GRAVAÇÃO DA PROVA
SEQUESTRO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ERRO DE JULGAMENTO
COMPARTICIPAÇÃO
ESCOLHA DA PENA
ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO
Sumário

I- Apesar de a obrigatoriedade da documentação das declarações prestadas em audiência se mostrar instrumental à garantia da efetiva possibilidade de recurso em matéria de facto, a respetiva falta não constitui um vício da decisão, mas antes um vício do procedimento. Por isso, não são aplicáveis, no caso, as regras relativas às nulidades da sentença (que são apenas as previstas no artigo 379º do Código de Processo Penal), mas sim as regras gerais fixadas nos artigos 118º e ss. do Código de Processo Penal.
II- Decorre deste entendimento, naturalmente, a responsabilização dos interessados em interpor recurso da decisão em acautelar a obtenção dos suportes técnicos contendo as gravações e o controlo da respetiva qualidade, sendo que, se a deficiência for detetada em momento próximo à audiência de julgamento, ou mesmo enquanto esta ainda se encontra a decorrer, é possível ultrapassar tal nulidade, diligenciando-se pela repetição da inquirição, na medida em que se mostre necessária (já que a repetição do ato é, em regra, o modo de ultrapassar a nulidade, como decorre do disposto no artigo 122º, nº 2 do Código de Processo Penal).
III- A motivação da decisão de facto, seja qual for o conteúdo que se lhe dê, não pode ser um substituto do princípio da oralidade e da imediação no que tange à atividade de produção da prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe refletir nela exaustivamente todos os fatores probatórios, argumentos, intuições, etc., que fundamentam a convicção ou resultado probatório.
IV- Uma convicção solidamente fundamentada não exige uma concordância absoluta de toda a prova produzida, e também não exige a respetiva «perfeição». É função do julgador interpreter todos os contributos probatórios perante si trazidos, tomando em conta não só o que é dito, mas também o modo como é dito, e, além disso, avaliar, na medida do possível, todas as circunstâncias suscetíveis de intervir na genuinidade dos depoimentos, distinguindo indícios de falsidade de quaisquer outras (compreensíveis) emoções humanas.
V- A ofendida foi privada pelos arguidos da sua liberdade de locomoção, na medida em que foi atraída ao exterior da sua casa, com o pretexto de jantar com os arguidos e, uma vez no interior do veículo, foi confrontada com um instrumento que identificou como uma arma de fogo e, por via do temor que lhe foi instilado, viu-se constrangida a contactar a outra ofendida e a manter-se na companhia dos arguidos, enquanto estes se deslocavam para um lugar ermo, onde foi mantida dentro do veículo, não lhe sendo possível ausentar-se do local pelos seus próprios meios. Vistas estas circunstâncias, não merece qualquer censura a decisão recorrida ao considerar o cometimento pelos três arguidos do crime de sequestro, tendo como vítima aquela ofendida.
VI- Enquanto o autor (ou coautor) tem um papel de primeiro plano, dominando a ação, já que esta é concebida e executada de acordo com a sua vontade, ou com o seu acordo, inicial subsequente, expresso ou tácito, o cúmplice é um interveniente secundário ou acidental, isto é, só intervém se o crime for executado ou tiver início de execução e, além disso, mesmo que não interviesse, aquele sempre teria lugar, porventura em circunstâncias algo distintas.
VII- No caso dos autos resulta evidente que ocorreu uma distribuição de tarefas entre estas três pessoas, sendo claramente relevantes todos os apontados contributos para o sucesso do projeto. Tendo em conta as atividades levadas a cabo, é relevante o número de pessoas envolvidas, na medida em que o mesmo se constitui como dissuasor de qualquer reação por parte das ofendidas.
VIII- Sendo considerações de prevenção geral e de prevenção especial de (res)socialização que estão na base da aplicação das penas de substituição, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
IX- No que se refere à compensação arbitrada a favor da ofendida …, posto que, no seu caso, a lei não a qualifica como vítima especialmente vulnerável, o arbitramento de reparação nos termos previstos no artigo 82º-A do Código de Processo Penal sempre estaria dependente da demonstração de que particulares exigências de protecção da vítima o impunham.

Texto Integral

Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. Relatório
1. Os arguidos:
AA, filho de BB e CC, natural de ..., nascido a ........1999, solteiro, ajudante de cozinha, titular do cartão de cidadão n.º …, residente em ...;
DD, filha de EE e de FF, natural de ..., nascida a ........1995, solteira, ..., titular do cartão de cidadão n.º ..., residente em ...; e
GG, filho de HH e II, natural de ..., nascido a ........2003, solteiro, ..., residente em ...;
…foram julgados no processo comum coletivo nº 145/20.0GEALM do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Almada - Juiz 5, tendo sido condenados, por acórdão datado de 07.11.2023:
O arguido AA, pela prática, em coautoria de um crime de sequestro simples, previsto no artigo 158 nº 1 do Código Penal (ofendida JJ), na pena de 1 ano e 3 meses de prisão (…), de um crime de sequestro agravado, previsto no artigo 158º nº 1 e 2, alínea b) do Código Penal (ofendida KK), na pena de 4 anos de prisão (…), de um crime de roubo simples, previsto no artigo 210º, nº1 do Código Penal (ofendida KK), na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
E, em cúmulo jurídico, na pena única global de 5 anos e 3 meses de prisão, efetiva.
A arguida DD, pela prática, em coautoria de um crime de sequestro simples, previsto no artigo 158 nº 1 do Código Penal (ofendida JJ), na pena de 1 ano e 3 meses de prisão (…), de um crime de sequestro agravado, previsto no artigo 158º nº 1 e 2, alínea b) do Código Penal (ofendida KK), na pena de 4 anos de prisão.
E, em cúmulo jurídico, na pena única global de 4 anos e 6 meses de prisão, tendo-se determinado a suspensão da execução da pena pelo período de 5 anos (…) acompanhada de regime de prova para cumprimento de plano individual de reinserção, direcionado para o desenvolvimento da consciência crítica e das competências pessoais, controlo dos impulsos, inserção laboral estável, manutenção de modo de vida normativo e exercício consciente e empenhado da maternidade (…) [e] subordinada à obrigação de pagamento, no prazo de suspensão, por parte da arguida DD, da quantia de 3 000,00 € à ofendida KK, sendo 50,00 € em cada mês, devendo, disso fazer prova nos autos.
O arguido GG, pela prática, em coautoria, de um crime de sequestro simples, previsto no artigo 158º nº 1 do Código Penal (ofendida JJ), na pena, especialmente atenuada, de 6 meses de prisão (…), de um crime de sequestro agravado, previsto no artigo 158º nº 1 e 2, alínea b) do Código Penal (ofendida KK), na pena, especialmente atenuada, de 2 anos e 6 meses de prisão.
E, em cúmulo jurídico, na pena única global de 2 anos e 8 meses de prisão, tendo-se determinado a suspensão da execução da pena pelo período de 3 anos (…) acompanhada de regime de prova para cumprimento de plano individual de reinserção, direcionado para o desenvolvimento da consciência crítica e competências pessoais, controlo dos impulsos, inserção laboral estável, manutenção de modo de vida normativo e abordagem da problemática aditícia.
Todos os arguidos foram ainda condenados, solidariamente, no pagamento às ofendidas JJ e KK, a título de reparação dos danos resultantes da ação de cada um deles, respetivamente, das quantias de 800,00 € e 10 000,00 €.
2. Inconformados com a decisão final, dela interpuseram recurso o Ministério Público, e os arguidos AA e GG, pedindo:
- o Ministério Público que seja “revogada a decisão sub judice, na parte em que determinou a suspensão da execução da pena única global aplicada aos arguidos DD e GG, alterando-a por outra que determine o cumprimento efectivo das penas de prisão aplicadas”.
- o arguido AA, que seja “Alterada a Matéria de Facto indicada e Revista a Decisão de Direito que sobre a mesma recaiu, Absolvendo-se, em sequência, o Recorrente dos Crimes pelo qual foi Julgado e Condenado pelo Tribunal a quo; (…) a especial atenuação das penas que lhe foram aplicadas e, consequentemente, Alteradas as Medidas das Penas Parcelares (diminuindo-se os limites das mesmas, para valores mais comedidos, nomeadamente para quantuns abaixo dos limites mínimos legais pela prática de cada um dos Ilícitos) e da Pena Única daí adveniente; Mas sempre, conhecendo-se e declarando-se a nulidade e a irregularidade que se invoca e se arguiu e, bem assim, como a Inconstitucionalidade que se suscita”; e
- o arguido GG, a respetiva absolvição dos crimes por que foi condenado, bem como do pagamento da indemnização arbitrada.
O Ministério Público extraiu da sua motivação de recurso as seguintes conclusões:
“A) O Ministério Público não se conforma com o Acórdão proferido pelo Mm.º Tribunal a quo, na parte em que deliberou determinar a suspensão da execução da pena única global aplicada aos arguidos DD e GG.
B) Defendendo outrossim, e sempre ressalvado mais douto entendimento do Mm.º Tribunal ad quem, que não deveria ter sido suspensa a execução de tais penas, impondo-se-lhes o cumprimento efectivo das penas de prisão aplicadas.
C) Como resulta da lei, doutrina e jurisprudência, a suspensão da execução da pena impõe um juízo de aferição se, no caso concreto, tendo em consideração a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, é ou não possível efectuar um juízo de prognose favorável no sentido de que a simples ameaça da prisão será suficiente à ressocialização do arguido.
D) Além disso, e ainda que se chegue a tal conclusão, não deverá ser suspensa a execução da pena de prisão se se concluir que as exigências de prevenção geral – isto é, a defesa da ordem jurídica e dos bens jurídicos protegidos, e a força jurídica normativa do tipo de crime perante a comunidade – serão gravemente comprometidas com essa suspensão.
E) No caso sub judice, afigura-se salvo melhor entendimento que nenhuma das referidas condições se mostram reunidas, nem quanto à arguida DD nem quanto ao arguido GG.
F) Considerando a gravidade dos factos, a ausência de reconhecimento do desvalor da conduta e de arrependimento, a ausência de inserção familiar, social e profissional e os antecedentes criminais registados, salvo melhor entendimento, não só a suspensão da execução da pena prisão não realiza de forma adequada e suficiente as exigências de prevenção geral, como não é possível efectuar um juízo de prognose favorável no sentido de que a simples ameaça da prisão será suficiente à ressocialização dos arguidos DD e GG.
G) Por conseguinte, ao determinar a suspensão da execução das penas de prisão aplicadas, o Mm.º Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1 e 2, e 40.º, n.º 1, do Código Penal, impondo a interpretação conjugada de tais normais, por aplicação ao caso vertente, que só o cumprimento efectivo, e não a suspensão da execução, das penas de prisão aplicadas realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
H) Por tudo o acima exposto, deve ser dado provimento ao recurso, e em consequência ser revogada a decisão sub judice, na parte em que determinou a suspensão da execução da pena única global aplicada aos arguidos DD e GG, alterando-a por outra que determine o cumprimento efectivo das penas de prisão aplicadas.
Assim se fazendo a acostumada Justiça.”
O arguido AA extraiu da sua motivação de recurso as seguintes conclusões:
“1ª) A convicção do Tribunal recorrido baseou-se, unicamente, segundo o princípio da livre apreciação da prova, nas declarações das ofendidas, contraditórios entre si em variados segmentos, e sem corroboração bastante por outros elementos de prova, mormente no que diz respeito ao roubo do telemóvel da ofendida KK e ao sequestro da ofendida JJ.
Consequentemente,
2ª) O Tribunal a quo julgou incorrectamente alguns dos referidos factos, denotando uma visão distorcida da análise da prova que lhe foi dada apreciar e que foi produzida em audiência de julgamento, traduzindo-se num manifesto erro de julgamento da matéria de facto.
3ª) O raciocino utilizado no acórdão recorrido arrepia caminho para uma condenação muito dolorosa, porque, por um lado, é contrária à factualidade provada e, por outro, porque é totalmente arredada da verdade.
Pelo que,
4ª) A prova junta aos autos e produzida em audiência de julgamento jamais podia fundamentar um juízo condenatório do recorrente por alguns dos factos em que acabou condenado quando, o Tribunal a quo devia, nos termos da lei, ter ponderado toda a prova produzida, tê-la analisado e examinado criticamente e só depois desse exame podia, de forma coerente, lógica e sobretudo garantística dos direitos fundamentais do recorrente, formar a sua convicção, devidamente sustentada nos meios probatórios no seu todo, e não de forma selectiva.
5ª) Não o tendo feito, ofendeu, de forma directa e intolerável os direitos e garantias do arguido, com consequente violação do art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Mas, antes do demais,
6.º) O depoimento da Ofendida JJ, encontra-se total ou parcialmente impercetível, porquanto, prestado através da plataforma WEBEX, obrigou a Meritíssima Juiz, por diversas vezes, e bem assim o Digno Procurador interrompê-lo, pedindo que falasse mais devagar e pausadamente porque a ligação estava muito má.
7.º) A ligação estava tão má que foi impossível, em sede recursiva, perceber o que a ofendida JJ estava a dizer em grandes segmentos do seu depoimento e, por isso, não se conseguiu totalmente transcrever o seu depoimento para efeitos de impugnação da matéria de facto.
Consequentemente,
8ª) A audiência de julgamento ocorrida no dia 06/02/2023 é inválida, por se verificar a irregularidade da deficiente gravação da prova, mormente, do depoimento da ofendida JJ, susceptível de afectar o valor do acto e, por isso, reconduzível ao n.º 2, do art.º 123.º, do CPP, devendo ser ordenada a repetição do julgamento.
Depois,
9.ª) No acórdão em crise constata-se falta de fundamentação, em determinados segmentos cuja factualidade dada por provada afecta dolorosamente o aqui recorrente.
10ª) O Tribunal a quo refere as provas relativamente às quais lançou mão para dar como provada a matéria de facto onde fundamentou a condenação do Recorrente, tendo-se socorrido unicamente das declarações prestadas pelas ofendidas (que além do mais até são contraditórias entre si) e na demais prova documental e pericial carreada para os autos.
11ª) Assim, a fundamentação apresentada na douta decisão recorrida não satisfaz o dispositivo legal em análise (art.º 374º, n.º 2 do CPP), tal como temos por imprescindível, sobretudo o exame crítico dos depoimentos das ofendidas, que confrontadas entre si, não demonstram a intervenção do arguido/recorrente nos termos relatados na douta decisão em crise, mormente, quanto ao roubo do telemóvel da ofendida KK e quanto ao sequestro da ofendida JJ.
12ª) O exame critico da prova, conforme a escrutinamos, colocaria em crise o raciocínio condenatório do Tribunal a quo.
13ª) Esta falta de ponderação traduziu-se numa análise empírica das provas em que se baseou para dar os factos como provados e também aquelas em que se baseou no que concerne aos factos não provados, não efectuando o necessário exame crítico das provas.
14ª) O Tribunal a quo não especifica em termos minimamente aceitáveis o motivo pelo qual entendeu que as declarações do arguido/recorrente em determinados segmentos é desprovidas de credibilidade sejam por si sós, sejam por confronto com a restante prova existente no processo e produzida em audiência de julgamento, tal como não especifica ou concretiza, de modo suficientemente claro e objectivo, o motivo pelo qual deu credibilidade aos depoimentos das ofendidas, contraditório entre si em vários segmentos e cuja apreciação critica coloca em crise a prática do crime de roubo pelo recorrente.
15ª) O Tribunal a quo limitou-se a dar como provados determinados factos enunciando em seguida qual a prova de que se terá socorrido para dar como demonstrados esses factos, não especificando, nomeadamente, o motivo pelo qual, em termos lógicos e motiváveis essa prova difere, contraditando-a ou atestando-a, da restante, em cumprimento ao exame crítico das provas a que se refere a última parte do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal.
16ª) Ao Tribunal recorrido incumbia, face a toda a prova junta e produzida nos autos, fazer uma análise crítica da mesma e ainda que sucintamente, dizer qual o motivo pelo qual havia hipervalorizado ou sobreposto, na sua apreciação global, uma em relação à outra, por forma a ser cabalmente entendido o raciocínio lógico subjacente à decisão, pelo que, não o tendo feito, violou o disposto no art.º 374º, n.º 2, do CPP, o que conduz à nulidade da decisão (art.º 379.º, n.º 1, do CPP). O que se invoca e argui desde já.
17ª) A decisão em crise também cometeu erro de julgamento em virtude de uma apreciação errónea da prova, isto é, apreciou mal a prova, o que redundou em matéria de facto dada como assente.
18ª) O Tribunal a quo elencou, na matéria que considerou provada, factos que estão em flagrante oposição com a prova produzida em julgamento e com toda a que se encontra entranhada nos autos.
19ª) A prova que se produziu em julgamento e toda aquela que se encontra junta aos autos permite atestar que o recorrente, nas circunstâncias de tempo, modo e espaço ora descritas, não roubou o telemóvel da ofendida KK nem sequestrou a ofendida JJ.
20ª) A prova que foi utilizada para, ao que aparenta, fundamentar a convicção de que tal terá sucedido, exige e impõe precisamente o seu contrário, isto é, a apreciação probatória de tudo o que se produziu em julgamento, neste particular, exigia que o Tribunal a quo tivesse dado estes factos como não provados.
21ª) O acervo probatório que resulta das declarações do recorrente e do depoimento das ofendidas lançam a dúvida sobre a prática dos factos pelo recorrente quanto aos crimes de roubo do telemóvel da ofendida KK e de sequestro da ofendida JJ, e não permitem ultrapassar o crivo da dúvida razoável.
22ª) O Tribunal a quo suportou a prática destes factos pelo recorrente, única e exclusivamente pelo depoimento das ofendidos, que, além de contraditória entre si, não encontra corroboração cabal e inequívoca da demais prova carreada e, não obstante, o Tribunal a quo, além do mais, deu sinais de ter efectuado uma apreciação probatória manifestamente tendenciosa e pró versão que pretendeu fazer vingar em sede de decisão, isto é, a da acusação, o que para lá de ilegal é refractário da prova produzida.
23ª) A factualidade dada como provada, neste segmento, deve ser dada como não provada, pelo que, incumbirá a V. Exas., Venerandos Desembargadores, realizar uma reapreciação dos segmentos probatórios ora invocados pelo recorrente e que colocam em crise os factos dados por provados nos referidos itens do Acórdão Recorrido procedendo-se a uma nova fundamentação do mesmo que, ante o exposto, será, necessariamente, substitutiva da realizada pelo Tribunal a quo em termos de considerar tal factualidade como Não Provada.
24ª) O Tribunal a quo, neste particular, decidiu tendo por base factos, que para além de não provados, alguns deles nem sequer foram alegados, o que, por si só, prejudica o próprio silogismo judiciário, o que, para além disso, faz com que seja patente a Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada no Acórdão Recorrido.
25ª) Em consequência, e de forma inegável, está-se perante uma manifesta violação do Principio do In Dubio Pro Reo.
26ª) Ademais, decorre de toda a Prova junta aos Autos e produzida em Julgamento que o Recorrente não praticou os Crimes ora imputados, como foi criada uma claríssima dúvida, mais que razoável, quanto aos factos subjacentes à prática desses Ilícitos pelos quais foi acusado para Julgamento e quanto à culpa deste, o que fez com que, neste particular, o Tribunal a quo tivesse violado o Principio da Presunção da Inocência, porque, da Prova produzida em Julgamento, bem assim, como da que se encontra entranhada nos Autos decorre que a absolvição do Recorrente quanto ao crime de roubo do telemóvel da ofendida KK e de sequestro da ofendida JJ teria sido a única atitude séria, justa e legítima a adoptar.
27ª) Ao não fazê-lo, o Tribunal a quo violou, também, o N.º 2 do Artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
Além disso,
28ª) O Tribunal recorrido formou a sua convicção com base em presunções que violam o princípio da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum, princípio este que não pode ser discricionário, pois tem limites que não podem ser tacitamente ultrapassados, constituindo apenas uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a verdade material.
29ª) O que resulta de um escrutínio sério e rigoroso da Prova produzida em Julgamento e de toda a que se encontra entranhada nos Autos é que o Recorrente não roubou o telemóvel da ofendida KK nem sequestrou a ofendida JJ.
30ª) Por conseguinte, a condenação do Recorrente nos crimes em causa, viola, além do mais, o Principio da Presunção da Inocência - acolhido no N.º 2 do Artigo 32.º da Constituição da Republica Portuguesa, N.º 2 do Artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e N.º 1 do Artigo 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia - e o Principio do In Dubio Pro Reo.
31ª) O Tribunal a quo, na apreciação da Prova que lhe foi submetida julgar, lançou mão do Princípio da Livre Apreciação da Prova plasmado no Artigo 127.º do Código de Processo Penal, contudo, é inconstitucional na dimensão normativa com que foi aplicado no Acórdão Recorrido, segundo a qual a livre convicção do julgador é suficiente para, sem prova directa, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência em concreto, adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, violando, consequentemente, o Tribunal a quo, com a Decisão que proferiu o Princípio da Normalidade na utilização da Prova Indirecta.
32ª) Como V. Exas. melhor sabem, apenas é constitucionalmente conforme à Constituição da República Portuguesa, a dimensão normativa do Artigo 127.º do Código de Processo Penal, segundo a qual as presunções devem ser graves, precisas e concordantes, permitindo que perante os factos conhecidos (ou um facto preciso), se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras de experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros, no valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção e na medida desse valor está o rigor da presunção.
33ª) O Acórdão Recorrido afirmando fixados, por presunção natural, factos que nem estão indiciados por quaisquer factos base, nem decorrem, por raciocínio lógico, da aplicação aos factos base de quaisquer regras de experiência, importa uma dimensão materialmente inconstitucional do Artigo 127.º do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que a Livre Convicção do Julgador é suficiente para – sem prova directa, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência – adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, sem fazer apelo ao peso específico das presunções, que devem ser «graves, precisas e concordantes”.
34ª) Por conseguinte, é Inconstitucional a norma inserta no Artigo 127.º do Código de Processo Penal na dimensão normativa com que foi aplicada no Acórdão Recorrido pelo Tribunal a quo por afronta directa ao que se encontra Constitucionalmente consagrado no Texto e Princípios da Constituição da República Portuguesa.
35ª) O Tribunal a quo, no seu Douto entendimento, decidiu aplicar a pena de cinco anos e três meses de Prisão ao recorrente e, deste modo, varre tudo quanto existe em termos reintegração e reinserção social.
36ª) A pena de prisão em causa torna-se demasiado longa e pode comprometer a reinserção social do recorrente, que é o oposto do que realmente se pretende, porquanto, torna-se difícil ou quase impossível pensar em reintegrar na sociedade uma pessoa que está nos términos de uma pena de prisão em curso e que depois ainda tem que cumprir mais cinco anos e três meses de prisão, ainda para mais, tendo a efectiva consciência de que é inocente no que diz respeito à prática dos crimes de roubo do telemóvel da ofendida KK e de sequestro da ofendida JJ.
37ª) A pena efectiva de prisão, nestes termos, não cumpre as exigências de prevenção especial e de ressocialização, pois introduz o condenado no meio criminógeno, altamente estigmatizante, que, por obedecer a valores e princípios próprios, é capaz de corromper e perverter os objectivos pretendidos com a sanção aplicada ao agente, afastando-o, cada vez mais, do comportamento que de si é esperado.
38ª) A pena aplicada ao arguido, in casu, mostra-se excessiva, uma vez que ultrapassa o grau de culpa e, ao determinar a concreta medida da pena, o Tribunal a quo assentou na prevenção e repressão do crime, alheando-se da recuperação e ressocialização do delinquente.
39ª) Escrutinado o teor do Douto Acórdão Recorrido e a Prova produzida em Audiência, junta aos Autos e vertida nos factos dados por provados, constata-se, com elevado e respeitoso reparo, existirem elementos especialmente Atenuadores da Pena aplicada ao Recorrente que não foram levados em conta na Decisão final.
40ª) Existiram circunstâncias Prévias, Contemporâneas e Posteriores que, com o merecido respeito, não se vislumbram terem sido suficientemente sopesadas na medida da pena.
41ª) O recorrente AA foi o único arguido que decidiu prestar declarações em sede de audiência de julgamento, assumiu e esclareceu o seu envolvimento e participação nos factos e confirmou, do que efectivamente conhece, o envolvimento e participação dos restantes coarguidos.
42ª) O recorrente prestou uma colaboração verdadeiramente honesta com a descoberta da verdade material dos factos em sede de audiência de julgamento.
43ª) O recorrente verbalizou e demonstrou mediante este acto confessório o seu total e honesto arrependimento pelos actos que cometeu, expôs de forma completamente voluntária e desinteressada todo o seu envolvimento e o dos coarguidos nos actos de natureza criminógena em investigação.
44ª) Por este circunstancialismo, não será difícil a V. Exas alcançarem, no Vosso Douto entendimento, que o Recorrente praticou os Crimes pelo qual foi condenado por estar completamente alienado à vontade expressa de vingança da co-arguida à ofendida KK.
45ª) Por conseguinte, tidas por preenchidas as exigências da Atenuação Especial da Pena deveria o Colectivo, em sede de decisão condenatória, ter atenuado o quantum condenatório do Crime em que o condenou, ao não o fazer violou, entre outros normativos que V. Exas. doutamente suprirão, o preceituado nos Artigos 72.º, 73.º do Código Penal.
46ª) A pena de cinco anos e três meses de Prisão em cúmulo jurídico, aplicada pelo Douto Tribunal a quo ao Recorrente, é excessiva e desproporcional à medida da culpa.
47ª) O Recorrente prestou Declarações em sede de Julgamento e a esse respeito assumiu os factos que havia praticado e repudiou aqueles que não lhe diziam respeito.
48ª) Declarações que serviram, além do mais, para a Descoberta da Verdade Material (e em grande medida de matriz da própria Acusação deste Processo) e não foram nada sopesadas no teor do Acórdão Recorrido a seu favor.
49ª) A Pena infligida ao Recorrente é naturalmente desproporcional e desadequada perante as necessidades de Justiça que o caso de per si reclama,
50ª) Sobretudo se se estabelecer uma comparação e analogia com outros Autos, similares e idênticos em que existem bens jurídicos como a vida e a integridade física afectados, em que as Penas aplicadas não raras vezes senão suspensas na sua execução, são manifestamente inferiores àquela que lhe foi aplicada.
51ª) O Direito não é matemática nem ciência exacta, é certo, porém, a Justiça impõe e a Sociedade reclama que casos idênticos, senão iguais, sejam censurados em sede de Culpa e Medida da Pena em quantuns senão iguais pelo menos aproximados, sendo certo que, a culpa ao funcionar como limite da pena serve de antagonista da Prevenção, pois quaisquer que sejam as necessidades de Prevenção jamais a poderão ultrapassar.
52ª) Há um ponto óptimo de protecção dos Bens Jurídicos, reclamada pela colectividade, mas abaixo desse pode encontrar-se um outro, agora inultrapassável, pois a Sociedade já não tolera a perda de eficácia preventiva da Pena, ainda consentâneo com tal eficácia e que integra o limiar mínimo da Pena encontrado em função das necessidades de Prevenção Especial (Cfr. Prof.ª Anabela Miranda Rodrigues, RPCC, Ano 12, N.º 2 – Abril-Junho, 2002) onde se jogam aquelas circunstâncias que não fazendo parte do Tipo depõem a favor ou contra o Agente do Crime - Art.º 71.º n.º 2, do CP.
53ª) É pois este o ponto em que assenta a pretensão do Recorrente: - Será necessário para a tutela da Prevenção Geral, aplicar Penas Parcelares e Pena Única tão elevadas a este homem, aqui Recorrente da Vossa Justiça, quando em outros Autos de mais graves circunstâncias - por maiores valores furtados ou roubados, maior número de crimes e em que os bens vida e integridade física são afectados e colocados em risco - são aplicadas Penas, Parcelares e Única, inferiores àquela que lhe foi aplicada?
54ª) Diferenças que fazem ressaltar a injustiça quer das Penas Parcelares, quer do quantum da Pena Única que foi aplicada pelo Tribunal a quo ao Recorrente, porquanto, este, além de haver sido condenado por menor número e menos gravosos crimes em relação a outros processos mais complexos, viu a axiologia da sua conduta ser censurada de forma mais grave que aqueloutros em circunstâncias exponencialmente mais Ilícitas e Culposas que a sua.
55ª) O art.º 40.º do CP invoca um cariz utilitário da pena, no sentido eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição qua tale da Culpa.
56ª) A ponderação da Culpa do agente serve propósitos que são fundamentalmente garantísticos e portanto do interesse do Arguido, aqui Recorrente.
57ª) Deste modo acredita-se que outra Pena, Parcelares e Única, em concreto mais benévola, logo mais Justa, será a adequada a satisfazer as premissas de tutela que o caso concreto reivindica, não se frustrando a Justiça com isso, antes pelo contrário, será ela sem qualquer dúvida a sua grande vencedora!
58ª) Razão pela qual o Recorrente discorda da dosimetria das Penas Parcelares e da Pena Única que lhe foi aplicada, e pugna, no essencial, por outras mais adequadas aos critérios de Justiça que o caso em concreto reclama, designadamente penas parcelares abaixo do limite mínimo para cada um dos crimes e uma pena única mais comedida e que reflicta toda o contributo para a Descoberta da Verdade Material e o Arrependimento que demonstrou e a Reparação dos Crimes que deu causa.
Nestes termos, nos melhores e demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso do Recorrente LL obter Provimento e, em consequência, ser Alterada a Matéria de Facto indicada e Revista a Decisão de Direito que sobre a mesma recaiu, Absolvendo-se, em sequência, o Recorrente dos Crimes pelo qual foi Julgado e Condenado pelo Tribunal a quo;
Mais se requer a V. Exas., se dignem admitir a especial atenuação das penas que lhe foram aplicadas e, consequentemente, Alteradas as Medidas das Penas Parcelares (diminuindo-se os limites das mesmas, para valores mais comedidos, nomeadamente para quantuns abaixo dos limites mínimos legais pela prática de cada um dos Ilícitos) e da Pena Única daí adveniente;
Mas sempre, conhecendo-se e declarando-se a nulidade e a irregularidade que se invoca e se arguiu e, bem assim, como a Inconstitucionalidade que se suscita.
ASSIM SE CUMPRIRÁ O DIREITO E SERÁ FEITA JUSTIÇA!”
O arguido GG extraiu da sua motivação de recurso as seguintes conclusões (após aperfeiçoamento):
“1) O arguido foi julgado e condenado pelo Tribunal a quo pela prática, em coautoria material e em concurso real e efetivo:
- Por um crime de um crime de sequestro simples, previsto no artigo 158º, nº 1, do Código Penal (ofendida JJ); E,
- Um crime de sequestro agravado, previsto nos artigos 158.º, n.º 1 e 2, alínea b), do Código Penal (ofendida KK).
2) A discordância do arguido, relativamente ao douto acórdão condenatório, fundamenta-se nos seguintes vícios:
I – Erro de subsunção do direito aos factos:
a) Quanto à coautoria;
b) Do Crime de sequestro simples.
II- Da reparação de danos do artigo 82-A.
3) Discorda o recorrente da decisão tomada pelo Tribunal a quo na medida em que determinou provada a sua coautoria na prática dos factos.
4) No ponto 5 da matéria dada como provada consta que “…encontraram-se com o arguido GG e pediram a colaboração deste na execução do referido plano de vingança, o que ele aceitou.
5) E nos pontos assentes 21 e 23, referem que:
21- Agindo da forma descrita, os arguidos AA, GG e DD, em conjugação de esforço e intentos e em execução de plano previamente traçado, mediante ameaça com objeto em tudo idêntico a uma arma de fogo, quiserem e representaram causar medo e inquietação na ofendida JJ, obrigando-a acompanha-los e permanecer no interior do veículo onde se transportavam, com o propósito de saberem onde se encontrava a ofendida KK e fazer com que a mesma fosse ter com eles, por forma se vingarem dela, o que conseguiram.
23- Os arguidos AA, DD e GG ao agirem da forma descrita, em conjugação de esforços e intentos e mediante plano previamente traçado, quiseram e representaram exercer violência sobre a ofendida KK, agarrando-a pelos cabelos, desferindo-lhe golpes na face com um objeto em tudo idêntico a uma arma de fogo, com o propósito conseguido de a obrigar entrar no veículo em que se faziam transportar e assim leva-la, à noite, para um local ermo, onde a colocaram de joelhos e desferiram pontapés e socos pelo corpo, cortaram-lhe o cabelo e a deixaram sozinha.
6) As conclusões contidas no acórdão que ora se pretende alterar, não se encontram sustentadas em provas, não passando de meras apreciações e convicções formadas pelas Senhoras Juízes do Tribunal Coletivo.
7) Ora vejamos que, o arguido GG na altura da prática dos factos só tinha 17 anos, não tinha carta de condução e tinha como seu amigo, conhecido do bairro social onde moravam, o arguido AA, pessoa com quem costumava sair e privar e que, por ser mais velho, o idolatrava.
8) A hierarquização dos bairros sociais, ou seja, o poder que os mais velhos exercem sobre os mais novos, ainda mais de tenra idade como seriam os 17 anos do arguido GG, são determinantes para que estes não questionem o que lhes é dito ou pedido, muitas vezes sem sentido critico, acabam por se ver envolvidos em situações que não compreendem, a seu próprio prejuízo.
9) Não podem existir dúvidas que foi o que ocorreu no processo objeto do presente recurso.
10) O Tribunal não valorou as declarações do arguido AA, que descreveu a pouca intervenção do arguido GG nos factos, realçando que ele não sabia ao que ia, quando decidiu aceitar o seu convite.
11) Nem as da testemunha/ofendida KK, quando refere no seu depoimento de ........2023, na passagem 36:44 “…eu vi que o GG estava lá porque queria agradar o AA.
12) Facto é que, com a conjugação dos depoimentos das, apenas, duas testemunhas dos factos, KK e ..., embora com contradições insanáveis, é possível determinar a participação do GG nos factos, que se circunscreve a ladear o carro aquando da chegada da KK e a permanecer dentro do veículo com a ...,
13) O tribunal não valorou que o arguido GG, não conhecia as ofendidas, não tendo, em razão, causa para agir contra elas, não existisse uma razão que o determinasse a tal, nem detinha nenhum interesse próprio na situação do trio amoroso, não fora o pedido do seu amigo AA.
14) Aliás, como disso deu nota o arguido AA, ao referir em julgamento, por mais que uma vez, que havia solicitado a companhia do GG, mas que este desconhecia ao que iam.
15) Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de ...-...-1995, CJ STJ, III, tomo 3, 197: “São requisitos essenciais para que ocorra comparticipação criminosa sob a forma de coautoria a existência de decisão e de execução conjunta. O acordo pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinando crime: No que respeita à execução, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os atos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final; o que importa é que a atuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objetivo em vista.
16) Por seu turno, no que concerne à cumplicidade, diz-nos o artigo 27º do Código Penal: “É punido como cúmplice quem, dolosamente, e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.
17) Como refere Germano Marques da Silva em Direito Penal Português, Tomo II, pág. 291: “A cumplicidade é pois, uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, secundário num duplo sentido: de dependência da execução do crime e de menor gravidade objetiva, na medida em que não é determinante da prática do crime (o crime seria sempre realizado, embora eventualmente em modo, tempo, lugar ou circunstâncias diversas)”.
18) De onde decorre que a cumplicidade pressupõe um apoio, um mero auxílio a outra pessoa no facto antijurídico doloso cometido por esta, não sendo determinante na vontade dos autores, nem participa na execução do crime, pois limita-se a favorecer a prática do facto.
19) O GG não tinha qualquer resultado próprio que pretendesse obter, nem teve um papel determinante para a prática do crime, apenas tendo resultado provado que esteve presente na execução dos factos, participou nalguns deles, mas nunca teve o domínio da conduta ilícita.
20) Desconsiderou o Tribunal a circunstância de que o recorrente dependia da aceitação de um dos coarguidos, o que autorizava a convicção de que a sua vontade se mostrava determinada pela relação de subordinação que tinha com o arguido AA.
21) No caso, os factos provados relativamente ao arguido são somente suficientes para integrar o conceito de cumplicidade, já que revelam, de modo bastante evidente, tão-só uma solidarização ativa e ainda o influxo psíquico relativamente à prática dos crimes pelos coarguidos, pelo que, dúvidas não restam que o arguido devia ter sido condenado como cúmplice na prática dos factos.
22) Ao assim não entender, violou o Douto Acórdão sob censura as disposições legais citadas, mormente, os artigos 27º, 158º, nº 1 e 158º nº 1 e 2, todos do Código Penal.
23) Afastada que se mostre a violação destes dispositivos legais, deverá a conduta da recorrente integrar o conceito de cumplicidade, com todas as legais consequências daí advenientes, como ora se pugna.
24) Pelo que, face ao exposto, deverá ser revogado o douto Acórdão sob censura, uma vez suprido o Erro de Subsunção dos Factos ao Direito, integrando-se a conduta do arguido no conceito de cumplicidade na prática do crime de Sequestro simples e de Sequestro Qualificado.
C) Do Crime de Sequestro Simples
25) Os arguidos foram condenados pela prática de um crime de sequestro simples, p. e p. pelo artigo 158 do C.P., na pessoa da JJ.
26) O recorrente GG, não se conforma com a decisão proferida quanto a este segmento, pelo que, também aqui, pretende submeter à apreciação superior.
27) A aqui ofendida JJ, prestou testemunho como vítima (ofendida), embora o seu papel tenha sido de interveniente, e que não se diga que se tratou de uma mera espectadora dos factos ocorridos, pois a sua participação foi crucial para atrair a ofendida KK.
28) Era a JJ que tinha forma de a contactar telefonicamente, pois tinha informação privilegiada, que os outros arguidos não possuíam, o que conseguiu, logrando obter a sua morada e atraí-la até ao local combinado.
29) Defende o recorrente que a JJ nunca esteve privada dos seus movimentos, não sendo uma vítima no processo.
30) A JJ era amiga de escola do arguido AA e amiga de KK e agiu de comum esforço com os restantes arguidos, como cúmplice, no propósito comum de atrair a KK.
31) A previsão do crime do artigo 158, n.º 1, do CP, não se encontra preenchido com a conduta dos arguidos sobre a JJ, pois o crime de sequestro é um crime de execução permanente e não vinculada, em que se tutela o bem jurídico liberdade de locomoção.
32) A JJ participou em todos os atos que se mostraram necessários e adequados a atrair a KK ao carro onde estavam os restantes arguidos, sempre com livre arbítrio para poder decidir-se de forma diferente ou com sentido crítico, em momento algum estando privada dos seus movimentos e da sua liberdade, embora tenha tentado passar a imagem de subjugação e medo.
33) Vejamos que, mudou várias vezes de posição no carro que ocupava com os restantes participantes, em função das necessidades e, estranhamente, nunca solicitou ajuda para ela ou para a KK, ou interveio de qualquer forma para tentar apaziguar os ânimos exaltados, sequer solicitou ajuda policial ou outra, após ter chegado a “local seguro”, mesmo sabendo que a sua amiga KK estava em perigo.
34) Da análise crítica da prova, o tribunal recorrido desvalorizou algumas passagens do depoimento da JJ, valorando-o só em determinadas situações e quando necessário, fazendo tábua rasa das várias contradições demonstradas e que colocavam em crise o depoimento testemunhal isento, imparcial e sincero, essencial para fazer prova bastante do teor das declarações e formar a convicção plena do tribunal.
35) O Tribunal a quo refere no seu douto acórdão que: “Não considerou o tribunal provado que a ofendida JJ tenha sido forçada a entrar no automóvel da arguida DD, porque o arguido AA lhe apontou à cabeça o objeto em tudo semelhante a uma arma de fogo, desde logo considerando as regras de experiência comum, uma vez que a ofendida estava convencida de que iriam jantar ao ..., pelo que não havia razão para não entrar no carro de livre vontade.
36) E que: “O depoimento da testemunha JJ sustenta a versão da ofendida KK, com algumas variações, nomeadamente no que respeita à afirmação de que o arguido GG permaneceu no carro com ela, entendendo-se como mais credível a versão da ofendida, que afirmou que o GG também lhe bateu, sendo que se mostra mais razoável, à luz das regras de experiência comum, que todos os arguidos participassem, até porque a ofendida referiu que, a certa altura, o AA estava a filmar o ato, dizendo: corta mais, DD, pelo que certamente a colaboração do GG terá sido necessária.”
37) Mais que: “Explicou a testemunha JJ que só voltou a contactar a ofendida KK no dia seguinte, o que se estranha, porque eram amigas e aquela sabia em que circunstâncias aquela se encontrava, sozinha, de noite, ferida, num local isolado, porque estava apavorada, tendo sido ameaçada pelo arguido AA quando a deixou em casa, o que também se aceita como razoável, até porque esta ofendida assistira aos factos, ficando com a clara noção do que os arguidos eram capazes.”
38) Defende o tribunal que: “O depoimento desta testemunha foi marcado por grande nervosismo e claramente, relutância em narrar os acontecimentos, o que também nos causou estranheza…”
39) Tudo sopesado, é evidente que a testemunha não goza de credibilidade, não devendo o tribunal socorrer-se das suas declarações para formar a sua convicção, como fez.
40) Andou mal o Tribunal a quo ao decidir pela condenação dos arguidos, valorando o depoimento da JJ, embora reconhecendo a falta de veracidade e consistência nas suas declarações, subsistindo dúvida razoável, que deveria ter conduzido a decisão diferente.
41) Impõe o artigo 9.º, do Código Penal, que o julgador se muna de elementos necessários que lhe permitam, objetivamente, decidir, imposição legal que o tribunal recorrido violou, porque apesar de se munir de todos os elementos necessários à decisão, não lhe fez a análise que se lhe impunha.
42) Em face do exposto, persistindo a dúvida razoável, que não foi sanada, quanto ao crime de sequestro simples, atento os princípios constitucionais violados, como o princípio da presunção de inocência do arguido, com a consagração constitucional no artigo 32.º, n. º2 da Constituição da República Portuguesa, devem os arguidos ser absolvidos da prática do crime de sequestro.
43) Venerandos Desembargadores, os factos acima deixados são suficientes para que se pondere alterar a decisão recorrida, substituindo-a por outro que absolva os arguidos da prática de um crime de sequestro simples contra JJ, com o que se realizaria a costumada justiça.
c) Da Indemnização Arbitrada Às Ofendidas – Artigo 82-A do CPP
44) Interpomos recurso também do segmento do acórdão, que decide fixar uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelas ofendidas e condenar os arguidos no pagamento:
-Compensação pelos danos sofridos por JJ, em 800,00 €.
- Compensação pelos danos sofridos por KK, em 10.000, 00 €.
45) O Coletivo do tribunal a quo, fixou uma indemnização a favor das ofendidas, sem que estas hajam deduzido o correspondente pedido, prevalecendo-se das exceções estabelecida no artigo 82º-A do Código de Processo Penal, para as vítimas de crime.
46) O tribunal a quo considerou as ofendidas nestes autos como vítimas de criminalidade violenta, considerando verificadas as particulares exigências de proteção a que aludem os artigos 82º-A e 67º-A, nº 3 do Código de Processo Penal.
47) Demonstrando provados todos os critérios necessários para tais arbitramentos, ao arrepio do vertido no n.º 3, do artigo 496º do CC, que diz que serão utilizados critérios equitativos na fixação da indemnização.
48) Como já precedentemente se defendeu, e reitera-se nesta instância, não se considera que a quantia a atribuir a JJ seja de admitir, uma vez que ela não é vítima, nem vulnerável.
49) Não obstante, resulta porém que, os critérios de equidade, no caso em apreço não foram devidamente aplicados na aferição do quantum indemnizatório, nem a valoração dos factos foram feitos corretamente.
50) O Tribunal a quo baseou a sua decisão em factos errados, e sem qualquer ligação o presente processo, ao dizer que:
“No caso em apreço, o ofendido esteve privado de liberdade durante mais de dois dias, sem comer, tendo sido agredido várias vezes, resultando dessa ação violenta a fratura de um dente.”
51) Por outra banda, os montantes fixados não são equitativos, pois não se teve em conta a situação económica do arguido GG ou da lesada, nem refletem qualquer dos critérios previstos na lei, mostrando-se desadequados por excessivos e desvirtuando a decisão proferida quando comparados com outras, pois não teve em conta a justa medida do prejuízo.
52) Salvo o devido respeito, que é muito, entende-se que no caso em concreto, face à prova que foi produzida em tribunal e à matéria dada como provada, não se demonstrando a extensão da lesão, não se pode provar o dano dela decorrente,
53) Assim, não podemos concluir pela justeza da quantia arbitrada por danos não patrimoniais, considerando, outrossim, o valor arbitrado como excessivo e potenciador de um claro e ilegítimo locupletamento, que merece a discordância do recorrente.
54) E também, não encontra apoio nos tribunais superiores que, em casos mais graves fixam indemnizações comparativamente mais baixas que a fixada nos presentes autos, como é o caso do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 07.06.2018, no processo 1388/17.0T8BCL.G1 ou do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 18.05.2016, no processo 232/12.9GEACB.C2.
55) Pelo que, nessa medida se entende que, e atenta a jurisprudência dos nossos tribunais, deverá a quantia arbitrada ser reduzida face às concretas circunstâncias do caso e danos apurados, e fixada em montante nunca superior a 2.000 euros.
56) Ao decidir como o fez a douta sentença violou o disposto no artigo 483º e 496º do Código Civil, pelo que, deve ser alterada nos termos propostos.
Termos em que, se requer a Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, a reparação do douto acórdão de acordo com as premissas modestamente supra expostas, fazendo-se assim a habitual, sã e serena Justiça!”
3. Os recursos foram admitidos, por serem tempestivos e legais.
4. Não foram apresentadas respostas aos recursos, por qualquer dos sujeitos processuais.
5. Neste Tribunal, o Exmo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416º do Código de Processo Penal, emitiu parecer, nos seguintes termos:
“Começando pelo Recurso do MºPº, que se insurge, apenas, contra a não efectividade das penas aplicadas aos arguidos DD e GG, ambos condenados pelos referidos crimes de sequestro, o último, porém, beneficiando de atenuação especial da punição, ao abrigo do Direito Penal para Jovens Adultos (DL 401/82, 23.09, arts 1º e 4º, com referência aos arts 72º e 73º, CP), devemos consignar que secundamos a posição do MºPº, pelas razões aduzidas pelo Exmº Colega da 1ª Instância, a tanto não sendo obstativo o facto de ao arguido GG ter sido concedido aquele regime especial para jovens delinquentes.
Na verdade, confrontamo-nos com uma actuação grupal e congeminada colectivamente, com uso de viatura, exibição de arma de fogo ou semelhante e submissão de uma das vítimas a tratamento humilhante e vexante, como claramente admitido e reputado pelo Colégio de Julgadores (“… Está assente que os arguidos, em conjugação de esforços e intentos, obrigaram KK a entrar num veículo automóvel, mediante ameaça de um objeto semelhante a uma arma de fogo, bateram-lhe a soco na cabeça e levaram-na para uma zona de mato isolada e mal iluminada, arrastaram-na para o exterior, agarraram-lhe o cabelo, desferiram-lhe um pontapé na face e vários socos no tronco e cortaram-lhe cerca de 60 cm do comprimento do cabelo da ofendida, deixando-lho curto. Após, abandonaram o local, deixando a ofendida KK sozinha e ferida. E, em consequência da ação dos arguidos, KK sentiu medo, sofreu humilhação e fortes dores e ainda escoriação esquerda e hematoma, espessamento epicraniano parietal direito e cicatriz linear da face interna da metade esquerda do lábio superior, lesões que lhe determinaram 5 dias de doença sem afetação da capacidade para o trabalho. A descrita ação reveste contornos de perversidade, ímpeto descontrolado de vingança, vontade de fazer sofrer a ofendida, sendo especialmente humilhante o corte de cabelo, pelo que se mostram claramente verificados os elementos essenciais constitutivos do crime de sequestro agravado, punível com pena de prisão de 2 a 10 anos…”).
O arguido não prestou declarações, atitude silente com inegável respaldo legal (arts 32º,1, CRP, e 343º,1, CPP), mas sem ter a virtualidade de revelar o mais ténue arrependimento ou juízo auto-crítico, convenhamos, enquanto a arguida DD, numa postura quase idêntica (não prestou declarações senão após a produção da demais prova e, ainda assim, para “delegar” no co-arguido, e também recorrente, AA a liderança na situação delituosa), evidenciou a mesma incapacidade de interiorização do gravoso desvalor da acção conjunta, alheando-se, como os demais comparticipantes, da posição do “outro” (duas vítimas), jamais expressando o mínimo e mais simbólico, que fosse, sentimento de compaixão ou de auto-censura.
Nenhum dos recorrentes visados no Recurso do MºPº, DD e GG, apresenta inserção sócio-familiar e laboral estruturada, como decorre dos relatórios sociais a seu respeito, surgindo, mesmo, a arguida com (2) averbamentos criminais.
O Tribunal Colectivo imputou-lhes a prática de “criminalidade especialmente violenta” (art 1º, l, CPP), objecto de especiais cuidados de política criminal (L 51/23, 28.08), assinalando-se claramente a gravidade e sensibilidade desta específica tipologia, geradora de intenso alarme social, seguramente na base da exclusão de perdão ou amnistia na recente Lei Clemencial (arts 3º,1, 4º e 7º,1,iv), L 38-A/23, 2.08).
Sem discutir, aqui, até face à conformação do MºPº junto do Tribunal “a quo”, o acionamento do DL 401/82, 23.09, por força do regulado no art 409º,1, CPP, diremos apenas que as razões de prevenção geral, “in casu”, e para ambos os agentes, são prementes, tal como as especiais (sendo que a primariedade do arguido GG não tem a virtualidade de acautelar, “de per si”, os constrangimentos pessoais que lhe constrangem a capacidade ressocializadora em liberdade, fundeados na desestruturação apontada e na ausência de factores endógenos e exógenos suficientemente contentores de recidiva comportamental), ou seja, por outras palavras, não ressaltam pressupostos para a ressocialização em meio livre, “condição “sine qua non” para que se possa assumir um risco calculado e prudencial, sendo significativo que o instituto até exige um especial/acrescido dever de fundamentação, parcamente contido na douta Deliberação (art 50º,4, CP, em confronto com os arts 97º,5, CPP, e 205º,1, CRP), o que faz seriamente recear pela irrealização dos fins últimos e indeclináveis da própria punição (arts 40º,1, e 50º,1, CP, assim violados).
Passando ao Recurso do arguido GG (…), impugna somente matéria de direito, parte incidente sobre a matéria criminal e outra sobre a parte indemnizatória, cabe dizer que lhe inassiste razão em ambas as vertentes.
Na parte penal, “stricto sensu”, começa por sustentar que não é co-autor, quanto muito cúmplice (art 27º, CP), sem deixar de reclamar o seu alheamento quanto à factualidade global, atribuindo-a, sim, a uma das vítimas/testemunha (JJ), questionando a credibilidade desse depoimento!
Porém, atentemos que, não impugnando a matéria de facto, com ela se resignando, não a pode agora controverter e debater, mais ainda quando ela se ancorou num escrutínio crítico do acervo probatório, que habilitou a construção da convicção final firmada (arts 127º e 355º; CPP), revestida de inegável plausibilidade.
Ora dessa premissas (“factos provados”) resulta o preenchimento dos elementos da tipicidade objectiva e subjectiva, na perfeição, legitimando o juízo subsuntivo, emergindo a (co-)execução de factos constitutivos do crime, que concebeu e realizou em conjunto, detendo o “domínio funcional do facto” delituoso, em todo o seu percurso, e não numa lógica de acessoriedade, como insinuado perlo recorrente (arts 26 e 27º, CP).
O que, de resto, expressamente admite a fls 11, 2º parágrafo, do seu Recurso (“… O GG não tinha qualquer resultado próprio que pretendesse obter, nem teve um papel terminante para a prática do crime, apenas tendo resultado provado que esteve presente na execução dos factos, participou nalguns deles, mas nunca teve o domínio d a conduta ilícita…”).
Já no que tange ao arbitramento oficioso da indemnização (art 82º- A, CPP), deve notar-se que se trata menos de um ressarcimento do que uma reparação do mal gerado (art citado, nºs 1 e 3, CPP), sendo os valores fixados, solidariamente, aos (3) arguidos, razoavelmente equilibrados, naquela perspectiva e lógica reparadoras, que enforma o processo penal (cfr art 51º,1, a), CP), devendo aproximar-se de montantes susceptíveis de incutir no (s) agente (s) essa consciencialização dos prejuízos (incluindo, diremos sobretudo, morais) provocados nas vítimas, do mesmo passo que mitiga o sofrimento causado naquelas, protegendo-as (art 82º-A,1, parte final, CPP), aqui sem olvidarmos que se tratam de vítimas classificáveis como “especialmente vulneráveis” (art 67º-A, 1, b), e 3, CPP).
A rematar, o Recurso do arguido AA, o único que prestou declarações inicialmente, e que foi condenado como co-autor dos (2) crimes atribuídos àqueloutros recorrentes, a acrescer, sob autoria material, um crime de roubo simples, p. e p. pelo art 210º,1, CP, após convolação operada judicialmente, vindo a ser-lhe aplicada a pena única de prisão de 5 A e 3 M.
Impugna a matéria de facto, relativamente ao roubo e sequestro simples, quer por erro decisório (art 410º,2 a) e c), CPP, quer por erro de julgamento (art 412º,3, CPP), suscitando, em sede de matéria de direito (art 412º, 2, CPP), a redução da punição (introduzindo a susceptibilidade de beneficiar de atenuação especial, e, em qualquer caso, por excessividade sancionatória, porque para lá da culpa revelada), para lá de duas nulidades (arts 379º,1,a), e 363º, CPP) a final abordadas neste Parecer.
Avaliando o argumentário, por tal sequência expositiva, constata-se que, mais do que identificar vícios estruturais, de lógica jurídica, decorrentes do próprio texto recorrido (art 410º,2, CPP) ou do desfasamento da efectiva prova pré-adquirida ou produzida em Audiência (art 412º,3, ,CPP), o que move o recorrente é a sua íntima e subjectiva divergência de aferição probatória com a convicção dos Julgadores, pretendendo sobrepor ao órgão decisor jurisdicional a sua interpretação e valoração da prova, quando a eleita pelo Tribunal Colectivo se fundou num escrutínio exigente e partilhado, através dum “iter” lógico-dedutivo e indutivo, ancorados nas regras da normalidade das coisas e da racionalidade (art 127º, CPP), constituindo a percepção do sujeito processual (recorrente() uma mera alternativa interpretativa, mas processualmente inócua, atenta a razoabilidade do processo de formação da convicção do Tribunal recorrido, largamente motivado e objectivado, “ad nauseam”, diríamos, sem que tenha remanescido a menor réstia de incerteza, superadas com a prova alcançada (art 355º, CPP).
Significa, pois, que inexistem quaisquer erros, naufragando os vícios ventilados.
Noutro plano censório, o da dosimetria (por acção ou intervenção de atenuante especial ou adaptação da pena à medida da culpa: arts 72º/73º e/ou 40º,1, CP), não se antevê onde radica a acentuada redução da ilicitude, da culpa ou da necessidade de pena (art 72º,1, CP), já que, ao invés do alegado, agiu com superlativo protagonismo, que procurou, incessantemente , branquear com o ascendente da co-arguida DD sobre si, autocentrando o seu discurso, desculpabilizando-se, insustentavelmente, diante da prova que foi produzida, emitindo um arrependimento meramente verbalizado que o Tribunal de condenação avisadamente depreciou.
Ademais, tem averbamentos criminais, de diversa e igual tipologia, alguns mais gravosos, evidenciando uma personalidade anti-normativa já sedimentada, a carecer de uma atitude reflexiva e dum reforço de consciencialização do desvalor dos actos praticados.
Dessa sorte, quer as penas parcelares, quer a que as aglutinou juridicamente (arts 40º, 1 e 2, 71º, 1 e 2, e 77º,1 e 2, CP) emergem ajustadas e equilibradas, compagináveis com os fins últimos da própria punição, sempre dentro do perímetro da culpa e proporcionais (art 18º,2, CRP), defluindo do Acórdão a justificação do “quantum” (arts 71º,3, CP, e 375º,1, CPP).
Uma última palavra, para as apregoadas nulidades, por pretensa falta/insuficiência de fundamentação (art 374º,2, CPP) e por parcial inaudibilidade do depoimento de uma das vítimas, por deficiência do registo digital-magnético (arts 363º/364º, por um lado, e por outro, 101º, CPP, todos os normativos).
Quanto à primeira enfermidade ou violação de lei, deixámos exposto que o Acórdão sob censura traduz um perfeito silogismo judiciário, respaldado na indicação da factualidade assente (positiva ou negativamente: “factos provados” e ”factos não provados”) e da prova de suporte, esta objecto de aferição e testagem crítica, dessa actividade resultando a convicção judicial, com apelo a critérios de senso comum, de lógica e de racionalidade, motivando e objectivando o Tribunal de condenação a sua opção final, irrepreensivelmente, e debaixo de insofismável plausibilidade (art 127º, CPP), habilitando a sindicância superior, ora em curso, perante Vªs Exªs , Venerandos Juízes Desembargadores.
Constitui, finalmente, surpresa, relativamente à outra invocada nulidade, que nenhum outro sujeito processual haja diagnosticado a limitação técnica das gravações ou registos áudio, mas sempre se dirá que, sendo uma eventual violação de lei, competia ao interessado, tempestivamente, tê-la arguido, em requerimento autónomo e perante o Tribunal recorrido, o que inocorreu, com a inevitável sanação (arts 118º,1, e 120º, CPP)- cfr Ac. UJ 13/14 -, além de que se prevaleceu o recorrente da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia, ao recorrer e transcrever substanciais passagens do registo de gravação “anómalo” (art 121º, 1, c), CPP).
Em apertada síntese, propugnamos pela validação do judiciosamente Deliberado, quanto aos segmentos criticados pelos arguidos GG e AA, sem embargo daquele primeiro recorrente dever submeter-se ao convite judicial para aperfeiçoamento das Conclusões e demais itens procedimentais omitidos (arts 412º,1 e 2, e 417º,3, CPP), enquanto o Recurso do MºPº merece provimento, o que tudo vos vai proposto.”
Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo os recorrentes apresentado qualquer resposta.
6. Procedeu-se a exame preliminar, no qual se concluiu…
Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso1.
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência dos recursos com a decisão impugnada – o acórdão condenatório proferido nos autos – as questões suscitadas pelos recorrentes são as seguintes:
A. Recurso do arguido AA
- deficiência da gravação do depoimento da ofendida JJ, com necessidade de repetição do julgamento, nos termos do artigo 123º, nº 2 do Código de Processo Penal;
- falta de fundamentação/falta de exame crítico da prova;
- erro de julgamento no que respeita ao roubo do telemóvel da ofendida KK e ao sequestro da ofendida JJ;
- violação do princípio in dubio pro reo;
- excessividade da pena aplicada, face à confissão e arrependimento do arguido, a justificar a respetiva atenuação especial.
B. Recurso do arguido GG
- erro de direito, por não integrarem os atos por si praticados a coautoria dos crimes imputados aos demais arguidos, mas apenas cumplicidade;
- erro de direito, por não integrarem os factos o crime de sequestro no que se refere à ofendida JJ;
- erro de direito, por não dever a ofendida JJ ser considerada vítima especialmente vulnerável, não devendo ser-lhe arbitrada qualquer compensação; devem ainda ser reduzidas as compensações fixadas, face às concretas circunstâncias do caso e danos apurados.
C. Recurso do Ministério Público
- erro de direito no que se refere à verificação dos pressupostos da suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos DD e GG, que deverão ser condenados em pena de prisão efetiva.
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III. Transcrição dos segmentos da decisão recorrida relevantes para apreciação do recurso interposto
Da decisão recorrida, com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta o seguinte:
“II-FACTOS:
A) PROVADOS (com relevo para a decisão):
1. O arguido AA e a ofendida KK tiveram um relacionamento amoroso no ....
2. O arguido AA e a arguida DD, à data dos factos, viviam juntos como se fossem marido e mulher e têm um filho em comum.
3. A ofendida KK publicou na rede social Instagram, uma fotografia da arguida DD com o cabelo cortado, identificando-a, com um comentário depreciativo.
4. Por esse razão, o arguido AA e a arguida DD, esta movida por sentimentos de despeito e ciúme, decidiram vingar-se da ofendida KK.
5. Assim, no dia ... de ... de 2020, pelas 20.00 horas, os arguidos AA e DD, fazendo-se transportar no veículo automóvel de passageiros de marca ..., ... , com matrícula ..-VG-.., encontraram-se com o arguido GG e pediram a colaboração deste na execução do referido plano de vingança, o que ele aceitou.
6. Com o intuito de saber onde se encontrava KK, o arguido AA telefonou a uma amiga desta, JJ, conhecida por ..., convidando-a para jantar no restaurante ... e, cerca das 22.00 horas, os arguidos dirigiram-se a casa daquela, na ....
7. JJ entrou no veículo e, verificando que o arguido AA tinha consigo um objeto em tudo idêntico a uma arma de fogo, temendo pela sua vida, a mando dos arguidos, indicou a morada onde se encontrava a ofendida KK e começou a telefonar-lhe e a enviar-lhe mensagens escritas, dizendo que precisava de falar com ela.
8. Os arguidos, fazendo-se transportar no veículo referido em 5, conduzido pela arguida DD, dirigiram-se à ..., em ..., onde a KK se encontrava e, aí, a JJ, a mando dos arguidos, telefonou-lhe novamente, pedindo-lhe que descesse e viesse ao seu encontro, o que a ofendida fez.
9. Quando KK se aproximou do veiculo, o arguido AA, empunhando o objeto em tudo idêntico a uma arma de fogo, juntamente com o arguido GG, ordenou-lhe que entrasse no carro.
10. Com medo, a ofendida KK entrou para o banco traseiro do veiculo, juntamente com os arguidos AA e GG que lhe desferiram socos no corpo.
11. O arguido AA exigiu à ofendida KK que esta lhe entregasse o seu telemóvel de marca , ... , de cor … e com o IMEI ..., o que aquela, com medo fez, apoderando-se o arguido AA do mesmo, fazendo-o seu.
12. O telemóvel descrito em 11 foi adquirido em ... de ... de 2019, pelo preço de 1 098,00 …
13. Após, o arguido AA exigiu à ofendida KK que o desbloqueasse, o que esta recusou fazer.
14. Os arguidos percorreram várias localidades durante cerca de 30 minutos e imobilizaram o veículo numa estrada paralela à ..., numa zona de mato isolada.
15. Os arguidos AA e DD puxaram a ofendida KK para o exterior do veículo.
16. O AA agarrou o cabelo da ofendida KK, obrigou-a a ajoelhar-se, deu-lhe um pontapé na face e a arguida DD desferiu-lhe vários socos no tronco.
17. A arguida DD, munida com uma tesoura, cortou cerca de 60 centímetros do comprimento do cabelo da ofendida KK, deixando-o curto.
18. Após, os arguidos entraram novamente no veiculo e abandonaram o local deixando a ofendida KK no local, sozinha e ferida.
19. Mais tarde, o arguido AA levou JJ a casa e ordenou-lhe que ficasse calada e não contasse nada a ninguém.
20. Em consequência da ação dos arguidos, concretamente murros, pontapés e corte de cabelo, a ofendida KK sofreu humilhação e dores fortes e sentiu medo e dessa ação resultaram: escoriação esquerda e hematoma, espessamento epicraniano parietal direito, cicatriz linear da face interna da metade esquerda do lábio superior, que lhe determinaram 5 dias de doença sem afetação da capacidade para o trabalho.
21. Agindo da forma descrita, os arguidos AA, GG e DD, em conjugação de esforço e intentos e em execução de plano previamente traçado, mediante ameaça com objeto em tudo idêntico a uma arma de fogo, quiserem e representaram causar medo e inquietação na ofendida JJ, obrigando-a acompanha-los e permanecer no interior do veiculo onde se transportavam, com o propósito de saberem onde se encontrava a ofendida KK e fazer com que a mesma fosse ter com eles, por forma se vingarem dela, o que conseguiram.
22. Bem sabiam os arguidos que dessa forma privavam a ofendida JJ da sua liberdade de movimentos e que o faziam contra a sua vontade, o que não os demoveu da sua conduta.
23. O arguidos AA, DD e GG ao agirem da forma descrita, em conjugação de esforços e intentos e mediante plano previamente traçado, quiseram e representaram exercer violência sobre a ofendida KK, agarrando-a pelos cabelos, desferindo-lhe golpes na face com um objeto em tudo idêntico a uma arma de fogo, com o propósito conseguido de a obrigar entrar no veiculo em que se faziam transportar e assim leva-la, à noite, para um local ermo, onde a colocaram de joelhos e desferiram pontapés e socos pelo corpo, cortaram-lhe o cabelo e a deixaram sozinha.
24. Sabiam os arguidos que privavam a ofendida KK da sua liberdade de movimentos, contra a vontade desta, como ainda a sujeitavam a tratamento cruel, desumano e degradante, com o propósito conseguido de a humilharem, ofendê-la no seu corpo e saúde, causando-lhe dessa forma sofrimento físico e psicológico, o que não os demoveu da sua conduta.
25. O arguido AA, ao agir da forma descrita, quis ainda e representou, munido de um objeto em tudo semelhante a uma arma de fogo, exercer violência sobre a ofendida KK, neutralizando assim a sua capacidade de reação, com o propósito conseguido de se apoderar do telemóvel daquela, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade da sua legítima dona.
26. Agiram os arguidos livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que todas as condutas praticadas e descritas eram proibidas e punidas por lei.
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(Dos certificados de registo criminal):
27. Do certificado de registo criminal de AA consta condenação:
a) Por sentença de 17/06/2020, transitada em julgado em 21/01/2021, processo 420/18.4GDALM, juízo local criminal de Almada, J1, por um crime de ofensa da integridade física simples, praticado em 11/07/2018, pena única de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, subordinada à obrigação de pagamento, à ofendida, no período da suspensão, da quantia de 1 000,00 €;
b) Por sentença de 22/10/2020, transitada em julgado em 05/05/2021, processo 5/19.8 PTALM, juízo local criminal de Almada, J3, por um crime de condução sem habilitação legal praticado em 18/01/2019, pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5,00 €;
c) Por acórdão de 04/06/20212, transitado em julgado em 27/10/2021, processo 2715/19.0T9ALM, juízo central criminal de Almada, J2, por um crime de violência doméstica praticado em 04/08/2004, pena de 1 ano de prisão e 2 meses de prisão, suspensa por 3 anos, acompanhada de regime de prova e no pagamento de 1 500,00 € à ofendida e 112,07 € a estabelecimento hospitalar a título de indemnização;
d) Por acórdão de 18/02/20183, transitado em julgado em 03/11/2022, processo 1262/19.5PGALM, juízo central criminal de Almada, J2, por um crime de roubo, praticado em 03/08/2019, um crime de detenção de arma proibida praticado em 08/05/2019, um crime de roubo em farmácia praticado em 05/05/2028, um crime de roubo praticado em 04/05/2019 e dois crimes de roubo agravado praticados em 06/07/2019, pena única global de 5 anos e 6 meses de prisão.
28. Do certificado de registo criminal de DD consta condenação:
a) Por sentença de 07/03/2017, transitada em julgado em 07/03/2017, processo sumaríssimo 535/16.3T9ALM, juízo local criminal de Almada, Juiz 3, por um crime de falsidade de testemunho, praticado em 26/03/2015, na pena de 350 dias de multa à taxa diária de 5,00 €, extinta em 17/03/2018;
b) Por sentença de 13/10/2021, transitada em julgado em 07/12/2021, processo 987/19.0GBLLE, juízo local criminal de Faro, Juiz 2, por um crime de furto praticado em 27/09/2019, pena de 150 dias de multa à taxa diária de 5,00 €, com determinação de não transcrição no registo criminal da arguida para fins não judiciais.
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29. Do certificado de registo criminal do arguido GG não constam condenações.
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(Dos relatórios sociais):
30. O processo de socialização e o desenvolvimento pessoal do arguido AA foram caracterizados pela vivência de situações de violência doméstica, em idade precoce.
31. A mãe necessitou do apoio da instituição ..., onde os dois permaneceram mais de um ano.
32. A posterior relação da mãe com o padrasto do condenado também foi inicialmente conturbada.
33. No entanto, em meio familiar, AA sempre assumiu um comportamento adequado, colaborando nas tarefas com alguma submissão, embora com impulsividade latente.
34. No campo dos seus relacionamentos afetivos é de referir que a relação com a ex-companheira, coarguida, de quem tem o seu único filho, MM, terá desorganizado a sua vida pessoal, quer na opinião da progenitora, quer do próprio arguido.
35. Esta relação foi instável e com problemas socioeconómicos e terminou em 2020, na época das circunstâncias do presente processo, numa situação de conflito.
36. O seu filho MM, nascido em ........2018, entregue aos cuidados da respetiva progenitora, passa parte do tempo com o agregado da mãe do condenado.
37. No que se refere à vida escolar e laboral, fez o 9º ano e frequentou dois cursos de preparação profissional: curso de jardinagem na ... e curso de apoio à criança na escola da ....
38. Em finais de 2018, ainda frequentou curso de … que abandonou quando o filho nasceu.
39. Teve algumas experiências laborais na …, … e num …, … encontrando-se desempregado desde 2019.
40. Esteve preso uma primeira vez, em março de 2020, e foi colocado em liberdade com vigilância eletrónica.
41. Em termos de perspetivas de reinserção social, AA pretende fixar-se de novo na morada da mãe onde beneficiou da medida de vigilância eletrónica, reintegrando o agregado materno, constituído também pelo padrasto e por dois irmãos uterinos, de 15 e 14 anos de idade, ambos estudantes.
42. O clima familiar surge afetuoso, embora a contenção e orientação junto do arguido tenha sido enfraquecida quando AA se autonomizou com a coarguida.
43. De momento, os familiares do arguido estarão mais alertados e vigilantes das ações e circunstâncias de vida do arguido.
44. Em termos de projetos ocupacionais em situação de liberdade condicional, AA tenciona empregar-se no ramo da … ou da …, conta com a ajuda do padrasto para esse feito.
45. Encontra-se preso à ordem do processo 1262/19.5PGALM a cumprir uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão pela prática de sete crimes de roubo agravado, dois deles na forma tentada, e um crime de detenção de arma proibida, com dois terços da pena previstos para este mês de novembro.
46. Ainda não beneficiou de licenças de saída de forma a testar a alegada regular inserção sociocomunitária.
47. Até conseguir angariar meios próprios de subsistência, o arguido dependerá dos recursos da família.
48. Este parece motivado em conquistar alguma autonomia e/ou ajudar nas despesas do filho, MM.
49. Ambos os adultos que constituem o agregado (mãe e padrasto do condenado) são profissionalmente ativos.
50. AA trabalha na … do Estabelecimento Prisional melhorando as suas competências e rotinas no campo profissional.
51. Apesar de algumas limitações no pensamento consequencial, o arguido tem alguma consciência critica em relação ao seu comportamento criminal.
52. Por outro lado, assume responsabilidades pelas opções inadequadas pelas quais se orientou no passado.
53. Quanto às circunstâncias que o envolvem no presente processo, AA é capaz de reconhecer a sua gravidade e ilicitude, bem como expressa noção de vitima, todavia não se revê plenamente nos termos da acusação.
54. É acompanhado pela equipa da DGRSP no âmbito de uma pena de prisão de um ano e três meses, suspensa na sua execução por três anos com regime de prova, no processo 15/19.0T9ALM, cujo o termo se prevê pelo menos em outubro de 2024, por um crime de violência doméstica contra a sua ex-companheira e coarguida DD.
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55. DD nasceu em …, mas desde então cresceu na ..., sendo a filha mais velha de dois, nascidos na constância da relação afetivo/marital vivenciada entre os progenitores, tendo ainda dois irmãos mais velhos, consanguíneos, fruto de um primeiro relacionamento paterno.
56. O seu processo de desenvolvimento enuncia indicadores de desafogo económico, desempenhando a mãe funções de … e o pai de .../…
57. Também em termos educativos sobressai a existência de ajustados modelos e oportunidades de cariz socializante, ainda que durante a sua infância, por questões laborais o pai tenha estado mais afastado do seu percurso escolar, que a arguida iniciou na devida idade, e que prosseguiu em escolas públicas da área de residência.
58. Ainda que não lhe fossem reconhecidas dificuldades de aprendizagem ou outros handicaps que obstaculizassem o processo educativo, cedo DD veio a revelar pouco interesse pelas atividades letivas, tendo a partir do 2º ciclo apresentado um percurso desinvestido, com escassa assiduidade às aulas e investimento nas matérias, motivando uma primeira retenção no 5º ano e, posteriormente mais quatro no ciclo seguinte, não conseguindo concluir o 9º ano de escolaridade, sendo uma conjuntura que os pais não conseguiram reverter.
59. Este contexto desencadeou uma conjunção de fatores que durante a adolescência refletiram a manutenção de um quotidiano ocioso, sem rotinas estruturadas ainda que mantivesse um grupo de pares aparentemente ajustado.
60. Tinha cerca de 15/16 anos de idade quando os progenitores se separaram, permanecendo inicialmente com residência junto da mãe, condição que gradativamente foi alternando com a casa do pai, que estabeleceu residência em ….
61. Por esta altura o pai ainda a matriculou num Externato privado, em …, porém a arguida manteve o absentismo e não concluiu o 9º ano.
62. Contudo, face à recusa em cumprir horários e determinadas regras de vivência conjunta e de redução da convivialidade social noturna impostas pelo pai, retornou a casa da mãe.
63. Por essa altura, decidiu iniciar atividade laboral com o intuito de se autonomizar, tendo desde então executado alguns trabalhos indiferenciados, na área de …, como..., da qual saiu por sua iniciativa após um ano e meio e ainda numa empresa de … no ….
64. Entretanto, a rede de amigos foi alargando e diversificando, relações que a arguida normalmente estabelecia em contexto de diversão noturna, prevalecendo a ligação a pares problemáticos, com contactos com o sistema de justiça, tendo DD iniciado análogo percurso.
65. Por volta dos 18/19 anos foram-lhe diagnosticados três indícios de AVC, situação que requereu controlo médico.
66. Concomitantemente, veio a vivenciar relacionamentos amorosos complexos, que terão colocado em causa a sua integridade física, causando-lhe significativa instabilidade psicoemocional, sendo neste contexto que parece enquadrar-se a relação amorosa que vivenciou com AA, coarguido nos autos e pai do seu filho, nascido em dezembro de 2018.
67. O casal e o filho ainda coabitaram no apartamento que corresponde à morada dos autos e que é propriedade da mãe da arguida, sendo que pelo facto de ambos não exercerem atividade laboral eram apoiados financeiramente pelas respetivas famílias.
68. Contudo, a vivência conjunta revelou certa intermitência, face a conflitualidade relacional recorrente e complexa, que terá desencadeado em DD uma depressão pós-parto, não devidamente acompanhada clinicamente.
69. A arguida terá tentado cessar o relacionamento amoroso por diversas vezes, mas ter-se-á deparado com a oposição de AA, que exerceria significativa coação sob a mesma, tendo sido por esse motivo que DD optava por acompanhá-lo, por vezes, apesar de entre ambos já não existir qualquer ligação afetiva e da mesma considerar que, nem sempre os contextos sociais onde se movimentavam seriam os mais adequados.
70. À data a que se reportam os alegados factos (........2020) o enquadramento vivencial da arguida mantinha-se análogo, na medida em que continuava a residir na mesma casa, com o filho e a conviver com AA, sendo este amigo do coarguido GG.
71. Por esta altura a arguida continuava sem ocupação, dedicando-se exclusivamente à prestação de cuidados ao filho, motivo pelo qual o seu pai, e para que nada lhes faltasse em termos de subsistência passou a apoiá-la com 400 a 500€ mensais.
72. No início de 2020, atendendo a que AA foi constituído arguido noutro processo e lhe foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva com possibilidade de a mesma vir a ser cumprida mediante OPHVE, DD disponibilizou-se para recebê-lo na sua casa.
73. Ainda que à data a DGRSP tivesse identificado constrangimentos relacionais que poderiam afetar o normal curso desta medida, foi a mesma judicialmente aplicada.
74. Porém, face à impossibilidade de manterem coabitação, cerca de 6 meses após AA transitou para casa dos seus pais onde prosseguiu o cumprimento de tal medida.
75. Entretanto, em sede de julgamento veio a ser condenado em pena de prisão efetiva e não mais estabeleceram contacto, sendo sua intenção não retomar a convivialidade com o mesmo, situação que, de futuro, se perspetiva difícil, face à existência de um filho em comum.
76. No presente, a arguida, de 28 anos de idade, mantém idênticas condições de vida, frequentando o filho um estabelecimento de apoio à infância, cuja mensalidade está a ser assegurada pelos avôs materno e paterno, estando a arguida desempregada, alegando dificuldades em obter colocação, ainda que realize candidaturas espontâneas, continuando, assim, a receber a mesada por parte do seu pai, no valor de 400/500€, dispondo ainda do abono de família atribuído pela Segurança Social ao seu filho, sendo a sua mãe que assegura as despesas habitacionais.
77. Ocupa os seus dias com as tarefas domésticas, a entrega e recolha do filho no colégio, com a frequência de ginásio e com alguma convivialidade que manteve com amigos que dispõem de um estilo de vida socialmente ajustado.
78. Nestes últimos anos, a arguida não revelou uma verdadeira motivação para alterar esta conjuntura, ainda que os progenitores continuassem a incentivá-la nesse sentido, particularmente com vista à melhoria das qualificações escolares e profissionais, mediante frequência de curso de formação.
79. Contudo, no âmbito da intervenção, ora efetuada pela DGRSP, a arguida veio a revelar indicadores positivos nesse sentido, anuindo em deslocar-se ao Centro de Emprego para agendamento de reunião, no sentido de efetivar a inscrição e aferir quais as ações formativas a iniciar a breve prazo.
80. O contacto com os progenitores mantém-se, assim, próximo, bem como com os seus irmãos, tendo-se apurado que a arguida é o único elemento da fratria que ainda não se apresenta autónoma e que tem contactos com o sistema de justiça penal.
81. DD mostra-se triste pelo impacto causado aos progenitores e a nível pessoal em termos psicoemocionais, por não se sentir modelar em termos educativos perante o seu filho, depreendendo-se significativa apreensão, por desconhecer qual o desfecho que advirá da presente situação jurídico-penal.
82. Face ao processo e se analisada conduta análoga à reportada nos autos, a arguida demonstra consciência da ilicitude e do seu desvalor, distanciando-se, contudo, do enquadramento, numa perspetiva de externalização de eventuais responsabilidades mais gravosas perante a vítima.
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83. GG de 19 anos de idade é o único filho em comum do casal parental.
84. Fruto de um relacionamento de namoro entre adolescentes, viveu integrado no agregado da avó materna, tendo o progenitor sido preso aquando da sua gestação e, posteriormente, a mãe refeito a sua vida com outro companheiro.
85. Quando contava cerca de 12 anos de idade, integrou o agregado materno, mantendo bom relacionamento com o padrasto e com os irmãos uterinos, porém, manteve contactos com a avó materna, principal figura de referência, passando a oscilar entre os agregados.
86. Mais tarde, embora em período não concretamente apurado retomou contactos com o pai e irmãos consanguíneos, uma vez que este não tinha sido figura presente no seu acompanhamento.
87. No plano da saúde, com cerca de 6 anos de idade, GG sofreu uma … que não deixou sequelas.
88. Não obstante, foi encaminhado para consulta de neuropediatria, por também desde cedo (conforme relatado em informação clinica) apresentar comportamentos instáveis e desadequados em meio escolar.
89. Após devida avaliação em psicologia e em neuropediatria, foi sugerido a formulação de um diagnóstico de PHDA – Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção, associada a outras comorbilidades, nomeadamente impulsividade, oposição-desafio e passagem ao ato.
90. Paralelamente, e de acordo com a informação disponibilizada, o arguido apresentava ainda um nível cognitivo limite, bem como grande desmotivação face à escola, tendo sido considerado como sendo aluno de ensino especial.
91. Durante algum tempo terá tomado medicação, a qual foi bem tolerada.
92. Não obstante, apesar de beneficiar de acompanhamento nesta consulta de Neuropediatria no ... desde março de 2010, com cerca de 15 anos deixou de a frequentar, por motivos não apurados.
93. Por outro lado, o arguido iniciou consumo de haxixe com cerca de 14 anos de idade, desconhecendo-se qual o seu grau de adesão e consequências decorrentes deste comportamento aditivo.
94. Neste enquadramento e no que concerne à escolaridade, ainda que tenha iniciado com 6 anos de idade, o arguido apresenta um percurso marcado por retenções, em ciclos de ensino diferentes, apresentando baixa escolaridade.
95. À data da prática dos alegados factos, o arguido mantinha um enquadramento familiar e habitacional semelhante ao presente.
96. Assim, atualmente o arguido reside na companhia da progenitora, de irmãos uterinos (dois irmãos germanos entre si de seis e sete anos de idade e uma irmã de cinco meses).
97. A habitação, de natureza social, situa-se em bairro da periferia urbana, conotado com a prática de ilícitos e acentuados constrangimentos sociais.
98. A mãe é beneficiária de RSI.
99. De igual forma, tendia a gerir o tempo de acordo com a sua motivação, mantendo desinteresse pelo processo de ensino e aprendizagem, encontrando-se à data inserido em turma CEF, para concluir o 3º ciclo de escolaridade, o que não sucedeu tendo em conta o absentismo e problemas de comportamento que evidenciava.
100. Posteriormente, beneficiou de integração em curso de formação profissional no ..., tendo, porém, sido expulso, na sequência de desentendimentos com colegas, tendo assim apenas obtido o 6º ano de escolaridade.
101. No presente ano letivo, o arguido encontra-se inscrito numa turma EFA-B3 (Educação e Formação de Adultos para conclusão do 3º ciclo) na ... a funcionar no ..., desconhecendo-se qual o grau de adesão que apresenta a este projeto.
102. GG centra a sua rotina nas aulas e na atividade profissional que tem vindo a desempenhar desde os 18 anos de idade, nomeadamente efetuando trabalhos temporários e precários na … e …, na zona da ..., auferindo em média cerca de 200 euros semanais, contribuindo com parte para o sustento do agregado.
103. Terá cessado os hábitos aditícios em dezembro último, sem ajuda externa, por se ter apercebido que “não ficava relaxado, mas sim lento e atrasado” (sic).
104. GG foi constituído arguido relativamente a três situações posteriores à que originou o presente processo.
105. GG não expressa alterações ao nível da sua rotina, decorrentes da presente situação jurídico-penal, ainda que a mesma tenha contribuído para uma introspeção, relativa ao seu percurso e estilo de vida, levando-o a alterar o grupo de pares e rotinas, segundo o referido.
106. O arguido verbalizou assim compreensão pela existência do presente processo, bem como juízo critico quanto à prática de ilícitos criminais e motivação para alterar o seu percurso.
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B) NÃO PROVADOS:
1. A relação amorosa referida em 1 dos factos provados foi um namoro, durou cerca de duas semanas e terminou por iniciativa da ofendida.
2. O arguido AA, agiu com motivação idêntica à da arguida DD, por despeito e ciúme.
3. O arguido AA entrou em casa da ofendida JJ, apontou-lhe um objeto em tudo idêntico a uma arma de fogo e ordenou-lhe que lhe dissesse onde estava a ofendida KK e que o acompanhasse.
4. Temendo pela sua vida, JJ acompanhou o arguido AA até ao veiculo.
5. Quando chegou a ofendida KK, o arguido AA agarrou-a pelo cabelo, desferiu-lhe um golpe na face com um objeto não concretamente apurado, mas semelhante a uma arma de fogo, e disse-lhe em tom sério “ou entras no carro ou vou-te dar”.
6. No interior do veículo, o arguido AA desferiu socos na face e na cabeça de KK.
7. Porque a ofendida se recusou a desbloquear o seu telemóvel, o arguido AA, utilizando o mesmo, golpeou a ofendida KK na cabeça.
8. No local da prática dos factos, o arguido GG permaneceu no interior do veículo automóvel, não deixando a ofendida JJ sair e tirou-lhe o telemóvel.
9. Apenas os arguidos AA e DD saíram do carro.
10. O arguido AA agarrou o cabelo da ofendida KK enquanto a arguida DD o cortava.
11. Quando deixou JJ em casa, o arguido AA devolveu-lhe o telemóvel.
B) FUNDAMENTAÇÃO DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL:
O tribunal apreciou o conjunto da prova produzida, nos termos do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal que, ressalvados os casos de prova vinculada, confere ao julgador poderes de livre apreciação, o que quer dizer que esta é avaliada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção de quem decide.
(…)
O arguido AA prestou declarações sobre os factos, no início e no final da audiência de julgamento, sendo que apenas neste último momento expressou arrependimento e descreveu a sua conduta como muito grave. Globalmente, descreveu os factos muito vagamente, com muita ligeireza, procurando minimizar e desculpabilizar a sua atuação e reduzir tudo ao desentendimento entre a ofendida KK e a arguida DD, acentuando a culpa e a responsabilidade desta.
A arguida DD não prestou declarações sobre os factos, porém no final da audiência de julgamento, com notória ira e exaltação, quis esclarecer que não o fez para não ser obrigada a incriminar o pai do seu filho e imputar-lhe factos de extrema gravidade, declarações a que o arguido AA reagiu de igual forma, dizendo que não quer mais conversas com a DD, acusando-a de nem sequer conseguir assegurar o sustento do filho de ambos, afirmação que acentuou a raiva da arguida, prosseguindo os arguidos num crescendo de acusações mútuas e exaltação, obrigando à intervenção disciplinadora do tribunal.
O arguido GG também não prestou declarações sobre os factos.
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Não convenceu o arguido AA quanto ao arrependimento expresso.
A mera admissão da prática dos factos não determina necessariamente a verificação de arrependimento e a sua demonstração não depende apenas da correspondente expressão verbal (neste sentido, o acórdão da Relação de Évora de 14/01/2014, processo 7/11.2GBPTM.1, pesquisado em www.dgsi.pt), mas sim, além do mais, do conteúdo dessa declaração, concretamente na medida em que evidencia interiorização do desvalor da conduta e o claro propósito de não repetir as práticas delituosas.
Este juízo cabe, em nosso entender, ao julgador, no âmbito da livre apreciação da prova (artigo 127º do Código de Processo Penal).
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A factualidade assente resulta essencialmente da conjugação dos depoimentos das testemunhas KK e JJ, ofendidas, por isso com conhecimento direto.
Destaca-se o depoimento da ofendida KK, claro, preciso e isento de contradições ou incongruências suscetíveis de abalar a sua credibilidade, descrevendo de forma logica e cronológica a dinâmica da ação, tal como se mostra descrita nos factos assentes. Demostrando rigor e isenção, confirmou ter realizado uma publicação provocatória no Instagram, com um comentário desagradável, de uma foto da arguida DD com o cabelo cortado, referindo que terá sido o próprio arguido AA quem lho cortou, no âmbito de uma discussão grave que terá mesmo dado origem a uma acusação por crime de violência doméstica pelo qual o arguido viria efetivamente a ser condenado, o que este não negou.
Descreveu a forma como foi atraída ardilosamente pelos arguidos, fazendo eles intervir a sua amiga JJ, ao veículo automóvel da DD, que conduzia o mesmo, a intimidação, mediante a exibição de objeto em tudo semelhante a uma arma de fogo, as agressões físicas, a subtração do seu telemóvel e a deslocação até ao local isolado onde foi novamente agredida por todos os arguidos, cortando-lhe a arguida DD cerca de 60 centímetros de cabelo, deixando-o bastante curto, o que é claramente visível nas fotografias de folhas 515-516, após o que se puseram em fuga, deixando-a sozinha e ferida.
Referiu, em conformidade com as regras de experiência comum, as dores que sofreu, o medo e receio pela sua integridade física e pela sua vida e a profunda humilhação, em consequência da ação dos arguidos, versão sustentada também pelo depoimento das testemunhas NN e OO, militares da GNR que compareceram no local, encontrando a ofendida nervosa, assustada, apresentando hematomas na face e o cabelo cortado, sendo o local isolado, mal iluminado
Questionada sobre se a ofendida JJ estava efetivamente subjugada pelos arguidos, respondeu que assim lhe pareceu, uma vez que, quando chegaram ao referido local isolado, a arguida DD ordenou-lhe que ficasse no carro e disse-lhe: se contares, vais parar ao hospital.
O depoimento da testemunha JJ sustenta a versão da ofendida KK, com algumas variações, nomeadamente no que respeita à afirmação de que o arguido GG permaneceu no carro com ela, entendendo-se como mais credível a versão da ofendida, que afirmou que o GG também lhe bateu, sendo que se mostra mais razoável, à luz das regras de experiência comum, que todos os arguidos participassem, até porque a ofendida referiu que, a certa altura, o AA estava a filmar o ato, dizendo: corta mais, DD, pelo que certamente a colaboração do GG terá sido necessária.
Não considerou o tribunal provado que a ofendida JJ tenha sido forçada a entrar no automóvel da arguida DD porque o arguido AA lhe apontou à cabeça o objeto em tudo semelhante a uma arma de fogo, desde logo considerando as regras de experiência comum, uma vez que a ofendida estava convencida de que iriam jantar ao ..., pelo que não havia razão para não entrar no carro de livre vontade.
Explicou a testemunha JJ que só voltou a contactar a ofendida KK no dia seguinte, o que se estranha, porque eram amigas e aquela sabia em que circunstâncias aquela se encontrava, sozinha, de noite, ferida, num local isolado, porque estava apavorada, tendo sido ameaçada pelo arguido AA quando a deixou em casa, o que também se aceita como razoável, até porque esta ofendida assistira aos factos, ficando com a clara noção do que os arguidos eram capazes.
O depoimento desta testemunha foi marcado por grande nervosismo e claramente, relutância em narrar os acontecimentos, o que também nos causou estranheza, porém impõe-se não perder de vista que o aludido depoimento foi prestado via Webex a partir da sua residência, onde estava atenta à sua filha, com problemas de saúde graves, o que pode explicar a falta de firmeza e assertividade.
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As lesões sofridas pela ofendida KK e as consequências das mesmas resultam da prova pericial consubstanciada no relatório de exame médico legal de folhas 680, conjugado com a ficha de urgência emitida pelo ..., junta a folhas 37 e seguintes.
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Do teor do documento de folhas 163 resulta que o veículo automóvel ..-V.-.. é propriedade da arguida DD e o relatório de exame pericial de folhas 608 conclui que os vestígios hemáticos detetados numa t-shirt abandonada no local, tendo a ofendida afirmado que a agarrou e guardou, pertencem à arguida DD, pelo que, se dúvidas houvesse sobre a participação desta na prática direta dos factos, estariam afastadas.
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O valor do telemóvel da ofendida KK resulta do teor dos documentos juntos a folhas 117 a 120 dos autos, importando considerar que o franco suíço corresponde a 1,04 €.
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De referir que se desconhecem as características do objeto identificado na acusação como semelhante a arma de fogo, ou pistola, que não foi objeto de exame, pelo que não é possível concluir, e a acusação efetivamente não conclui, embora tenha daí extraído consequências, que se trate de uma arma de fogo.
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Atendeu-se aos certificados de registo criminal juntos a folhas 572 a 579 relativamente às anteriores condenações dos arguidos AA e DD e à inexistência das mesmas no caso do arguido GG.
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A factualidade assente relativamente às condições pessoais resulta do teor dos relatórios sociais juntos a folhas 843 e seguintes (arguido AA), 851 e seguintes (arguida DD) e 861 e seguintes (arguido GG), que a restante prova não infirmou, conjugados, no caso da arguida DD, com o depoimento da testemunha PP, amiga de longa data, que a descreveu como pessoa íntegra, não agressiva, de bons valores e princípios, em quem deposita toda a confiança, boa mãe, referindo que a mesma tem uma grande mágoa do arguido AA por ter vivido com ele uma relação difícil.
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Os factos não provados resultam claramente da insuficiência da prova produzida nos autos e em audiência de julgamento para os demonstrar com certeza e segurança.
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Os meios de prova que não foram especificados nesta motivação, não assumiram, em nosso entender, relevância para a descoberta da verdade.”
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IV. Fundamentação
Como acima se enunciou, os recorrentes elencaram diversos fundamentos para os seus recursos, que deverão ser apreciados segundo a ordem de precedência que legal e logicamente lhes cabe, começando-se pelos que podem determinar a anulação do julgamento e eventual reenvio (nulidades da decisão), seguidos daqueles que podem determinar a alteração da matéria de facto (erros de julgamento) e, finalmente, as questões de direito suscitadas, designadamente, no que se refere ao preenchimento dos ilícitos criminais considerados na decisão recorrida e à escolha e determinação da medida das penas.
iv.1. Da alegada deficiência da gravação da prova
Nas conclusões 6ª a 8ª do respetivo recurso, o recorrente AA alegou que “o depoimento da Ofendida JJ, encontra-se total ou parcialmente impercetível, porquanto, prestado através da plataforma WEBEX”, sendo “impossível, em sede recursiva, perceber o que a ofendida JJ estava a dizer em grandes segmentos do seu depoimento”, concluindo, em consequência, que “a audiência de julgamento ocorrida no dia 06/02/2023 é inválida, por se verificar a irregularidade da deficiente gravação da prova, mormente, do depoimento da ofendida JJ, susceptível de afectar o valor do acto e, por isso, reconduzível ao n.º 2, do art.º 123.º, do CPP, devendo ser ordenada a repetição do julgamento”.
No parecer apresentado, disse, a propósito, o Exmo Procurador-Geral Adjunto: “Constitui, finalmente, surpresa, relativamente à outra invocada nulidade, que nenhum outro sujeito processual haja diagnosticado a limitação técnica das gravações ou registos áudio, mas sempre se dirá que, sendo uma eventual violação de lei, competia ao interessado, tempestivamente, tê-la arguido, em requerimento autónomo e perante o Tribunal recorrido, o que inocorreu, com a inevitável sanação (arts 118º,1, e 120º, CPP)- cfr Ac. UJ 13/14 -, além de que se prevaleceu o recorrente da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia, ao recorrer e transcrever substanciais passagens do registo de gravação “anómalo” (art 121º, 1, c), CPP)”.
Vejamos, então.
Quanto à questão suscitada, importa ter em conta que, nos termos previstos no artigo 363º do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei nº 48/2007, de 29 de agosto, as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na ata, sob pena de nulidade, sendo a documentação efetuada, em regra, através de registo áudio ou audiovisual, como resulta do disposto no artigo 364º do mesmo Código.
Não pode, assim, existir qualquer dúvida quanto à obrigatoriedade da documentação das declarações prestadas oralmente na audiência e quanto à consequência jurídico-processual para o caso da não documentação - que é a nulidade.
Todavia, apesar de a obrigatoriedade da documentação das declarações prestadas em audiência se mostrar instrumental à garantia da efetiva possibilidade de recurso em matéria de facto, a respetiva falta não constitui um vício da decisão, mas antes um vício do procedimento. Por isso, não são aplicáveis, no caso, as regras relativas às nulidades da sentença (que são apenas as previstas no artigo 379º do Código de Processo Penal), mas sim as regras gerais fixadas nos artigos 118º e ss. do Código de Processo Penal.
Não pode, por outro lado, deixar de se atender o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 13/2014, de 03.07.20144, que fixou jurisprudência com o seguinte sentido:
«A nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efetiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada».
Como se escreveu na fundamentação desta decisão uniformizadora, cuja clareza dispensa comentários adicionais:
6.2. O legislador construiu o sistema de vícios dos atos processuais atribuindo o carácter absoluto ou insanável a casos que enumera de forma taxativa. Constituem nulidades insanáveis, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais, as constantes do elenco do artigo 119.º
O que significa que as situações que não se encaixem na lista que o legislador concebeu não sejam nulidades com essa natureza.
Ora, o artigo 363.º, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, dispõe que «as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na ata, sob pena de nulidade».
6.3. Tem-se entendido que à omissão da documentação em ata das declarações oralmente prestadas em audiência deve ser equiparada a documentação de tal forma deficiente que impeça a captação do sentido das declarações gravadas, pois, em tal caso, é como se não tivesse havido registo do depoimento5.
É deficiente a documentação que não permita ou impossibilite a captação do sentido das palavras dos declarantes.
Deve, pois, considerar-se que também constitui a nulidade prevista no artigo 363.º uma documentação que não satisfaça a finalidade visada pela norma que é, justamente, a de permitir impugnar perante um tribunal superior a decisão proferida sobre matéria de facto6.
[…]
6.4. Não se tratando de nulidade elencada no artigo 119.º nem sendo expressamente classificada como insanável, pela própria norma, a nulidade prevista no artigo 363.º é, pois, uma nulidade sanável que deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina dos artigos 120.º e 121.º
Por outro lado, é consubstanciada por um vício procedimental cometido durante a audiência.
Com efeito, a omissão da gravação ou a deficiência equiparável a falta de gravação ocorrem na audiência.
Não se trata, por conseguinte, de uma nulidade da sentença. Nulidades da sentença são só as previstas no n.º 1 do artigo 379.º e só para estas, compreensivelmente, está previsto um regime especial de arguição em recurso (artigo 379.º, n.º 2).
As demais nulidades devem ser arguidas, em requerimento autónomo, perante o tribunal onde foram cometidas, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 120.º, ou, na falta de norma especial, no prazo geral de 10 dias indicado no artigo 105.º, n.º 1.
Hoje em dia não nos parece sequer concebível a hipótese de o interessado assistir à prática da nulidade - para efeitos de a arguir nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 120.º -, a pressupor que, contra lei e à vista de todos os intervenientes processuais, a audiência decorresse sem que, na sala, existissem quaisquer equipamentos adequados à gravação magnetofónica ou audiovisual ou houvesse funcionário a redigir o auto.
O vício da falta de documentação das declarações prestadas oralmente na audiência tem, pois, de ser arguido perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, dirigido ao juiz do processo, no prazo geral de 10 dias, a partir do momento em que dele se toma conhecimento.”
Decorre deste entendimento, naturalmente, a responsabilização dos interessados em interpor recurso da decisão em acautelar a obtenção dos suportes técnicos contendo as gravações e o controlo da respetiva qualidade, sendo que, se a deficiência for detetada em momento próximo à audiência de julgamento, ou mesmo enquanto esta ainda se encontra a decorrer, é possível ultrapassar tal nulidade, diligenciando-se pela repetição da inquirição, na medida em que se mostre necessária (já que a repetição do ato é, em regra, o modo de ultrapassar a nulidade, como decorre do disposto no artigo 122º, nº 2 do Código de Processo Penal).
O mencionado AUJ 13/2014 teve, precisamente, tais circunstâncias em conta, concluindo que uma tal exigência não se mostra desproporcionada e não é suscetível de por em causa o direito de defesa do arguido, considerando, designadamente, que: “O propósito da lei não pode ter sido outro que não o de permitir o controlo tempestivo da percetibilidade da gravação pelos sujeitos processuais interessados e, desse modo, criar as condições de um regime eficaz e célere de suprimento de vícios da documentação de declarações orais.
Como se observou no acórdão deste Tribunal de 24/02/2010 (Processo n.º 628/07.8S5LSB.L1.S1):
«É evidente a intenção do legislador, com a nova redação do artigo 101.º, e nomeadamente do seu n.º 3, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de permitir às partes o acesso atempado à documentação da audiência para que elas possam exercer um controlo tempestivo e permanente (sobretudo no caso de audiências repartidas em várias sessões) sobre os vícios que essa documentação possa conter, em ordem à sua pronta reparação.
«Porém, dando-lhes acesso imediato à documentação atribui-lhes concomitantemente a responsabilidade de um controlo em tempo oportuno dos vícios. O interessado deverá, pois, solicitar atempadamente cópia das gravações e proceder de imediato à audição das mesmas. Caso o não faça, adota um procedimento negligente que não recebe proteção legal.
«E esta interpretação não é inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, dado que não lhe é negado, nem restringido o acesso à documentação da audiência; pelo contrário, esse acesso com o novo regime processual é mais extenso e rápido. É certo que simultaneamente o arguido fica obrigado a um dever de diligência no controlo da documentação, mas tal não é incompatível com os direitos de defesa, que se exercem necessariamente dentro de um quadro legal de regras e deveres processuais.»”
E, mais adiante ainda, “como se reconheceu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 326/2012, num regular funcionamento das coisas, quando careça de tais elementos, o interessado terá, no máximo, o prazo afetado em 48 horas, «este encurtamento do prazo útil - supondo, o que não é necessariamente certo, que a indisponibilidade temporária dos elementos pretendidos equivalha à inutilização desse tempo para assegurar o recurso - não o reduz a ponto de afetar a exigência constitucional de que o processo assegure todas as garantias de defesa, incluindo o recurso (artigo 32.º, n.º 1, da CRP)».
Aí se adverte de que «é por referência a este significado constitucional, de um processo penal orientado para a defesa em que ao arguido não sejam colocados entraves a que possa defender a sua posição e contrariar a acusação e atacar a sentença condenatória, em matéria de direito e de facto, que há-de ser perspetivado o problema das repercussões das diligências necessárias a obter a reprodução dos registos de prova no prazo de recurso. O que a garantia constitucional exige é que o arguido não seja posto, em termos de disponibilidade de elementos, de tempo e de circunstâncias em que tais elementos lhe são fornecidos, em situação que lhe não permita uma opção esclarecida e eficaz quanto ao âmbito da impugnação da decisão condenatória (ou à defesa da decisão absolutória). Não decorre dela a incolumidade dos prazos fixados pela lei ordinária. O que o arguido não pode é ficar privado de obter os elementos que entenda necessários, permanecer na incerteza acerca do momento em que lhe são fornecidos ou a disponibilização destes consumir parte substancial do prazo de modo a que deixe de ser idóneo para uma opção e preparação refletida da motivação de recurso».
Para, em síntese, se afirmar que, «deste modo, face aos atuais prazos de recurso em processo penal e ao regime de disponibilização de cópias dos registos de prova gravada, que consomem, na pior das hipóteses dois dias desse prazo, não pode concluir-se que a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 411.º do CPP, interpretada no sentido de que o prazo para a interposição de recurso, onde se impugne a decisão da matéria de facto cujas provas produzidas em audiência tenham sido gravadas, [se conta] sempre a partir da data do depósito da sentença na secretaria, e não a partir da data da disponibilização ao arguido dos suportes materiais da prova gravada, ainda que estes tenham sido diligente e tempestivamente requeridos por este último - por os considerar essenciais para o cabal exercício do direito de defesa mediante, se diligentemente facultados pelo tribunal, viole a exigência de que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso».
6.7. Da conjugação das normas dos artigos 101.º, n.º 3, e 364.º, n.º 1, resulta que, sempre que for realizada gravação, o sujeito processual interessado pode requerer a entrega de uma cópia facultando ao tribunal o suporte técnico necessário, devendo o funcionário entregar uma cópia, no prazo de quarenta e oito horas. Nessa altura, o sujeito processual fica em posição de poder verificar a regularidade da gravação e invocar qualquer deficiência7.
Por isso, o referido prazo de 10 dias para arguir a nulidade da falta de documentação das declarações prestadas oralmente na audiência deve contar-se a partir da data da sessão da audiência em que tiver sido efetuada a gravação deficiente, sendo nele descontado o período de tempo que decorrer entre o pedido da cópia, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efetiva satisfação desse pedido pelo funcionário (por lei, quarenta e oito horas).
Neste sentido, já se pronunciou o referido acórdão deste Tribunal de 23/11/2011 (processo n.º 161/09.3GCALQ.L1.S1). Ponderando-se que, uma vez decorridas quarenta e oito horas sobre o termo do ato em que houve gravação das declarações orais, o sujeito processual interessado pode exigir a entrega de uma cópia, facultando ao tribunal o suporte técnico necessário, ficando, nessa altura, em posição de poder verificar a regularidade da gravação e invocar qualquer deficiência e porque, «de acordo com o disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 25 de Fevereiro, que, regulando o registo da prova em processo civil, se aplica analogicamente ao processo penal, nos casos omissos, em conformidade com o disposto no artigo 4.º do CPP, a falta de gravação, ou a sua deficiência, implica a repetição da parte omitida, desde que “essencial ao apuramento da verdade” e essa repetição deve ser feita o mais rapidamente possível, sem afetação de direitos processuais, até porque em processo penal a celeridade constitui garantia de defesa com assento constitucional (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição), o referido prazo de 10 dias para arguir a nulidade deve contar-se a partir da data da sessão da audiência em que tiver sido efetivada a gravação deficiente, sendo nele descontado o período de tempo que decorrer entre o pedido da cópia, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efetiva satisfação desse pedido pelo funcionário».
Também na posição sustentada por Paulo Pinto de Albuquerque8, a nulidade sana-se se não for tempestivamente arguida, contando-se o prazo de dez dias a partir da audiência acrescido do tempo que mediou entre a entrega do suporte técnico pelo sujeito processual interessado ao funcionário e a entrega da cópia do suporte técnico ao sujeito processual que a tenha requerido. Se a audiência de julgamento se prolongar por várias sessões, o prazo conta-se a partir de cada sessão da audiência, acrescido do tempo que mediou entre a entrega do suporte técnico pelo sujeito processual interessado ao funcionário e a entrega da cópia do suporte técnico ao sujeito processual que a tenha requerido.
Oliveira Mendes9, em comentário ao artigo 363.º, adverte que, «quanto à deficiente documentação, ou seja, a documentação que não possibilite, no todo ou em parte, a captação das declarações oralmente prestadas em audiência, há que considerar duas situações possíveis».
«Caso a deficiência da documentação impeça a captação do sentido das declarações prestadas, deve ser equiparada à falta de documentação, visto se tratar, verdadeiramente, de uma documentação inexistente ou ineficaz. A nulidade daí resultante, como o conhecimento da deficiência só se torna possível ao sujeito processual com o acesso ao suporte técnico, deverá ser arguida no prazo de dez dias contados da data em que ao sujeito processual tenha sido entregue o respetivo suporte técnico, caso haja sido requerida a sua entrega - artigo 101.º, n.º 3; caso não tenha sido requerida a entrega do suporte técnico aquele prazo conta-se a partir da data do termo ou encerramento da audiência em que foi efetuada a deficiente documentação.
«Diferente será, porém, a situação em que se verifique deficiência menor, que não inviabilize a perceção do significado das declarações oralmente prestadas. Neste caso estamos perante mera irregularidade. Como o conhecimento da deficiência, como atrás referimos, só se torna possível ao sujeito processual com o acesso ao suporte técnico, o prazo de três dias para arguir a irregularidade - parte final do n.º 1 do artigo 123.º - iniciar-se-á com a entrega do respetivo suporte técnico, caso a mesma haja sido requerida; caso não tenha sido requerida a entrega do suporte técnico aquele prazo conta-se a partir da data do encerramento da audiência em que foi efetuada a deficiente documentação das declarações oralmente prestadas.
6.8. Reconhecendo-se, como se reconheceu, que o acesso à gravação da prova produzida em audiência é indispensável ao exercício do direito ao recurso em matéria de facto, a imposição de que o interessado proceda ao controlo da qualidade dessa gravação, por via do procedimento instituído pelo n.º 3 do artigo 101.º, nada tem de ilegítimo por não prejudicar o “acesso ao direito” (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República) nem comportar qualquer prejuízo do “direito ao recurso” (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República).
Na verdade, particularmente no caso do arguido, a adoção desse procedimento não só não afeta as garantias de defesa como é o que melhor observa as exigências de celeridade processual, compreendidas como uma das garantias do processo criminal (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República).
Conclui-se, assim, na sequência de tudo o exposto, que a nulidade a que se refere o artigo 363.º deve ser arguida, perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias (artigo 105.º, n.º 1), a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, sendo nele descontado o período de tempo que decorrer entre o pedido da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efetiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º”
No caso, consta da ata da 3ª sessão da audiência de julgamento, ocorrida em ........2023 (refª Citius 426913813), que a testemunha JJ, prestou depoimento através da plataforma Webex, estando o mesmo «gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15:44:41 horas e as 16:29:15 horas e as 16:37:11 horas e o seu termo pelas 17:07:45 horas». Nesta diligência estiveram presentes, entre outros, o arguido AA e o seu Ilustre defensor.
Mostram ainda os autos que, lido publicamente o acórdão condenatório em 07.11.2023 (refª Citius 430120218), nessa mesma data foram disponibilizadas aos Ilustres mandatários todas as gravações das várias sessões da audiência de julgamento, por só nessa data terem sido solicitados (cf. termo com a refª Citius 430135054).
E o que não resulta dos autos: que em momento algum, no decurso do julgamento, nomeadamente após a prestação do depoimento da testemunha JJ, tenha sido invocada, pelo recorrente ou por qualquer outro sujeito processual, a deficiência da respetiva gravação ou a sua ininteligibilidade – seja na audiência, seja nos 10 dias que se lhe seguiram.
Concluímos, pois, que o recorrente AA, dispondo de tempo bastante para o efeito, não veio arguir a deficiência daquela gravação, apenas invocando tal circunstância nas alegações de recurso apresentadas em 13.12.2023, ou seja, em data em que tal eventual nulidade há muito se mostrava sanada.
Note-se que, de acordo com o que consta dos autos, a gravação produzida no julgamento foi disponibilizada ao recorrente em 07.11.2023 (repetimos: porque só então foi solicitada), pelo que, mesmo aceitando-se que, em ato seguido à prestação do depoimento, não se tenha certificado da respetiva percetibilidade, o que é facto é que, desde então e até ao encerramento da audiência de julgamento, dispôs de inúmeras oportunidades para se inteirar do estado em que se encontrava a gravação.
Mesmo que o prazo de 10 dias se contasse desde a data da leitura e depósito do acórdão (07.11.2023), na perspetiva de que, só após tomar conhecimento da decisão final, estaria em condições de equacionar a necessidade de interpor recurso e, portanto, de obter tais gravações (o que, como decorre do que acima se referiu, não corresponde à jurisprudência fixada no AUJ 13/2014), ainda assim seria a referida arguição de nulidade claramente extemporânea – não podendo, por isso, ser conhecida por este Tribunal.
Em todo o caso, sempre se dirá que, ouvida a gravação das declarações prestadas pela testemunha JJ, muito embora se reconheça que está longe de ser perfeita (designadamente, pela existência de «ruídos parasitas»), ainda assim, é percetível o respetivo conteúdo, em termos de possibilitar o adequado escrutínio do que foi declarado – como, aliás, resulta claro do recurso interposto pelo arguido AA, que transcreveu extensamente tais declarações.
Improcede, pois, este fundamento do recurso.
iv.2. Da falta de fundamentação/exame crítico da prova
Invoca o recorrente AA a nulidade da decisão recorrida, argumentando para o efeito que “o Tribunal a quo não especifica em termos minimamente aceitáveis o motivo pelo qual entendeu que as declarações do arguido/recorrente em determinados segmentos é desprovidas de credibilidade sejam por si sós, sejam por confronto com a restante prova existente no processo e produzida em audiência de julgamento, tal como não especifica ou concretiza, de modo suficientemente claro e objectivo, o motivo pelo qual deu credibilidade aos depoimentos das ofendidas, contraditório entre si em vários segmentos e cuja apreciação critica coloca em crise a prática do crime de roubo pelo recorrente”. Sustenta, por isso, que ocorre falta de exame crítico da prova, não sendo percetível o modo como o Tribunal recorrido adquiriu a sua convicção quanto aos factos dados como provados.
Vejamos.
Em conformidade com o disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal, é nula a sentença “Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 389º-A e 391º”.
O artigo 374º do Código de Processo Penal, por seu turno, abrange uma ampla consignação de deveres que recaem sobre o julgador, em sede de fundamentação da convicção e de enquadramento jurídico, no que concerne a três instâncias decisórias, que constituem em grande medida a sentença que terá de ser proferida a final. Pese embora tais deveres se mostrem interligados (dada a sede em que têm de ser cumpridos, isto é, no texto decisório que põe termo à causa), a verdade é que se distinguem entre si.
Assim, determina o artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Tal preceito traduz a consagração legal da imposição constante do artigo 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são, sempre, fundamentadas (nos termos definidos por lei).
Como tem jurisprudencialmente vindo a ser entendido, de modo pacífico, o dever de fundamentação da decisão traduz-se em assumir uma síntese intelectualmente honesta e suficientemente expressiva do resultado do exame contraditório sobre as distintas fontes de prova. Pela fundamentação decisória o juiz presta conta aos destinatários da sentença do veredicto que emana, denotando o seu verdadeiro perfil. O juiz examina a prova e depois manifesta uma opção de sentido e valor, e essa tarefa não dispensa que ao fixar os seus elementos de convicção o faça de forma clara, em vez de, materialmente, descrever, mas, antes, convencer, não «ad pompam», em puras e absurdas exibições de banal «erudição de disco duro», por isso a fundamentação decisória se reconduz a uma exposição tanto quanto possível completa , porém concisa das razões de facto e de direito – artigo 374º, nº 2 , do Código de Processo Penal - contrariada, vezes sem conta, espelhando uma alongada reprodução da matéria de facto, que exige e só um trabalho de síntese, de seleção, conexo e explicativo do processo decisório, dispensando a enumeração pontual, à exaustão das fontes em que o julgador se ancorou.10
O dever de fundamentação em matéria de facto mostrar-se-á cumprido quando do texto da decisão se depreenda, não apenas a matéria de facto provada e não provada (sujeita a enumeração, ou seja, com indicação dos factos um a um), mas também a expressa explicitação do porquê dessa opção (decisão) tomada, o que se alcança através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, isto é, dando-se a conhecer as razões pelas quais se valorou ou não valorou as provas e a forma como estas foram interpretadas11.
A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projeção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor, e motivos que determinaram a decisão; em outra perspetiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos - para reapreciar uma decisão, o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19.12.201912.
Como se escreveu neste aresto, «O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que, em tal exame crítico, estejam exteriorizadas as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. O que não se exige, na fundamentação da decisão fáctica (quer na enunciação das provas produzidas, quer no exame crítico das mesmas), é uma qualquer operação épica, em que o juiz tenha de expor, um a um, passo por passo, com inteiro detalhe, todo o seu percurso lógico dedutivo. Não se exige, pois, que o juiz explane todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenvolveu a dinâmica dos factos em determinada situação, e, muito menos, que o juiz equacione todas as possibilidades (muitas delas até desrazoáveis, e, mesmo, absurdas) suscitadas, ao sabor das suas conveniências, pelos diferentes sujeitos processuais.
Também não se exige ao juiz que, de forma exaustiva e meramente descritiva, referencie e analise todas as declarações e todos os depoimentos, e, depois disso, vá ainda, facto a facto, pormenor a pormenor, circunstância a circunstância, explicar onde foi retirar a prova de cada um deles. Exige-se, isso sim (mas é coisa diferente), a enunciação, especificada, dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, a referência à credibilidade que os mesmos mereceram ao tribunal, e o exame do seu valor e relevância probatórios, permitindo-se, assim, no contexto ambiental, de espaço e de tempo dos factos delitivos em apreço, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum.»
Na verdade, a motivação da decisão de facto, seja qual for o conteúdo que se lhe dê, não pode ser um substituto do princípio da oralidade e da imediação no que tange à atividade de produção da prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe refletir nela exaustivamente todos os fatores probatórios, argumentos, intuições, etc., que fundamentam a convicção ou resultado probatório - cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.06.199913.
«Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respetivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão.
Como se decidiu por ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.10.2007 (proc. 07P1779), a fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
A integração das noções de «exame crítico» e de “fundamentação” de facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.» - cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.201614.
Assim, mantendo presente o que acima se deixou dito quanto às características que deve revestir a fundamentação da matéria de facto: ou seja, uma justificação tanto quanto possível completa, mas concisa, que se cumpre num ... de economia argumentativa onde a explicitação do juízo decisório deve ser sintética, ao invés de exaustiva, sem usar mais argumentos do que os necessários para dizer o que é essencial – espera-se, pois, uma fundamentação razoável, mas estritamente suficiente, para cumprir o parâmetro legal da concisão – importa confrontar o paradigma legal com a concreta fundamentação plasmada na decisão sob recurso (que acima se deixou transcrita).
E, neste âmbito, tem de dizer-se que o acórdão recorrido cumpre, de modo suficiente, as exigências constantes dos normativos legais: a fundamentação oferecida é concisa, mas permite, quer aos respetivos destinatários principais (os arguidos), quer ao Tribunal de recurso, compreender que elementos probatórios sustentam a convicção formada quanto aos factos, mais elucidando por que razão a narração do arguido AA não convenceu o Tribunal recorrido – ou, melhor dito, em que medida a prova produzida permitiu ultrapassar a presunção de inocência de que beneficiam todos os arguidos.
A exaustividade reclamada pelo recorrente não é, como cremos que resulta claro, quer do texto da lei, quer da recolha jurisprudencial acima exposta, um requisito da fundamentação adequada e suficiente.
Muito embora se possa discordar da fundamentação exposta (e o recorrente claramente discorda), não pode seguramente afirmar-se que o Tribunal a quo não tenha indicado os elementos de prova em que se ancorou para dar como provados (e não provados) os factos relevantes para a decisão, nem tão pouco afirmar que não tenham sido oferecidos fundamentos para a valorização de uns em detrimentos de outros.
O mais que possa dizer-se quanto à qualidade da fundamentação releva, não da respetiva ausência, mas de eventual erro de julgamento – do que se cuidará em seguida.
É, pois, evidente que não se verifica a nulidade invocada pelo recorrente AA.
iv.3. Do alegado erro de julgamento
Nas respetivas alegações sustenta o recorrente AA ter sido mal apreciada a prova produzida em julgamento, designadamente, no que se reporta ao crime de sequestro que tem por vítima JJ, e no que se refere ao roubo do telemóvel da ofendida KK. Insiste em que as suas declarações não foram adequadamente valoradas e que foi violado o princípio in dubio pro reo.
O recorrente GG, por seu turno, muito embora não faça menção de recorrer em matéria de facto, não deixa de referir que “a testemunha [JJ] não goza de credibilidade, não devendo o tribunal socorrer-se das suas declarações para formar a sua convicção, como fez”.
No parecer apresentado, sustentou o Exmo Procurador-Geral Adjunto, por um lado, que “mais do que identificar vícios estruturais, de lógica jurídica, decorrentes do próprio texto recorrido (art 410º,2, CPP) ou do desfasamento da efectiva prova pré-adquirida ou produzida em Audiência (art 412º,3, ,CPP), o que move o recorrente [AA] é a sua íntima e subjectiva divergência de aferição probatória com a convicção dos Julgadores, pretendendo sobrepor ao órgão decisor jurisdicional a sua interpretação e valoração da prova, quando a eleita pelo Tribunal Colectivo se fundou num escrutínio exigente e partilhado, através dum “iter” lógico-dedutivo e indutivo, ancorados nas regras da normalidade das coisas e da racionalidade (art 127º, CPP), constituindo a percepção do sujeito processual (recorrente) uma mera alternativa interpretativa, mas processualmente inócua, atenta a razoabilidade do processo de formação da convicção do Tribunal recorrido, largamente motivado e objectivado, “ad nauseam”, diríamos, sem que tenha remanescido a menor réstia de incerteza, superadas com a prova alcançada (art 355º, CPP)”, e, por outro lado, que “não impugnando [o recorrente GG] a matéria de facto, com ela se resignando, não a pode agora controverter e debater, mais ainda quando ela se ancorou num escrutínio crítico do acervo probatório, que habilitou a construção da convicção final firmada (arts 127º e 355º; CPP), revestida de inegável plausibilidade”.
Vejamos.
Como resulta do disposto no artigo 428º, nº 1, do Código de Processo Penal, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, do que decorre que, em regra e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respetivos poderes de cognição.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, no que se denomina de «revista alargada», cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar15, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento16, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412º, nos 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal, caso em que a apreciação se alarga à análise da prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, só podendo alterar-se o decidido se as provas indicadas obrigarem a decisão diversa da proferida [assim não podendo fazer-se caso tais provas apenas permitam uma outra decisão, a par da decisão recorrida - neste último caso, havendo duas, ou mais, possíveis soluções de facto, face à prova produzida (o que sucede, com algum grau de frequência, nomeadamente nos casos em que os elementos de prova recolhidos são totalmente opostos ou muito contraditórios entre si), se a decisão de primeira instância se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções face às regras de experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, pois tal decisão foi proferida de acordo com as imposições previstas na lei (artigos 127º e 374º, nº 2 do Código de Processo Penal), inexistindo assim violação destes preceitos legais] – cf., por todos, o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 02.11.202117.
Quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto na modalidade ampla, as conclusões do recurso, por força do estabelecido no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, têm de descriminar:
a) Os concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cf. artigo 430º do Código de Processo Penal).
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nos 4 e 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal), salientando-se que o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão nº 3/2012, publicado no Diário da República, Iª série, Nº 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no sentido de que, «visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações».
As menções feitas nas alíneas a), b) e c) dos nos 3 e 4 do referido artigo 412º estão intimamente relacionadas com a inteligibilidade da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão fáctica.
A reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão.
Na verdade, o que decorre dos requisitos legais supra apontados é algo simples – cabe ao recorrente enunciar qual a factualidade concreta que se mostra mal apreciada e discutir os diversos segmentos probatórios que, no seu entender, deveriam fundar uma diversa apreciação relativamente a tais pontos de facto.
Efetivamente, não basta afirmar sumariamente que A. ou B. disse isto ou aquilo, que não corresponde ao que foi dado como assente; necessário se mostra que o recorrente, com base nesses elementos probatórios, os discuta face aos restantes e demonstre que o raciocínio lógico e conviccional do Tribunal a quo se mostra sem suporte, na análise global a realizar da prova, enunciando concretamente as razões para tal.
Deste modo, o que é pedido ao recorrente que invoca a existência de erro de julgamento é que aponte na decisão os segmentos que impugna e que os coloque em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas (se tal for o caso), quais os documentos que pretende que sejam reexaminados, bem como quaisquer outros concretos e especificados elementos probatórios, demonstrando com argumentos a verificação do erro judiciário a que alude.
No caso, não só o recorrente AA não indicou, nas conclusões do seu recurso, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (antes se referindo, genericamente, à matéria relativa ao sequestro de JJ e ao roubo do telemóvel de KK), como, no que se refere aos meios de prova suscetíveis de impor decisão diversa, tendo procedido, na motivação, à transcrição de alguns depoimentos, nunca se mostrou capaz de estabelecer qualquer relação entre o conteúdo específico de cada meio de prova, ou conjugação de meios de prova, e o facto individualizado que considera incorretamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal, a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida – a demonstração desta imposição compete também ao recorrente.
Com efeito, nem na motivação de recurso (corpo da mesma), nem nas respetivas conclusões, o recorrente AA estabelece a relação entre os concretos segmentos dos depoimentos (que não indicou) e o específico ponto ou pontos de facto provados que, por este meio, almeja alterar, antes os convocando de forma global e genérica e insistindo em que a negação (parcial) dos factos pelo arguido deveria ter determinado o Tribunal recorrido a considerar tais condutas não provadas. Sendo que, apesar de qualificar as declarações das duas ofendidas como «contraditórias», nunca esclareceu que concretas (e relevantes) contradições surpreendeu nos respetivos depoimentos.
Já o recorrente GG não indicou, em momento algum, que factos consideraria incorretamente julgados ou quais as provas suscetíveis de impor decisão diversa da que foi tomada, limitando-se a tecer considerações sobre a credibilidade de uma testemunha.
Ora, não sendo o recurso um novo julgamento, mas um mero instrumento processual de correção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada pelo recorrente, é patente a necessidade de impugnação especificada com a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, em termos de a prova produzida, as regras da lógica e da experiência comum, imporem diversa decisão18.
Não tendo cumprido qualquer dos recorrentes (nas conclusões ou sequer no corpo da motivação, realça-se pela repetição) o ónus de impugnação especificada a que estavam vinculados, não pode este Tribunal da Relação conhecer dos respetivos recursos no que se refere à impugnação ampla da matéria de facto, e defeso estava fazer-lhes convite para aperfeiçoamento (nesta parte), pois trata-se de deficiências da estrutura da motivação, equivalentes a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito dos recursos, procedimento que equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso – neste sentido, vd. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.10.200419, e os acórdãos do Tribunal Constitucional nos 259/2002, de 18.06.2002, e 140/2004, de 10.03.2004, ambos consultáveis em www.tribunalconstitucional.pt.
Assim, não tendo qualquer dos recorrentes cumprido o ónus imposto no artigo 412º, nº 3, alíneas a) e b) e nº 4, este Tribunal ad quem não pode reexaminar amplamente a matéria de facto fixada pelo Tribunal recorrido, apenas podendo atender ao texto da decisão recorrida (onde, aliás, estão suficiente e logicamente indicados, de forma bastante, os elementos de prova onde foi baseada a convicção).
Não obstante, o que realmente resulta, desde logo, das conclusões de ambos os recursos, é a divergência entre a convicção pessoal dos recorrentes sobre a prova produzida em audiência e aquela que o Tribunal firmou sobre os factos, o que se prende com a livre apreciação da prova consagrada no artigo 127º do Código de Processo Penal, cumprindo não olvidar, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum.
Tal livre apreciação da prova, não é livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinam uma convicção racional, objetivável e motivável. Não significando, porém, que seja totalmente objetiva pois, não pode nunca dissociar-se da pessoa do juiz que a aprecia e na qual “(…) desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais (...)”20.
O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis.
Num primeiro aspeto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a determinado meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correção do raciocínio que há de ancorar-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão «regras da experiência».
Tal não significa que a apreciação, eminentemente subjetiva, conducente a conferir maior ou menor credibilidade a um depoimento, seja insindicável, pois ao julgador é imposto o dever de explicitar as razões da sua convicção pessoal, na fundamentação da decisão, isto é, que revele não só os motivos por que certo depoimento mereceu maior credibilidade do que outro, mas também que explicite o raciocínio lógico que utilizou na apreciação global e lógica de toda a prova no cumprimento do dispõe o nº 2 do artigo 374º, do Código de Processo Penal.
E se os critérios subjetivos expressos pelo julgador se apresentarem com o mínimo de consistência para a formulação do juízo sobre a credibilidade dos depoimentos apreciados e, com base no seu teor, alicerçar uma convicção sobre a verdade dos factos, para além da dúvida razoável, tal juízo há de sempre sobrepor-se às convicções pessoais dos restantes sujeitos processuais, como corolário do princípio da livre apreciação da prova ou da liberdade do julgamento.
Por isso ao tribunal superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respetiva produção, nomeadamente, no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório e publicidade, verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. E só em caso de inexistência de provas, para se decidir num determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica) cometida na respetiva valoração feita na decisão da primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do artigo 431º do Código de Processo Penal.
No caso, verdadeiramente, nenhum dos recorrentes apontou qualquer indício concreto de que se tenha verificado erro de julgamento (v.g., que as testemunhas indicadas na fundamentação da decisão não tenham dito o que se deu como provado, ou que não tivessem conhecimento direto dos factos que referiram, nos termos em que tal razão de ciência lhes foi reconhecida). Limitaram-se a dizer que, na sua opinião, as declarações do arguido AA, por um lado, e os depoimentos das ofendidas, por outro, ao fim e ao cabo, as mesmas provas tidas em conta pelo Tribunal a quo, deveriam tê-lo levado a considerar os factos da acusação parcialmente não provados.
Procedeu este Tribunal ad quem à audição da gravação da audiência e, na medida em que tal meio permite avaliar a prova produzida, não se vê razão para afastar a convicção exposta pelo Tribunal a quo quanto à factualidade em discussão.
Desde logo, ouvidas as declarações prestadas pelo arguido AA, que foi lacunar no seu depoimento, admitindo apenas o que não teria meio de negar (a agressão à ofendida KK – ainda assim, alijando a respetiva execução para a arguida DD) -, e produzindo afirmações que não resistem ao confronto com os depoimentos das duas ofendidas, não temos dúvidas em subscrever a convicção do Tribunal recorrido, no sentido de não se mostrar aquele credível, nomeadamente, no distanciamento dos factos que pretendeu patentear, mostrando-se tal relato, além do mais, desconforme com as regras da experiência comum.
Em sentido inverso, a ofendida KK – sem branquear a sua responsabilidade nas circunstâncias que desencadearam a fúria da arguida DD, e, por arrastamento, dos demais arguidos – descreveu de forma clara e lógica, os acontecimentos da noite de ........2020, explicando a intervenção de cada um dos arguidos23, no essencial em conformidade com o que foi dado como provado. Não teve esta ofendida qualquer hesitação ao referir que o arguido AA lhe tirou o telemóvel, o que só logrou dado o temor sentido pela ofendida, que se encontrava à sua mercê e cuja integridade física já havia sido atingida, não deixando a mesma de referir que tal objeto não lhe foi restituído. E, no seu depoimento, referiu – e reiterou – que a também ofendida JJ lhe pareceu «apavorada», que «tinha medo deles», mais expressando ser para si claro que não estava com eles.
JJ, por seu turno, prestou depoimento que confirma, no essencial, o relato de KK, e, adicionalmente, esclareceu os factos que apenas a ela dizem respeito e aos quais não assistiu a outra ofendida, a saber: as circunstâncias em que veio a achar-se no interior do veículo conduzido pela arguida DD e a exigência que lhe foi imposta para que contactasse KK e a convencesse a descer à rua. Esta ofendida foi clara quando referiu que só aceitou acompanhar os arguidos porque teve medo, uma vez que o arguido AA lhe exibiu um objeto que identificou como uma arma de fogo. E também explicou que o seu telemóvel – depois de ter contactado KK – ficou sem bateria, e foi por isso que não lhe foi retirado pelos arguidos, mas também não poderia utilizá-lo para pedir ajuda.
Esta testemunha confirmou também que o arguido AA lhe disse para ficar calada, e não contar nada do que se havia passado (o que este arguido confirmou ter feito).
Ao contrário do pretendido pelos recorrentes, não se identificam nos depoimentos das duas ofendidas contradições insanáveis (e os recorrentes também não esclareceram em que se consubstanciariam tais contradições), antes se mostrando os respetivos relatos coerentes entre si, com ligeiras discrepâncias, atribuíveis aos diferentes modos de narrar e ao modo como se fixam as memórias em cada ser humano, não se podendo constituir, sem mais, como indício de falsidade.
Como repetidamente se disse já em inúmeras decisões dos Tribunais Superiores em recursos sobre matéria de facto, é errado pretender-se que o Tribunal de julgamento está preso às palavras proferidas pelos declarantes e testemunhas, absorvendo-as qual esponja, para as verter do mesmo modo na decisão. Assim não acontece. Assim não deve acontecer, precisamente porque, como cremos que resulta claro do que acima se expôs quanto ao princípio da livre apreciação da prova, que rege a operação de determinação dos factos posta a cargo do julgador, o seu adequado uso implica uma apreciação crítica do conjunto da prova produzida, de modo a dela extrair, do modo mais fiel possível, a verdade material, processualmente válida24. Nesta operação, o Tribunal não está vinculado à estrita literalidade das palavras proferidas, antes podendo (e devendo) retirar dos relatos perante si produzidos todo o respetivo conteúdo útil, apreciado à luz das regras de experiência.
Uma convicção solidamente fundamentada não exige uma concordância absoluta de toda a prova produzida, e também não exige a respetiva «perfeição». É função do julgador interpretar todos os contributos probatórios perante si trazidos, tomando em conta não só o que é dito, mas também o modo como é dito, e, além disso, avaliar, na medida do possível, todas as circunstâncias suscetíveis de intervir na genuinidade dos depoimentos, distinguindo indícios de falsidade de quaisquer outras (compreensíveis) emoções humanas.
Lida a decisão recorrida (e a respetiva fundamentação) – e ouvida a prova produzida no julgamento – é de considerar que, de acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, é razoável o entendimento do Tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto.
Não vemos, em face do modo como foi exposta a fundamentação apresentada na decisão recorrida que o Tribunal a quo tenha feito mau uso do poder-dever de livre apreciação da prova ao não se deixar enredar no depoimento impreciso e contrário às regras de experiência comum prestado pelo arguido AA (e, sobretudo, ao não se convencer da irrelevância criminal dos comportamentos descritos pelas ofendidas).
Na verdade, o que se observa na decisão recorrida é que o Tribunal a quo procedeu a uma cuidadosa análise de todos os elementos de prova disponíveis, conjugando-os entre si, e destacando, naturalmente, a credibilidade que lhe mereceram as declarações da ofendida KK, que, como ali se refere, prestou depoimento «(…) claro, preciso e isento de contradições ou incongruências suscetíveis de abalar a sua credibilidade, descrevendo de forma logica e cronológica a dinâmica da ação, tal como se mostra descrita nos factos assentes», salientando-se que a mesma «descreveu a forma como foi atraída ardilosamente pelos arguidos, fazendo eles intervir a sua amiga JJ, ao veículo automóvel da DD, que conduzia o mesmo, a intimidação, mediante a exibição de objeto em tudo semelhante a uma arma de fogo, as agressões físicas, a subtração do seu telemóvel e a deslocação até ao local isolado onde foi novamente agredida por todos os arguidos, cortando-lhe a arguida DD cerca de 60 centímetros de cabelo, deixando-o bastante curto, o que é claramente visível nas fotografias de folhas 515-516, após o que se puseram em fuga, deixando-a sozinha e ferida », e mais destacando que tal «versão [foi] sustentada também pelo depoimento das testemunhas NN e OO, militares da GNR que compareceram no local, encontrando a ofendida nervosa, assustada, apresentando hematomas na face e o cabelo cortado, sendo o local isolado, mal iluminado», mais relevando que, relativamente à ofendida JJ, a mesma lhe pareceu efetivamente subjugada pelos arguidos, tendo-lhe sido ordenado que permanecesse no carro e dito «se contares vais parar ao hospital».
Procedeu, igualmente, o Tribunal a quo a uma apreciação crítica do depoimento da ofendida JJ, destacando a declaração da mesma de que «estava apavorada, tendo sido ameaçada pelo arguido AA quando a deixou em casa, o que também se aceita como razoável, até porque esta ofendida assistira aos factos, ficando com a clara noção do que os arguidos eram capazes». Evidencia-se que o coletivo julgador foi cauteloso na avaliação que fez de tal depoimento – o que determinou que alguns dos factos que respeitavam a esta ofendida tivessem sido dados como não provados, por não se ter considerado inequívoca a respetiva demonstração, no que constitui um exercício de operatividade do princípio in dubio pro reo, que não vemos razão para censurar.
É uma apreciação subjetiva da prova, que resulta da imediação e da oralidade, que só seria afastada se os recorrentes demonstrassem que a apreciação do Tribunal a quo não teve o mínimo de consistência. O que não é o caso, porque só sabemos que os recorrentes, se fossem o julgador, não teriam, por um lado, dado credibilidade às declarações da ofendida JJ e, por outro, teriam alicerçado a convicção nas declarações de AA, interpretando de modo diverso a prova produzida em julgamento.
O Tribunal a quo fundamentou de modo razoável e suficiente a sua convicção, com enquadramento no artigo 127º, do Código de Processo Penal. Lida a decisão (e a respetiva fundamentação), é de considerar que, de acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, é razoável o entendimento do Tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto.
As provas existem para a decisão tomada e não se vislumbra qualquer violação de normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica). O Tribunal a quo apreciou criticamente todas as provas produzidas, conjugadas entre si e com as regras de experiência comum, conforme consta da respetiva fundamentação de facto, aceitando que a prova não foi de sentido único, mas avaliando de forma conjugada, de par com a normalidade das reações humanas, todos os elementos de prova de que podia dispor e deles extraindo uma convicção segura quanto à matéria que lhe cabia apreciar.
Os recorrentes não concordam. Porém, a fundamentação da convicção do Tribunal, em conjugação com a matéria de facto fixada, não revela que seja notoriamente errada, ilógica ou contrária às regras da experiência comum. Podemos, pois, concluir, que o Tribunal a quo, imbuído da imediação, explicitou as razões da sua convicção, de forma lógica e global, com o mínimo de consciência para a formulação do juízo sobre a credibilidade dos depoimentos apreciados e, com base no seu teor, alicerçar uma convicção sobre a verdade dos factos.
No acórdão recorrido estão devidamente explicitados os motivos por que foram valoradas positivamente determinadas provas e desconsideradas outras, sendo perfeitamente inteligível o itinerário cognoscitivo que conduziu à convicção do julgador e os meios de prova em que foi alicerçada essa convicção – convicção que o Tribunal recorrido alcançou e exprimiu, nos termos que supra se transcreveram, através do privilégio da imediação e da oralidade, não havendo qualquer indício de que tenha sido erradamente valorada ou interpretada tal prova.
O exame que o Tribunal a quo fez da prova produzida, para além de evidenciar com clareza a caminho seguido pelo Tribunal na formação da sua convicção, mostra-se também feito com respeito pelas regras da experiência comum e da normalidade da vida e dos critérios da racionalidade e da lógica.
Ora, como expressamente resulta do disposto no artigo 412º, nº 3, alíneas a) e b), e nº 4 do Código de Processo Penal, quanto à impugnação da matéria de facto, para além da especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, deve o recorrente indicar ainda as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. Esse desiderato não se alcança com a mera formulação de opiniões quanto à clareza ou precisão do que foi dito, na medida em que tais elementos possam permitir diferentes conclusões – só se atinge com a indicação das provas que impõem, que obrigam a decisão diversa.
Conforme se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 01 de abril de 200825: “Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente.
As provas que impõem decisão diversa são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que, tendo-o sido, ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida.”
Da análise do conjunto das provas produzidas em julgamento, resulta evidente que inexiste qualquer prova que obrigasse a decisão diferente da proferida pelo Tribunal a quo, mostrando-se a decisão de facto devida e claramente fundamentada, estando suportada pela prova produzida, criticamente analisada pelo Tribunal, nos termos constantes da motivação da decisão de facto.
Argumenta o recorrente AA que o Tribunal “decidiu tendo por base factos, que para além de não provados, alguns deles nem sequer foram alegados”, e que tal “faz com que seja patente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada no acórdão recorrido”. Mas não esclareceu que factos seriam esses que nem sequer foram alegados – e este Tribunal ad quem também não logrou identificá-los.
E também não indicou que matéria careceria de ter sido apurada, sendo certo que os factos dados como provados se mostram mais do que suficientes para a decisão de direito alcançada.
Mais alega, este recorrente, que “o Tribunal recorrido formou a sua convicção com base em presunções que violam o princípio da livre apreciação da prova e das regras de experiência comum” (conclusão 28ª), e que “o acórdão recorrido, afirmando fixados, por presunção natural, factos que nem estão indiciados por quaisquer factos base, nem decorrem, por raciocínio lógico, da aplicação aos factos base de quaisquer regras de experiência, importa uma dimensão materialmente inconstitucional do artigo 127º do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que a livre convicção do julgador é suficiente para – sem prova direta, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência – adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, sem fazer apelo ao peso específico das presunções, que devem ser «graves, precisas e concordantes»” (conclusão 33ª).
Porém, uma vez mais, não indicou que factos teriam sido dados como provados com base em «presunções naturais» - e o que se observa na decisão recorrida é que todos os factos objetivos foram apurados com recurso a prova direta: as testemunhas que os presenciaram reportaram-nos na audiência de julgamento. Os únicos factos assentes em dedução lógica extraída pelo Tribunal são os que respeitam ao elemento subjetivo – o conhecimento da proibição e a vontade livre e determinada de atuar em desconformidade ao direito – o que se compreende, atenta a ausência de confissão.
Ora, no que se reporta à utilização de presunções judiciais, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar em diversas ocasiões, nomeadamente no Acórdão nº 521/201826, com referência a outras decisões daquele mesmo Tribunal, do qual citamos: “[…] no que respeita ao conceito de presunções judiciais, não existe no Código de Processo Penal qualquer menção expressa ao mesmo. A referência legal ao conceito de presunções pode ser encontrada no Código Civil, cujo artigo 349.º as define como «ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».
[…]
A solidez do raciocínio probatório não é uma função da tipologia da prova, senão da verosimilhança dos factos e da validade das inferências deles extraídas. Nesta medida, só perante os contornos do caso concreto e os elementos probatórios disponíveis no processo se poderá aferir da maior ou menor força dos meios de prova diretos e indiretos que se tenham produzido, nada obstando à prevalência de uns sobre os outros e mesmo à possibilidade de uma prova indireta constituir fundamento suficiente para a demonstração judicial da verdade. Indispensável é que a prova indireta atinja o limiar de certeza exigível para uma condenação em processo penal.”
Subscrevemos, na íntegra, a posição expressa.
O recorrente AA, embora insurgindo-se contra a apreciação (da prova) pelo Tribunal a quo, não esclareceu, como já acima se disse, que factos teriam, em seu entender, sido apurados com recurso a prova indireta. E, como também já referimos, apenas vislumbramos que pudesse querer referir-se aos factos demonstrativos da verificação do elemento subjetivo dos crimes pelos quais veio a ser condenado.
Como também já se mencionou, o conhecimento e a intenção correspondem a factos subjetivos que – a não ser que ocorra confissão – apenas são percecionáveis pelos próprios agentes, pelo que a respetiva prova está dependente das inferências que possam extrair-se dos aspetos objetivos em que se materializa a ação, através do significado que tais atos têm na respetiva comunidade social.
Ora, quer a intenção, quer a motivação, como conclusões de direito que são, não podem fazer-se derivar, imediatamente, da prova, mas deduzir-se dela, na medida em que sejam mera consequência ou prolongamento da mesma. Trata-se de factos, que não deixam de o ser, mas que assumem uma particular especificidade, na medida em que constituem realidades do foro psíquico, logo internos do sujeito. Tais factos não se comprovam em si próprios, mas mediante ilações, retiradas face aos atos e às circunstâncias concretas do seu cometimento27.
No caso, face aos atos que se provou terem sido praticados pelos arguidos, inexistem dúvidas quanto aos propósitos que os animaram: a sua atuação concertada teve como efeito a privação temporária da liberdade de locomoção quer de JJ (que foi impedida de abandonar o veículo, vendo-se forçada a acompanhar os arguidos), quer de KK (que foi obrigada a entrar no veículo e transportada para lugar ermo, onde foi agredida e humilhada). Não é crível que qualquer dos arguidos ali presentes não se apercebesse da situação criada, e tendo nela persistido, é evidente que o fizeram com vontade livre e esclarecida – conclusão que é alcançada sem esforço e sem qualquer viés de raciocínio.
É verdade que o arguido AA alegou que se encontrava subordinado ao desejo de vingança da arguida DD, e que o arguido GG invocou estar subjugado à vontade do arguido AA, que idolatrava.
Porém, como acima se referiu, os atos praticados pelo arguido AA (tal como descritos pelas ofendidas), não deixam dúvidas quanto ao conhecimento que não podia deixar de ter do respetivo significado e do mal que causava, independentemente dos motivos que o levaram a agir (seja o puro e simples desejo de fazer mal às ofendidas, seja o desejo de lhes fazer mal, nomeadamente à ofendida KK, para agradar à sua, então, companheira). Já o arguido GG, faz apelo a factos que não estão provados, que não foram mencionados no julgamento e que, por assim ser, nunca poderiam sustentar a convicção do Tribunal (adiante nos pronunciaremos sobre o tipo de comparticipação criminosa a considerar, já que se trata de matéria de direito).
Finalmente, no que se refere à apropriação do telemóvel da ofendida KK – já se disse que esta ofendida confirmou a ocorrência de tais factos, nos termos em que foram dados como provados – e deles se pode concluir que o arguido AA não podia ignorar que tal objeto não lhe pertencia e que o mesmo não lhe foi oferecido pela ofendida, e que, apesar disso, quis tirar-lho, sabendo que lhe foi entregue porque a ofendida a isso se viu constrangida pela violência. Mais uma vez, inexiste qualquer desconformidade com a lógica ou as regras de experiência comum, sendo de aceitar o raciocínio probatório seguido pelo coletivo julgador.
Alegou o recorrente AA que, face à prova produzida, o Tribunal deveria ter permanecido na dúvida quanto aos factos ocorridos, o que imporia a respetiva absolvição, em obediência ao princípio in dubio pro reo.
Ora, a propósito do princípio in dubio pro reo28, há a dizer que o que dele resulta é que quando o tribunal fica na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto, deve daí retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido, quer na instrução, quer no julgamento.
Mas, para que a dúvida seja relevante para este efeito, há de ser uma dúvida razoável, uma dúvida fundada em razões adequadas e não qualquer dúvida (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, p. 205)29.
Como se escreveu no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 10.01.201830, “O princípio da presunção de inocência, na verdade, é um dos princípios fundamentais em que se sustenta o processo penal num Estado de Direito. Assumido como um dos princípios estruturantes no âmbito da prova, nomeadamente no domínio da questão de facto, o princípio in dubio pro reo além de ser uma garantia subjetiva «é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa» (Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, 2007, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 518-519). O que está em causa neste princípio é, na persistência de uma dúvida razoável após a produção de prova em relação a factos imputados a um suspeito, um comando dirigido ao tribunal para «atuar em sentido favorável ao arguido» (cf. Figueiredo(...), Direito Processual Penal, 1981, pp. 215).”
No âmbito da apreciação da prova, interessa não tanto excluir qualquer possibilidade abstrata, matemática, de os factos terem decorrido de forma diversa da narrativa acusatória, mas antes ponderar as várias hipóteses factuais plausíveis, alternativas à hipótese probanda, à luz da experiência comum e do normal acontecer das coisas, de forma a ajuizar se alguma delas fica em aberto.
Não está aqui em causa a questão do estalão (standard) da prova em processo penal, o mesmo é dizer, o limiar mínimo de certeza quanto ao facto probando para que este deva ser dado como provado − e, assim, tomado por verdadeiro − pelo tribunal de julgamento. É pacífico que esse estalão corresponde a uma convicção para além de toda a dúvida razoável, sendo por isso incompatível com a afirmação de meros indícios ou com a subsistência de qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões válidas. Assim é, por imposição do princípio da presunção de inocência, senão também como decorrência do princípio da culpa – nullum crimen sine culpa –, enquanto fundamento axiológico e limite absoluto da punição criminal (cf. Acórdão TC nº 521/2018, já citado).
Como se ponderou no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 10.01.2018, suprarreferido, “a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica.
O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto, estando umbilicalmente ligado, limitando-o, ao princípio da livre apreciação – a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; e o princípio «in dubio pro reo» impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável. De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido – cfr. acórdão do STJ de 2/5/1996, CJ/STJ, tomo II/96, pp. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspetivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.”
Sublinhamos, a este respeito, que a seleção da perspetiva probatória que favorece o acusado só se impõe quando, esgotadas todas as operações de análise e confronto de toda a prova produzida perante o julgador, apreciada conjugadamente entre si e em conformidade com as máximas de experiência, a lógica geralmente aceite e o normal acontecer das coisas, subsista mais do que uma possibilidade de igual verosimilhança e razoabilidade.
Ora, mau grado o esforço argumentativo desenvolvido pelo recorrente, não é o que se passa no caso dos autos – como, de resto, resulta claro da fundamentação exposta pelo Tribunal a quo.
A violação do princípio in dubio pro reo tem sempre que ser aferida em concreto, porque só em concreto pode acontecer que, no final da produção da prova, no tribunal permaneça alguma dúvida importante e séria sobre o ato externo e a culpabilidade do arguido. Tal aferição não pode ser feita em abstrato, dizendo-se que a admissão deste ou daquele tipo de prova viola este princípio. Se as provas levadas em conta forem legais, só em concreto se pode aferir se o tribunal ficou, ou devia ter ficado, com dúvidas relevantes.
Assim, só haverá violação do mencionado princípio quando, perante uma dúvida inultrapassável sobre factos essenciais para a decisão da causa, venha o julgador a decidir em desfavor do arguido. Tal não ocorreu, manifestamente, no caso dos autos, mostrando-se a factualidade julgada provada estribada em prova produzida em julgamento e em consonância com essa prova. Não vislumbramos no acórdão recorrido, quer na matéria de facto julgada provada, quer na sua fundamentação, que, ao fazer esta opção fáctica, o Tribunal a quo tivesse tido qualquer hesitação quanto à valoração da prova, não se vislumbrando também que, na concreta situação dos autos, devesse ter tido qualquer dúvida.
A argumentação do recorrente a este respeito assenta, apenas, na sua convicção de que as declarações das ofendidas, por provirem das ofendidas, nunca seriam bastantes para alicerçar a convicção positiva do Tribunal, devendo conduzir a um estado de dúvida inultrapassável. Mas não é assim.
Inexiste qualquer capitis deminutio associada à qualidade de ofendida – e, como se disse, os relatos das ofendidas são coerentes entre si, e apoiados por elementos circunstanciais, além de conformes com as regras da experiência comum, inexistindo motivo para suspeitar da respetiva genuinidade.
Já vimos que a prova existe – e o Tribunal recorrido, manifestamente, não ficou na dúvida quanto aos factos que considerou provados – e não se vê que devesse ter ficado.
Assim, mostrando-se a opção fáctica feita pelo Tribunal a quo baseada em prova produzida em julgamento e à qual o Tribunal atribuiu credibilidade e verosimilhança, nenhum reparo merece a decisão recorrida, sendo evidente que nenhum dos recorrentes indicou prova que obrigasse a decisão diferente da adotada. Acresce que, para além da dúvida razoável, tal juízo há de sempre sobrepor-se às convicções pessoais dos restantes sujeitos processuais, como corolário do princípio da livre apreciação da prova ou da liberdade do julgamento.
O mais que se pudesse dizer a este respeito tem a ver com a apreensão da realidade pelo juiz do julgamento que, como se disse, tem o benefício da imediação, teve as pessoas na sua frente, pode ver o modo como falaram, a expressão que tinham no olhar, a postura, os gestos, a latência no discurso e todos os demais aspetos que não transparecem num gravação audio, que é o que o Tribunal de recurso tem à sua disposição.
Deste modo, mostrando-se a opção fáctica feita pelo Tribunal a quo baseada em prova produzida em julgamento e à qual o Tribunal atribuiu credibilidade e verosimilhança, nenhum reparo merece a decisão recorrida.
Consequentemente, inexistindo qualquer erro de julgamento ou qualquer violação do princípio in dubio pro reo, impõe-se manter a matéria de facto nos precisos termos fixados pela 1ª instância.
Improcedem, pois, os recursos no que toca à impugnação da matéria de facto.
*
Em derradeira nota, quanto a esta questão, cabe dizer que nem o Tribunal a quo, nem este Tribunal ad quem, acolheu a interpretação normativa sugerida pelo recorrente AA, no sentido de que “a livre convicção do julgador é suficiente para – sem prova direta, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência – adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, sem fazer apelo ao peso específico das presunções, que devem ser «graves, precisas e concordantes” – sentido normativo que não teve, nem tem, aplicação no caso.
Assim, a circunstância de não ser perfilhada a interpretação a que o recorrente alude, faz com que se mostre prejudicada a necessidade deste Tribunal tomar posição quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada pelo arguido.
iv.4. Dos alegados erros de direito
iv.4.1. do crime de sequestro simples
Os recorrentes AA e GG alegam, nos respetivos recursos, que a JJ não foi privada da sua liberdade e que, na verdade, participou voluntariamente nos factos levados a cabo pelos arguidos, pelo que deveria ser considerada sua coautora (ou cúmplice), e não vítima de um crime de sequestro – do qual ambos reclamam ser absolvidos.
Comecemos pelos conceitos.
A propósito do recorte típico do crime de sequestro, previsto no artigo 158º, nº 1 do Código Penal, ensina Paulo Pinto de Albuquerque31, que «o bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade de movimento de outra pessoa, no sentido mais amplo da liberdade de deslocação atual ou potencial e de auto ou heterodeslocação», consistindo o respetivo tipo objetivo «na privação absoluta da liberdade de movimentação de outra pessoa», e tratando-se de «um crime de execução livre, admitindo «qualquer forma» adequada a privar da liberdade (…). Estão, pois, incluídas a ameaça e a violência física e psíquica, bem como o ardil, a fraude e a astúcia».
Mais refere o mesmo autor que, «Tratando-se de um crime de resultado, aplica-se a teoria da adequação do resultado à conduta. Ao testar esta adequação, o tribunal deve ter em conta as características psíquicas e físicas da vítima, com vista a determinar se o meio utilizado para limitar a liberdade da vítima era idóneo para esse efeito.
O crime consuma-se com o início da privação da liberdade e o flagrante delito mantém-se enquanto se mantiver a privação da liberdade. Trata-se de um crime permanente. Por outro lado, o tipo fundamental depende de uma duração mínima da privação da liberdade. A privação da liberdade pode durar apenas minutos, desde que seja suficientemente intensa para não poder ser considerada como socialmente adequada».
Ora, face à inalteração da matéria de facto provada, resulta claro que JJ foi efetivamente privada pelos arguidos da sua liberdade de locomoção, na medida em que foi atraída ao exterior da sua casa, com o pretexto de jantar com os arguidos e, uma vez no interior do veículo, foi confrontada com um instrumento que identificou como uma arma de fogo e, por via do temor que lhe foi instilado, viu-se constrangida a contactar a ofendida KK e a manter-se na companhia dos arguidos, enquanto estes se deslocavam para um lugar ermo, onde foi mantida dentro do veículo, não lhe sendo possível ausentar-se do local pelos seus próprios meios. Na verdade, foram os arguidos quem decidiu quando seria a mesma restituída à liberdade.
Vistas estas circunstâncias, não merece qualquer censura a decisão recorrida ao considerar o cometimento pelos três arguidos do crime de sequestro, tendo como vítima JJ – cujo envolvimento nos factos que levaram ao sequestro de KK (cuja verificação nenhum dos arguidos questiona), é qualitativamente diferente do que se observa nos arguidos: os arguidos escolheram praticar os factos, JJ foi obrigada a acompanhá-los e usada para atrair a outra ofendida. Ao contrário dos arguidos, a sua vontade não foi livremente determinada, não podendo afirmar-se que decidiu agir, de forma voluntária e deliberada.
Neste ponto, nada há a alterar na decisão recorrida.
iv.4.2. do crime de roubo
O recorrente AA alegou, ainda, não ter cometido o crime de roubo pelo qual veio a ser condenado.
O êxito da sua pretensão dependia, porém, da alteração da matéria de facto dada como provada, que, como já vimos acima, não é de acolher.
Nestes termos, sabido que é que comete o crime de roubo previsto no artigo 210º, nº 1 do Código Penal, quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir – resulta claro, face à matéria de facto provada, que foi o que sucedeu relativamente ao telemóvel retirado à ofendida KK, sendo para o efeito irrelevante que o arguido o tenha mantido consigo ou entregue a terceiro, posto que o certo é que não foi restituído à sua proprietária.
Como já acima se disse, o arguido sabia que aquele objeto não lhe pertencia e que só lhe foi entregue mediante violência exercida sobre a respetiva dona – e tal conhecimento não o demoveu de agir, querendo efetivamente o resultado que veio a alcançar.
Tal condenação deve, pois, manter-se.
iv.4.3. da comparticipação criminosa
O recorrente GG, sem discutir o recorte típico dos crimes pelos quais veio a ser condenado, invocou no seu recurso não dever a sua participação nos factos qualificar-se como coautoria, mas antes como cumplicidade.
Com tal propósito, sustenta este recorrente que: “não tinha qualquer resultado próprio que pretendesse obter, nem teve um papel determinante para a prática do crime, apenas tendo resultado provado que esteve presente na execução dos factos, participou nalguns deles, mas nunca teve o domínio da conduta ilícita”, que o Tribunal a quo desconsiderou “a circunstância de que o recorrente dependia da aceitação de um dos coarguidos, o que autorizava a convicção de que a sua vontade se mostrava determinada pela relação de subordinação que tinha com o arguido AA”, pelo que conclui que “os factos provados relativamente ao arguido são somente suficientes para integrar o conceito de cumplicidade, já que revelam, de modo bastante evidente, tão-só uma solidarização ativa e ainda o influxo psíquico relativamente à prática dos crimes pelos coarguidos”.
Vejamos, então.
Quanto à coautoria na prática dos factos, há que ter presente quanto se dispõe no artigo 26º do Código Penal, do qual resulta que é punível como coautor quem tomar parte direta na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros.
Importa ressaltar que, tal como se considerou no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20.01.201532 “para verificação de tal execução conjunta não se exige que todos os agentes intervenham em todos os actos delitivos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, destinados a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actividade de cada um dos agentes seja parcela do conjunto da acção, desde que indispensável à produção do fim e do resultado a que o acordo se destina, valendo o princípio da imputação objectiva recíproca, no sentido da imputação da totalidade do facto típico a cada um dos comparticipantes, independentemente da concreta fracção do iter delitivo que cada um haja realizado.”
É este, também, o entendimento sustentado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.06.201233, no qual se refere que, “[s]em divergência a jurisprudência, teorizando sobre a coautoria, define esta como envolvendo um acordo prévio com vista à realização do facto, acordo esse que pode ser expresso ou implícito, a inferir razoavelmente dos factos materiais comprovados, ao qual se pode aderir inicial ou sucessivamente, ou seja já no desencadear da acção típica, não sendo imprescindível que o coautor tome parte na execução de todos os actos, mas que aqueles em que participa sejam essenciais à produção do resultado cfr. Acs. deste STJ de 11.4.2002, P.º n.º 485/02-5.ª, de 24.10.2002, p.º n.º 3211/02-5, de 21.10 2004, P.º n.º 04P3205 e de 08-06-2011, Proc. n.º 1584/09.3PBSNT.S1 - 3.ª Secção.
Essencial no plano objectivo, ainda, que domine funcionalmente o facto, pressuposto que a doutrina alemã, de modo especial por Roxin, tem enunciado no sentido de que o co-autor tem o domínio do facto quando acordou em repartir funções; o autor não é titular do domínio exclusivo do facto, mas também não domina, apenas, a parte do facto que pessoalmente lhe cabe realizar; cada coautor é, sim, cotitular de todo o domínio funcional do facto, solução que se acha também acolhida nos estudos de Welzel, de 1939, Jescheck e Stratenwert, citados por Maria da Conceição Valdágua, in Início da Tentativa do Co-autor, pág.s 26 e 73.
Na coautoria há, pois, um querer do resultado global pelo comparticipante, como próprio, com base numa decisão comum e de forças conjugadas, bastando um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas à luz da experiência comum –
Todo o colaborador é aqui, como parceiro dos mesmos direitos, co-titular da resolução comum para o efeito de realização comunitária do tipo por forma que as contribuições individuais, dos seus comparsas, completam-se em um todo unitário e o resultado total deve ser imputado a todos os participantes, teoriza Wessels, op. cit., 121.
O coautor torna-se senhor do facto, que domina globalmente, tanto pela positiva, assumindo um poder de direcção, preponderante na execução conjunta do facto, como pela negativa, podendo impedi-lo, sem que se torne necessária, para a comparticipação estabelecida, a prática de todos os factos que integram o “iter criminis” (cfr. Dr.ª Maria da Conceição Valdágua, in O Início da Tentativa do Co-Autor, 1985, ..., 155/156 BMJ 341, 202 e segs.).
No plano subjectivo imprescindível à comparticipação como coautor é que subsista a consciência da cooperação na acção comum – cfr., neste sentido, os Ac. deste STJ, de 19.11.2011, P.º n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1.”
Já no que se refere à cumplicidade (cf. artigo 27º do Código Penal), ensina Paulo Pinto de Albuquerque34, que esta «consiste no auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto ilícito doloso. O auxílio moral pode consistir no conselho ou influência do agente, desde que ele já esteja previamente decidido à prática do facto (alias faturus ou omnimodo faturus). Trata-se, portanto, de um mero fortalecimento de uma decisão já tomada pelo autor de cometimento do facto. O auxílio material consiste na entrega de meios ou instrumentos ao autor que favoreçam a realização do facto pelo mesmo. Este favorecimento é valorado ex ante, segundo uma prognose póstuma (nestes exatos termos, acórdão do TRC, de 24.4.2018, in CJ, XLIII, 2, 55), devendo por isso considerar-se como cumplicidade a atividade daquele que entrega um instrumento (ou presta uma informação) necessário para cometer o crime, mas que não é utilizado no momento da prática do crime, por desnecessidade».
Em suma, a cumplicidade traduz-se num apoio doloso à execução do facto doloso do autor, sem que exista domínio material do facto. Nas palavras de Germano Marques da Silva35, a cumplicidade “é pois, uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, secundário num duplo sentido: de dependência da execução do crime e de menor gravidade objectiva, na medida em que não é determinante da prática do crime (o crime seria sempre realizado, embora eventualmente em modo, tempo, lugar ou circunstâncias diversas)”.
Assim, enquanto o autor (ou coautor) tem um papel de primeiro plano, dominando a ação, já que esta é concebida e executada de acordo com a sua vontade, ou com o seu acordo, inicial subsequente, expresso ou tácito, o cúmplice é um interveniente secundário ou acidental, isto é, só intervém se o crime for executado ou tiver início de execução e, além disso, mesmo que não interviesse, aquele sempre teria lugar, porventura em circunstâncias algo distintas. A sua intervenção embora seja concausa do crime praticado não é causal da existência da ação (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11.03.201436).
Traçada a distinção, importa retomar o concreto caso dos autos.
Ora, não tendo sido introduzida qualquer alteração na factualidade dada como provada, nem existindo prova da subalternização reclamada pelo recorrente GG, resulta clara a existência de acordo entre os arguidos, tendo em vista a concretização da vingança pretendida pela arguida DD. E, no plano dos concretos acontecimentos, vemos que os três arguidos, de forma concertada, obtiveram primeiro a «colaboração forçada» da ofendida JJ e foram um busca da ofendida KK, suprimindo-lhe a sua liberdade ambulatória, e, em seguida, agredindo-a, amedrontando-a e humilhando-a. Não é possível duvidar que tal atuação se enquadra na execução de um plano, em que todos os arguidos decidiram colaborar.
E, por outro lado, resulta evidente que ocorreu uma distribuição de tarefas entre estas três pessoas, sendo claramente relevantes todos os apontados contributos para o sucesso do projeto. Tendo em conta as atividades levadas a cabo, é relevante o número de pessoas envolvidas, na medida em que o mesmo se constitui como dissuasor de qualquer reação por parte das ofendidas. Por outro lado, os factos provados dão conta de que, enquanto DD conduzia o veículo, AA e GG agrediram a ofendida KK (sentada entre eles, no banco traseiro do veículo) com socos. E, uma vez chegados ao local destinado pela arguida, todos participaram nas agressões – sendo que ao arguido GG coube, em simultâneo, garantir que JJ se mantinha no interior do carro.
O que se observa, pois, é uma atuação concertada dos três arguidos, no quadro de um plano criminoso do qual todos estavam cientes. Note-se que, como se escreveu no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de ........2012, citando Cavaleiro de Ferreira37, “[o] plano do agente nada mais é do que o projecto do crime quanto à sua execução, que deverá finalizar com a sua consumação. E assim o dolo é incindível, abrangendo tanto o resultado final como o meio e os actos que o devem produzir.”
É, assim, manifesto que os arguidos agiram em coautoria, praticando em conjunto os factos, cada um com a tarefa que lhe coube, devendo o resultado final de tal conjugação de esforços refletir-se nos três de forma igual – que o mesmo é dizer, sendo imputável a totalidade da atuação criminosa a todos e cada um dos arguidos, sendo para o efeito irrelevante que o arguido GG tenha decidido tomar parte nos factos por genuíno desejo de maltratar as ofendidas, ou porque queria agradar ao seu amigo AA – em qualquer dos casos, é dolosa a respetiva atuação.
Diga-se, a propósito da alegação do recorrente GG, que resulta evidente da matéria de facto provada que este manteve, pelo menos em parte o domínio dos factos, desde logo, porque, se tivesse decidido não colaborar, teria sido muito mais difícil aos restantes dois arguidos controlarem ambas as ofendidas. E, por outro lado, estava inteiramente ao seu alcance impedir a consumação dos crimes, designadamente, dando oportunidade às ofendidas de fugirem, o que escolheu não fazer.
E tanto basta para que se conclua pela plena responsabilização de todos os arguidos por todos os factos acontecidos (com exceção do crime de roubo, que implica apenas o arguido AA), atenta a coautoria em que se acham envolvidos, improcedendo o recurso do arguido GG, também nesta parte.
iv.5. Da escolha e determinação da medida das penas
Reclama o recorrente AA a redução das penas de prisão em que foi condenado, argumentando, no essencial, que as mesmas se mostram desajustadas e desproporcionais, sendo suscetíveis de comprometer a respetiva reintegração social.
Cumpre apreciar.
Preliminarmente, importa lembrar, como se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.202138, no que se reporta à decisão sobre a pena, mormente a sua medida, “que os recursos não são re-julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.
Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando deteta incorreções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.”
Neste contexto, é de considerar que só em caso de desproporcionalidade manifesta na sua fixação ou necessidade de correcção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª instância alterando o quantum da pena concreta.
Caso contrário, isto é, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª instância intervir corrigindo/alterando o que não padece de qualquer vício.
A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
O juiz começa por determinar a moldura penal abstrata e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para finalmente escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida, tendo em vista as penas de substituição que a lei prevê.
Estabelece o artigo 71º, nº 1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O nº 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o nº 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjectiva no artigo 375º, nº1, do Código de Processo Penal, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Em termos doutrinais tem-se defendido que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção actuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer39.
No caso dos autos, e a propósito da determinação concreta da pena a impor ao arguido, expendeu o Tribunal a quo:
“É ilícita a ação dos arguidos, pois violou disposições legais e ofendeu os interesses penalmente protegidos da integridade física, liberdade e património individual.
Agiram os arguidos com dolo direto, uma vez que representaram a ilicitude das suas condutas e, não obstante, quiseram empreendê-las (artigo 14º, nº1 do Código Penal).
Atenta a reflexão necessária ao empreendimento da ação, a intensidade do dolo é muito elevada, aparentemente menor no caso do crime de roubo.
O ilícito assume mediana intensidade no que respeita à ofendida JJ, mas, no caso da ofendida KK, assume elevada intensidade, atento o modo de execução, a efetiva agressão física e corte de cabelo e abandono, sem auxílio, de noite, num local isolado e mal iluminado.
São muito elevadas as exigências de prevenção geral.
Não resulta da factualidade assente qualquer fundamento atendível de atenuação da culpa, não podendo como tal ser entendida a raiva da arguida DD perante a publicação feita pela ofendida no Instagram, atenta a elevada censurabilidade ético-jurídica da conduta.
A confissão parcial do arguido AA, não relevante para a descoberta da verdade, não reveste relevo atenuativo significativo por não ter sido acompanhada de arrependimento.
Não obstante o bom comportamento anterior aos factos objeto dos presentes autos, consubstanciado na inexistência de condenações anteriores, importa considerar o percurso posterior do arguido AA, condenado, além do mais, por crimes de natureza semelhante, em pena de prisão efetiva, além do mais, pelo que são de acautelar exigências de prevenção especial de intensidade elevada
(…)
Os arguidos não beneficiam de inserção familiar ou laboral consistente e estável.
Releva quanto ao arguido AA o bom comportamento no estabelecimento prisional, concretamente a dedicação ao trabalho.
*
Ao crime de sequestro simples é aplicável, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade.
O tribunal deve dar preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (conforme artigo 70.º do Código Penal).
Este preceito espelha uma das ideias fundamentais subjacente ao sistema punitivo do nosso Código Penal: a «reacção contra as penas institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido ressocializador que deve presidir à execução das reacções penais»40.
No caso em apreço, ponderando o estatuído no artigo 70º do Código Penal, opta-se pela aplicação de penas privativas de liberdade, por se entender, perante o grau de ilícito e da culpa, que a pena de multa não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição no caso concreto.
*
De harmonia com o plasmado no artigo 40º do Código Penal, a aplicação de uma pena visa a proteção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração social do agente, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa, sendo certo que não se trata de medida exata, situando-se a pena concreta entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), intervindo os outros fins das penas - prevenção geral e especial - dentro daqueles limites (cf. Claus Roxin, in Culpabilidad Y Prevencion en Derecho Penal, pags. 4 a 113).
A determinação da medida concreta da pena será, pois, efetuada segundo os critérios estatuídos no artigo 71° do Código Penal, onde se explicita que a medida da pena se determina em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, no caso concreto, a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente e contra ele.
(…)
Ponderando os aludidos critérios, que resultam da análise supra, os elementos de ilicitude e todo o circunstancialismo apurado, julga-se adequado cominar:
Ao arguido AA:
Por um crime de sequestro simples, a pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
Por um crime de sequestro agravado, a pena de 4 anos de prisão;
Por um crime de roubo simples, a pena de 18 meses de prisão.
(…)
3. Do Cúmulo jurídico:
Estamos perante a prática de diversos crimes, em concurso real e efetivo, pelo que há que proceder à realização do cúmulo jurídico nos termos e para os efeitos do regime consagrado no artigo 77º do Código Penal.
Assim, considerando o estatuído no n.º 2 do citado normativo, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (...) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
A moldura penal abstrata a considerar é, relativamente ao arguido AA, de 4 anos de prisão (pena parcelar mais elevada) a 6 anos e 9 meses de prisão (soma aritmética das penas parcelares);
(…)
Operando o cúmulo jurídico, de harmonia com o disposto no artigo 77º do Código Penal, ponderando conjuntamente a factualidade assente e a personalidade dos arguidos, que flui dos factos provados, julga-se adequado fixar:
Ao arguido AA, a pena única de 5 anos e 3 meses de prisão.”
Não discordamos da fundamentação exposta.
O recorrente AA esteia a sua pretensão quanto à redução das penas aplicadas na afirmação de que será “quase impossível pensar em reintegrar na sociedade uma pessoa que está nos términos de uma pena de prisão em curso e que depois ainda tem que cumprir mais cinco anos e três meses de prisão”, ao que adita que “o recorrente verbalizou e demonstrou mediante este acto confessório o seu total e honesto arrependimento pelos actos que cometeu, expôs de forma completamente voluntária e desinteressada todo o seu envolvimento e o dos coarguidos nos actos de natureza criminógena em investigação”. Conclui, por isso, que “tidas por preenchidas as exigências da atenuação especial da pena deveria o Colectivo, em sede de decisão condenatória, ter atenuado o quantum condenatório do crime em que o condenou”.
A propósito de tal argumentação, há a dizer, por um lado, que não está demonstrada a verificação de qualquer circunstância suscetível de justificar a atenuação especial da pena, não estando, designadamente, provada a existência de especial ascendente da arguida DD sobre o arguido AA e, menos ainda, que se tenha verificado qualquer arrependimento sincero por parte do arguido, sendo a respetiva confissão parcelar (constituindo evidência da tentativa do arguido de se distanciar dos factos, ao invés de reconhecer a sua responsabilidade).
Por outro lado, face à reiteração dos comportamentos criminais do arguido – que regista condenações contemporâneas, pela prática de crimes violentos – é manifesto que inexiste qualquer fundamento para que as penas sejam fixadas em medida inferior, devendo notar-se que todas foram fixadas próximo do respetivo patamar inferior.
E considerada a moldura do concurso – entre 4 anos e 6 anos e 9 meses de prisão – é também claro que a pena única em que foi condenado, de 5 anos e 3 meses de prisão (sem prejuízo da reformulação do cúmulo jurídico a que eventualmente haverá lugar, face ao cometimento de outros crimes antes do trânsito em julgado de todas as condenações), fixada também ela no terço inferior da referida moldura, se mostra inteiramente ajustada.
Conclui-se, pois, que quer as penas parcelares, quer a pena única escolhida pelo Tribunal a quo se mostra fixada com respeito pelos parâmetros legais a que fizemos referência, não tendo sido ignorada nenhuma circunstância relevante, e inexistindo, por isso, motivo para que deva ser alterada por este Tribunal de recurso.
Neste contexto, afiguram-se de subscrever as conclusões alcançadas pelo coletivo de juízes, entendendo-se que a ponderação final de síntese (balanceamento dos vários factores agravantes e atenuantes em presença), foi adequada à execução do crime e à personalidade do arguido.
A fixação da pena abaixo do limiar definido na decisão recorrida, não só não traduz de forma eficaz a censura que deve merecer o comportamento do arguido, como também não se mostra adequada a garantir à comunidade a validade da norma violada. A pena aplicada contém-se dentro dos limites da culpa revelada pelo arguido no cometimento dos factos, não se justificando, pois, qualquer correção da operação de determinação da medida da pena por parte deste Tribunal de recurso.
Também neste aspeto, deve naufragar a pretensão recursória.
iv.6. Da suspensão da execução das penas de prisão
Vem interposto recurso pelo Ministério Público, restrito à questão da suspensão da execução das penas de prisão impostas aos arguidos DD e GG, que reputa injustificada.
Argumenta o Digno recorrente que «considerando a gravidade dos factos, a ausência de reconhecimento do desvalor da conduta e de arrependimento, a ausência de inserção familiar, social e profissional e os antecedentes criminais registados, salvo melhor entendimento, não só a suspensão da execução da pena prisão não realiza de forma adequada e suficiente as exigências de prevenção geral, como não é possível efectuar um juízo de prognose favorável no sentido de que a simples ameaça da prisão será suficiente à ressocialização dos arguidos DD e GG».
Vejamos, então.
Como acima se referiu, no que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1ª instância, envolvendo não apenas a respetiva medida concreta, mas também o seu modo de execução, a intervenção dos Tribunais de 2ª instância deve ser moderada e seguir a jurisprudência enunciada, devendo considerar-se que só em caso de desproporcionalidade manifesta na sua fixação ou necessidade de correcção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª instância alterando o quantum da pena concreta ou o modo de execução da mesma.
Enunciámos já as circunstâncias a ter em conta na escolha e determinação da medida das penas, dando-se aqui por reproduzidas as considerações tecidas supra.
Importa, no que se refere ao recurso interposto pelo Ministério Público, ter presente que, como decorre do estabelecido pelo artigo 50º, nº 1, do Código Penal, a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos é suspensa se o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – tal avaliação corresponde ao exercício de um poder-dever por parte do julgador.
Circunscrevendo-se as penas, de acordo com o citado artigo 40º do Código Penal, à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, é em função de considerações de natureza exclusivamente preventivas – prevenção geral e especial – que o julgador tem de se orientar na opção ora em causa.
Como refere Figueiredo Dias41, pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade».
E acrescenta ainda: para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.
Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto.
Como refere a págs. 344 “A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer “correcção”, “melhora” ou - ainda menos - “metanoia” das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como se exprime Zipf, uma questão de “legalidade” e não de “moralidade” que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na “prevenção da reincidência”.
Adverte ainda o citado Professor42 que apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização – «a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime».
E reafirma que “estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa”.
Como refere Hans Heinrich Jescheck43, «na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se reintegrar na sociedade».
Trata-se de uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança fundada e não uma certeza – assumida sem ausência de risco – de que a socialização em liberdade se consiga realizar, que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência séria e solene e que em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito.
A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos44.
Conforme se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.200345, o instituto em causa “Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.
A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.
A suspensão de execução da pena, enquanto medida com espaço autónomo no sistema de penas da lei penal, traduz-se numa forte imposição dirigida ao agente do facto para pautar a sua vida de modo a responder positivamente às exigências de respeito pelos valores comunitários, procurando uma desejável realização pessoal de inclusão, e por isso também socialmente valiosa”.
A aplicação de uma pena de substituição não é uma faculdade discricionária do tribunal, mas, pelo contrário, constitui um verdadeiro poder/dever, sendo concedida ou denegada no exercício de um poder vinculado.
Como afirmava Figueiredo Dias46, então face ao artigo 48º, nº 1, do Código Penal de 1982, não se trata de mera «faculdade» em sentido técnico-jurídico, antes de um poder estritamente vinculado e portanto, nesta aceção, de um poder-dever.
Como dito, sendo considerações de prevenção geral e de prevenção especial de (res)socialização que estão na base da aplicação das penas de substituição, o tribunal só deve recusar essa aplicação quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente ou, não sendo o caso, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (vd., por todos, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.07.2017, no processo nº 372/16.5JALRA.C1, Relator: Des. Brízida Martins, acessível em www.dgsi.pt, cuja exposição seguimos de perto).
Estando verificado o requisito formal da suspensão da execução da pena (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos), há que indagar se ocorre o respetivo pressuposto material, isto é, se se pode concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, designadamente se bastarão para afastar os arguidos da criminalidade, pois é esta a finalidade precípua do instituto da suspensão.
O Tribunal a quo assim entendeu, considerando para o efeito “[a] ausência e/ou a escassa relevância das condenações anteriores, a circunstância de ter a arguida um filho pequeno, estando o pai, o coarguido AA, preso e, no caso do arguido GG, a menor intervenção na prática dos factos justificam ainda juízo de prognose favorável relativamente a ambos, entendendo-se bastar a censura do facto e a ameaça da pena à realização das finalidades da punição”.
Não obstante, entendeu ainda o Tribunal a quo justificada a imposição aos arguidos de regime de prova, o que justificou nos seguintes termos: “[c]onsiderando a natureza e grau do ilícito, impõe-se que seja a suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos GG e DD acompanhada de regime de prova, nos termos do estatuído no artigo 53º, nº3 e 4 do Código Penal, para cumprimento de plano individual de reinserção, para desenvolvimento de consciência crítica, controlo dos impulsos, desenvolvimento de competências pessoais, inserção laboral estável, manutenção de modo de vida normativo e ainda, no caso do GG, abordagem da problemática aditícia e no caso da arguida DD, exercício consciente e empenhado da maternidade”.
Ou seja, entendeu-se que era ainda possível privilegiar a manutenção dos arguidos em liberdade, criando-lhes instrumentos suscetíveis de obviar à respetiva reincidência. Não discordamos desta perspetiva.
Reconhecemos que a situação dos autos não é daquelas em que o prognóstico quanto ao comportamento futuro dos arguidos é mais animador e menos isento de risco. Não há que ignorar, como não ignorou o Tribunal a quo, a aparente desestruturação da vida de cada um deles, necessariamente impondo dificuldades acrescidas na respetiva ressocialização. Todavia, não podemos qualificar a opção pela suspensão da execução da pena como inteiramente desadequada ao caso ou flagrantemente desconforme com as normas aplicáveis e os princípios que lhes subjazem.
Tendo em conta os moldes em que se desenvolve a operação de escolha e determinação da medida concreta da pena – nos termos que já se deixaram expostos – o que releva em sede de reapreciação pelo Tribunal de recurso não é a medida da pena concreta que este Tribunal ad quem determinaria se procedesse ao julgamento em 1ª instância, mas sim se a operação levada a cabo pelo Tribunal a quo respeitou os parâmetros legais – quer nos diversos aspetos a ter em conta, quer na dosimetria da pena, tendo como pano de fundo a miríade de casos subsumíveis ao tipo legal e o princípio da igualdade, na medida em que o mesmo possa ser atendido – e se a respetiva fundamentação foi exposta de forma adequada e compreensível.
Como previnem Simas Santos e Leal-Henriques47, os recursos são, “face ao ordenamento processual penal vigente, o único meio de por cobro a erros ou vícios de fundo das decisões judiciais penais.
E o Código assume-os como remédios jurídicos, afastando-se, assim, da ideia, presente em muitos sistemas, de que os mesmos constituam meios de refinamento jurisprudencial”.
Perante as considerações tecidas, não pode deixar de considerar-se que o Digno recorrente não tem razão ao acusar o Tribunal a quo de não ter tomado em consideração circunstâncias relevantes, não se afigurando incompreensível ou manifestamente injustificada – à luz dos princípios que se deixaram descritos – a suspensão da execução das penas de prisão impostas aos arguidos DD e GG, acompanhada de regime de prova, o qual, entre o mais, deverá proporcionar aos condenados um acompanhamento próximo no que se refere ao desenvolvimento das competências necessárias ao enraizamento de uma vida conforme ao direito.
Improcede, pois, o recurso, quanto à imposição do cumprimento efetivo das penas de prisão, confirmando-se a sentença recorrida.
iv.7. Do arbitramento de compensação às vítimas
Como acima se referiu todos os arguidos foram solidariamente condenados no pagamento às ofendidas JJ e KK, a título de reparação dos danos resultantes da ação de cada um deles, respetivamente, das quantias de 800,00 € e 10 000,00 €.
Insurge-se o recorrente GG contra tal condenação, por entender que a ofendida JJ “não é vítima, nem vulnerável”, que “o Tribunal a quo baseou a sua decisão em factos errados, e sem qualquer ligação o presente processo, ao dizer que: No caso em apreço, o ofendido esteve privado de liberdade durante mais de dois dias, sem comer, tendo sido agredido várias vezes, resultando dessa ação violenta a fratura de um dente”, mais referindo que “os montantes fixados não são equitativos, pois não se teve em conta a situação económica do arguido GG ou da lesada, nem refletem qualquer dos critérios previstos na lei, mostrando-se desadequados por excessivos e desvirtuando a decisão proferida quando comparados com outras, pois não teve em conta a justa medida do prejuízo.”
Cumpre apreciar.
O Tribunal a quo fundamentou a atribuição de compensação às vítimas tecendo as seguintes considerações: “Em regra, para haver lugar à fixação de indemnização, é necessário que o lesado haja deduzido o correspondente pedido.
No entanto, existem exceções a esta regra, concretamente a estabelecida, com carater genérico, no artigo 82º-A do Código de Processo Penal, para as vítimas de qualquer tipo de crime.
Constitui pressuposto da aplicação deste dispositivo a verificação de particulares exigências de proteção da vítima.
Estabelece o artigo 16º da lei 130/2015, de 04 de setembro: À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. 2 - Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.
E dispõe o artigo 67º-A, nº3, do Código de Processo Penal: 1- Considera-se a) 'Vítima’: A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime; ii) os familiares de uma pessoa cuja morte tenha sido diretamente causada por um crime e que tenham sofrido um dano em consequência dessa morte; b) 'Vítima especialmente vulnerável', a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social; (…)3-As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.
As ofendidas nestes autos são, sem dúvida, vítimas de criminalidade violenta, pelo que estão verificadas as particulares exigências de proteção a que aludem os artigos 82º-A e 67º-A, nº 3 do Código de Processo Penal.
De harmonia com o disposto no artigo 129º do Código Penal a indemnização por perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
Nestes termos, o normativo legal vertido no artigo 483º n.º 1 do Código Civil, por seu turno, impõe a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos, àquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Para que estejamos perante a constituição de uma obrigação de indemnizar é necessário pois, que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, ou seja, o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No caso em apreço, o ofendido esteve privado de liberdade durante mais de dois dias, sem comer, tendo sido agredido várias vezes, resultando dessa ação violenta a fratura de um dente.
Com relevância em sede dos danos não patrimoniais preceitua o artigo 496.º/1 do Código Civil que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Estabelece, ainda, o n.º 3 do mesmo artigo que O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º (…).
A este respeito, escrevem os Professores Doutores Antunes Varela e Pires de Lima (Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1987, 4.ª edição, p. 471, 499 e 501): A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Com base nos parâmetros supra descritos, considerando a factualidade assente, as agressões, as lesões, o medo, o grau de privação de liberdade, a humilhação, a perda de cabelo, a culpa (em grau elevado), o dolo direto e as suas condições socioeconómicas (aferidas nos moldes acima referidos), decide-se fixar a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos por JJ em 800,00 € e pelos danos sofridos por KK em 10.000, 00 €.”
Não vislumbramos que a avaliação feita pelo Tribunal a quo seja merecedora de qualquer censura no que se refere à compensação arbitrada à ofendida KK, resultando claro que a referência a que “o ofendido esteve privado de liberdade durante mais de dois dias, sem comer, tendo sido agredido várias vezes, resultando dessa ação violenta a fratura de um dente” constitui evidente lapso de escrita, certamente potenciado pela utilização de meios informáticos, que cumpre corrigir, considerando-se tal frase não escrita, em conformidade com o disposto no artigo 380º, nº 1, alínea b) e nº 2 do Código de Processo Penal.
Nos termos do artigo 16º, nº 1 do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04 de setembro, reconhece-se “à vítima” (…) “no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável”.
O nº 2 da mesma disposição prevê que “há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.
De acordo com o artigo 67º-A, do Código de Processo Penal, aditado pelo mesmo diploma, na parte a ter em conta, considera-se “a) «Vítima»: i) A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, directamente causado por acção ou omissão, no âmbito da prática de um crime;(…)
b) «Vítima especialmente vulnerável», a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social”.
Preceitua o nº 3 do mesmo preceito que “As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 (…)”.
O artigo 82º-A, do Código de Processo Penal, por seu turno, prevê que “1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham. 2 – No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório. 3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.
Tais normativos permitem concluir que ao Tribunal é imposta a obrigação de arbitrar, em relação a vítimas especialmente vulneráveis, uma quantia indemnizatória para reparação pelos danos sofridos, a suportar pelo agente do crime.
KK é vítima de um crime de sequestro agravado, que integra o conceito de criminalidade especialmente violenta, à luz da alínea l) do artigo 1º do Código de Processo Penal, que define como tal as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos.
Existem, pois, especiais exigências de proteção da vítima que justificam que se fixe uma quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos pela ofendida KK em consequência do crime que levou à condenação dos arguidos.
A atribuição desta quantia não é regulada pela lei civil, mas nos termos do artigo 82º-A, do Código de Processo Penal. Este normativo não consagra um direito a uma indemnização propter rem, mas à reparação dos prejuízos – uma vez que a quantia é tida em conta em ação que venha a conhecer o pedido civil de indemnização, de acordo com o nº 3.
Assim, estando meramente em causa a fixação de reparação, ainda que o legislador use o termo «indemnização», aquela deve ser fixada de acordo com a equidade48.
Ora, como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.05.201649, “A fixação da indemnização de acordo com a equidade significa que o seu valor é determinado considerando a culpa do agente, a sua situação económica e a situação económica do lesado, as especiais circunstâncias do caso, a gravidade do dano, etc., ou seja, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida50: a indemnização deve ser proporcional à gravidade do dano, a avaliar objectivamente, e ser fixada de acordo com critérios de boa prudência e ponderação das realidades da vida.
E não podia deixar de ser assim porque a indemnização por danos não patrimoniais não visa pagar, nem apagar, os danos provocados pelo facto, porque sobre eles não podem incidir regras de cálculo. O que aqui se pretende é atenuar, minorar e de certo modo compensar os danos sofridos pelo lesado51, atribuindo-lhe uma soma em dinheiro que lhe permita um acréscimo de bem-estar que sirva de contraponto ao sofrimento moral provocado.
Sendo essa a função a indemnização pelo dano não patrimonial, não pode ela ser meramente simbólica, a menos que seja isso que se pretenda.
Para o ressarcimento destes danos a lei, conforme resulta do art. 496.º do C. Civil, confia ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, e nesta apreciação releva não o rigor contabilístico da adição de custos, despesas, ou de ganhos mas sim o desiderato de, prudentemente, dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma maior ou menor quantia de dinheiro a arbitrar à vítima e a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afectada52.”
Ora, vistas todas as circunstâncias relevantes para a medida da compensação a arbitrar, entre as quais merece destaque a gravidade da lesão e a sua repercussão na esfera pessoal da vítima KK, sem descurar a modesta situação económica dos arguidos, a verdade é que a compensação deve ser efetiva e não meramente simbólica e, neste contexto, não podemos reputar de excessivo o valor fixado pelo Tribunal a quo, que, de resto, se encontra em linha com a mais recente jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores (veja-se, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.06.2019 e a jurisprudência no mesmo citada).
Não assim, porém, no que se refere à compensação arbitrada a favor da ofendida JJ, posto que, no seu caso, a lei não a qualifica como vítima especialmente vulnerável, pelo que o arbitramento de reparação nos termos previstos no artigo 82º-A do Código de Processo Penal sempre estaria dependente da demonstração de que particulares exigências de protecção da vítima o impunham. Tal não resulta da matéria de facto dada como provada.
Assim, não tendo a ofendida JJ deduzido pedido de indemnização civil, e não se encontrando a mesma em situação de desproteção que justifique a intervenção oficiosa do Tribunal, nem resultando dos factos provados que tenha sofrido danos cuja gravidade exija a atribuição de reparação independentemente da formulação de pedido, inexiste fundamento legal para a compensação arbitrada, devendo revogar-se o acórdão recorrido, nesta parte.
Procede, assim, nesta restrita medida, o recurso do arguido GG.
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V. Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em:
a. Determinar, nos termos previstos no artigo 380º, nº 2 do Código de Processo Penal, a retificação dos lapsos de escrita patentes no acórdão, no que se refere à data da condenação do arguido AA no processo nº 2715/29.0T9ALM, que ocorreu em 18.02.2021 (e não em 04.06.2021), e no processo nº 1262/19.5PGALM, no qual a decisão condenatória data de 04.06.2021 (e não 18.02.2018), mais se considerando não escrita a frase “o ofendido esteve privado de liberdade durante mais de dois dias, sem comer, tendo sido agredido várias vezes, resultando dessa ação violenta a fratura de um dente”;
b. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido GG, revogando o acórdão recorrido no que se refere à condenação solidária dos arguidos no pagamento da quantia de € 800,00 a título de reparação à vítima JJ, mantendo-se, no mais, o acórdão recorrido nos seus precisos termos;
c. Julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos pelo arguido AA e pelo Ministério Público, confirmando-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos.
Face ao total decaimento, condena-se o arguido AA no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça a seu cargo em 4 (quatro) UC.
O Ministério Público não é condenado em custas por delas estar isento.
D.N.
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Lisboa, 06 de fevereiro de 2025
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Sandra Oliveira Pinto
Alda Tomé Casimiro
Carlos Espírito Santo

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1. Cf. Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, págs. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»
2. Trata-se de manifesto lapso de escrita, resultando do certificado de registo criminal do arguido que se mostra junto aos autos que o acórdão condenatório no processo nº 2715/19.0T9ALM foi proferido em 18.02.2021, tendo os factos pertinentes sido praticados em 04.08.2019.
3. Também aqui se verifica evidente lapso de escrita, resultando do certificado de registo criminal do arguido que a decisão condenatória no processo nº 1262/19.5PGALM foi proferida em 04.06.2021, tendo transitado em julgado em 13.01.2022.
4. Publicado no Diário da República nº 183/2014, Série I de 23.09.2014.
5. Assim, v. g., acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/02/2010 (processo n.º 628/07.8LSB.L1.S1).
6. Diferente será a situação em que se verificam deficiências menores, que não inviabilizam a perceção do significado das declarações contidas no depoimento gravado, caso em que não há verdadeiramente omissão de documentação mas apenas uma documentação deficiente que, por não comprometer a captação do sentido essencial desse depoimento, constitui uma mera irregularidade, como se sustentou no acórdão deste Tribunal, de 23/11/2011 (processo n.º 161/09.3GCALQ.L1.S1).
7. Como se escreveu no acórdão deste Tribunal, de 23/11/2011 (processo n.º 161/09.3GCALQ.L1.S1).
8. Comentário cit., anotação 7 ao artigo 363.º, p. 943.
9. Código de Processo Penal Comentado, António Henriques Gaspar et alii, 2014, Almedina, p. 1140.
10. cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.01.2014, proferido no processo nº 7/10.0TELSB.L1.S1, Relator: Conselheiro Armindo Monteiro, acessível em www.dgsi.pt.
11. Cf. anotação de Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, 3ª ed. revista, Almedina, 2021, pág. 1144.
12. No processo nº 10/18.1GBFTR.E1, Relator: Desembargador João Amaro, acessível em www.dgsi.pt
13. No processo nº 99P285, Relator: Conselheiro Virgílio Oliveira, acessível em www.dgsi.pt
14. No processo nº 108/13.2P6PRT.G1.S1, Relator: Conselheiro Pires da Graça, disponível em www.dgsi.pt)
15. Cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16ª ed., p. 873; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., pág. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, págs. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, pág. 121).
16. Neste sentido, vd., por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05.06.2008 (no processo nº 06P3649, Relator: Conselheiro Souto de Moura), e de 14.05.2009 (no processo nº 1182/06.3PAALM.S1, Relator: Conselheiro Armindo Monteiro), ambos disponíveis em www.dgsi.pt
17. No processo nº 477/20.8PDAMD.L1-5, relatado pelo, então, Desembargador Jorge Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt.
18. Cf. acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 25.01.2022, no processo nº 4833/16.8T9SNT.L1-5, Relator: Desembargador Artur Vargues, em www.dgsi.pt).
19. No processo nº 3286/04, 5ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
20. Cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pág. 205.
21. Da qual existe, nos autos, prova pericial e documental – como, adequadamente, se referiu na fundamentação da decisão recorrida.
22. Circunstâncias, em todo o caso, inaptas a justificar ou tornar aceitáveis os comportamentos dos arguidos, note-se.
23. Destacando-se as circunstâncias em que foi constrangida a entrar no veículo conduzido pela arguida DD, as agressões iniciais perpetradas pelos arguidos AA e GG, e os atos praticados por cada um deles quando chegaram ao «descampado».
24. Que se traduz no apuramento dos factos efetivamente acontecidos, salvaguardadas as garantias de defesa constitucional e legalmente previstas.
25. No processo nº 360/08-01, Relator: Desembargador Ribeiro Cardoso, acessível em www.dgsi.pt.
26. De 17.10.2018, no processo nº 321/2018 – 3ª secção, Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro, acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
27. Cf. Manuel Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, Volume I, 1992, págs. 297 e 298.
28. “A presunção de inocência é identificada por muitos autores como princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência.” (Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, I, 5ª ed., 2008, págs. 83 e 84).
29. Sobre as possibilidades de aplicação do princípio in dubio pro reo, vd. o importante acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2009, no processo nº 09P0484, Relator: Conselheiro Raul Borges, em www.dgsi.pt.
30. No processo nº 63/07.8TELSB-3, Relator: Desembargador Nuno Coelho, acessível em www.dgsi.pt.
31. Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª ed. atualizada, Universidade Católica Editora, 2021, pág. 675-676.
32. No processo nº 150/12.0JAFAR.E1, relatado pelo, então, Desembargador Clemente Lima, acessível em www.dgsi.pt.
33. No processo nº 148/10.3SCLSB.L1.S1, Relator: Conselheiro Armindo Monteiro, acessível em www.dgsi.pt.
34. Comentário…, cit., págs. 225-227.
35. Direito Penal Português, Tomo II, pág. 291.
36. No processo nº 205/12.1GGSTB.E1, Relator: Desembargador José Martins Simão, acessível em www.dgsi.pt.
37. Lições de Direito Penal, Teoria do Crime, 1982, Ed. Verbo, pág. 406.
38. No processo nº 10/18.1PELRA.S1, Relatora: Conselheira Ana Barata Brito, acessível em www.dgsi.pt.
39. Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, págs. 227 e segs..
40. Robalo Cordeiro, in «Escolha e Medida da Pena», Jornadas de Direito Criminal, CEJ, p. 238.
41. Ob. cit. § 518, págs. 342/3.
42. Ob. cit. § 520.
43. Tratado, Parte Geral, versão espanhola, volume II, págs. 1152 e 1153.
44. Assim, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 03.04.2003, no processo nº 865/03-5.ª, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 157, e de 25.10.2007, processo nº 3247/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 3, págs. 233 a 236.
45. No processo nº 03P2131, Relator: Cons. Henriques Gaspar, disponível em www.dgsi.pt.
46. Ob. cit. § 515, pág. 341.
47. Recursos Penais, 9ª edição, Editora Rei dos Livros, 2020, pág. 26.
48. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.10.2011, no processo nº 88/09.9PESNT.L1.S1, Relator: Conselheiro Souto de Moura, disponível em www.dgsi.pt.
49. No processo nº 232/12.9GEACB.C2, Relatora: Desembargadora Olga Maurício, em www.dgsi.pt.
50. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2003, pág. 602 e segs.
51. Autor, obra e local citados acima.
52. Acórdão do T.R.P. de 9-7-1998, CJ, Ano XXIII, tomo IV, pág. 185, citando Pessoa Jorge, in Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil.