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CORREÇÃO DA SENTENÇA
ELEMENTO SUBJECTIVO
Sumário
I - Sempre que a correção de qualquer lapso, omissão, ambiguidade ou obscuridade da sentença não se apresente como uma alteração relevante à decisão proferida, de tal modo que diminua a capacidade do arguido de se defender da mesma, apenas concretizando, elucidando ou aditando um elemento já subjacente à decisão e contraditado pelo arguido, o mesmo deve ser corrigido a requerimento ou oficiosamente pelo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 380.º do Código de Processo Penal. II – Na prova do elemento subjetivo, estando em causa essencialmente elementos que nos remetem para a psicologia do arguido, do seu modo de atuação, de compreensão da sua atuação num contexto historicamente situado, a sua prova poderá resultar da sua própria confissão – prova direta – ou, na ausência de confissão, da conjugação de elementos objetivos, avaliados pelas máximas da experiência comum e das regras da lógica e do raciocínio, aplicáveis a situações similares. III - Neste plano, exige-se que num processo lógico-racional se possa estabelecer um juízo de relacionação adequada e proporcional entre a atuação do arguido e uma determinada motivação interior, de tal modo que se possa chegar à conclusão que o mesmo atuou do modo que fez em resultado de uma motivação e vontade livre e consciente de agir desse modo.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - RELATÓRIO
1. A SENTENÇA RECORRIDA
Por sentença proferida em 23.9.2024, no Processo Comum por Tribunal Singular n.º 1/20.2ADLSB, do Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 3, foi decidido:
Condenar a arguida AA como autora material de um crime aduaneiro de contrabando de diamantes em bruto, previsto e punido pelo artigo 25° da Lei n.° 5/2015, de 15 de janeiro, conjugado com o artigo 102° do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de junho, e pelo n° 4 do artigo 9.º da Lei n.° 5/2015, de 15.01, que assegura a execução na ordem jurídica interna do Regulamento (CE) n.° 2368/2002, do Conselho, de 20.12, relativo à aplicação do SCPK, na pena de 3 (três) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período
(…)
Declaram-se perdidos a favor do estado os diamantes apreendidos, artigo 109° do Código Penal e 25°, n°4 da Lei n.° 5/2015, de 15 de janeiro.
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2. O RECURSO
Inconformada a arguida AA recorreu da sentença condenatória, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
A) O Tribunal recorrido fez uma errada valoração da prova produzida em julgamento, que conduziu a um errado julgamento da matéria de facto provada e não provada que, por sua vez, redundou na errada condenação da recorrente.
B) Com o devido respeito por opinião contrária, entendemos que, ao dar como provados os factos constantes dos pontos 4), 7), 8) e 9), em vez de os incluir na matéria de facto não provada, o Tribunal incorreu em erro de valoração da prova produzida.
C) Bem como não incluiu na matéria dada como provada, o alegado em sede de contestação por parte da arguida recorrente, nomeadamente, o alegado no item 9, 10, 11, 12, 13 da referida contestação.
D) Para a convicção do Tribunal “a quo”, este atendeu aos depoimentos das testemunhas e dos documentos de fls 2 a 8, 9, 14, 79, 355 e o certificado do Registo Criminal da Arguida.
E) No que concerne ao item 4 a questão que se coloca é como é que o Tribunal formou a sua convicção de que os bens apreendidos eram diamantes em bruto, que os mesmos pesavam 45 gramas e o valor, após cambio oficial, era de 53.604,39€.
F) Em julgamento não foi produzida qualquer prova pela Acusação acerca da qualidade dos bens apreendidos, a sua quantidade, grau de pureza ou valor, conforme se extrai da motivação de facto escrita na Sentença Recorrida, apesar da recorrente ter requerido tal perícia e a mesma fora indeferida.
G) Inexistindo prova produzia em sede de Audiência de Julgamento, de acordo com o Princípio da Imediação da Produção da Prova, outro caminho não restaria ao Tribunal “a quo” que não o de dar como não provado este facto do item 4.
H) Neste sentido, deve o facto n° 4 fixado na matéria provada ser modificado para não provado, o que se pede.
I) Da alteração deste item 4 para facto não provado, deverá resultar o não preenchimento do tipo de ilícito de que vem acusada a arguida e, nesse seguimento, ser esta absolvida com a consequente devolução dos elementos apreendidos no âmbito dos presentes aos autos àquela.
J) No que respeita aos itens 7, 8 e 9 da matéria de facto provada, tal inserção contraria o que a prova testemunhal referiu, sendo esta prova testemunhal a mesma que serviu para sustentar a motivação de facto explanada por aquele Tribunal.
K) A este propósito leia-se o que as testemunhas disseram e que se encontra reproduzido a folhas 4 e 5 da Sentença recorrida.
L) Desta feita, não existem nos autos outros meios de prova que contrariem o que as testemunhas disseram sobre este ponto, nomeadamente, que a arguida, sabia que a importação de diamantes brutos exige o acompanhamento de certificado válido emitido por autoridade competente do SCPK.
M) Neste sentido, os factos ínsitos nos itens 7), 8) e 9) deveriam ser dados como provados, o que se pede alteração no Acordão a ser proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
N) Com a alteração dos itens 7), 8) e 9) da matéria de facto deverá resultar a absolvição da arguida, com a consequente restituição a esta dos bens apreendidos nos presentes autos, o que se pede.
O) No que concerne aos itens item 10, 11, 12 e 13 da contestação é nossa convicção que, pela prova produzida em audiência, a mesma deve ser inserida na matéria de facto provada.
P) A este propósito atente-se ao que disseram as testemunhas BB e CC, cujos depoimentos encontram-se vertidos a folhas 4 e 5 da Sentença recorrida.
Q) Neste seguimento, deveria constar na matéria provada dos autos que a arguida transportava os objectos aprendidos (diamantes) com vista a serem avaliados em ..., destino para onde tinha bilhete de avião; e que possuía factura e bilhete fiscal emitido pela alfandega Brasileira; sendo que os objectos não se destinavam à acto de importação; o que se pede seja inserido pelo Tribunal “ad quem” na matéria de facto, alterando-se o decidido pelo Tribunal “a quo”.
R) Nestes termos, deve a sentença recorrida ser revogada por Acórdão que absolva a arguida do crime de que vem acusados e ordene a restituição dos objectos (identificados como diamantes nos autos) fazendo-se, deste modo, Justiça!...
Sem prescindir:
S) Mesmo a manterem-se os factos dados como provados nos autos - o que só por hipótese académica se admite - o certo é que não há nenhum facto dado como provado do qual resulte que a arguida tinha importado ou exportado diamantes.
T) Na verdade, a arguida apenas transportava diamantes e nada mais foi apurado nos autos!
U) Pelo contrario, a arguida afirmou que os diamantes que transportava, tinham como único destino, uma avaliação dos mesmo a ser realizada em ... (cf. item 1) dos factos provados).
V) Assim, sendo, não se encontra preenchida a previsão normativa do artigo 25.° da Lei n.° 5/2015, de 15 Janeiro, razão pela qual deve a arguida ser absolvida do crime de que vem imputada.
W) Acresce que, não foi produzida qualquer prova em audiência, de acordo com o Princípio da Imediação da prova, que atestasse o valor real dos diamantes em causa bem como o seu grau de pureza, qualidade e quantidade!
X) Não tendo sido efectuada esta prova, não está preenchido o tipo de ilícito em causa.
Y) Note-se que a arguida transportava os diamantes com factura e nota fiscal da alfândega do ..., conforme resulta dos documentos de folhas 5 e 355 dos autos.
Z) Assim, também por este fundamento, deve a arguida ser absolvida do que vem acusada, com a consequente restituição dos diamantes a esta, o que se pede e deve ser declarado pelo Tribunal “ad quem”.
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O Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso, apresentando a sua motivação, sem extrair qualquer conclusão, pugnando pela improcedência do recurso.
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Admitido o recurso nos termos legais, neste Tribunal da Relação, a Exm.ª Procurador Geral Adjunta emitiu o seu parecer, defendendo a total improcedência do recurso, nos termos propostos na resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a recorrente não reagiu.
Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência para decisão do recurso, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do Código do Processo Penal.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÕES A DECIDIR:
Dos poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso
Conforme jurisprudência fixada, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 19/10/1995, in D.R., série I-A, de 28/12/1995).
Atentas as conclusões de recurso, são estas as questões a decidir por este Tribunal:
1. Saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de valoração da prova ao considerar provados os factos 4 (natureza, quantidade e valor dos diamantes) 7, 8, 9 (elemento subjetivo).
2. Saber se o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, quanto aos factos alegados nos artigos 9, 10, 11, 12, 13 da referida contestação.
3. Saber se da factualidade dada como provada resulta o preenchimento do tipo legal p. e p. pelo artigo 25.º da Lei n.º 5/2015.
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FACTOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA
Ficou a constar da sentença, como factos provados, o seguinte:
1 No dia … de 2020, pelas ... horas e ... minutos, a arguida estava no ..., na posse de um bilhete para o voo ..., com destino a ...;
2 A arguida havia chegado a Portugal provinda de ...), no voo ...;
3 Na área de transferência de passageiros daquele aeroporto informou não ter bagagem para declarar;
4 No sector de controlo de passageiros e bagagem a arguida retirou do bolso interior do casaco, um pacote de cor branca, que ali guardava, com o peso bruto de 45 gramas, contendo três sacos de plástico de pequenas dimensões - que acondicionavam diamantes em bruto de diferentes tamanhos no valor de §53.604.39 (cinquenta e três mil seiscentos c quatro euros e trinta cêntimos) - após câmbio oficial, sendo duas parcelas: uma com peso de 21,19 carats e valor de 5.300,00 USD e outra parcela com peso de 135,73 carats com valor de 54.992.00 USD, sendo ambas as parcelas constituídas por diamantes em bruto (Melee);
5 Os diamantes são pertença da sociedade ..., com sede em ..., na qual a arguida exerce funções de ..., sendo o objecto da sociedade o “comércio por grosso não especializado, nomeadamente barras de ouro, importação e exportação, ouro para investimento” e também “comércio a retalho de artigos de ourivesaria e joalharia”;
6 A arguida transportava os referidos diamantes, sem se fazer acompanhar do certificado comprovativo de que a sua remessa satisfazia os requisitos do Sistema de Certificação do Processo de Kimberley (SCPK) para o comércio internacional de diamantes em bruto, obrigatório por lei;
7 Bem sabia a arguida que a importação, o transporte, trânsito ou detenção, de diamantes em bruto exigem o acompanhamento de certificado válido emitido por autoridade competente do SCPK;
8 Agiu de modo livre, consciente e voluntário, pretendendo, como conseguiu, transportar para Espaço Schengen diamantes em bruto, sem se fazer acompanhar do certificado comprovativo que a remessa cumpria os requisitos legais;
9 Sabia a arguida que a sua conduta era proibida e punida por Lei Penal;
10 A arguida não tem antecedentes criminais.
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FACTOS NÃO PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA
Inexistem factos não provados.
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO NA SENTENÇA RECORRIDA
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“Para formar a convicção do Tribunal, quanto à matéria dada como provada, foram determinantes as declarações das testemunhas BB e CC.
A primeira testemunha explicou como exercício da sua actividade profissional no ... viu que um colega veio com a arguida que tirou um papel dobrado do bolso interior do casaco que pôs em cima da mesa e esta testemunha abriu-o e viu diamantes, pediu à arguida certificado de processo kimberley tendo-lhe ela dito que não tinha e desconhecia e mostrou no telemóvel nota fiscal do ... e fatura.
A testemunha viu fls. 2 a 2 verso dos autos explicando que é o auto de notícia que fez e documento 3 de fls. 5 do IVA de taxa 23% explicando o valor da mercadoria com base na nota fiscal do ... e fatura que a arguida lhe mostrou no telemóvel assim como explicou o pedido que fez à arguida que disse desconhecer a legislação quando lhe pediu o certificado de processo kimberley tendo ainda explicado que a fls. 9 dos autos consta o que apreendeu à arguida tal como também explicou vendo o documento de fls. 355 que é a nota fiscal … mas não sabe dizer agora se foi a que a arguida lhe mostrou no telemóvel.
A arguida apresentou rol de testemunhas tendo sido ouvida a testemunha CC.
A testemunha de defesa da arguida, mãe da arguida, explicou que a arguida estudou administração e ajuda esta testemunha na empresa desta testemunha e do marido na documentação assim como esclareceu que a empresa trabalha com ouro e a filha tinha conhecimento das pedras mas esta testemunha e o marido tinham necessidade de avaliação e veio a arguida, a ideia dela vir foi do marido desta testemunha que tinha idade avançada e pediu à arguida para vir a ... sabendo que ela foi detida em Lisboa ficando ambos apreensivos, tristes, culpados por lhe terem pedido para vir tal como explicou que a nota fiscal foi tirada pelo marido desta testemunha mas esta testemunha não sabia da necessidade de certificado que era obrigatório e se soubessem a arguida não teria ido, vendo que a arguida ficou muito triste c abatida.
Mais esclareceu que a arguida ajudava na documentação da empresa, na administração porque ela se formou - tratou da documentação das terras e trabalhavam só com ouro e diamante nesta vez - foi a primeira vez que tinha diamante que precisavam de o avaliar c tinham que ir à Europa para isso pois no ... esta testemunha sabe que não tinham avaliador assim como disse que a arguida para vir de viagem à Europa tratou de papeis e sabia que vinha avaliar que não era ouro, era outro material, e por falta de conhecimento não se informou.
Explicou também que têm empresa “faz tempo”, mais de 20 anos, a filha desde que se formou ajudou na empresa também trabalhou em loja e noutras coisas, mas sempre os ajudou e não fizeram seguro para a viagem à Europa tal como disse que a arguida trabalhava sempre presente com os pais.
A primeira testemunha explicou a actuação da arguida e o que mesma tinha na sua posse enquanto que a segunda testemunha explicou que a arguida, sua filha veio com os diamantes assim como disse que a arguida desde que se formou ajudou na empresa dos pais pelo que o Tribunal ficou convencido que a arguida exercendo tal actividade profissional sabe que a importação, o transporte, trânsito ou detenção, de diamantes em bruto exigem o acompanhamento de certificado válido emitido pela autoridade competente aliás tal é do conhecimento geral pelo que conjugando estes depoimentos que foram credíveis para o Tribunal com os documentos que constam dos autos nomeadamente o auto de notícia, fotografias de fls. 6 a 8, auto de apreensão de fls. 9 e documento de fls. 355 o Tribunal ficou convencido da actuação da arguida e que no dia … de 2020, pelas … horas e … minutos, a arguida estava no ..., na posse de um bilhete para o voo …, com destino a ... tendo chegado a Portugal provinda de ...), no voo ….
Na área de transferência de passageiros daquele aeroporto informou não ter bagagem para declarar mas no sector de controlo de passageiros e bagagem a arguida retirou do bolso interior do casaco, um pacote de cor branca, que ali guardava, com o peso bruto de 45 gramas, contendo três sacos de plástico de pequenas dimensões - que acondicionavam diamantes em bruto de diferentes tamanhos no valor de 653.604.39 (cinquenta e três mil seiscentos e quatro euros e trinta cêntimos) – após câmbio oficial, sendo duas parcelas: uma com peso de 21,19 carats e valor de 5.300,00 USD e outra parcela com peso de 135,73 carats com valor de 54.992.00 USD, sendo ambas as parcelas constituídas por diamantes cm bruto (Melce).
Os diamantes são pertença da sociedade ..., com sede em ..., na qual a arguida exerce funções de ..., sendo o objecto da sociedade o “comércio por grosso não especializado, nomeadamente barras de ouro, importação e exportação, ouro para investimento” e também “comércio a retalho de artigos de ourivesaria e joalharia”.
A arguida transportava os referidos diamantes, sem se fazer acompanhar do certificado comprovativo de que a sua remessa satisfazia os requisitos do Sistema de Certificação do Processo de Kimberley (SCPK) para o comércio internacional de diamantes em bruto, obrigatório por lei bem sabendo que a importação, o transporte, trânsito ou detenção, de diamantes em bruto exigem o acompanhamento de certificado válido emitido por autoridade competente do SCPK.
A arguida agiu de modo livre, consciente e voluntário, pretendendo, como conseguiu, transportar para Espaço Schengen diamantes em bruto, sem se fazer acompanhar do certificado comprovativo que a remessa cumpria os requisitos legais, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei Penal.
Foram ainda tidos em consideração os documentos de fls. 2 a 8 (auto de notícia e fotografias), 9 (auto de apreensão), 14 (bilhete), 79 (certidão de matrícula), 355 (documento) e ao certificado de Registo Criminal da arguida quanto aos seus antecedentes criminais.
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III - APRECIAÇÃO DO RECURSO
No presente recurso, a recorrente alega, em síntese, que o Tribunal a quo incorreu em erro de valoração da prova ao considerar provados os factos 4 (natureza, quantidade e valor dos diamantes) 7, 8, 9. Para tanto alega que, «Em julgamento não foi produzida qualquer prova pela Acusação acerca da qualidade dos bens apreendidos, a sua quantidade, grau de pureza ou valor, conforme se extrai da motivação de facto escrita na Sentença Recorrida, apesar da recorrente ter requerido tal perícia e a mesma fora indeferida», sendo que «No que respeita aos itens 7, 8 e 9 da matéria de facto provada, tal inserção contraria o que a prova testemunhal referiu, sendo esta prova testemunhal a mesma que serviu para sustentar a motivação de facto explanada por aquele Tribunal.».
No caso em apreço, em face do alegado pela recorrente, não está em causa qualquer erro de julgamento, mas apenas a invocação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova (artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal). Com efeito, a mesma apenas alega que a prova produzida em julgamento não poderia ter levado o Tribunal a quo a dar como provado os factos constantes dos pontos 4, 7, 8 e 9.
Neste caso, estamos perante vícios da decisão e não do julgamento, pelo que os mesmos têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida.
No que diz respeito ao facto dado como provado no ponto 4, alega a recorrente que a prova produzida e referida pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua prova não é suficiente para tal, tanto mais que a natureza, qualidade e valor dos diamantes não resultaram minimamente provados das declarações das testemunhas ouvidas sobre tal matéria em audiência de julgamento.
Neste plano, como refere o o Acórdão do STJ de 27.05.2010 (ECLI:PT:STJ:2010:18.07.2GAAMT.P1.S1.3B), “A insuficiência prevista na alínea a) determina a formação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa. Insuficiência em termos quantitativos, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto.(…) o vício consiste numa carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis e que impede que sobre a matéria de facto seja proferida uma decisão de direito segura; a “insuficiência” relevante não pode ser considerada apenas em relação a uma concreta decisão que esteja em causa, devendo atender-se, para aferir a carência factual para uma decisão segura, ao quadro das várias soluções plausíveis da questão de direito”
Analisada a motivação do Tribunal a quo, é manifesto que o mesmo não assenta a prova sobre a natureza dos diamantes e seu valor nas declarações das testemunhas, antes assenta no teor do relatório pericial constante de fls. 118 e seguintes, quando refere que a arguida no dia e local referido na acusação «guardava, com o peso bruto de 45 gramas, contendo três sacos de plástico de pequenas dimensões - que acondicionavam diamantes em bruto de diferentes tamanhos no valor de 653.604.39 (cinquenta e três mil seiscentos e quatro euros e trinta cêntimos) – após câmbio oficial, sendo duas parcelas: uma com peso de 21,19 carats e valor de 5.300,00 USD e outra parcela com peso de 135,73 carats com valor de 54.992.00 USD, sendo ambas as parcelas constituídas por diamantes cm bruto (Melce).». Todavia, por manifesto lapso não indica as páginas dos autos donde consta o referido relatório pericial, sendo certo que em mais nenhuma prova se podia sustentar o Tribunal a quo para fazer tais menções à natureza e valor dos diamantes que não fosse ao relatório pericial constante dos autos, uma vez que tais factos exigem especiais conhecimentos técnicos que a impõem (cf. artigo 151.º do Código de Processo Penal e artigos 13.º a 15.º da Lei n.º 5/2015, de 15.01).
Aqui chegados, urge discutir da relevância de tal lapso e sua consequência processual.
Desde logo, entendemos que estamos perante um efetivo lapso, por omissão da indicação das páginas dos autos, porquanto a transposição do seu teor para a motivação é demonstrativa que o Tribunal a quo analisou o relatório pericial, concordando com o seu teor.
Quanto às consequências de tal omissão é necessário analisar a sua relevância na economia da decisão e se a mesma afeta a sua compreensão, de tal modo que a adição de um novo elemento à mesma consubstancia uma alteração relevante para a compreensão da mesma e para as possibilidades de defesa do arguido.
Sempre que a correção de qualquer lapso, omissão, ambiguidade ou obscuridade da sentença não se apresente como uma alteração relevante à decisão proferida, de tal modo que diminua a capacidade do arguido de se defender da mesma, apenas concretizando, elucidando ou aditando um elemento já subjacente à decisão e contraditado pelo arguido, o mesmo deve ser corrigido a requerimento ou oficiosamente pelo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 380.º do Código de Processo Penal.
Sendo relevante ou essencial, impactando o direito de defesa do arguido, o mesmo terá de ser tratado no plano das nulidades da sentença, nos termos do disposto enunciados no artigo 379.º do Código de Processo Penal.
No caso em apreço, tal omissão não é relevante para compreender o sentido da decisão, porquanto o seu teor está expressamente referido na motivação, não havendo qualquer outro elemento no qual se pudesse o Tribunal a quo basear para fundamentar a sua convicção quanto à prova do facto constante do ponto 4. Aliás, a arguida demonstra no seu requerimento de recurso ter compreendido o sentido de tal referência ao repristinar a questão já suscitada por si, por diversas vezes nos autos, da requerida renovação da perícia ou da audição dos peritos em audiência de julgamento. Ao contrário do por si referido, que não foi realizada nos autos qualquer perícia, a mesma existe e sobre a mesma se pronunciou o Tribunal a quo na sua decisão, plasmando as suas conclusões na sua convicção.
Por outro lado, estando em causa uma perícia a mesma não carece de ser produzida em audiência de julgamento para poder ser valorada, impondo-se ao Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Deste modo, não faz qualquer sentido falar-se do Princípio da Imediação da Produção de Prova como pressuposto da sua valoração, porquanto, no caso em apreço, a referida prova pericial é um juízo técnico que vale por si, sem necessidade de qualquer mediação do juiz, sem prejuízo do disposto no artigo 163.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Ainda quanto a esta matéria da perícia, vem ainda a recorrente alegar que não foi deferida a realização de uma nova perícia, o que coloca em causa o seu direito de defesa. Também quanto a esta matéria não assiste qualquer razão à recorrente.
Em primeiro lugar, a mesma requereu uma nova perícia na sua contestação, a qual foi indeferida por despacho judicial de 29.09.2022, que transitou em julgado, pelo que a mesma se conformou com tal decisão, formando-se, quanto a esta matéria, caso julgado formal (nos termos do artigo 620.º do Código de Processo Civil, por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal). Com efeito, sendo tal indeferimento suscetível de fundamentar um recurso, ao não o ter feito, a recorrente conformou-se definitivamente com o mesmo.
Em segundo lugar, sendo manifesto que a renovação de uma perícia só pode ser deferida em situações em que se coloca em causa a capacidade técnica do perito inicial, ou em que o relatório pericial assente em factos incorretos ou apresente incorreções, exige-se ao requerente que fundamente, nestes termos, o seu pedido de renovação da perícia. Para o seu deferimento não bastava pedir uma nova perícia, antes exigia-se que fundamentasse, naqueles termos, os motivos da discordância, o que manifestamente a arguida nunca fez. O mesmo se diga quanto ao pedido de audição dos peritos em sede de audiência de julgamento, o qual foi também indeferido pelo Tribunal a quo.
Deste modo, não só a convicção do tribunal quanto ao facto provado no ponto 4 se encontra perfeitamente motivado atento o teor do relatório pericial junto aos autos, como a não realização de nova perícia ou audição dos peritos em audiência de julgamento não violou o preceito constitucional que consagra o direito de defesa dos arguidos.
Assim, e nesta parte, sendo improcedente o alegado pela recorrente, determina-se o aditamento na parte da motivação da decisão de facto, da referência à perícia para prova do ponto 4 da fundamentação de facto, constante de fls. 118 a 126, nos termos do disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e 2 do Código de Processo Penal.
Quanto aos factos provados constantes dos pontos 7 a 9, os mesmos referem-se aos elementos subjetivos do crime imputado.
Estando em causa essencialmente elementos que nos remetem para a psicologia do arguido, do seu modo de atuação, de compreensão da sua atuação num contexto historicamente situado, a sua prova poderá resultar da sua própria confissão – prova direta – ou, na ausência de confissão, da conjugação de elementos objetivos, avaliados pelas máximas da experiência comum e das regras da lógica e do raciocínio, aplicáveis a situações similares.
Como refere o Professor Jorge de Figueiredo Dias, quanto ao dolo, “Do que neste elemento verdadeiramente e antes de tudo se trata é da necessidade, para que o dolo do tipo de afirme, que o agente conheça, saiba, represente corretamente ou tenha consciência (consciência “psicológica” ou consciência “intencional”, note-se bem) das circunstâncias do facto (e não de facto, atente-se, porque tanto poem ser “de facto” como “de direito”) que preenche um tipo de ilícito objetivo (art. 16.º-1)”.1
Para a afirmação de um comportamento doloso, torna-se, portanto, necessário que “o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à ação intentada, para o seu carácter ilícito; porque tudo isso é indispensável para se poder afirmar que o agente detém, ao nível da sua consciência intencional ou psicológica, o conhecimento necessário para que a sua consciência ética, ou dos valores, ponha e resolva corretamente o problema a ilicitude do comportamento”.2 Só assim é possível afirmar uma consciência ou psicológica atualizada ao momento da ação, enquanto “co-consciência imanente à ação”.3
Neste plano, exige-se que num processo lógico-racional se possa estabelecer um juízo de relacionação adequada e proporcional entre a atuação do arguido e uma determinada motivação interior, de tal modo que se possa chegar à conclusão que o mesmo atuou do modo que fez em resultado de uma motivação e vontade livre e consciente de agir desse modo.
No caso em apreço, na ausência de confissão da arguida nesse sentido, a prova do elemento subjetivo do crime imputado teria sempre de resultar da análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento e da constante dos autos, sopesada pelas regras da experiência e dos juízos lógicos e racionais inerentes ao princípio da livre apreciação da prova.
Analisada a motivação expressa pelo Tribunal a quo, não podemos deixar de concluir que tal análise foi feita, e da mesma apenas poderia resultar a conclusão que a arguida atuou nos termos descritos nos pontos 7 a 9 da fundamentação de facto.
Na motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo explicitou as razões que o levaram a dar como provados os factos relacionados com o elemento subjetivo da infração imputada à arguida, sendo que as mesmas assentam em regras da lógica e da experiência estruturantes da sua livre apreciação da prova, que não merecem qualquer censura.
Em primeiro lugar, dir-se-á que da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento não se pode concluir, como pretende a recorrente, pela não verificação dos factos constantes dos pontos 7 a 9. Por um lado, parte da mesma é irrelevante para este juízo, porquanto assenta em apreciações subjetivas sobre a atuação da arguida, sem daí se retirar qualquer elemento objetivo que permita fundamentar o juízo lógico-racional que imponha uma conclusão diversa da constante nos autos quanto à verificação do elemento subjetivo do crime em apreço.
Por outro lado, do depoimento da mãe da arguida resulta claro que esta trabalhava na empresa da família, na parte da documentação da empresa.
Acresce que resulta provado que «Os diamantes são pertença da sociedade ..., com sede em ... na qual a arguida exerce funções de ..., sendo o objecto da sociedade o “comércio por grosso não especializado, nomeadamente barras de ouro, importação e exportação, ouro para investimento” e também “comércio a retalho de artigos de ourivesaria e joalharia».
Tendo presente que a arguida e a família têm uma atividade comercial assente no comércio de ouros e pedras preciosas, no quadro de normalidade que deve pautar a vida em sociedade não se afigura verosímil que não soubessem quais as exigências legais impostas no espaço da União Europeia para o transporte de diamantes, tanto mais que esta informação é facilmente obtida em qualquer site especializado a que as empresas desta área têm acesso.
No caso em apreço, as exigências impostas pela Lei n.º 5/2015, de 15.01, resultam da necessidade de transpor para a legislação nacional do regime instituído pelo Regulamento de execução (UE) 2015/1374, da Comissão, de 7 de agosto de 2015.
Este Regulamento impôs a aplicação do sistema de certificação do Processo de Kimberley (SCPK) para o comércio internacional de diamantes em bruto, visando prevenir que diamantes provenientes de zonas de conflito entrem no mercado legal, assegurando assim que o comércio de diamantes não financia grupos armados ou seus aliados que tentam minar governos legítimos.
Aliás, esta exigência foi assumida pelo próprio ... que consagrou tal exigência através da Lei n.º 10.743.45
Deste modo, não é verosímil que a arguida não se tivesse informado dos procedimentos legais necessários para transportar diamantes para o espaço da União Europeia, quando o mesmo é similar, no que diz respeito à exigência de se fazer acompanhar do certificado do Processo de Kimberley, ao que consta no Brasil, podendo o mesmo ser, inclusive, emitido por meio eletrónico.6
Numa atividade tão especializada quanto o comércio de ouro, joalharia e peças preciosas, a informação sobre os procedimentos legais é absolutamente essencial, não sendo crível que uma empresa em atividade há cerca de 20 anos não tenha um conhecimento profundo sobre as mesmas, tanto mais que a informação é pública e facilmente acessível para tais empresas.
Daqui resulta que a arguida não podia deixar de saber quais as formalidades impostas para o transporte de diamantes, preenchendo a sua atuação o elemento subjetivo do crime imputado. Com efeito, sabendo que não podia transportar diamantes no espaço europeu sem o referido certificado, fê-lo consciente, deliberada e livremente.
Nestes termos, e nesta parte, improcede o recurso.
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Vem ainda a recorrente alegar que os factos constantes dos pontos 10 a 13 da contestação deviam constar da sentença, como matéria de facto provada.
A factualidade referida pela recorrente é a seguinte:
“10.º Aliás, a Arguida trazia consigo os diamantes em causa com a única finalidade de proceder à sua avaliação em ..., destino para o qual possuía bilhete de avião – o que se encontra devidamente documentado nos autos.
11.º Possuía a fatura e a nota fiscal da alfandega brasileira referente aos bens em causa – o que logrou juntar aos autos como doutamente ordenado.
12.º Os diamantes em causa não se destinavam ao comércio, nem a atuação da Arguida configura qualquer ato de importação.
13.º Não estava, portanto, a Arguida a proceder a qualquer descaminho ou contrabando dos diamantes em causa – tal como vem acusada.”
A referida omissão consubstancia, no entender da recorrente, uma omissão de pronúncia, situação esta prevista no artigo 379.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal, que implicaria, nesta parte, a nulidade da decisão recorrida.
Nesta matéria, dispõe o artigo 379.º do Código de Processo Penal que “1 - É nula a sentença (…): c) Quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).
Como refere o Acórdão do STJ de 5.5.2021, Proc. n.º 64/19.3T9EVR.S1.E1.S1, relatado pelo Conselheiro Nuno Gonçalves, “I - A sentença ou acórdão devem ser esgotantes e autossuficientes, no sentido de conhecer da totalidade das pretensões e de conter todos os elementos indispensáveis à compreensão do juízo decisório. II - Omissão de pronúncia significa ausência de conhecimento ou de decisão do Tribunal sobre matérias que a lei impõe que o juiz resolva. III - Ocorre quando o Tribunal deixa de apreciar e julgar questões de facto e/ou de direito que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos e não argumentos mais ou menos hipotéticos, opinativos ou doutrinários.” (in www.dgsi.pt).
Abrange, deste modo, a situação de o Tribunal não dar como provados ou não provados factos relevantes alegados na acusação, no pedido cível ou na contestação (neste sentido, vide Acórdão do TRL de 10/01/2013, Relator Abrunhosa de Carvalho, Proc. n.º 905/05.2JFLSB.L1-9, disponível em www.dgsi.pt).
Todavia, não é qualquer omissão que consubstancia uma omissão de pronúncia, antes a mesma tem de ser relevante, atentas as questões a decidir e o objeto de valoração e apreciação pelo Tribunal.
No caso em apreço, como resulta claro da própria decisão, a imputação à arguida do crime previsto e punido pelo artigo 25.º da Lei n.º 5/2015, de 15.01, apenas se refere ao seu transporte sem se fazer acompanhar do certificado válido emitido pela autoridade competente do SCPK, nos termos do número 2 da citada norma legal. Não estando em causa qualquer punibilidade por alegado ato de importação ou exportação, é manifestamente irrelevante para a qualificação jurídico-penal dos factos da acusação, a existência da nota fiscal da alfandega brasileira referente aos bens em causa ou a alegação que os mesmos não se destinavam ao comércio.
Estando em causa apenas o transporte, como resulta do teor dos factos constantes dos pontos 6 e 8 da fundamentação de facto da decisão recorrida, a menção a tais factos era irrelevante, não configurando qualquer omissão de pronúncia a sua não inclusão na sentença, geradora de nulidade da mesma.
Em última instância, tais factos poderiam apenas relevar para a determinação concreta da medida da pena a aplicar à arguida, o que no caso em apreço nem sequer releva uma vez que foi aplicada à arguida uma pena no seu limite inferior de 3 anos, suspensa na sua execução, demonstrativo que foram sopeados todos os elementos abonatórios para a recorrente.
Nestes termos, e nesta parte, não padece a sentença de qualquer omissão de pronúncia donde resulte a sua nulidade parcial.
Em consequência, improcede, nesta parte, o recurso.
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Por fim, alega a recorrente que mesmo mantendo-se a matéria de facto provada inalterada da mesma não resulta «preenchida a previsão normativa do artigo 25.º da lei n.º 5/2015».
Nesta matéria, dispõe o artigo 25.º do citado diploma legal, que «1 - A importação ou exportação de diamantes em bruto, sem que os mesmos se apresentem acompanhados de um certificado válido emitido pela autoridade competente do SCPK, constitui crime aduaneiro de contrabando, sendo punido com pena de prisão de 3 a 8 anos. 2 - Na mesma pena incorre quem oferecer, puser à venda, vender, ceder ou por qualquer título receber, comprar, transportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver diamantes em bruto, sem que os mesmos se apresentem acompanhados do certificado válido emitido pela autoridade competente do SCPK. 3 - A tentativa é punível. 4 - A prática dos crimes previstos nos n.os 1 e 2 determina sempre a perda dos diamantes em bruto a favor do Estado.»
Para compreender a norma citada é necessário compreender o seu enquadramento subjacente.
A Lei n.º 5/2015, de 15.01 veio assegurar a execução no ordenamento nacional do Regulamento (CE) n.º 2368/2002, do Conselho, de 20 de dezembro, relativo à aplicação do Sistema de Certificação do Processo de Kimberley para o comércio internacional de diamantes em bruto.
O Regulamento (CE) n.º 2368/2002, do Conselho, de 20 de dezembro, foi criado para implementar o Sistema de Certificação do Processo de Kimberley (SCPK) no comércio internacional de diamantes em bruto. Este regulamento surge num contexto mundial marcado pela necessidade de combater o comércio de "diamantes de conflito", que são diamantes extraídos em zonas de guerra e vendidos para financiar conflitos armados contra governos legítimos.
O Processo de Kimberley foi estabelecido em 2003 como uma iniciativa conjunta de governos, indústria de diamantes e sociedade civil, com o objetivo de aumentar a transparência e a segurança no comércio de diamantes em bruto. O sistema exige que os diamantes em bruto sejam acompanhados por um certificado que comprove que não são provenientes de zonas de conflito, garantindo assim que o comércio de diamantes não financie atividades ilegais ou violentas.
No plano europeu, este regulamento é fundamental para assegurar que os países da União Europeia cumprem os requisitos do SCPK, promovendo um comércio ético e responsável de diamantes em bruto.
Em face deste enquadramento é compreensível que a Lei n.º 5/2015, de 15.01 criminalizasse não só a exportação e importação dos diamantes, mas também o seu mero transporte sem estar acompanhado pelo referido certificado. Com efeito, o mero transporte sem estar acompanhado do referido certificado, dificulta o seu rastreamento, potenciando o tráfico ilegal deste tipo de diamantes.
Deste modo, a punição do mero transporte impunha-se como um elemento essencial para atingir o objetivo de impedir que tais diamantes possam circular livremente, sem qualquer controlo, no comércio mundial de peças preciosas.
No caso em apreço, resultando provado que a arguida transportava os referidos diamantes sem se fazer acompanhar do certificado comprovativo de que a sua remessa satisfazia os requisitos do Sistema de Certificação do Processo de Kimberley (SCPK) para o comércio internacional de diamantes em bruto, obrigatório por lei, bem sabendo que estava obrigada a fazê-lo, não poderia a mesma deixar de ser condenada pelo crime previsto na citada norma legal.
Ainda assim dir-se-á que sendo a arguida condenada pelo transporte dos dimanantes e não pela sua importação ou exportação, é absolutamente necessário, na parte decisória, a concretização do segmento da norma aplicável, não se bastando com a mera referência ao artigo 25.º da Lei n.º 5/2015, de 15.01.
Sendo este um lapso que não altera o sentido e compreensão da decisão, ainda assim urge corrigir, determinando-se, nos termos do disposto no artigo 380.º, n.º1, alínea b) e 2 do Código de Processo Penal, que a parte decisória passe a ter a seguinte redação: “Condenar a arguida AA como autora material de um crime aduaneiro de contrabando de diamantes em bruto, previsto e punido pelo artigo 25°, n.º 2, da Lei n.° 5/2015, de 15 de janeiro, conjugado com o artigo 102° do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de junho, e pelo n° 4 do artigo 9.º da Lei n.° 5/2015, de 15.01, que assegura a execução na ordem jurídica interna do Regulamento (CE) n.° 2368/2002, do Conselho, de 20.12, relativo à aplicação do SCPK, na pena de 3 (três) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período”
Estando verificado o crime, a perda dos diamantes é uma consequência legal, expressamente prevista no artigo 25.º, n.º 4 da citada norma, pelo que também, nesta parte, improcede o recurso apresentado.
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IV – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação:
1. Negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
2. Aditar à motivação de facto a referência à perícia para prova do ponto 4 da fundamentação de facto, constante de fls. 118 a 126, nos termos do disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e 2 do Código de Processo Penal.
3. Alterar a redacção da parte decisória, passando a mesma a ter a seguinte redação: “Condenar a arguida AA como autora material de um crime aduaneiro de contrabando de diamantes em bruto, previsto e punido pelo artigo 25°, n.º 2, da Lei n.° 5/2015, de 15 de janeiro, conjugado com o artigo 102° do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de junho, e pelo n° 4 do artigo 9.º da Lei n.° 5/2015, de 15.01, que assegura a execução na ordem jurídica interna do Regulamento (CE) n.° 2368/2002, do Conselho, de 20.12, relativo à aplicação do SCPK, na pena de 3 (três) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período”.
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Custas pela arguida recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs [artigos 513.º, n.o 1, do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa].
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Lisboa, 6.2.2025
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP -, com assinaturas eletrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do art.º 19.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09)
João Ferreira
Rui Coelho
Ester Pacheco dos Santos
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1. Cfr. Dias, Jorge de Figueiredo (2019). “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 3.ª edição, Gestlegal, p 409-410.
2. Cfr. Dias, Jorge de Figueiredo, Op.Cit., p. 410
3. Cfr. Dias, Jorge de Figueiredo, Op.Cit., p. 415
4. Cfr. https://www.gov.br/mme/pt-br/arquivos/sgm-publica-estudo-sobre-o-processo-kimberley.pdf.
5. Cfr. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2003/lei-10743-9-outubro-2003-459955-publicacaooriginal-1-pl.html
6. Cfr. https://www.gov.br/anm/pt-br/assuntos/noticias/2019/anm-adota-certificado-do-processo-de-kimberley-digital