ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
INJÚRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
Sumário

I – O erro notório na apreciação da prova a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. c) do CPP só releva quando seja manifesto, ostensivo e resulte da própria decisão recorrida, situação que não se verifica quando o recorrente não aponta qualquer erro no texto da decisão, à qual praticamente se não refere, manifestando apenas a sua discordância quanto à valoração dos elementos de prova apreciados na sentença.
II – Não pratica o crime de injúria o arguido que exibiu ao assistente a mão com o dedo do meio esticado, numa situação isolada de conflito na condução rodoviária, traduzido em diversas manobras que integram o crime de condução perigosa dirigidas contra o assistente, pois apesar de ser um gesto reconhecido na sociedade como obsceno, rude e grosseiro, o mesmo não traduz a imputação de qualquer facto ou juízo desonroso, nem é em si mesmo ofensivo da honra e consideração do assistente, não atingindo o grau de gravidade a partir do qual o direito à honra exige a tutela penal.
III – A graduação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados obedece às mesmas regras que a determinação da pena principal, não podendo considerar-se excessiva e desproporcional quando já se situa muito perto do mínimo legal, sob pena de ser desconforme com o patamar mínimo da culpa e as elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir, transmitindo uma errada ideia de impunidade.
IV - Acresce que a pena acessória de proibição de conduzir é uma verdadeira pena, pelo que as necessidades profissionais e conveniências pessoais do arguido não podem afastar a sua efetiva aplicação, devendo ainda destacar-se que quem carece de conduzir por razões profissionais tem uma responsabilidade acrescida no exercício da condução rodoviária.

Texto Integral

Acordam na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
No Juízo Local Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa foi proferida sentença, condenando o arguido AA:
A) Pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo art. 291º, nº 1 al. b) do C.Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa.
B) Pela prática de um crime de injúria p. e p. pelo art. 181º nº1 e 182º do Código Penal, na pena de 30 (trinta) dias de multa.
C) Em cúmulo jurídico, na pena única de 130 (cento e trinta) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros), no montante total de € 910,00 (novecentos e dez euros).
O arguido foi ainda condenado, nos termos do disposto na alínea a) do nº1 do art.69º do Código Penal, na pena acessória de conduzir veículos com motor por um período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.
*
Inconformado, recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões:
«A) Entendeu a Ilustre Magistrada, na Sentença de que ora se recorre, não merecem credibilidade as declarações do arguido que diz que se limitou a fazer sinal de luzes em direcção ao veículo que circulava na faixa do meio, porque ali se encontrava “e não saía”, e que depois se deslocou para a faixa da direita porque “ia sair na ...”. Por entender que, se o arguido se estava a aproximar da via de saída, não havia razão para actuar como diz ter actuado, na medida em que o veículo que estava a circular na faixa do meio não interferia com a sua direcção de circulação. Acresce que quando é confrontado com esta realidade, foi adaptando as suas respostas.
B) Salvo o devido respeito, parece-nos que as declarações do arguido não foram devidamente apreciadas nem correctamente valoradas.
C) segundo explica o arguido, este circulava a uma velocidade constante de cerca de 120 km/h, na faixa mais à direita, quando confrontado com outos carros que seguiam na mesma faixa a uma velocidade inferior, inclusive um camião, usa a faixa do meio para ultrapassar, é nesta altura que se depara com o carro do assistente, que não havendo nada que o justificasse, circulava na faixa do meio. Faz sinal de luzes, o Sr. Não sai, ele volta a encostar para a direita, porque segundo explica mais à frente, não ia assim tão rápido para justificar a passagem para a faixa da esquerda para ultrapassar o assistente. O assistente é que circulava indevidamente na faixa do meio.
D) Em momento algum o arguido afirma que se deslocou para a faixa da direita porque ia sair na saída da .... Aliás, parece-nos claro que a permanência do arguido em quase toda a cena, na faixa de rodagem da direita, exceto quando faz manobras de ultrapassagem e se depara com o veículo do assistente na sua frente, nada tem a ver com o facto de sair na ....
E) Toda a dinâmica explicada detalhadamente pelo arguido faz sentido à luz do senso comum, nem as suas declarações denotam que tenha adaptado as respostas, parecendo sempre espontâneo.
F) Devendo, por conseguinte, ser conferida credibilidade às suas declarações, de forma a ser feita uma justa e correcta apreciação da prova.
G) Por sua vez e como já supra referido, para formar a sua convicção sobre a matéria de facto dada como provada, designadamente, no que se refere aos factos consubstanciadores da conduta ilícita imputada ao recorrente, o Tribunal baseou-se nas declarações do assistente, conjugadas com o depoimento das testemunhas BB e CC,
H) que circulavam no carro conduzido por aquele, e que o Tribunal a quo considerou esclarecedoras, objectivas e credíveis, permitiram o Tribunal formar a sua convicção quanto à matéria de facto provada.
I) Ora, com tal não pode o Arguido concordar,
J) porquanto, se trate da esposa e amigo do assistente, que com ele viajavam, e que estranho seria se não corroborassem as declarações prestadas pelo assistente. Ainda assim existiram discrepâncias claras nestes depoimentos, como a seguir se expõe. Tais como:
K) O assistente DD nas suas declarações de minutos 10:23 a 11:02, faz uma descrição minuciosa dos factos, mas quando questionado sobre qual o carro que conduzia ao minuto 29:44 responde tratar-se de um Audi.
L) Já a esposa do assistente BB de 11:11 a 11:37, responde ao minuto 01:37 tratar-se de um ....
M) A descrição dos factos feita pelo assistente, e sobretudo enquadrada no local em que se passaram, nomeadamente na …, já perto da chegada a …a, parecem-nos pouco credíveis, na medida em que não parece sequer possível terem-se passado da forma retratada.
N) Não se compreende em que medida o arguido poderia ter intenções de arremessar o seu veículo contra a do assistente, considerando as significativas diferenças de dimensões dos dois carros. Lembre-se que o arguido, ora recorrente, conduzia um …, enquanto o assistente conduzia um ..., um veículo significativamente maior.
O) Não é credível que o arguido tenha travado a fundo com o intuito de ser colhido por trás, por um veículo muito maior, o que provocaria danos irreparáveis no …, que ainda por cima era da oficina para a qual o arguido trabalha.
P) Há um claro exagero e tom dramático que é conferido à alegada forma como as coisas se passaram.
Q) Na realidade, o assistente, quando descreve o estado do transito, ao minuto 12:00 afirma que o transito era denso. Sobretudo na faixa mais à direita e também na do meio.
R) E afirma que circularia a uma velocidade entre os 100 e os 110 km/h. O que descredibiliza por completo a cena descrita, por ser manifestamente que naquele contexto e naquelas condições, as coisas se tenham efetivamente passado da forma descrita.
S) No que concerne ao depoimento prestado pela testemunha BB, esposa do assistente, de 11:11 a 11:37, de notar que a mesma refere ao minuto 02:32 que “Depois soube que afinal já vinha qualquer coisa de antes, mas vou dizer só aquilo que eu vi.”
T) Sendo que, em momento algum é referida a existência de qualquer acontecimento que tenha ocorrido antes dos factos relatados e que deram origem ao presente processo.
U) À exceção desta expressão, toda a sequência dos factos relatados por esta testemunha é exatamente igual à do assistente,
V) trocando apenas a expressão arremessar por abalroar, quando se refere à alegada tentativa de encosto do … ao veículo conduzido pelo assistente. O que denota uma clara preparação do discurso, e que o torna pouco espontâneo.
W) As declarações do assistente, esposa e do amigo que com eles viajava, soaram a concertadas e previamente preparadas.
X) não se conforma o ora recorrente com a valorização dos depoimentos prestados pelo assistente e suas testemunhas, na medida em que apresentam incongruências claras e foram claramente concertadas, não devendo ser suficientes para o tribunal a quo formar a sua convicção quanto à matéria de facto provada.
Y) Entende a Ilustre Magistrada que “o relato que a testemunha EE faz do que então lhe foi dito pelo ora assistente, é consentâneo com o relato que este e as testemunhas que circulavam no interior do veiculo por este conduzido fizeram em sede de audiência de julgamento. Mais referiu esta testemunha que quando o assistente se lhe dirigiu parecia nervoso.”
Z) Não pode o tribunal ignorar a divergência dos factos contados pelo assistente e esposa, que em nada são corroborados pelo depoimento do EE.
AA)Entende, pois, o recorrente, que não foi feita prova da prática por este do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 69º nº 1 al. a), e 291º nº 1 al. a), ambos do CP., devendo em consequência ser a sentença recorrida ser substituída por outra que absolva o arguido da prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário.
BB)Foi o arguido condenado pela prática do crime de injúria p. e p. pelo art. 181º nº1 e 182º do C.Penal.
CC)não pode o recorrente conformar-se com tal decisão, na medida em que,
DD) Para que se tivesse verificado, em função de tal gesto, um crime de injúria, necessário seria que esse gesto consistisse numa imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita, com um conteúdo ofensivo da honra ou consideração do visado;
EE) Ou que o gesto dirigido ao assistente tivessem esse mesmo cariz ofensivo da honra ou da consideração. É certo que o gesto efectuado pelo arguido (colocando a mão no ar, apenas com o dedo médio erguido), constituindo um gesto obsceno, denotando profunda falta de educação por parte de quem a profere. Tendo o arguido admitido e lamentando tê-lo feito.
FF) Mas, também neste caso, daí até que se possa afirmar um atentado à personalidade moral do interlocutor, medeia significativa distância. Aquele gesto não contende com o conteúdo ético da personalidade moral do visado nem atinge valores éticos e socialmente relevantes do ponto de vista do direito penal. Não atingindo aquele que é o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana. Nesse sentido vai o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-01-2017.
GG) É nossa modesta e humilde opinião, salvo melhor entendimento, que aplicar ao Arguido uma pena de 130 (cento e trinta) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros), no montante total de €910,00 (novecentos e dez euros) e ainda na pena acessória de conduzir veículos com motor por um período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, é desproporcional e excessivo, violando claramente o Princípio da Proporcionalidade, previsto no artigo 18º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
HH) O Princípio da Proporcionalidade ou da Proibição do Excesso, desdobra-se nos subprincípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade em sentido estrito.
II) O Princípio da Adequação, dispõe que as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, como a salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos;
JJ) O Princípio da Exigibilidade, por sua vez, diz-nos que as medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato;
KK) Finalmente, o Princípio da Proporcionalidade em sentido estrito, estabelece que não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para se alcançar os fins pretendidos. Quanto a este, algumas considerações há, ainda, a aditar: o que aqui se está a medir é a relação que concretamente existe entre a carga coativa que decorre da medida adotada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Isto é, existe uma necessidade de exigir que a intervenção, nos seus efeitos prejudiciais, se encontre numa relação de proporcionalidade (de justa medida), com os fins a prosseguir, o que, decerto exige uma ponderação dos efeitos e medidas possíveis.
LL) O que, no caso concreto se deveria ter feito, com a devida vénia e, se não fez, era uma avaliação efetiva, de toda a situação de vida do Arguido e, se a medida da pena escolhida terá sido a mais idónea no caso concreto. O que, no caso, não nos parece ter sido.
MM) O Arguido, aqui Recorrente, não tem antecedentes criminais, está devidamente integrado social, familiar e profissionalmente. É pai solteiro, com dois filhos a cargo, muito embora uma já maior, que é estudante universitária. É trabalhador e vive de forma humilde.
NN) Concluindo-se, desta forma que a aplicação de uma pena de uma pena de 130 (cento e trinta) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros), no montante total de €910,00 ao Arguido é completamente desproporcional, tendo em conta os fins a proteger, bem como do interesse público que se visa acautelar com tal condenação.
OO) Acresce que aplicação da na pena acessória de conduzir veículos com motor por um período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias proibição de conduzir, considerando a profissão do arguido na qual integram serviço da qual depende da carta de condução, nomeadamente para testar veículos, para ir levantar peças, para entregar veículos a clientes,
PP) e ainda o facto de precisar de conduzir para levar o filho à escola e às atividades que este frequenta se mostra manifestamente excessiva e desproporcional, na medida em que põe em causa o sustento do agregado familiar do arguido, que depende unicamente do seu trabalho, cuja manutenção poderá desta forma ser posta em causa.
QQ) por todo o supra exposto deve este Recurso ser aceite, corrigindo-se e revertendo-se a Sentença proferida e, absolvendo-se o Arguido dos crimes de que vem acusado. Caso assim não se entenda, deverá condenar-se, ao invés, o AA, numa pena de multa e pena acessória nunca superior aos limites mínimos legais».
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O Ministério Público respondeu, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
«1ª O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida e depositada a 4/07/24 nestes autos que condenou o arguido pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo artigo 291º n.º 1 alínea b) e n.º 3 do Cód. Penal, na pena de cento e vinte dias de multa e de um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º n.º 1 e 182º do Cód. Penal, na pena de trinta dias de multa e, em cúmulo jurídico, na pena única de cento e trinta dias de multa à taxa diária de sete euros, no montante total de 910 euros, bem como na pena acessória de conduzir veículos com motor por um período de 4 meses e 15 dias.
2ª Considerando o âmbito do recurso fixado pelas conclusões, pretende o recorrente que a douta sentença não teve em conta a versão dos factos apresentada pelo arguido, incorrendo em erro notório na apreciação da prova, dizendo ainda que a pena aplicada se mostra excessiva.
3ª Desde logo, não se verifica qualquer erro notório na apreciação da prova, já que, o que resulta da motivação do recorrente é efetivamente a discordância quanto ao modo como o Tribunal avaliou e apreciou em concreto a prova produzida, o que, como também já se adiantou supra, não se confunde, com os vícios que pretende invocar.
4ª A douta sentença mostra-se adequadamente fundamentada, procedendo à indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, bem como dos elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
5ª Relativamente à apreciação da prova pela Mmª Juiz a quo, não há qualquer violação do artigo 127º do Cód. de Processo Penal, dado que a livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/02/2019, processo n.º 147/17.4ZFLSB.L1-3, disponível em dgsi.pt).
6ª Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
7ª Como qualquer outro testemunho, um interrogatório não é necessariamente infalível. Está sujeito à crítica do julgador, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá de igual modo aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras.
8ª De facto, constata-se que, a Mmª Juiz explica de forma clara e lógica as razões pelas quais deu como provados ou não provados os factos, ponderando a versão do arguido de acordo com as regras da experiência no confronto com o depoimento do assistente e das testemunhas BB e CC.
9ª Com efeito, conforme explica a Mmª Juiz, a versão apresentada pelo arguido não mereceu credibilidade, não só por ser contrária à realidade, como por adaptar o discurso às questões colocadas. Por sua vez, o depoimento da testemunha BB corroborou as declarações do assistente e foi reputado de genuíno e expressivo, coincidente com o relato da testemunha CC e da testemunha EE.
10ª Ora, a negação dos factos por parte do arguido, ainda que com uma explicação racional, não envolve, como é evidente, uma aplicação automática do princípio do in dubio pro reo.
11ª Com efeito, o que releva para a situação dos autos é ter sido produzida toda a prova necessária contra a arguida, prova essa que, convenceu o tribunal a quo de que o arguido havia praticado os factos criminosos descritos na douta sentença, e, como tal, determinou a sua condenação pela prática dos mesmos.
12ª Assim sendo, uma vez que os factos provados resultaram da análise conjugada de toda a prova produzida em audiência de julgamento, tomando em consideração todos os parâmetros referidos, a douta sentença não merece censura.
13ª Pretende ainda o recorrente, para o caso de não proceder aquela argumentação, que a medida da pena que lhe foi aplicada se revela desproporcionada.
14ª O crime de injúria preenchido pela conduta do arguido é punível com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias (artigos 181º, n.º 1 e 182º do Cód. Penal). Por seu turno, o crime de condução perigosa praticado pelo arguido é punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias (artigos 291º, n.ºs 1, alínea b), do Cód. Penal).
15ª Desde logo, cumpre salientar que o tribunal a quo, sopesando todos os critérios de prevenção geral e especial aplicáveis no caso dos autos optou por aplicar ao arguido uma pena não privativa da liberdade.
16ª Relativamente à pena concreta escolhida e à respetiva medida aplicada, cumpre salientar que a determinação da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa e das exigências de prevenção ponderando se todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente exemplificadas no n.º 2 do mesmo artigo.
17ª Ora, como bem se refere na douta sentença, as exigências de prevenção geral positiva, são prementes, atenta a sinistralidade rodoviária no nosso país. No âmbito tutelado pelo crime em causa estão em causa comportamentos que, se bem que possam não apresentar significativa gravidade objetiva, minam a saudável convivência social e humana em Estado de Direito.
18ª Por outro lado, cumpre salientar que, face à factualidade provada, concluiu a Mmª Juiz a quo pelo dolo eventual na prática dos factos e pela ilicitude mediana, encontrando-se tais elementos explanados no texto da decisão recorrida.
19ª No caso dos autos, sendo elevadas as exigências de prevenção geral, tendo em conta a ausência de antecedentes criminais, face à moldura penal abstrata aplicável ao crime praticado, a pena aplicada, mostra-se perfeitamente suportada pela medida da culpa, pelo que, não merece qualquer censura.
20ª Com efeito, a Mmª Juiz, ao ponderar todas circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao arguido agiu no estrito respeito dos critérios legais que acima se explanaram, pelo que a pena aplicada ao arguido não merece qualquer censura».
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O assistente DD apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª O recurso do Arguido ora sob resposta não tem qualquer fundamento, quer de facto, quer de Direito e consubstancia tão somente uma (desesperada) tentativa de adiar o trânsito em julgado da sentença recorrida e da condenação do mesmo arguido que ela, muito correctamente, consagrou,
2.ª Sendo certo que o mesmo arguido nunca admitiu – com a excepção do gesto indecoroso – a prática dos factos dados como provados, nem nunca mostrou o menor arrependimento pelos mesmos.
3.ª Toda a fantasiosa versão ora sustentada pelo arguido não tem o menor suporte probatório minimamente credível e não passa de uma teoria tão inverídica quanto inverosímil.
4.ª A livre apreciação da prova não se confunde com qualquer apreciação arbitrária da mesma, mas antes corresponde à análise, crítica e feita de acordo com a lei, de toda a prova (documental, testemunhal e outra) produzida e por todo o acervo de informação, inclusive não verbal, tudo conjuntamente apreciado segundo as regras da experiência comum e a lógica do homem médio,
5.ª Que foi exactamente aquilo que a M.ª Juíza a quo fez, estribando-se em provas legalmente válidas e valoradas de forma racional, com lógica objectiva e perfeita de harmonia com a citada experiência comum.
6.ª Sendo os factos que foram – e bem – dados por assentes pelo Tribunal os necessários e suficientes para, sem qualquer dúvida, se considerarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos dos ilícitos criminais pelos quais o arguido vinha acusado e foi, e muito correctamente, condenado.
7.ª Ainda que pretenda impugnar essa decisão da matéria de facto, o arguido não dá, porém, cumprimento ao preceituado nos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do CPP,
8.ª Porquanto nem indica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem as concretas provas que imporiam uma decisão diversa, nem as específicas passagens da prova em que se fundaria essa sua pretendida impugnação,
9.ª Para além de não conseguir dar qualquer resposta cabal às certeiras objecções que lhe foram feitas pela M.ª Juíza a quo e chegando mesmo ao ponto de invocar agora exactamente o oposto do que dos 00:12:35 a 00:12:44 afirmou em audiência.
10.ª Por outro lado, são absolutamente insubsistentes as elucubrações do arguido pretendendo pôr em causa as declarações prestadas pelo assistente conjugadas com o telefonema efectuado para o “112” (fls 111 e 137) e com o depoimento das testemunhas, os quais se revelaram inteiramente espontâneos, esclarecedores, objectivos e credíveis,
11.ª Como bem mostram os trechos acima referenciados e transcritos e que apenas aqui se não repetem por óbvias razões de economia processual, mas se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos,
12.ª Não tendo assim a versão de “vítima” (!?) apresentada pelo arguido o menor suporte na prova produzida, baseando-se exclusivamente nas suas próprias declarações, cuja inverosimilhança, ilógica e inveracidade foram absolutamente patentes.
13.ª Face à factualidade dada correctamente como provada na sentença a quo – Factos n.ºs 9 a 22 e 25 a 27 – é desde logo evidente que o arguido cometeu – e com muito elevado grau de intencionalidade – o crime de condução perigosa, violando grosseira, múltipla e repetidamente as regras de circulação rodoviária, criando o efectivo seríssimo risco de colisão e/ou despiste do veículo conduzido pelo assistente – o que à velocidade normal das autoestradas e à luz das regras de experiência comum era mais que apto a causar um acidente de consequências gravíssimas, inclusive mortais,
14.ª E criando nos ocupantes desse mesmo veículo um muito marcado e mais que justificado sentimento de receio de poderem perder a vida ou sofrer gravíssimas lesões corporais.
15.ª Acresce que o arguido confunde não só pretensos (e realmente inexistentes) erros de julgamento com os vícios do art.º 410.º do CPP, como também que a pretensa “influência da decisão da matéria de facto” prescinde de analisar a prova produzida (como o arguido tenta atabalhoadamente e infundadamente fazer) para se centrar no próprio texto da decisão recorrida. Ora,
16.ª O recorrente nem consegue minimamente demonstrar que a M.ª Juíza a quo não teria apreciado correctamente a prova produzida (para o que teria de indicar as concretas provas que imporiam uma decisão diferente),
17.ª Nem consegue pôr em crise que os factos dados como assentes pela mesma Sra. Juíza são os necessários e suficientes para, sem qualquer dúvida, se considerarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos dos ilícitos criminais por que ele vinha acusado e foi, e bem, condenado.
18.ª O arguido (apenas) confessou a prática, intencional, do gesto do “dedo do meio” dirigido ao assistente que implica, iniludivelmente, enxovalho, ultraje e desonra para este,
19.ª Significando, pela sua simbologia do falo e dos testículos, como todos sabem, o mesmo que “vai para o c…!”, e atingindo assim a honra e consideração que são devidas ao meu assistente.
20.ª A pretensa justificação apresentada, além de falsa – pois a filmagem só foi feita após o arguido já ter cometido grande parte dos factos que integram o crime de condução perigosa, e para permitir a prova deste – não é de todo juridicamente relevante e subsistente,
21.ª Tendo essa conduta do arguido assumido com clareza a natureza de um grosseiro, ameaçador e violento desrespeito pela integridade moral, para além da física, e até da própria vida, do assistente e demais ocupantes.
22.ª Face às concretas circunstâncias do caso e à conduta do arguido quer na altura dos factos, quer posteriormente, a aplicação de uma pena única de 130 dias de multa à razão de 7,00 € por dia pela prática de dois crimes (um punível com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias e outro, com prisão até 3 meses ou multa até 120 dias) revela-se absolutamente correcta, proporcional e adequada, senão mesmo bastante benevolente, para com o arguido recorrente.
23.ª Rigorosamente o mesmo se podendo e devendo dizer da condenação na pena acessória de inibição de conduzir por um período de (apenas) 4 meses e 15 dias,
24.ª Atenta a perigosidade da conduta do arguido e as necessidades de prevenção quer especial, quer geral, em particular tendo presente as dramáticas consequências da elevada sinistralidade rodoviária, com uma elevadíssima percentagem de graves condutas anticívicas (como a de fuga do local de acidentes com mortos ou feridos graves).
25.ª Sendo que, como bem tem decidido a jurisprudência, os custos de ordem pessoal e/ou familiar da condenação que poderão advir para o arguido são próprios das penas, que só o são se representarem para o condenado um justo e verdadeiro sacrifício,
26.ª Procurando assim prevenir a prática de condutas na estrada como as do arguido, gravemente perigosas para a segurança das outras pessoas, e contribuir, e de forma efectiva para a emenda cívica de quem se comporta como o arguido se comportou.
27.ª Não procede, pois, nenhum dos pretensos vícios e erros infundadamente apontados pelo arguido recorrente à sentença, não merecendo o recurso ora sob resposta qualquer vislumbre de procedência».
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Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo.
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Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer.
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Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.
OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995]
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, as questões jurídicas a decidir consistem em verificar:
- Se a sentença padece do vício de erro notório na apreciação da prova, relativamente à matéria respeitante à prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, devendo o arguido ser absolvido do mesmo;
- Se estão verificados os elementos objetivos do tipo do crime de injúria;
- Se a pena aplicada é excessiva e desproporcional.
DA SENTENÇA RECORRIDA
Da sentença recorrida consta a seguinte matéria de facto provada:
«1. No dia ... de ... de 2022, pelas …, o arguido conduzia o veículo automóvel de matrícula ..-..-.., na ..., próximo do km …, na via do meio, no sentido de ..., em....
2. Tal veículo encontra-se registado em nome da empresa ...
3. O arguido é funcionário de tal empresa e encontrava-se ao serviço da mesma.
4. O arguido viajava sozinho.
5. Tal artéria tem três vias de trânsito em cada sentido.
6. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, DD conduzia o veículo automóvel de matrícula ..-..-.., no mesmo sentido e via em que seguia o arguido, mas uns metros mais à frente.
7. DD transportava como passageiros BB, CC e FF.
8. Ambos os veículos seguiam em velocidade não concretamente apurada mas seguramente entre 100 e 120 Km/hora.
9. Nessa altura, o arguido efectuou manobra de ultrapassagem ao veículo conduzido pelo arguido pela direita e sem sinalizar antecipadamente a manobra, passando a circular à frente do veículo conduzido por DD.
10. Acto contínuo, o arguido reduziu de forma brusca a velocidade, à frente do veículo conduzido por DD, sendo que nenhum obstáculo ou veículo tinha à sua frente que o justificasse.
11. Apenas porque conseguiu reagir de imediato e travar atempadamente logrou DD não embater com a parte da frente do seu veículo na traseira do veículo conduzido pelo arguido, correndo o risco de ser embatido pelo veículo que seguia atrás de si.
12. De seguida, DD fez sinal de luzes ao arguido, visando alertá-lo para a perigosidade da sua actuação.
13. Em consequência, o arguido voltou a travar bruscamente à frente do veículo conduzido por DD, sem que nada na via em que circulava justificasse tal actuação.
14. Mais uma vez, o embate da parte da frente do veículo conduzido por DD com a traseira do veículo conduzido pelo arguido apenas não ocorreu em virtude dos rápidos reflexos daquele, que teve de reduziu de forma abrupta a velocidade, correndo o risco de ser embatido por trás.
15. De seguida, o arguido mudou de via de circulação para a via da direita, sem sinalizar previamente a manobra, passando, dessa forma, a circular lado a lado com o veículo conduzido por DD, que se manteve na via central.
16. Uma vez nessa via, o arguido passou a fazer investidas com o veículo por si conduzido na direcção do veículo conduzido por DD.
17. A cada uma dessas investidas DD teve de guinar repentinamente na direcção do veículo por si conduzido para a via da esquerda, com vista a não ser atingido, correndo o risco de embater nos veículos que aí seguiam.
18. Enquanto seguiam a par, o arguido exibiu a DD o dedo do meio esticado, ao mesmo tempo que lhe dirigia palavras que aquele não logrou ouvir.
19. Depois, o arguido mudou novamente de via, para a via central, posicionando-se imediatamente atrás do veículo conduzido por DD.
20. E, acto contínuo, aproximou-se da traseira de tal veículo até ficar a menos de um metro de distância e ligou os máximos, passando a circular dessa forma, durante alguns minutos, colocando em risco a visibilidade de DD, fazendo-o correr o risco de embater nos demais veículos que aí circulavam.
21. Após, o arguido efectuou manobra de ultrapassagem ao veículo conduzido por DD, sem assinalar previamente tal manobra, posicionou-se imediatamente à sua frente do veículo conduzido por este e travou bruscamente, outra vez, sem que tal o justificasse.
22. Mais uma vez, foi só graças à rápida actuação de DD que o arguido não embateu com a frente do veículo por si conduzido na traseira do veículo conduzido por aquele.
23. Nessa altura, DD avistou uma patrulha da GNR parada na berma, pelo que de imediato parou a pedir ajuda.
24. Durante a actuação do arguido, a passageira do veículo conduzido por DD, BB efectuou uma chamada telefónica para o 112 relatando a situação.
25. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que violava as regras de circulação rodoviária relativas à ultrapassagem, pelo que não observou as precauções exigidas pela mais elementar prudência e cuidado que era capaz de adotar e que devia ter adotado, criando dessa forma perigo para a vida e para integridade física de DD, demais passageiros de tal veículo e demais veículos que na altura aí circulavam.
26. Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
27. Ao actuar da forma descrita em 18., quis o arguido ofender a honra e consideração que ao ora assistente são devidas, sabendo que a sua conduta era proibida por lei e que com ela atingia a honra e consideração do assistente.
Mais se provou que:
28. O arguido é … e declarou auferir a remuneração mínima mensal garantida.
29. Efectua compras e vendas de veículos automóveis retirando dessa actividade quantia não concretamente apurada.
30. Vive com dois filhos de 19 e 14 anos de idade.
31. A progenitora dos mesmos não paga pensão de alimentos.
32. Vive em casa arrendada suportando uma renda de € 555,00 mensais.
33. Ao nível de habilitações literárias tem frequência universitária.
34. Do certificado do registo criminal do arguido nada consta».
Por relevante para a apreciação do recurso, transcreve-se de seguida a fundamentação da decisão de facto constante da sentença recorrida:
«O Tribunal formou a sua convicção na ponderação, à luz das regras da experiência comum e na livre convicção do julgador, da análise crítica e conjugada do conjunto da prova produzida, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
O arguido prestou declarações admitindo ter feito com a mão o gesto que lhe é imputado, negando a demais actuação que lhe é imputada na acusação pública, embora admita a condução do veiculo nas circunstâncias de tempo e lugar em causa nos autos. Diz o arguido que quando circulava no local em causa nos autos, um veículo circulava na faixa do meio, pelo que fez sinal de luzes não tendo havido qualquer reação do mesmo e que quando o tentou ultrapassar, não o logrou fazer porque aquele aumentou a velocidade.
Pediu desculpa pela actuação que admitiu ter praticado, relativa ao gesto que admitiu ter feito, dizendo que o fez porque o estavam a filmar.
As declarações prestadas pelo assistente, conjugadas com o depoimento das testemunhas BB e CC, que circulavam no carro conduzido por aquele, que se revelaram esclarecedoras, objectivas e credíveis, permitiram o Tribunal formar a sua convicção quanto à matéria de facto provada.
Aliás, a genuinidade com que a testemunha BB relatou os factos, manifestando ainda no presente a ansiedade que com aqueles vivenciou à data, foi expressiva do que naquele circunstancialismo se passou. E também o facto de terem parado o carro quando viram um veiculo da GNR, o que foi confirmado pela testemunha EE e o facto de ter sido feito um telefonema para o nº de emergência nacional, é elucidativo do que então se passou. E o relato que a testemunha EE faz do que então lhe foi dito pelo ora assistente, é consentâneo com o relato que este e as testemunhas que circulavam no interior do veiculo por este conduzido fizeram em sede de audiência de julgamento. Mais referiu esta testemunha que quando o assistente se lhe dirigiu parecia nervoso.
Em contraponto, não merecem credibilidade as declarações do arguido que diz que se limitou a fazer sinal de luzes em direcção ao veículo que circulava na faixa do meio, porque ali se encontrava “e não saía”, e que depois se deslocou para a faixa da direita porque “ia sair na ...”. Ora, se o arguido estava a aproximar da via de saída, não havia razão para actuar como diz ter actuado, na medida em que o veículo que estava a circular na faixa do meio não interferia com a sua direcção de circulação. Acresce que quando é confrontado com esta realidade, foi adaptando as suas respostas.
Os elementos considerados provados relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernante às condutas do arguido foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, apreciados à luz das regras a que alude o artigo 127º do CPP, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum (neste sentido, cfr. Ac. TRP de 10-04- 2013 relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Pedro Vaz Pato, consultado in www.dgsi.pt/jtrp).
As declarações do arguido e do assistente e o depoimento das testemunhas, foram analisadas conjugadamente com o teor do auto de notícia de fls.2 a 3, 35 a 36, 39 a 41, 42 e 137.
Atendeu-se às declarações do arguido no que respeita à sua situação pessoal.
Quanto à inexistência de antecedentes criminais do arguido teve o Tribunal em conta o teor do certificado de registo criminal junto aos autos».
FUNDAMENTAÇÃO
a) Erro notório na apreciação da prova
A primeira questão suscitada como fundamento do recurso consiste no erro notório na apreciação da prova.
O erro notório na apreciação da prova é um dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP, cuja redação é a seguinte: «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova».
O erro notório na apreciação da prova, a que alude a alínea c) daquele preceito legal caracteriza-se como uma «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si (…). Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras de experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis» (cfr. Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 4ª Ed., 2001, p. 76).
No dizer do Conselheiro Sérgio Poças, «o erro notório é o erro que se vê logo, que ressalta evidente da análise do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência» (cfr. «Processo penal quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto», Revista Julgar n.º 10, de 2010, pg. 29).
O erro notório na apreciação da prova unicamente é prefigurável quando se depara ter sido usado um processo racional e lógico mas, retirando-se, contudo, de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irrazoável, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum, bem como das regras que impõem prova tarifada para determinados factos (cfr. o Acórdão do STJ de 18/03/2004, P. 03P3566 em www.dgsi.pt).
Não se inclui no erro notório na apreciação da prova a discordância do recorrente sobre a valoração da matéria de facto feita pelo tribunal recorrido, valoração que esse tribunal é livre de fazer, nos termos do art. 127.º do CPP.
Pretendendo o recorrente invocar o erro de julgamento, o caminho adequado é a chamada impugnação ampla da matéria de facto, de acordo com o regime do art. 412.º, n.º 3 e 4 do CPP, que impõe àquele o ónus de expressamente indicar:
i) Os factos individualizados que constam da sentença recorrida e que considera incorretamente julgados;
ii) O conteúdo específico do meio de prova e com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida; e
iii) Se for caso disso, os meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, no âmbito dos vícios previstos no artigo 410.º/2, do CPP, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. o artigo 430.º/1, do CPP).
Acresce ainda a exigência de que as provas especificadas pelo recorrente imponham decisão diversa da recorrida, pois a procedência da impugnação, com a consequente modificação da decisão sobre a matéria de facto, não se satisfaz com a circunstância de as provas produzidas possibilitarem uma decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo. Este decide, salvo existência de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção, e por isso, não é suficiente para a pretendida modificação da decisão de facto que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diferente da proferida pelo tribunal.
«A diferente valoração da prova não se confunde com o erro de julgamento ou com qualquer dos vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal» (cfr. AC. RL de 04/02/2016, P. 23/14.2PCOER.L1-9 em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, resulta claramente da motivação e das conclusões do recurso que o arguido não procedeu à impugnação ampla da matéria de facto, que aliás nem invoca, pois não observa minimamente os requisitos previstos no art. 412.º, n.º 3 e 4 do CPP.
O caminho seguido pelo arguido para questionar a decisão da matéria de facto, quanto à prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, foi o de invocar o erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c) do CPP.
Ora, basta ler os fundamentos do recurso e as respetivas conclusões para verificar que o recorrente não aponta verdadeiramente qualquer erro percetível no texto da decisão, que possa configurar aquele vício. O recorrente entende é que a matéria de facto foi incorretamente julgada, discordando da valoração feita às declarações do arguido, em confronto com as declarações do assistente e demais testemunhas que seguiam na viatura deste.
O arguido alega que a sua versão, negando a prática dos factos relativos à dinâmica da condução de veículo, «faz sentido à luz do senso comum, nem as suas declarações denotam que tenha adaptado as respostas, parecendo sempre espontâneo», pelo que lhe deveria ter sido dada credibilidade pelo tribunal recorrido; pelo contrário, a versão do assistente, confirmada pela sua mulher e CC, que seguiam na viatura daquele, é que seria inverosímil, e os depoentes manifestaram contradições entre si, não obstante os depoimentos terem sido concertados.
Como já se referiu anteriormente, os vícios a que alude o art. 410.º, n.º 2 do CPP têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Lida a matéria de facto provada na sentença, verifica-se que se consideraram provadas determinadas manobras na condução do arguido e do assistente, nomeadamente nos pontos 9) a 17) e 19) a 22). Cotejada a fundamentação de facto, pode ler-se que o tribunal formou a sua convicção, quanto à prova desses factos, com base nas declarações prestadas pelo assistente, conjugadas com o depoimento das testemunhas BB e CC, que circulavam no carro conduzido por aquele, que qualificou como esclarecedoras, objetivas e credíveis.
O Tribunal justifica a credibilidade que deu às declarações do assistente e aos depoimentos das testemunhas BB e CC, aludindo à «genuinidade com que a testemunha BB relatou os factos, manifestando ainda no presente a ansiedade que com aqueles vivenciou à data, foi expressiva do que naquele circunstancialismo se passou. E também o facto de terem parado o carro quando viram um veiculo da GNR, o que foi confirmado pela testemunha EE e o facto de ter sido feito um telefonema para o nº de emergência nacional, é elucidativo do que então se passou. E o relato que a testemunha EE faz do que então lhe foi dito pelo ora assistente, é consentâneo com o relato que este e as testemunhas que circulavam no interior do veículo por este conduzido fizeram em sede de audiência de julgamento. Mais referiu esta testemunha que quando o assistente se lhe dirigiu parecia nervoso».
Consta também da fundamentação de facto a razão pela qual não foi atribuída credibilidade às declarações do arguido: «não merecem credibilidade as declarações do arguido que diz que se limitou a fazer sinal de luzes em direcção ao veículo que circulava na faixa do meio, porque ali se encontrava “e não saía”, e que depois se deslocou para a faixa da direita porque “ia sair na ...”. Ora, se o arguido estava a aproximar da via de saída, não havia razão para actuar como diz ter actuado, na medida em que o veículo que estava a circular na faixa do meio não interferia com a sua direcção de circulação. Acresce que quando é confrontado com esta realidade, foi adaptando as suas respostas».
O arguido alega que a sua versão é que faz sentido à luz do senso comum e que foi sempre espontâneo nas suas declarações, mas isso é uma apreciação subjetiva, tal como é a apreciação que faz das declarações do assistente e das testemunhas BB e CC, que tanto considera concertadas e previamente preparadas, como contraditórias entre si.
Por último, refira-se que não existe qualquer impossibilidade lógica ou contrária às regras de experiência comum nos factos provados, pela circunstância da viatura conduzida pelo arguido ser de menor dimensão do que a viatura conduzida pelo assistente, ou pela velocidade a que o assistente terá dito que circulava. O crime em apreço pressupõe um comportamento imprudente, perigoso, pelo que não é de estranhar que seja descrito um comportamento irrazoável, o que em nada se confunde com uma impossibilidade lógica.
Reitera-se: o erro na apreciação da prova a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. c) do CPP só releva quando seja notório, manifesto, ostensivo e resulte da própria decisão recorrida. O recorrente não aponta qualquer erro notório na apreciação da prova no texto da decisão, à qual praticamente se não refere, procedendo antes à discussão dos elementos de prova valorados na sentença. No fundo, o recorrente apresenta a sua apreciação das declarações do arguido e do assistente, bem como das testemunhas BB e CC, manifestando a sua discordância com a valoração da prova feita pelo tribunal, mas não logra apontar qualquer erro manifesto na apreciação da prova na decisão recorrida ou qualquer outro vício previsto no art. 410.º, n.º 2 do CPP.
Importa, assim, concluir que o recurso improcede nesta parte.
b) A verificação do elemento objetivo do tipo do crime de injúria
A segunda questão invocada como fundamento do recurso consiste em verificar se o arguido praticou um crime de injúria na pessoa do assistente.
Os factos relativos à prática deste crime constam dos pontos 18 («Enquanto seguiam a par, o arguido exibiu a DD o dedo do meio esticado, ao mesmo tempo que lhe dirigia palavras que aquele não logrou ouvir») e 27 («Ao actuar da forma descrita em 18., quis o arguido ofender a honra e consideração que ao ora assistente são devidas, sabendo que a sua conduta era proibida por lei e que com ela atingia a honra e consideração do assistente»).
O recorrente alega que seria necessário que esse gesto consistisse numa imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita, com um conteúdo ofensivo da honra ou consideração do visado, para que fosse considerado um crime de injúria; ou que o gesto dirigido ao assistente tivesse esse mesmo cariz ofensivo da honra ou da consideração. No caso, sustenta que se tratou de um gesto obsceno, que denota profunda falta de educação, mas que não atinge a dignidade penal.
De acordo com o disposto no art. 181.º do Código Penal, quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias.
À injúria verbal é equiparada a feita por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão (art. 182.º do Código Penal).
Existe em todas as comunidades um sentido comum, aceite por todos ou pelo menos pela maioria, sobre o comportamento que cada um deve adotar para que a vida em sociedade se processe com normalidade. O comportamento ofensivo, que não se confunde com a infração de regras de educação ou cortesia, pois o direito penal não deve nem pode proteger as pessoas face a meras impertinências, surge quando é ultrapassado o mínimo de respeito a que correspondem aqueles limites (cfr. António Jorge de Oliveira Mendes, O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, 1996, p. 38 e 39)
A doutrina e a jurisprudência ressaltam que as palavras e expressões têm de ser apreciadas no seu contexto situacional. Mesmo palavras comunitariamente tidas por obscenas ou soezes podem não ter o sentido ofensivo ou pejorativo que normalmente se lhes reconhece ditas em determinado contexto (cfr. José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, p. 630).
«Do mesmo modo que um vocábulo linguístico só adquire sentido no contexto em que é utilizado, por maioria de razão a relevância penal de qualquer expressão só pode ser aferida contextualizadamente» (Acórdão do STJ de 13/03/2024, P. 253/21.0T9GDM.P1.S1 em www.dgsi.pt).
Como o legislador não instituiu qualquer limite ou regra para definir a linha entre o que se considera e não considera ofensa à honra, cabe à jurisprudência fazer essa apreciação, fazendo uso de sensibilidade e bom senso para ativar o Direito e procurar nos princípios da fragmentariedade, da intervenção mínima e da proporcionalidade do direito penal, a insignificância e a adequação social das palavras pronunciadas (cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa de 04/12/2019, P. 4477/14.9TDLSB.L1-3, em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, está apenas em causa o facto do arguido ter exibido ao assistente a mão com o dedo do meio esticado (o teor das palavras que ao mesmo tempo dirigia do interior da sua viatura não foram escutadas pelo assistente, pelo que não podem aqui ser valoradas).
Trata-se de um gesto que é unanimemente conhecido na sociedade, se não mesmo universalmente, como um gesto obsceno e grosseiro. No dizer do Acórdão da Relação do Porto de 18/01/2017 (P. 984/15.4T9VFR.P1 em www.dgsi.pt) «é como se fosse a tradução gestual de um impropério, de uma obscenidade».
Saber se esse gesto se traduz numa ofensa à honra, que implica a prática de um crime de injúria, depende do contexto situacional em que o mesmo é feito e da intenção do agente ao praticá-lo. Como se refere no Acórdão da Relação de Guimarães de 18/12/2024 (P. 137/21.2GBBRG.G1 em wwwdgsi.pt), no qual se apreciou uma situação em que o arguido dirigiu à assistente um gesto idêntico àquele retratado nestes autos, concluindo pela atipicidade penal da conduta, o Direito Penal deve ter um carácter fragmentário, cumprindo uma função de última ratio, não podendo intervir sempre que a linguagem, afirmações ou gestos utilizados incomodam o visado, devendo a sua intervenção reservar-se para as situações em que é atingido o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana.
Do mesmo modo, a tradução verbal do gesto, com o sentido que o assistente lhe atribui na conclusão 19.ª da sua resposta ao recurso, tem vindo a ser entendida pela jurisprudência como atípica, na medida em que não imputa qualquer facto, nem emite qualquer juízo de valor em relação à pessoa do ofendido, ainda que sob a forma de suspeita, deixando intocada a honra deste (cfr. o acórdão da Relação de Évora de 23/02/2021, P. 416/19.9T9VRS.L1, em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «1 - Para que se mostrem cumpridos os elementos objectivos do tipo de ilícito no caso do crime de injúria, é necessário que sejam imputados factos ou proferidas palavras, perante o próprio visado, que sejam ofensivas da sua honra e consideração. 2 - Ao proferir as expressões “vai para a merda”, “vai para o caralho”, repetidamente e no local de trabalho da assistente, o arguido não emitiu qualquer juízo de valor em relação à pessoa desta, ainda que sob a forma de suspeita, e as palavras que lhe dirigiu não são suscetíveis de ofender a honra ou consideração da mesma, pese embora se reconheça a forma grosseira e rude das expressões (…). 3 - É, assim, de concluir que as expressões utilizadas deixam intocada a honra da assistente, porquanto o bem jurídico tutelado pelo art.181º do Código Penal não é por qualquer forma atingido, sendo certo que o direito penal visa a tutela de bens jurídicos, pelo que qualquer conduta que não os afete é atípica, isto é, não é punível»).
No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 13/04/2023 (P. 43/20.8T9MTR.G1.S1 em www.dgsi.pt), entende que a simples utilização de expressões desse teor não possui o carácter ofensivo do valor interior do indivíduo, com fundamento na sua dignidade, o seu menosprezo, rebaixamento aos olhos da sociedade que preenche o elemento objetivo do crime de injúria. «Não afetam as condições essenciais para que a assistente, como dizia Beleza dos Santos, “possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale”, nem o “conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal forma que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa ao desprezo público”».
Retomando o caso dos autos, verifica-se que o arguido originou uma situação de conflito na condução rodoviária, traduzido em diversas manobras que integram o crime de condução perigosa dirigidas contra o assistente, tendo exibido a este a mão com o dedo do meio esticado.
Tanto quanto se infere dos autos, o arguido e o assistente apenas tiveram este contacto, num contexto esporádico e isolado de condução na via pública.
Como acima se referiu, o gesto feito pelo arguido é conhecido na sociedade como obsceno, rude, grosseiro, malcriado, socialmente reprovável.
No entanto, o mesmo não traduz a imputação de qualquer facto ou juízo desonroso, nem é em si mesmo ofensivo da honra e consideração do assistente, pois estas não são afetadas pela mera expressão gestual de um impropério.
Neste contexto concreto, o gesto do arguido, embora socialmente desadequado e revelador de extrema falta de urbanidade e educação, não tem qualquer efeito no sentido de atingir a dignidade e reputação do assistente, que subsiste intacta, não atingindo o grau de gravidade a partir do qual o direito à honra exige a tutela penal.
Importa, pois, concluir que não se verifica o elemento objetivo do tipo de injúria, pelo que o recurso procede nesta parte, devendo o arguido ser absolvido da prática de um crime de injúria.
Consequentemente, fica sem efeito o cúmulo jurídico constante da alínea C) da parte decisória da sentença, recuperando a pena aplicada pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário a sua autonomia.
c) Da proporcionalidade das penas
A última questão suscitada pelo arguido consiste em verificar se a pena principal relativa ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário e acessória são desproporcionais e excessivas, violando o art. 18.º, n.º 2 da Constituição.
Com efeito, o arguido alega que, atenta a ausência de antecedentes criminais, a sua integração social, profissional e familiar, tendo dois filhos a seu cargo, a pena de multa deveria ter sido fixada no mínimo.
Igual medida deveria ter sido aplicada à pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, uma vez que o arguido carece de conduzir para exercer a sua atividade profissional, assim como para levar o filho à escola e atividades.
Cumpre apreciar.
Como é sabido, o fim do direito penal é a proteção dos bens jurídico-penais e a pena é o meio de realização dessa tutela. Assim, há que estabelecer uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes.
No domínio da prevenção interferem as considerações de ordem geral e especial: a prevenção geral positiva faz apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e procura garantir o restabelecimento da confiança da comunidade na efetiva defesa da norma violada. A prevenção especial relaciona-se com a finalidade de ressocialização do agente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).
«A prevenção especial não é um valor absoluto, mas duplamente limitado pela culpa e pela prevenção geral: pela culpa já que o limite máximo da pena não pode ser superior à medida da culpa; pela prevenção geral que dita o limite máximo correspondente à garantia da manutenção da confiança da comunidade na efetiva tutela do bem violado e na dissuasão dos potenciais prevaricadores» (cfr. o Relação de Évora de 09/05/2023, P. 388/22.2GBTNV.E1 em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, o crime de condução perigosa praticado é punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias (arts. 291º, n.º 1, alínea b) e 47.º do Código Penal).
O tribunal recorrido optou pela aplicação de uma pena de multa, escolha que é absolutamente ajustada, nos termos dos arts. 40.º e 70.º do Código Penal e não merece qualquer contestação por parte do arguido.
O tribunal ponderou as exigências de prevenção geral, particularmente elevadas para o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, o que é por demais evidente, atenta a sinistralidade verificada nas nossas estradas, da qual resulta anualmente um grande número de mortes e incapacidades, para além de avultados danos patrimoniais, pelo que devem ser aplicadas a este tipo de ilícitos penas que façam sentir a necessidade de adequar a utilização da estrada a regras de prudência, segurança e civismo.
Ponderou igualmente o elevado grau de ilicitude, face à diversidade de atos em que se concretizou a crime de condução perigosa de veículo rodoviário e bem assim o dolo direto.
Também aqui, não se discorda da avaliação feita na sentença, pois os factos provados revelam a prática de uma multiplicidade de ações perigosas, numa autoestrada com três vias de trânsito em cada sentido, onde o trânsito é geralmente muito intenso, sendo certo que os veículos dos intervenientes circulavam a velocidade elevada (100/120 Km/h) e era já de noite, tudo circunstâncias que intensificaram o perigo causado na condução.
A favor do arguido, foi considerada a integração social, familiar e profissional do arguido, bem como a ausência de antecedentes criminais.
Importa, pois, concluir que foram ponderados os fatores e circunstâncias a que alude o art. 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal.
Foi aplicada uma pena de multa de 120 dias em relação ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário, o que significa que a sentença se conteve no primeiro terço da moldura abstrata.
Quanto ao quantitativo diário da multa, o mesmo está perto do mínimo legal e é consentâneo com a situação pessoal e económica apurada na sentença (art. 47.º, n.º 2 do Código Penal).
Deste modo, não pode de forma alguma considerar-se excessiva ou desproporcional a pena principal de multa, cuja fixação reflete a aplicação de todos os fatores legais, contendo-se ainda em limites que não excedem um terço da moldura.
Quanto à pena acessória de proibição de conduzir, prevista no art. 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, a mesma pode ser graduada entre 3 meses e 3 anos, estando a determinação da medida concreta sujeita às mesmas regras que a determinação da pena principal.
Valem, por conseguinte, as considerações supra expostas a propósito do crime de condução perigosa, sendo certo que o tribunal recorrido graduou a pena em 4 meses e 15 dias, o que está muito perto do mínimo legal.
O arguido alega que carece de conduzir por razões profissionais e familiares.
No entanto, a graduação feita pelo tribunal recorrido da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados já se situa muito perto do mínimo legal, pelo que a redução da pena seria desconforme com o patamar mínimo da culpa e as elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir, transmitindo uma errada ideia de impunidade.
Acresce que a pena acessória de proibição de conduzir é uma verdadeira pena, pelo que as necessidades profissionais e conveniências pessoais do arguido não podem afastar a sua efetiva aplicação, devendo ainda destacar-se que quem carece de conduzir por razões profissionais tem uma responsabilidade acrescida no exercício da condução rodoviária.
Importa concluir que a medida das penas aplicadas não é desproporcional, nem excessiva, pelo que não foi violado o art. 18.º, n.º 2 da Constituição. O tribunal recorrido aplicou todos os critérios legais previstos no Código Penal, de harmonia e em conformidade com aquele comando constitucional, graduando as penas de forma proporcional às exigências de prevenção geral e especial, sem exceder o limite da culpa, em conformidade com as disposições dos arts. 40.º, 70.º e 71.º.
O recurso improcede, face ao exposto, nesta parte.

DECISÃO
Nestes termos, julga-se o recurso interposto pelo arguido parcialmente procedente e, em consequência, absolve-se o mesmo da prática de um crime de injúria p. e p. pelo art. 181º nº1 e 182º do Código Penal, mantendo-se a condenação pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo art. 291º, nº 1 al. b) do C.Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), no montante total de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros), assim como na pena acessória de conduzir veículos com motor por um período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.
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Sem custas.
Lisboa, 6 de fevereiro de 2025
Rui Poças
Pedro José Esteves de Brito
Ester Pacheco dos Santos