistindo razão, em nenhum dos fundamentos invocados. A continuação da investigação de um inquérito instaurado em Portugal poder ser delegada num Estado estrangeiro que a aceite encontra expressa consagração legal nos artigos 1.º, alínea b), 89.º, e 90.º, n.º 1 da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal), não se cingindo os mecanismos de cooperação judiciária internacional à expedição de Cartas Rogatórias, como parece ser o entendimento da arguida, não sendo a ultrapassagem dos prazos de duração máxima do inquérito, prazos meramente ordenadores, a obstar à utilização deste mecanismo de cooperação judiciária internacional, pelo que, ao contrário do defendido pela arguida, a transmissão dos presentes autos de inquérito para a República Federativa do Brasil não viola o princípio da territorialidade, nem constitui uma violação da soberania nacional e da capacidade do Estado Português de investigar e julgar crimes ocorridos dentro das suas fronteiras, do mesmo modo que, pelos fundamentos acima invocados, se verificam, no caso vertente, de forma cumulativa, os requisitos necessários à transmissão dos presentes autos às competentes Autoridades Judiciárias da República Federativa do Brasil, não se concordando, nem, tão pouco, se compreendendo, de que forma esta transmissão seria passível de comprometer o direito de defesa da arguida quando à origem lícita dos bens apreendidos, nem se vislumbrando qualquer tipo de incompatibilidade entre a transmissão dos presentes autos para as competentes Autoridades Judiciárias da República Federativa do Brasil e o direito da arguida à defesa e ao processo equitativo, nem que tal transmissão acarrete uma violação dos princípios da proporcionalidade e da necessidade plasmados no art. 18.º, n.º 2 da CRP. Refira-se, ainda, que não se tratando a reunião realizada via zoom, no dia …/2024, no Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais da Procuradoria Geral da República, a que acima se fez menção, de um qualquer acto processual, mas, tão só e apenas, de uma reunião, em que tomaram parte Magistrados do Ministério Público de Portugal e da República Federativa do Brasil, em que se trataram de questões relacionadas com o rumo da investigação e a preparação de diligências, é manifesta a sem razão da arguida ao defender constituir uma nulidade, prevista no art. 119.º, al. c), por violação do disposto no art. 61.º, n.º 1, al. a), ambos do CPP, a sua não notificação para tomar parte na “reunião”. No requerimento apresentado, a arguida aduz, ainda, que “A transmissão do processo para o Brasil, onde a arguida alegadamente responde por um processo semelhante, irá colocá-la em risco de dupla punição ou julgamento repetido pelos mesmos fatos, o que representa uma clara violação do princípio do ne bis in idem, protegido constitucionalmente”, considerando “inconstitucional transferir o processo em tais condições, sem que, primeiramente, se estabilize os presentes autos através do despacho final de inquérito. Neste particular, importa ponderar que o alcance do caso julgado é definido pelo art. 621.º do Código de Processo Civil, ex vi art. 4.º do Código de Processo Penal: a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que se julga. A Constituição da República estabelece, no seu art. 29.º, n.º 5, que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, decorrendo daqui um princípio constitucional da proibição da repetição do julgado já transitado e vulgarmente conhecido por non bis in idem. O citado normativo, dando dignidade constitucional ao clássico princípio ne bis in idem, vem consagrar o caso julgado penal. Princípio que, no ensinamento dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, pp. 497), comporta duas dimensões: a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra os actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e á definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto. Tem, assim, o princípio non bis in idem o seu campo de aplicação preferencial na existência de sentença transitada em julgado. Sendo que os efeitos positivos da sentença transitada determinam o carácter negativo do aludido princípio, na medida em que este impede um novo processo sobre os mesmos factos. Depois, importa partir á procura do que se deva entender por mesmo crime, referido no citado inciso normativo. Como refere Frederico Isasca, “crime significa, aqui, um comportamento de um agente espácio-temporalmente delimitado e que foi objecto de uma decisão judicial, melhor, de uma sentença ou decisão que se lhe equipare (…) a expressão “crime” não pode ser tomada ao pé da letra, mas antes entendida como uma certa conduta ou comportamento, melhor como um dado facto ou acontecimento histórico que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui crime. É a dupla apreciação jurídico-penal de um determinado caso já julgado – e não tanto de um crime – que se quer evitar. O que o n.º 5 do art. 29.º da Constituição da República Portuguesa proíbe é, no fundo, que um mesmo concreto objecto do processo possa fundar um segundo processo penal” – Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, Livraria Almedina, 2.ª ed.ª, 1995, pp. 220 e 221. Assim, definido o conceito de crime, há que partir para a análise dos limites objectivos do caso julgado, o mesmo é dizer, concretizar o sentido e o alcance do (concreto) objecto do processo penal. Socorrendo-nos das palavras de Frederico Isasca, diremos que o objecto do processo penal “só pode ser (…) o acontecimento histórico, o assunto ou pedaço unitário de vida vertido na acusação e imputado, como crime, a um determinado sujeito e que durante a tramitação processual se pretende reconstituir o mais fielmente possível (…). Nestes termos, o que transita em julgado é o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação de um tribunal. Isto significa que todos os factos praticados pelo arguido até à decisão final que directamente se relacionem com o pedaço de vida apreciado e que com ele formam a aludida unidade de sentido, ainda que efectivamente não tenham sido conhecidos ou tomados em consideração pelo tribunal, não podem ser posteriormente apreciados” – Ob. Cit., pp. 242 e 229. Em suma, o objecto processual não pode deixar de ser o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação e julgamento de um tribunal. Daqui resulta que todos os factos praticados pelo arguido até à decisão final e que directamente se relacionem com o pedaço da vida apreciado e que com ele formam uma unidade de sentido haverão de ser considerados como fazendo parte do “objecto do processo”. Munidos destes ensinamentos, e fazendo incidir a nossa objectiva sobre o caso sub judice, impõe-se referir ser por demais evidente que a ocorrência da violação do princípio do ne bis in idem, alvitrada pela arguida, não faz, no actual estado dos autos, em que nem sequer foi deduzida, ainda, acusação, desconhecendo-se, aliás, se a decisão do Ministério Público brasileiro, no final da investigação, irá culminar num despacho de acusação, é manifestamente intempestiva. Nestes termos, entendemos ser patente a sem razão da arguida quanto a todas as questões suscitadas no requerimento apresentado. Pelos motivos expostos, por considerarmos mostrarem-se reunidos os requisitos necessários à transmissão dos presentes autos às competentes Autoridades Judiciárias da República Federativa do Brasil, considero o pedido de delegação da continuação do presente procedimento criminal às competentes Autoridades Judiciárias da República Federativa do Brasil, efectuado pelo Ministério Público, procedente, por provado, aí se incluindo, naturalmente, a transmissão dos bens móveis encontrados na posse da arguida AA, e que se encontram apreendidos à ordem dos presentes autos, precisamente por se encontrarem apreendidos à ordem dos presentes autos. (…)
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Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, as questões colocadas pela recorrente são:
- a existência de causa de recusa do pedido de cooperação judiciária internacional e a falta de verificação de uma das condições para a transmissão dos autos;
- nulidades, nos termos do art. 119º, alínea c) e do art. 120º, nº 2, alínea d), ambos do Cód. Proc. Penal; e
- inconstitucionalidades.
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O despacho recorrido decidiu estarem verificados os requisitos necessários à transmissão dos autos às competentes Autoridades Judiciárias da República Federativa do Brasil e deferiu o pedido de delegação da continuação do procedimento criminal a essas mesmas Autoridades, incluindo a transmissão dos bens móveis encontrados na posse da arguida e que se encontram apreendidos à ordem dos presentes autos, tudo ao abrigo do disposto nos arts. 1º, alínea b), 89º e 90º, nº 1 da Lei 144/99, de 31.08 (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal).
Alega a recorrente que o despacho recorrido desconsidera em absoluto o plasmado no art. 276º do Cód. Proc. Penal, em derrogação expressa do princípio da legalidade consagrado no art. 2º do mesmo Código e nos arts. 20º, nº 5 e 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa. Defende que os prazos de duração máxima do inquérito estabelecidos no art. 276º do Cód. Proc. Penal são prazos de caducidade e já decorreram volvidos mais de 4 anos sem que tenha sido proferido despacho de encerramento do inquérito, o que obsta à delegação da continuação do procedimento criminal num Estado estrangeiro.
Estabelece o art. 276º do Cód. Proc. Penal: «1 - O Ministério Público encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação, nos prazos máximos de seis meses, se houver arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação, ou de oito meses, se os não houver. 2 - O prazo de seis meses referido no número anterior é elevado: a) Para 8 meses, quando o inquérito tiver por objecto um dos crimes referidos no n.º 2 do artigo 215.º; b) Para 10 meses, quando, independentemente do tipo de crime, o procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215.º; c) Para 12 meses, nos casos referidos no n.º 3 do artigo 215.º 3 - O prazo de oito meses referido no n.º 1 é elevado: a) Para 14 meses, quando o inquérito tiver por objecto um dos crimes referidos no n.º 2 do artigo 215.º; b) Para 16 meses, quando, independentemente do tipo de crime, o procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215.º; c) Para 18 meses, nos casos referidos no n.º 3 do artigo 215.º 4 - Para efeito do disposto nos números anteriores, o prazo conta-se a partir do momento em que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada ou em que se tiver verificado a constituição de arguido. 5 - Em caso de expedição de carta rogatória, o decurso dos prazos previstos nos n.os 1 a 3 suspende-se até à respectiva devolução, não podendo o período total de suspensão, em cada processo, ser superior a metade do prazo máximo que corresponder ao inquérito. 6 - O magistrado titular do processo comunica ao superior hierárquico imediato a violação de qualquer prazo previsto nos n.ºs 1 a 3 do presente artigo ou no n.º 6 do artigo 89.º, indicando as razões que explicam o atraso e o período necessário para concluir o inquérito. 7 - Nos casos referidos no número anterior, o superior hierárquico pode avocar o processo e dá sempre conhecimento ao Procurador-Geral da República, ao arguido e ao assistente da violação do prazo e do período necessário para concluir o inquérito. 8 - Recebida a comunicação prevista no número anterior, o Procurador-Geral da República pode determinar, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, a aceleração processual nos termos do artigo 109.º».
Contrariamente ao alegado pela recorrente, os prazos estabelecidos no normativo citado não podem ser considerados como prazos de caducidade. São prazos meramente ordenadores e de referência, não possuindo qualquer natureza preclusiva do poder-dever que cabe ao Ministério Público de arquivar o inquérito ou de proferir acusação.
Tal como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.10.2016 (Proc. 5/13.1ICCTB-B.C1, pesquisado em www.dgsi.pt) e que subscrevemos, “somos obrigados a admitir que a lei, v.g. o CPP, no seu artº 276º, 1, não atribui uma qualquer natureza ao prazo que aí estabelece para o encerramento do inquérito. Em primeiro lugar, não estamos perante o estabelecimento de um prazo para o exercício de um direito, mas antes, perante o estabelecimento de um prazo para o exercício de um poder-dever vinculado do titular da acção penal, no caso. Daí poder retirar-se que estamos perante norma programática que mais não pretende do que fixar ao agente titular desse poder funcional um prazo para o encerramento do inquérito, sob pena de eventual responsabilidade disciplinar. Como diz Maia Gonçalves, em anotação a este artigo do CPP, «os prazos máximos de duração do inquérito não são peremptórios, pois não é possível demarcar o tempo e uma investigação. As diligências praticadas para além desses prazos são válidas. Porém, um excesso para além do que é razoável pode desencadear responsabilidade disciplinar e um incidente de aceleração processual». E é precisamente neste instituto de aceleração processual que vamos encontrar uma resposta decisiva à questão que nos ocupa, dentro do referido espírito unitário do sistema. Com efeito, a norma do artº 108º, 1, CPP, estatui que «quando tiverem sido excedidos os prazos previstos na lei para a duração de cada fase do processo, podem o MP, o arguido, o assistente ou as partes civis requerer a aceleração processual.» Daqui se retira uma conclusão óbvia: - o prazo que estudamos não é de caducidade, pois que, de outro modo, a ter-se verificado, estaríamos perante um caso de preclusão do direito (no caso do poder-dever respectivo), pelo seu não exercício no prazo legalmente assinado. Mas, a assim ser, existiria contradição intrínseca do sistema processual penal, já que a norma do artº 108º, 1 do CPP permitiria o prosseguimento do processo não obstante o poder-dever de formular a acusação se ter extinguido, por ter caducado. Como poderia a lei permitir a formulação de uma acusação já depois de o prazo legalmente estabelecido para tal se mostrar precludido? E as normas dos artºs 109º, 5 e 6 do CPP, são claras na atribuição de uma responsabilidade meramente disciplinar ao causador desses atrasos, sempre que injustificados. Ao permitir a aceleração processual, mesmo após se mostrarem excedidos os prazos de duração de cada uma das fases processuais, a lei está a atribuir aos prazos fixados uma natureza meramente ordenatória, funcional e referencial, retirando-lhes, deste modo, qualquer natureza preclusiva do poder-dever em análise. A mesma natureza ordenatória-funcional terão os prazos para a prática dos actos da secretaria (artº 105º, CPP), para o encerramento da instrução (artº 306º, CPP), para a leitura da sentença (artº 373º, CPP), entre outros. Não se compreenderia a atribuição de natureza peremptória a esses prazos processuais, conhecida que é a crescente complexidade dos processos e, em especial, a própria natureza da matéria em causa, que integra o próprio ‘múnus’ do Estado, em termos de exercício do seu poder soberano de perseguir e reprimir o crime”.
Neste mesmo sentido cfr. João Conde Correia (Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III, p. 1006 ss e a variada doutrina e jurisprudência aqui referidas).
E porque a Lei, nomeadamente o art. 276º citado, não comina expressamente qualquer caducidade, a interpretação defendida não derroga o princípio da legalidade consagrado no art. 2º do Cód. Proc. Penal.
Concluímos, assim, que os prazos de duração máxima do inquérito, estabelecidos no art. 276º do Cód. Proc. Penal, não são prazos de caducidade, não havendo, por aí, qualquer obstáculo à delegação da continuação do procedimento criminal num Estado estrangeiro.
Com esta interpretação também não ocorre qualquer violação do preceituado nos arts. 20º, nº 5 e 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
Efectivamente, dispõe o nº 5 do art. 20º da Constituição da República Portuguesa que “para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”; enquanto o nº 2 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa consagra que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”.
Ora não se vê que a natureza meramente ordenadora dos prazos de duração máxima do inquérito colida com a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos, ou impeça o julgamento no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, tanto mais que a lei prevê mecanismos para controlar o excesso dos prazos, não só através da intervenção hierárquica, mas também da aceleração processual.
Mais alega a recorrente que a reunião que ocorreu no Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais da Procuradoria Geral da República é um acto processual e que ela e a sua mandatária deveriam ter sido convocadas para o mesmo, pois tem direito a estar presente em actos que lhe digam respeito (nos termos do art. 61º, nº 1, al. a) do Cód. Proc. Penal), sendo nula qualquer proposta ou acordo que da mesma diretamente advenha (conforme o art. 119º, al. c) do Cód. Proc. Penal). E diz que não cabe ao Ministério Público acordar com Estado estrangeiro a transmissão integral de processo, porque a decisão cabe a Juiz.
Estabelece a alínea c), do art. 119º, do Cód. Proc. Penal que constitui uma nulidade insanável “a ausência do arguido ou do defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência” e a alínea a), do nº 1 do art. 61º do Cód. Proc. Penal que o arguido goza do direito de “estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito”.
Cabe, então, pronúncia sobre se a “reunião realizada via zoom, no dia …/2024, pelas 15H00, que ocorreu no Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais da Procuradoria Geral da República” entre a Ex.ma Directora do Departamento, elementos do Ministério Público português e congéneres brasileiros, pode ser qualificada como um acto processual.
A resposta é negativa. Uma reunião que decide uma estratégia de investigação não é um acto processual, desde logo porque não se trata de uma diligência processualmente prevista. Ninguém qualificaria como acto processual uma conversa entre Colegas com vista a tirar dúvidas, a auscultar opiniões, ou até a solicitar conselhos sobre uma tomada de posição relativamente a um processo. E ninguém acharia que um arguido ou o seu defensor tivesse que estar presente nessa conversa. O que o arguido e o seu defensor têm direito, é a ser ouvidos sobre o resultado dessa conversa (ou reunião) depois de vertido em promoção ou requerimento – o que sucedeu no caso.
Pelo que não se verifica a invocada nulidade.
No mais se dirá que o resultado da reunião em questão deu causa ao requerimento de fls. 2260 a 2274 (onde o Ministério Público veio requerer a delegação da continuação do presente procedimento criminal às competentes Autoridades Judiciárias da República Federativa do Brasil) e que a decisão da transmissão dos autos coube a Juiz – que proferiu o despacho recorrido, nos termos do nº 3 do art. 91º da Lei 144/99, de 31.08.
Alega também a recorrente que é incompreensível a transmissão do procedimento criminal para Estado estrangeiro de um processo onde, como consta do requerimento de fls. 2260 a 2274, a investigação em Portugal já está realizada sem que o Ministério Público tenha proferido despacho final de acusação ou arquivamento, o que configura a nulidade prevista no art. 120º, nº 2, al. d) do Cód. Proc. Penal, por não ter sido praticado acto legalmente obrigatório.
Estipula o citado normativo que é nulidade, dependente de arguição, a insuficiência do inquérito ou da instrução por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios.
Determina o disposto no nº 1 do art. 276º do Cód. Proc. Penal que o Ministério Público encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação.
Admitindo-se que não há mais diligências de prova a realizar em sede de inquérito, o Ministério Público profere despacho de arquivamento ou de acusação, mas se, como no caso, houver lugar a transmissão do processo – e o processo é transmitido no estado em que se encontra – então a decisão de arquivamento ou de acusação cabe ao Ministério Público transmitido, deixando o transmissor de ter tal obrigação. Ou seja, não tinha o Ministério Público português que proferir despacho de encerramento do inquérito.
Assim, não se verifica a nulidade deduzida.
Alega ainda a recorrente que a transmissão de procedimentos e bens apreendidos para o Brasil compromete o seu direito a um processo justo em Portugal e que a separação dos processos e autonomia do procedimento penal em Portugal é essencial para garantir que a defesa seja exercida de forma plena e eficaz, com observância do princípio da presunção de inocência, pois já foram inquiridas testemunhas, recolhida prova documental, realizadas buscas, apreensões, perícias, prova a que ainda nem sequer foi conferida publicidade, atento o segredo de justiça dos autos e, portanto, a respeito das quais a recorrente não pôde ainda apresentar a sua defesa. Diz que a delegação dos autos no Estado Brasileiro, onde a recorrente é investigada e está acusada da prática de outros crimes, a respetiva legislação e condições jurídico-penais irão prejudicar os seus direitos de defesa e de propriedade, pois que os meios judiciais brasileiros não se coadunam com os valores e garantias que a ordem jurídica portuguesa protege.
Pergunta-se: entende a recorrente que a transmissão de procedimentos e bens apreendidos para o Brasil, não é compatível com um processo justo e equitativo no Brasil? E que naquele país não é possível exercer a defesa de forma plena e eficaz, com observância do princípio da presunção de inocência?
Se é isso que pretende insinuar, diremos apenas que não concretiza nem fundamenta a afirmação e que este Tribunal ad quem não analisa insinuações.
Também alega a recorrente que o despacho recorrido contraria o disposto no art. 6º, nº 1 als. a), b) e c) da Lei 144/99, de 31.08, que determina que o pedido de cooperação é recusado quando existir risco de agravamento da situação processual de uma pessoa por virtude da violação da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais ou de fundadas razões para crer que a cooperação é solicitada com o fim de perseguir ou punir uma pessoa em virtude da sua raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, das suas convicções políticas ou ideológicas ou da sua pertença a um grupo social determinado. E diz que atentas as suas relações com o meio judiciário brasileiro, os sucessivos processos nos quais é objeto de investigação, muitos deles envolvendo também altos dirigentes políticos, é evidente o receio de agravamento da sua situação processual.
Ora, de acordo com o normativo citado pela recorrente, o pedido de cooperação é recusado quando existir risco de agravamento da situação processual de uma pessoa por virtude da violação da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Não alega a recorrente que preceitos da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais estariam violados com a transmissão dos autos às competentes Autoridades Judiciárias da República Federativa do Brasil, sendo que estar a ser investigada em vários processos, ainda que muitos deles envolvendo também altos dirigentes políticos, não se afigura razão suficiente para existir risco de agravamento da situação processual por virtude da violação da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Ou seja, o despacho recorrido não contraria o disposto no art. 6º, nº 1 als. a), b) e c) da Lei 144/99, de 31.08.
Alega ainda a recorrente violação dos princípios da territorialidade e da soberania do Estado português. Diz que no Brasil foi deduzida acusação há 2 anos e meio; que o despacho recorrido afirma que as autoridades judiciárias do Estado Brasileiro conseguiram identificar todos os responsáveis pelos factos ilícitos investigados nesse país e que esse país tem maior acervo de prova, ao mesmo tempo que afirma que os crimes em investigação ocorreram em Portugal, pelo que se mostra incompreensível a transmissão do procedimento criminal para Estado Estrangeiro.
Acrescenta que, nos termos do art. 2º da Lei 144/99, de 31.08, a transmissão de processos penais subordina-se à proteção dos interesses da soberania, da segurança, da ordem pública e de outros interesses da República Portuguesa, constitucionalmente definidos e que a transferência dos autos para a jurisdição da República Federativa do Brasil coloca em risco a aplicação dos direitos, garantias e deveres definidos pela legislação portuguesa, como também compromete princípios processuais próprios, como a imparcialidade, a integridade dos actos processuais, e os direitos de defesa, fundamentais para a administração da justiça em Portugal, contrariando o disposto nos arts. 1º e 2º da Constituição da República Portuguesa.
Diz também que o despacho recorrido omite pronúncia sobre esta questão, limitando-se a afirmar que “(…) ao contrário do defendido pela arguida, a transmissão dos presentes autos de inquérito para a República Federativa do Brasil não viola o princípio da territorialidade, nem constitui uma violação da soberania nacional e da capacidade do Estado Português de investigar e julgar crimes ocorridos dentro das suas fronteiras (…)”, defendendo que o Tribunal a quo não cumpriu o dever de fundamentação dos atos decisórios consagrado no art. 97º, nº 5 do Cód. Proc. Penal.
Relativamente à omissão de pronúncia, diremos que qualquer decisão judicial (que não seja de mero expediente) tem que ser fundamentada, como determina o nº 5 do art. 97º do Cód. Proc. Penal.
Tal normativo está em plena consonância com o disposto no nº 1 do art. 205º da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “(a)s decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei” (fundamentação que, como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros – Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, p. 70 – tem uma dupla função de “carácter subjectivo”, de garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários, e uma função de “carácter objectivo”, de pacificação social, legitimidade e auto-controle das decisões).
Esta exigência de fundamentação bem se compreende, na medida em que as decisões dos Juízes têm que ter na sua base um raciocínio lógico e argumentativo que possa ser entendido pelos destinatários da decisão, sob pena de não se fazer justiça.
Assim, todas as decisões judiciais, quer sejam sentenças quer sejam despachos, têm que ser sempre fundamentadas, de facto e de direito, como exige o art. 97º do Cód. Proc. Penal (cfr. o nº 1 e o nº 5 deste normativo).
No entanto, defendem Jorge Miranda e Rui Medeiros (ob. cit., p. 72 e 73) que a fundamentação das decisões judiciais, além de expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão.
Ora o despacho recorrido, encontra-se suficientemente fundamentado, não ocorrendo qualquer falta de fundamentação.
Efectivamente, a transmissão de autos, operada ao abrigo do disposto nos arts. 1º, alínea b), 89º, e 90º, nº 1 da Lei 144/99, de 31.08 (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal), que prevê expressamente que a continuação da investigação de um inquérito instaurado em Portugal pode ser delegada num Estado estrangeiro que a aceite – desde que verificadas determinadas condições expressas em tal Lei – constitui uma excepção à regra da territorialidade, consagrada por legislação especial, no âmbito da cooperação judiciária internacional e, enquanto excepção legal (prevista em Lei da República), não pode ser vista como atentatória da soberania do Estado português reconhecida pelo art. 1º da Constituição da República Portuguesa.
Mesmo tendo os factos ocorrido parcialmente em Portugal, e sendo defensável que o facto ilícito se considere praticado neste país – nos termos conjugados do disposto nos arts. 7º do Cód. Penal e 19º, nºs 1 e 3 e 22º, nº 2, ambos do Cód. Proc. Penal – a verdade é que o Estado brasileiro também se arroga competente para julgar os factos, tendo instaurado procedimento criminal e deduzido acusação, havendo conexão entre os agentes do crime e factualidade coincidente.
Como refere o despacho recorrido, “Constata-se que, no âmbito dos presentes autos, encontram-se em investigação factos passíveis, de, em abstracto, configurarem a prática de um crime de tráfico de produto estupefaciente agravado, p.p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-B a este anexa, a que corresponde a moldura abstracta de 5 a 15 anos de prisão, de associação criminosa, p.p. pelo art. 28.º do mesmo diploma e de branqueamento, p.p. pelo art. 368.º-A do Cód. Penal, suspeitando-se da existência de uma rede organizada, que, de uma forma sistemática, introduzia em Portugal largas quantidades de cocaína, sendo o produto estupefaciente transportado desde o Brasil, acondicionado de forma dissimulada dentro de jactos/aeronaves pertencentes a entidades particulares, que aterravam em Portugal em aeródromos e pistas de aterragem de natureza privada, para após o descarregamento e armazenamento daquele produto, procederam à distribuição e comercialização da cocaína para outros países do continente europeu, sendo os lucros provenientes de transacções do produto estupefaciente reintroduzidos na economia legítima, por via de aquisição de bens de valor elevado”.
E o processo que corre termos no Brasil está numa fase adiantada relativamente ao nosso e as autoridades brasileiras “por estarem na posse de um maior acervo de elementos de prova, conseguiram identificar todos os responsáveis pelas transacções referentes à aquisição, preparação e acondicionamento no interior do jacto privado, de toda a cocaína que foi apreendida em ... e também posteriormente em Portugal” (afirmação que a recorrente não contesta).
Por outro lado, nos termos do art. 89º da Lei 144/99, de 31.08 (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal) “a instauração de procedimento penal ou a continuação de procedimento instaurado em Portugal por facto que constitua crime segundo o direito português podem ser delegadas num Estado estrangeiro que as aceite, nas condições referidas nos artigos seguintes”.
Neste âmbito, refira-se que a recorrente se limita a afirmar, genericamente, que a transmissão do procedimento criminal causa prejuízo significativo à justiça, violando o princípio da presunção de inocência, coloca em risco a aplicação dos direitos, garantias e deveres definidos pela legislação portuguesa, como também compromete princípios processuais próprios, como a imparcialidade, a integridade dos actos processuais, e os direitos de defesa, fundamentais para a administração da justiça em Portugal, contrariando o disposto nos arts. 1º e 2º da Constituição da República Portuguesa.
Ora não se vê como é que a transmissão do procedimento viola o princípio da presunção de inocência. A recorrente já está acusada no processo que corre termos no Brasil e, em relação aos factos a que se referem os presentes autos, continua a presumir-se inocente. A transmissão não agrava a sua situação processual.
Quanto aos princípios constitucionais consagrados nos arts. 1º e 2º da Constituição da República Portuguesa, têm os mesmos correspondência na Constituição da República Federativa do Brasil, nomeadamente nos arts. 1º e 5º, pelo que não se pode dizer que a transferência dos autos para a jurisdição da República Federativa do Brasil coloca em risco a aplicação dos direitos, garantias e deveres definidos pela legislação portuguesa.
Ainda acrescenta a recorrente que o despacho recorrido não especifica o interesse da boa administração da justiça, que exige que seja de facto vantajoso que outro Estado continue o processo penal.
O interesse na boa administração da justiça, consubstancia-se em assegurar, da melhor maneira possível, a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, em reprimir as infracções da legalidade e em dirimir os conflitos de interesses, públicos e privados. Considerando que as autoridades brasileiras, “por estarem na posse de um maior acervo de elementos de prova, conseguiram identificar todos os responsáveis pelas transacções referentes à aquisição, preparação e acondicionamento no interior do jacto privado, de toda a cocaína que foi apreendida em ... e também posteriormente em Portugal” (assim especificando o despacho recorrido o interesse da boa administração da justiça), estão elas em melhor posição para, da melhor maneira possível, reprimir as infracções da legalidade, admitindo-se, também, que o façam com maior celeridade, já que os autos no Brasil estão num estado mais avançado da tramitação, o que também interessa à boa administração da justiça.
Pelo que, no caso, se mostra válida e legal a delegação, no Brasil, da continuação do procedimento instaurado em Portugal, enquanto excepção à regra da territorialidade e, ainda, manifestação da soberania do Estado português.
Verifica-se, também, que a delegação do presente procedimento criminal não colide com o disposto nos arts. 1º e 2º da Constituição da República Portuguesa e satisfaz o interesse da boa administração da justiça, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d) do nº 1 do art. 90º da Lei 144/99, de 31.08.
Alega a recorrente que a transmissão dos bens apreendidos em Portugal à ordem dos presentes autos, para a República Federativa do Brasil, compromete o seu direito de propriedade, devendo a sua propriedade e origem ser discutidas nos autos em cuja apreensão foi ordenada e validada, sob pena de violação do direito de propriedade proclamado pelo art. 62º da Constituição da República Portuguesa.
Nos termos do art. 62º da Constituição da República Portuguesa, “a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição” (nº 1) e “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização” (nº 2).
Nos autos foram apreendidos objectos e dinheiro, tendo as apreensões sido validadas. São bens que seriam susceptíveis de serem declarados perdidos a favor do Estado, caso se provasse a sua utilização para a prática de crimes ou serem vantagem adquirida em resultado dessa prática.
Não especifica a recorrente em que medida a transmissão dos bens para a República Federativa do Brasil compromete o seu direito de propriedade sobre eles. Transmitidos os bens apreendidos para o Brasil, não pode a respectiva propriedade e origem ser discutida naquele país? Sem uma alegação consistente sobre eventual violação do direito de propriedade, não se pode concluir por qualquer risco de compressão inadmissível desse direito.
De qualquer forma, o nº 1 do art. 28º da Lei 144/99, de 31.08, estipula que “se o pedido de cooperação respeitar a entrega de objectos ou valores, exclusivamente ou como complemento de outro pedido, podem estes ser remetidos quando não sejam indispensáveis à prova de factos constitutivos de infracção, cujo conhecimento for da competência das autoridades portuguesas”, sendo que o nº 3 estabelece que “são ressalvados os direitos de terceiros de boa fé, bem como os dos legítimos proprietários ou possuidores e os do Estado quando os objectos e valores possam ser declarados perdidos a seu favor”.
Ainda com referência ao direito de propriedade da recorrente sobre os bens apreendidos nos autos, e cuja transmissão foi ordenada em conjunto com o processo, alega a recorrente que o despacho recorrido viola os princípios da proporcionalidade e necessidade plasmados no art. 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, onde se prevê que a restrição de direitos, liberdades e garantias deve respeitar o princípio da proporcionalidade, sendo apenas admissível quando estritamente necessário.
Ora, para haver violação dos princípios da proporcionalidade e necessidade, era necessário, antes de mais, que houvesse uma restrição de direitos, liberdades e garantias. Não se equacionando uma tal restrição, não se pode falar em violação dos princípios da proporcionalidade e necessidade.
Finalmente, alega a recorrente que do despacho recorrido não resulta qualquer garantia de que os presentes autos não irão correr autonomamente no Brasil, pois o art. 93º, nº 1, da Lei 144/99, de 31.08, apenas garante que não poderá instaurar-se novo processo em Portugal pelo mesmo facto. Diz que com a presente transmissão irá ser investigada pelos mesmos factos em dois processos distintos no Brasil, pelo que, tendo um já acusação deduzida, nestes será de imediato deduzida acusação e será julgada em dois processos paralelos, em evidente violação do princípio ne bis in idem e do disposto no art. 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa, verificando-se a inconstitucionalidade material do despacho recorrido.
Não se percebe esta convicção da recorrente de que recebidos os autos no Brasil, será de imediato deduzida acusação nestes e será julgada em dois processos paralelos pelos mesmos factos. Efectivamente, os presentes autos poderão ser apenas incorporados naqueles que já correm no Brasil. Não faz qualquer sentido estar a discutir hipóteses que provavelmente não acontecerão. Só se existirem duas acusações/ julgamentos pelos mesmos factos se poderá falar em violação do princípio ne bis in idem. Como isso ainda não aconteceu, fica precludida a apreciação da questão. Pelo que não se verifica a alegada inconstitucionalidade material do despacho recorrido.
* * *
Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso e mantém a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) Ucs.
Lisboa, 6.02.2025
(processado e revisto pela relatora)
Alda Tomé Casimiro
Alexandra Veiga
Manuel Advínculo Sequeira