QUALIFICAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
SOCIEDADE COMERCIAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
ILICITUDE
CULPA
DANOS PATRIMONIAIS
LISTA DE CRÉDITOS RECONHECIDOS E NÃO RECONHECIDOS
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
IRREGULARIDADE
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
RECURSO SUBORDINADO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PROVA TABELADA
Sumário


I. Em termos processuais
1. No âmbito de um incidente de qualificação da insolvência, o recurso de revista rege-se, não pelo artigo 14/1 CIRE, mas pelas normas do CPC ex vi artigo 17º do CIRE.
2. Em princípio, o STJ conhece apenas de Direito. Excecionalmente, conhece de Facto quando estejamos perante: (1) facto para o qual a lei exija certo meio de prova ou (2) meio de prova com valor tabelado por lei.
3. Se determinada questão não tiver sido integrada no recurso de apelação, não pode vir a ser suscitada, depois, no recurso de revista interposto pelo apelante.
4. A circunstância de o recurso subordinado não depender do mérito do recurso principal não obsta a que aquele possa ser considerado prejudicado, no todo ou em parte, em virtude de a utilidade económica pelo mesmo visada ter sido atingida através da improcedência do recurso principal.
II. No contexto de um incidente de qualificação da insolvência como culposa
5. Apenas as irregularidades contabilísticas, quanto aos exercícios da sociedade devedora dos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, se situam no período relevante fixado no n.º 1, do artigo 186º CIRE. Contudo, nada impede que se ponderem os factos desencadeantes ocorridos em período anterior, cujos efeitos se repercutam na contabilidade do assinalado período de três anos, em ordem a melhor compreensão da situação económica e financeira da sociedade.
6. Cumpre aos gerentes diligenciar para que sejam inscritos, inicialmente, como “provisão” os créditos reclamados pelos autores de ações intentadas contra a sociedade e, posteriormente, transitada em julgado a decisão de condenação, como “passivo” da sociedade devedora.
7. De igual sorte lhes compete fazer corresponder os registos contabilísticos à realidade da empresa, o que não acontece quando no balancete geral acumulado da sociedade devedora, respeitante ao exercício económico de determinado ano, tenha sido registado que aquela era detentora de um crédito no montante de € 137.586,10, quando afinal era devedora desse mesmo montante.
8. Na ausência de prova em contrário, é de concluir que essas irregularidades impedem a compreensão da verdadeira situação económica e financeira daquela sociedade em cada um desses exercícios e também do seu evoluir, encontrando-se, por isso, preenchidos os factos base da ficção legal de insolvência culposa da al. h), do n.º 2, do art. 186º do CIRE.
9. A atual redação da alínea e) do n.º 2 do artigo 189º do CIRE, aplicável ao caso, veio estabelecer a possibilidade de o tribunal graduar a indemnização “até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos”, resolvendo, assim, um debate anteriormente instalado a propósito da anterior redação do preceito que aludia, outrossim, ao “montante dos créditos não satisfeitos”.
10. É possível, pois, em tese (mediante a verificação das ponderáveis relevantes, como por exemplo: o grau de ilicitude e de culpa, isto é, o contributo do comportamento dos afetados para a criação ou agravamento da insolvência), fixar o valor da indemnização em valor inferior ao dos créditos reconhecidos.
11. No contexto das irregularidades assinaladas, não se tendo provado factos demonstrativos de que o comportamento ilícito e culposo dos recorrentes se projetou num prejuízo aos credores, inferior àquele que lhes foi reconhecido por sentença em ação condenatória transitada em julgado, antes decorrendo que o comportamento dos recorridos é causa do prejuízo sofrido pelos credores e verificando-se que não existem bens apreendidos e, não havendo qualquer ativo, afigura-se ajustada a condenação no valor dos créditos causa.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


Processo n.º 7920/19.7T8VNF-A.G1

6ª Secção

Recorrentes/recorridos: AA e BB (recurso principal) e CC e mulher DD (recurso subordinado).

I- RELATÓRIO

I.1. CC e mulher DD, na qualidade de credores, em 30/12/2019, instauraram o presente incidente por apenso ao processo de insolvência de Construções J..., Lda..

Por sentença de 16.06.2020, transitada em julgado, a ação foi julgada procedente.

O administrador da insolvência emitiu parecer no sentido de que a insolvência fosse qualificada como culposa e fosse afetado por essa qualificação AA, sócio e gerente daquela sociedade.

Para tanto alegou, em suma, que, desde o ano de 2017, a sociedade devedora apresenta um saldo de ativo não corrente nulo. Na transição de 2017 e 2018, foi transmitido grande parte do ativo da empresa devedora, em que o valor alcançado serviu para fazer face à liquidação de grande parte das dívidas existentes até então, mas foram prejudicados outros credores que reclamaram os seus créditos e que viram reconhecidos créditos sobre a insolvência no montante global de € 243.771,88. A devedora foi condenada a pagar duas indemnizações, no montante global de aproximadamente € 150.000,00, em janeiro de 2018 e setembro de 2019, respetivamente, sem que tivesse incluído essa dívida na sua contabilidade, o que a torna enganosa e fictícia por ocultar valores relevantes e contrariar o princípio da verdade do balanço. Pelo sócio-gerente da devedora e o genro deste foi constituída uma nova sociedade, denominada S..., Lda., para a qual foram transferidas maquinarias, carrinhas, trabalhadores e obras em curso que a devedora detinha, o que indica a ocultação de bens e atos de delapidação do património desta. A devedora devia ter-se apresentado à insolvência em 2017, uma vez que, em junho de 2016, foi constituída uma dívida de € 82.325,29 para com o Condomínio do Edifício O...; existe uma dívida de € 86,12 por contribuições não pagas à Segurança Social dos anos de 2014 e 2015; em janeiro de 2018 e setembro de 2019, foi constituída uma dívida para com CC e DD no montante de € 158.453,47; em junho de 2020, foi constituída uma dívida para com EE; e foi constituída uma dívida de €17,00 para com a Autoridade Tributária. Não há qualquer informação referente à contabilidade da devedora do ano de 2020, sendo que a última prestação de contas apresentada e registada foi a do exercício do ano de 2018. Nos três anos anteriores à declaração da insolvência, foi vendido o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..49, pelo preço de €100.000,00, e o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ....05-O, pelo preço de €118.500,00. Existem cerca de € 374,59 em caixa, dos quais se desconhece o destino e €50.000,00 referentes ao cliente CC.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que a insolvência fosse qualificada como culposa e fossem afetados pela qualificação AA, gerente de direito e de facto da sociedade devedora, e BB, gerente de facto desta.

Como fundamento desse parecer alegou, em síntese, que a devedora tem como único gerente de direito, desde a sua constituição, AA, mas era gerida por este e por BB, sendo os dois que decidiam os negócios da sociedade devedora e os termos desses negócios, acordavam as relações comerciais que a devedora mantinha com terceiros, com quem tratavam, emitiam cheques, contactavam bancos e geriam, administravam e representavam toda a atividade da sociedade devedora. Desde pelo menos 30 de junho de 2019, os identificados AA e BB deixaram de entregar os elementos contabilísticos da sociedade devedora necessários para que fosse elaborada a contabilidade e inexiste contabilidade organizada respeitante ao exercício do ano de 2020. Ambos os gerentes foram condenados pela prática de um crime de abuso de confiança na qualidade de gerentes da sociedade devedora por factos ocorridos no ano de 2012. Por decisões transitadas em julgado em 06/04/2018 e 30/10/2019, a sociedade devedora foi condenada a pagar a CC e DD as quantias de 17.379,00 euros e 137.586,10 euros, respetivamente, e o balancete geral acumulado daquela relativo ao exercício económico do ano de 2019 não só não reflete essas dívidas, como regista precisamente o oposto, ou seja, que a devedora é credora dos identificados CC e DD. Desde 31/12/2015, a devedora não tem qualquer trabalhador ao seu serviço e apresentava uma dívida de 82.325,19 euros, pelo que, a partir do encerramento do exercício do ano de 2016 mostrava-se incapaz de gerar riqueza, estando apenas a acumular prejuízos. Após aquela data, constituiu-se a descrita dívida de 137.586,10 euros da sociedade devedora para com CC e DD. Face à inércia de AA e BB em adotarem medidas de contenção de prejuízos acabaram por ser reconhecidos créditos sobre a insolvência no montante global de 243.771,88 euros, parte significativa dos quais foram constituídos e venceram-se a partir de 01/01/2017.

A sociedade devedora e AA deduziram oposição, defendendo-se por impugnação, sustentando que BB nunca foi gerente de facto da sociedade devedora e impugnando grande parte da facticidade alegada pelo administrador da insolvência e pelo Ministério Público.

Concluíram pedindo que a insolvência fosse qualificada como fortuita; subsidiariamente, a considerar-se a insolvência como culposa, se declarasse afetado por essa qualificação apenas o gerente de direito, AA.

BB deduziu oposição, defendendo-se por impugnação, impugnando grande parte da facticidade alegada pelo administrador da insolvência e pelo Ministério Público.

Concluiu pedindo que fosse absolvido da proposta de afetação pela qualificação da insolvência como culposa.

Os credores CC e DD responderam às oposições, alegando que a oposição apresentada por BB é extemporânea. Pugnaram no sentido de que a insolvência fosse qualificada como culposa e afetados pela qualificação AA e BB.

Proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova e conheceu-se dos requerimentos probatórios apresentados pelo administrador da insolvência, Ministério Público, oponentes e pelos credores CC e DD.

Realizada a audiência final, em 15.06.2023, proferiu-se sentença em que se qualificou a insolvência como culposa e afetados pela qualificação AA e BB, com o seguinte dispositivo:

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decido:

a) Qualificar como culposa a insolvência de Construções J..., Lda. declarando afetados pela mesma AA e BB.

b) Fixar em 7 (sete) anos o período da inibição de AA e de BB para o exercício do comércio, ocupação de cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;

c) (…)1;

d) Determinar a perda de AA e de BB de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por eles e condená-los na restituição de eventuais bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;

e) Condenar, ainda, os requeridos AA e BB a pagar aos credores o montante de € 30.000,00, cada um, de indemnização aos credores dos créditos reconhecidos na lista apresentada pelo Administrador da Insolvência nos autos principais.

Fixo o valor do incidente em €30.000,01.

Custas pelos afetados AA e BB - artigo 526º, nº1 e 2 CPC ex vi artigo 17º CIRE”.

Inconformados, apelaram os credores CC e DD e, bem assim, BB e AA.

Por seu turno, AA contra-alegou quanto ao recurso interposto pelos credores CC e DD, pugnando pela improcedência deste.

Por sua vez, os credores CC e DD contra-alegaram em relação aos recursos interpostos por BB e AA, pugnando pela improcedência destes.

Em 18.01.2024, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo:

V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o recurso interposto por CC e DD procedente e os recursos interpostos por AA e BB parcialmente procedentes e, em consequência:

a- introduzem as alterações acima identificadas à facticidade julgada provada e não provada na sentença recorrida;

b- revogam o segmento da sentença recorrida em que se julgaram preenchidas as presunções inilidíveis de insolvência culposa previstas no art. 186º, n.º 2, als. f) e d) do CIRE e em que se qualificou a insolvência como culposa com fundamento na presunção de culpa grave da al. a), do n.º 2, daquele art. 186º;

c- revogam a parte dispositiva da sentença recorrida que fixou o período de inibição aplicado ao apelante BB em sete anos e, em sua substituição, declaram BB inibido para o exercício do comércio durante cinco anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgãos de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;

d- revogam a parte dispositiva da sentença recorrida constante da alínea e) e, em sua substituição, condenam os requeridos AA e BB a pagar cada um 50% (cinquenta por cento) dos seguintes créditos insatisfeitos:

d.1- crédito reclamado pela Segurança Social, no montante de 86,12 euros (oitenta e seis euros e doze cêntimos), por contribuições em dívida;

d.2- créditos reclamados pelos credores CC e mulher DD, no montante global de 137.586,10 euros (cento e trinta e sete mil quinhentos e oitenta e seis euros e dez cêntimos);

d.3- e o crédito reclamado pelo credor Condomínio do Edifício O..., que vier a ser fixado, por sentença transitada em julgado, a proferir no âmbito dos autos de embargos de executado que a sociedade devedora Construções J..., Lda. e AA opuseram à execução que lhes foi instaurada pelo referido Condomínio do Edifício O... e que correm termos pela ...ª Secção Cível, Juiz ..., do Tribunal da Comarca de ..., sob o n.º 4038/15.5...;

sendo a responsabilidade de AA e BB pelo pagamento integral desses créditos aos respetivos credores solidária;

e, no mais, confirmam a sentença recorrida.

Custas da apelação interposta pelos apelantes CC e DD, a cargos dos apelados AA e BB (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).

Custas da apelação interposta pelo apelante AA, a cargo do apelante, posto que, apesar do seu recurso ter parcialmente procedido, essa procedência ocorreu em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto e, bem assim, em sede de direito, sem que tal procedência se tivesse refletido/projetado na parte dispositiva do acórdão proferido (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).

Custas da apelação interposta pelo apelante BB, a cargo do apelante e dos apelados CC e DD na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 95% para o apelante e em 5% para os apelados.

É contra esta decisão que se insurgem os recorrentes, formulando as seguintes conclusões:

A. O[s] recorrente[s] recorre[m] para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do
disposto no artigo 14º, n.º 1, “in fine”, do Código da Insolvência e da
Recuperação de Empresa (CIRE) e, subsidiariamente, nos artigos 629.º, n.º 1,
671.º, n.º 1, ambos do CPC, porquanto o fundamento para a revista
consubstancia-se na circunstância do Acórdão recorrido estar em contradição com outros acórdãos proferidos pelas relações e do STJ estar afetado por
nulidades nos termos do artigo 662º, 666º e 615º do CPC e porque violou regras de direito substantivo quando à valoração da prova e disposições imperativas sobre o caso julgado o que impõe que excecionalmente o STJ deva
alterar respostas sobre matéria de facto:

B. o acórdão recorrido está em contradição com outros três acórdãos proferidos pelos STJ e por Tribunais da Relação, já transitados em julgado, quanto à
aplicação do disposto no nº 1 do artigo 186ª do CIRE, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

C. De facto tal jurisprudência é contrária à estabelecida, pelo menos, em três acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 18 de Janeiro de 2018,
no processo nº 955/13.5TBVFR.P1.S2, da relatora Ana Paula Boularot; ac. do
STJ proc. 822/15.8T8VNG de 15/02/2023 e Ac. STJ proc. 807/17.0T8STS-B.P1.S1 de 8 de fevereiro de 2022 que se juntam certidão como Docs 1, 2 e 3;

D. Existe, assim, uma clara contradição entre estes três acórdãos e o acórdão recorrido, porquanto aqueles defendem que o legislador de forma expressa na
redação do nº 1 do artigo 186º do CIRE confina ou restringe a sindicância aos
3 últimos anos contados da apresentação do processo de insolvência.

E. . Ora, é manifesto que os créditos reclamados à insolvente e reconhecidos pelo
AI tiveram origem em data bem anterior a esses 3 anos da entrada do
processo; como o acórdão recorrido admite expressamente, embora sem extrair daí as legais consequências e por isso viola este dispositivo legal.

F. No caso dos reclamantes CC e DD e como diz o acórdão em recurso, o respetivo crédito é anterior a 2013; e no caso do condomínio ... é de 2015; o da Seg Social é de 2014 e o da AT é de 2020 ou seja posterior ao início do processo. Ou seja, nenhum deles está dentro do período relevante.

ACRESCE que:

G. O acórdão recorrido viola uma decisão transitada em julgado já formado neste mesmo processo e por isso é nulo. Na verdade, o TRG já se tinha pronunciado por decisão transitada em julgado, no acórdão proferido em 05/05/2022, que decidiu que o ano de 2016 não estava sob sindicância por estar fora dos 3 anos da apresentação do processo de insolvência, confirmando aliás a decisão da primeira instância:

“O objeto do processo consiste em saber das razões que conduziram ao estado de insolvência com enfoque nos três anos anteriores ao início do respetivo processo, o que no caso nos remete para 30/12/2016”.

H. Assim estamos perante uma nulidade do acórdão que expressamente se invoca nos termos e ao abrigo da al a) do nº 2 do artigo 629º do CPC pois o acórdão recorrido viola uma decisão transitada em julgado proferida sobre a mesma matéria e no mesmo processo.

I. O acórdão recorrido usa como fundamento para não reapreciar o pedido de alteração da matéria de facto (factos 4, 5 e 6 na sentença da 1ª instância) a força de caso julgado da sentença penal proferida no proc 283/14.9... do juízo criminal de ... que condenou ambos os ora recorrentes pela pratica na forma consumada e em co-autoria de um crime de abuso de confiança previsto e punido pelo artigo 201º nº do Cod. Penal. Invocando o disposto no nº 1 do artigo 623º do CPC.

J. Ora não podemos concordar com tal interpretação, porque o que o douto acórdão recorrido parece ter ignorado, é que sobre a mesma matéria existe uma outra decisão também ela transitada em julgado, esta proferida no processo 324/14.0... do Juízo Central Cível - juiz ... do Tribunal de ... que afastou a existência de gerência de facto da insolvente por parte do BB.

K. A visão ou decisão do acórdão recorrido está em oposição com o decidido no Acórdão RL de 21/06/2018 proc 3369/12.0TBVFX.L1 -6 II - Beneficiando a autora da presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 623.º do CPC, não é a esta que incumbe fazer prova dos factos por si alegados e dados como assentes na sentença penal transitada em julgado, a que a dita presunção conduz - artigo 350.º do Cód. Civil.

III - Em tal caso, compete à ré ilidir essa presunção que a desfavorece – artigos 344.º, n.º 1, do Cód. Civil.

L. Diga-se ainda que na interpretação de vários autores tal presunção inilidível só existe quando se trata de factos constitutivos do tipo legal de crime; já não ocorrendo o mesmo quando se trate de outros factos a merecerem igualmente ponderação, mas “externos” aos factos constitutivos do tipo legal de crime.

M. Conforme sumariado no Acórdão do TRGMR, datado de 07/11/2005 “I – O crime de abuso de confiança “ é, segundo a sua essência típica, apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio: é, vistas as coisas por outro prisma, violação da propriedade alheia através de apropriação, sem quebra de posse ou detenção” (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, II, pág. 94), uma definição e que leva já consigo, acentua Costa Andrade, RLJ nºs 3931 e 3932, pág. 315, “ a acção e o resultado típicos da infracção”.

N. A condenação do BB pela prática deste crime é que se torna, à luz do artigo 623º do CPC, presunção inilidível. Ora, nada disso se discutiu nos autos de incidente de qualificação da insolvência, por não estar em discussão tal matéria, nem a sentença recorrida versou sobre os mesmos, como é óbvio. Com efeito, o que se pretendia apurar era algo bem diferente – se o BB era, ou não, gerente de facto.

O. E tal prova nada contende com a condenação penal anterior. Com efeito, os factos a provar sobre a existência, ou não, de gerência de facto não são factos constitutivos do tipo legal de crime de abuso de confiança e só quanto a estes se pode falar de presunção inilidível;

P. Por isso, quer na sentença e acórdão proferido no proc. 283/14.9..., tal facto admite prova em contrario noutros processos designadamente neste processo tal como no processo cível 324/14.0..., por se tratar de outros factos, esses sim ilidíveis, a admitir produção de prova .

Q. Isto posto deve declarar-se a ilegalidade da interpretação conferida ao art.º 623.º do CPC (error iuris), pelo acórdão recorrido, no sentido de que a presunção sobre os factos provados em penal em relação aos Réus, deva ser considerada presunção inilidível, por tal contender com as regras de interpretação por aplicação analógica e de interpretação extensiva (que é estrita e não admite interpretação a contrario) cfr. art.º 11.º do Código Civil.

R. E subsidiariamente declarar a ilegalidade da interpretação conferida ao art.º 623.º do CPC (por error iuris), quando interpretada no sentido de que a presunção sobre os factos provados em penal em relação aos Réus, deva ser considerada presunção inilidível, por tal interpretação declinar o regime estatuído no art.º 350.º n.º 2 do CC, que consagra que as presunções inilidíveis são casos excepcionais, que têm de estar expressamente previstas na lei.

S. Assim deve ser valorada a extensa prova produzida em julgamento que atestou que o BB não era, nunca foi gerente de facto da insolvente. Extraindo daí todas as consequências de direito.

T. O Acórdão de que ora se recorre deu razão e bem aos recorrentes AA ie BB ao julgar não preenchidas as al. a), f) e d) do nº 2 e al. a) do nº 3 do artigo 186º do CIRE e revogou nessa parte a douta sentença da 1ª instancia.

U. Ainda assim considerou a insolvência culposa com fundamento apenas na al h) do nº 2 do artigo 186º do CIRE o que não se pode aceitar porque entendemos que não ocorreu neste caso, nem se pode retirar da matéria de facto julgada provada e não provada o exigido incumprimento em termos substanciais da obrigação de manter contabilidade organizada

V. Também nesta parte o acórdão recorrido, além de mais uma vez incorrer no erro de se fundamentar em mais que os três anos que a lei permite, e só por isso dever ser revogado, está em flagrante oposição a vários arestos de tribunais superiores na apreciação e aplicação deste artigo 186 nº2 al h) designadamente o Ac. do STJ, 02.03.2021, Ana Paula Boularot, Processo n.º 3071/16.4T8STS-F.P1.S1. e ac da RG proc 2411/20.6T8VCT de 11/05/2023

W. Nada foi referido no acórdão recorrido sobre se essa falta de organização era, ou não substancial, isto é: existindo de facto uma contabilidade organizada, nada foi dito ou particularizado na sentença recorrida (no elenco dos factos provados e dos factos não provados) que possa remeter para um incumprimento em termos substanciais dessa obrigação.

X. Tendo ficado provado que, a partir de 30/06/2019, não foram entregues á contabilista mais elementos contabilísticos (factos 9 e 10º); também resulta provado que foram entregues e depositadas as declarações fiscais relevantes (IES e mod 22 relativos ao exercício de 2019 in totum ou seja foi efectuado o registo das contas anuais da Insolvente relativas a 2019; tal como o haviam sido as dos anos anteriores

Y. A omissão apontada de não ter entregue elementos contabilísticos posteriores a 30/06/2019 (facto 9 e 10) não permite pois concluir que a insolvente (Construções J..., Lda. ) incumpriu em termos substanciais a obrigação que sobre si impendia de manter a contabilidade organizada.

Z. Até porque está provado que a insolvente desde 31/12/2015 não tinha quaisquer trabalhadores ao seu serviço (facto 19º(2)A, 19(2)B , 19º(2)C 22º, e desde 2018 não tinha quaisquer bens e por isso, muito naturalmente não tendo atividade, não tinha quaisquer documentos a contabilizar .

AA. Finalmente quanto ao ano de 2020 (facto 11º e 19º) além do argumento da falta de atividade é certo que nesse ano ocorre a declaração da insolvência e por isso a não existência de elementos contabilísticos relativos a 2020 é responsabilidade apenas e só do AI.

BB. Por outro lado, resultou provado (facto 17º) que a sociedade forneceu um balancete geral acumulado relativo a 2019 ao AI, pelo que forçosamente se terá de concluir que a contabilidade existe e pelo menos de forma substancial não foi incumprida essa obrigação.

CC. O AI no seu depoimento e as testemunhas FF, GG e HH (todas elas contabilistas), deixaram claro que a contabilidade da insolvente não era nem falsa nem fictícia e muito menos em termos substanciais como exige al. h) para que pudesse ser caracterizada a insolvência como culposa. Por isso tem o Douto acórdão que ser a revogado.

DD. O sr. AI e as 3 testemunhas contabilistas afirmaram de forma unânime que “ É prática uniforme nas médias, pequenas e microempresas, a não criação de provisões para processos judiciais em curso e até processos findos”. Este facto ao contrário do decidido no douto acórdão é extremamente relevante e por isso deve ser aditado ao elenco dos factos provados:

EE. Logo, e com o elenco dos factos provados e não provados do acórdão recorrido não se mostra preenchida a al. h), do n.º 2, do art. 186.º, do CIRE.

FF. Ora, tendo o Douto acórdão recorrido sustentado a declaração de insolvência culposa apenas neste dispositivo legal (al h) do nº 2 do artº 186ª do CIRE) e não ocorrendo o seu preenchimento em termos substanciais, tem a insolvência que ser declarada fortuita o que se requer.

GG. O Douto acórdão desconsiderou prova efetuada por documentos autênticos – certidão predial e escrituras publicas) e constante dos autos comprovativa de que todos os prédios ou frações alienadas antes da sentença de declaração de insolvência, se encontravam oneradas com hipotecas (duas ou até três hipotecas) a favor dos bancos financiadores da construção .

HH. Ora esta prova autêntica tinha que ser levada à matéria provada pois é extremamente relevante para apreciação não só do caracter culposo ou fortuito da insolvência como para apuramento do quantum indemnizatório caso a insolvência viesse a ser declarada culposa (o que não se admite). É que por essa obvia razão sempre seriam apenas esses credores garantidos, os únicos a receber,

II. Estas vendas constituíram, pois, a normal atividade da insolvente e não uma delapidação do seu património e tiveram como resultado uma diminuição das suas dividas e do seu passivo e que o gerente ou pessoas a ele ligadas, não tiveram qualquer benefício dessas vendas pelo que não está preenchidos nenhum dos requisitos das al. a), f) d) e e) do nº 2 e nº 3 do artigo 186º do CIRE

JJ. Quanto à qualificação da insolvência como culposa pelo incumprimento da obrigação de manter contabilidade organizada ou pratica de irregularidade com prejuízo relevante (art. 186 nº 2 alínea h) também tem a douta sentença que ser revogada porque os artigos 15º a 17º dos factos provados não preenchem por si só a exigência do al. h) do nº 2 do artigo 186º do CIRE que exige um “incumprimento em termos substanciais” (sublinhado nosso). Além de que existem outros factos provados (18º, 22º) que desmentem em absoluto essa perceção.

KK. E também ficou provado que é prática uniforme nas pequenas e microempresas a não criação de provisões para processo judiciais em curso e até findos. Pelo que de forma alguma existe o incumprimento em termos substanciais (sublinhado nosso) que a al. h) exige

LL. Sendo a culpa grave apenas presumida, defende a maioria da jurisprudência e da doutrina que ela é insuficiente para qualificar a insolvência como culposa, por faltar um dos requisitos referidos no n.º 1 daquele art.º 186.º, impondo-se então demonstrar o nexo de causalidade entre a omissão culposa dos referidos dever e obrigação e a criação ou agravamento da situação de insolvência - cfr., v.g., Luis A. Carvalho Fernandes e João Labareda (in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2.ª ed., págs. 719 e 720), e Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões (in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Almedina, 2013, págs. 505 a 509) e os Acórdãos da Relação de Guimarães de 02/11/2017 (ut Proc.º 32/14.1TBVMS-A.G1) e de 01/02/2018, que se funda em doutrina e jurisprudência aí profusamente citadas (ut Proc.º 5091/16.0T8VNF-B.G1, ambos in www.dgsi.pt)

MM. Em suma a insolvência das Construções J..., Lda. nunca poderia ser considerada culposa, mas sim fortuita porque se não preenchem nenhum dos requisitos ou pressupostos que pudesse ser qualificada como culposa, devendo o douto Acórdão recorrido ser revogado.

QUANTO AO VALOR DA INDEMNIZAÇAO.

NN. Os recorrentes já tinham recorrido da sentença por discordarem por completo com a fixação do montante de €30.000,00 de indemnização aos credores reconhecidos na lista apresentada pelo Administrador da Insolvência nos autos principais por ser desproporcional e injustificada. Todavia o acórdão recorrido agravou enormemente este valor condenando os recorrentes na totalidade do valor do créditos reclamados.

OO. Ora esta decisão não tem qualquer razoabilidade violando os critérios e princípios de um justa aplicação do direito e está em flagrante oposição ao decido em vários acórdãos da Relação e do Supremo. Além do mais assume verdadeira estranheza que tendo a sentença recorrida condenado os afetados recorrentes no montante indemnizatório de €30.000,00 considerando a insolvência culposa com fundamento no preenchimento das alíneas f), d) e h) do nº 2 e al a) do nº3 do artigo 186 do CIRE que o acórdão ora recorrido tendo retirado por não preenchidos os fundamentos alíneas a), f) e d) do nº 2 e al a) do nº3 do artigo 186 tenha agravado de forma tão gravosa ( oito vezes mais) o montante indemnizatório.

PP. A condenação deve sempre ser decidida com base em critérios de proporcionalidade, razoabilidade, tendo em conta o nexo de causalidade entre a atuação culposa da insolvente e afetados pela mesma e as consequências daí advindas para os credores.

QQ. Nesta medida, o acórdão recorrido mostra-se excessivo e desproporcionado, em flagrante contradição com o decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 280/2015 de 16-6, no Acórdão do TRC de 16-12-2015 in www.dgsi.pt, e no Acórdão do TRG de 1-7-2021, no processo nº 2572/19.7T8VNF-D, pelo que deverá tal valor ser alterado para valor assaz inferior ao por si fixado e mesmo inferior ao fixado na sentença da primeira instância.

RR. Assim, o montante indemnizatório, na hipótese que se não concebe de a insolvência ser declarada culposa, deve ser eliminado ou ser substancialmente reduzido e fixado em montante não superior a €5.000,00 (cinco mil euros o c valor fixado na alínea d) do acórdão recorrido.

SS. E eliminar-se a inibição para o exercício do comercio e ocupação de titular de órgão de sociedade constantes da alínea c) da Decisão do acórdão Recorrido.

Os recorridos contra-alegaram e interpuseram recurso subordinado, no qual dizem, em conclusão:

A) O recurso subordinado circunscreve-se à revogação pelo acórdão revidendo do segmento da sentença proferida pelo Tribunal a quo de 1.ª instância que julgou preenchidas as presunções inilidíveis de insolvência culposa previstas nas alíneas d) e f) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, bem como à redução dos períodos de inibição para o exercício do comércio de 07 (sete) para 05 (cinco anos, relativamente aos Recorridos;

B) O acórdão revidendo, em relação à fundamentação que usou para revogar as presunções previstas nas alíneas d) e f) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, está em clara oposição com o aresto proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo n.º 2716/05.6TBPMS-A.L1-1, datado de 28/02/2023, disponível em www.dgsi.pt;

C) Resulta inequivocamente provado que os actos praticados pela insolvente são autênticos negócios jurídicos dispositivos do património da sociedade insolvente, em proveito pessoal, quer dos gerentes, quer de terceiros;

D) O acórdão revidendo apesar de reconhecer que estamos diante de actos dispositivos do património da sociedade insolvente, considerou que de tais actos não reverte qualquer benefício pessoal (dos gerentes) ou de terceiros;

E) Resulta provado, pelo menos quanto ao negócio celebrado em 21 de Março de 2018 entre a sociedade insolvente e a sociedade constituída S..., Lda., que o mesmo ocorreu tanto em proveito pessoal, como em proveito de terceiros, já que na nova sociedade constituída pelos Recorridos em 2015, da qual, actualmente e à data da celebração deste negócio, figura como seu sócio e gerente o gerente de facto da sociedade insolvente, BB;

F) O negócio deste bem imóvel foi celebrado pela insolvente, em claro negócio consigo mesma, só que de nome diferente, porquanto a S..., Lda., além de ter o mesmo objecto social, foi constituída e estruturada pelo mesmo corpo de elementos que formavam a sociedade insolvente (gerentes e trabalhadores) e com os seus recursos (maquinarias, carrinhas, imagem comercial e contactos telefónicos, clientela …), sendo portanto a sociedade compradora um autêntico reflexo da sociedade devedora;

G) Com este acto de disposição ocorrido em 2018, a sociedade insolvente ficou sem um único bem no seu património, acarretando um prejuízo tanto para si própria, pelo agravamento objectivo do estado de insolvência e consequente diminuição das suas garantias perante os seus credores (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa Proc. 2098/21.9T8BRR-A.L1.1, datado de 06/02/2024, disponível em www.dgi.pt);

H) Já o benefício do “terceiro” ocorreu porque o Recorrido BB passou a ter à sua disposição (à disposição da nova sociedade que gere – que é o reflexo da insolvente) aquele que era o último bem da devedora, disposição que, na verdade, nunca perdeu por ser gerente da sociedade insolvente e portanto pessoa especialmente relacionada com a sociedade devedora nos termos do art.º 49.º, n.º 2 als. a) e d) ex vi al. c) do n.º 1 do CIRE;

I) Acabou por beneficiar a própria sociedade S..., Lda. em relação aos restantes credores, na exacta medida em que a insolvente ficou sem o seu último bem, e portanto deixou de ter qualquer garantia para pagamento aos seus credores;

J) O afectado AA foi peremptório quando afirmou em sede de audiência de julgamento “Eu, antes de vender a outros (…) cedi a ele... pronto. Se as coisas mudassem, que já mudaram, e valorizou, até acabou por valorizar mais, ó pá, é dele, e acabou. É da minha família. Qual é o problema? Antes de dar a outra pessoa, dei-o a ele. Dei-o a ele (…)”, sendo portanto com base nas relações familiares que ocorre o seu benefício;

K) O bem imóvel objecto do negócio saiu do património da sociedade insolvente e voltou a integrar o património de uma sociedade que é o seu reflexo, sendo evidente que a celebração deste negócio teve como base o medo e justo receio de ficarem sem esse bem, daí a antecipação da realização da escritura (que só se iria realizar em 2022) para UM MÊS após a sentença condenatória proferida no processo n.º 324/14.0... em relação à sociedade insolvente;

L) O acórdão revidendo considerou não estar verificado, relativamente a este acto de disposição, prejuízo para a sociedade insolvente e benefício pessoal ou para terceiro, alicerçando-se no simples facto de os Recorrentes não terem provado que o preço pelo qual tais bens foram vendidos, não correspondia ao seu valor de mercado;

M) O que é absolutamente irrelevante para efeitos de preenchimento da presunção da al. d) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE e está em total OPOSIÇÃO ao decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no processo n.º 71 2716/05.6TBPMS-A.L1.1, disponível em www.dgsi.pt, que os Recorrentes indicam como acórdão fundamento;

N) No qual se adopta a seguinte posição: ““Apesar de não relevar para efeitos da al. d) a importância económica dos bens, não se exigindo que os mesmos tenham significativo relevo patrimonial (ao contrário do que sucede na previsão da al. a) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE), também não deverão estar em causa bens de escasso valor.”;

O) Com o mesmo entendimento, surgem os arestos do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 262/15.9T8AMT-D.P1, datado de 07/12/2016, e do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 5920/21.6T8LSB-F.L1-1, datado de 28/02/2023, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, porquanto das regras do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE sobre a afectação do património da insolvente, só a al. a) exige a afectação total ou em parte considerável do património do devedor, não contendo a al. d) e f) a indicação de qualquer medida quantitativa de afectação patrimonial;

P) O valor dos bens NÃO podia ter sido determinante para a não verificação preenchimento da al. d) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, na exacta medida em que o prejuízo da insolvente e o benefício dos afectados se encontram inequivocamente demonstrados no acto de retirar o último bem do património da insolvente e integrá-lo na nova sociedade;

Q) O bem deixou de estar à disposição da sociedade insolvente, onde são gerentes os Recorridos, para passar a estar à disposição da sociedade S..., Lda., da qual é gerente o Recorrido BB, art.º 49.º, n.º 2 do CIRE;

R) Daqui se conclui que o acto de disposição em apreço foi celebrado de forma a retirar da insolvente aquele bem, entregando-o a uma outra sociedade – da qual é gerente o gerente de facto da insolvente –, como forma de preservar o bem nos seus patrimónios e impedir, com a venda ou adjudicação do mesmo, o pagamento aos credores, o que integra um comportamento de “fazer dos bens do devedor um uso contrário aos interesses do devedor”;

S) Tendo os Recorridos, feito dos bens da sociedade insolvente uso contrário ao interesse desta, em proveito daquela sociedade S..., Lda., designadamente, para se favorecerem a si próprios, pessoas e empresa com quem têm relações de proximidade, tal factualidade dada por provada preenche as previsões normativas que constam daquelas alíneas d) e f) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, as quais têm de ser reconhecidas pelo Tribunal ad quem;

T) Posto isto, resulta evidenciada a gravidade dos factos praticados pelos Recorridos AA e BB e o uso abusivo que os mesmos fizeram das sociedades pessoas colectivas, pelo que devem ser condenados na inibição da sentença primitiva pelo período de SETE ANOS;

U) Por fim, o Tribunal ad quem deve proceder à revisão do acórdão revidendo e oficiosamente corrigir o valor do crédito dos Recorrentes para o montante de 157.453,47 €, porque foi o valor que lhes foi reconhecido pelo Sr. A.I. na Lista Definitiva dos Créditos Reconhecidos da sociedade insolvente, junta ao processo de insolvência.

Nestes termos e nos mais de direito que mui doutamente serão supridos, o recurso interposto pelos ora Apelantes/Requeridos BB e AA deverá ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e o acórdão revidendo mantido.

Por outro lado, deve o recurso subordinado ser julgado totalmente procedente por provado e, em consequência julgar preenchida a presunção inilidível de insolvência culposa prevista nas als. d) e f) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE; por outro lado, o Tribunal ad quem deverá proceder à revisão do acórdão revidendo e oficiosamente alterar o valor do crédito dos Requerentes/Recorrentes para 157.453,47 € (cento e cinquenta e sete mil quatrocentos e cinquenta e três euros e quarenta e sete cêntimos), porque foi o reconhecido pelo Sr. A.I. na Lista Definitiva dos Créditos Reconhecidos, a qual nunca foi impugnada.

I.2. Recortadas nas conclusões dos recursos, e após determinar o regime da revista, as questões a resolver, consistem em saber se: (i) o recurso subordinado é tempestivo; (ii) é de proceder a requerida correção de lapso; (iii) houve violação de caso julgado/nulidade; (iv) houve mau uso dos poderes de facto pela Relação; (v) é de proceder à pretendida alteração de facto relativamente aos fundamentos da al. h) do artigo 186/2 e à fixação da indemnização, à luz do artigo 189/2/e) e 4, ambos do CIRE; (vi) se verificam os pressupostos da qualificação da insolvência como culposa; (vii) deve manter-se o valor de indemnização fixado; (viii) deve eliminar-se a inibição para o exercício do comércio; (ix) é de proceder o recurso subordinado quanto à pretendida repristinação do segmento da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância que julgou preenchidas as presunções inilidíveis de insolvência culposa previstas nas alíneas d) e f) do n.º 2 do art. 186º do CIRE e (x) é de proceder o pretendido aumento do período de inibição.

II. Fundamentação

II.1. A Relação fixou a seguinte matéria de facto com relevância para a decisão a proferir no âmbito do presente incidente de qualificação:

1.º- A 16-6-2020 foi proferida sentença nos autos principais, transitada em julgado, a decretar a insolvência da sociedade “Construções J..., Lda.”.

2º- A insolvente tem por objeto social a instalação de canalização e climatização, construção de edifícios, construção civil e obras públicas, compra, venda e revenda de propriedades, atividades auxiliares de intermediação financeira e atividades imobiliárias.

3º- AA, residente na Rua da ..., ..., foi o único gerente de direito da insolvente desde a data da sua constituição, a 16-7-1997, até à declaração de insolvência.

4- AA dava conta das vicissitudes da gerência da devedora a BB, residente na Rua da ..., que também estava a par da vivência comercial da sociedade aqui insolvente, e participava ativamente nas decisões a empreender.

5º- Eram aqueles quem decidiam que negócios encetar e os seus termos, acordando quais as relações comerciais que mantinham com terceiros, com quem tratavam, emitindo cheques e contactando com Bancos, quando necessário.

6º- Mais sendo os responsáveis pela gestão, administração e representação de toda a atividade exercida, cabendo-lhes também a decisão de afetação dos seus recursos financeiros à satisfação das respetivas necessidades e sobre os pagamentos aos fornecedores e credores da sociedade insolvente, a contratação de funcionários, a assinatura de documentos e a entrega daqueles que serviam de base à elaboração da contabilidade.

7º- BB é também o único sócio e gerente de direito da sociedade S..., Lda., pessoa coletiva constituída em 15/10/2015, com objeto similar ao da devedora e da qual AA foi sócio e gerente fundador juntamente com BB até ao dia 17 de janeiro de 2017, data em que AA renunciou às funções de gerente, que nela exercia, e transmitiu a sua quota a BB, que passou, desde 17 de janeiro de 2017 a ser o único sócio e gerente da S...,Unipessoal, Lda.2.

8º- BB é casado com II, filha de AA.

9º- Desde 30-6-2019 os requeridos deixaram de entregar regularmente à contabilista certificada que organizava a contabilidade da devedora os documentos necessários à sua organização, designadamente os extratos bancários que demonstravam a realização de transações comerciais, os pagamentos a fornecedores, o recebimento de clientes e respetivas entradas de capital (em numerário, cheque ou transferência bancária), elementos indispensáveis à elaboração dos balancetes.

10º- Aquela deixou de receber recibos/faturas, extratos bancários e comprovativos de pagamento/recebimento necessários à organização dos balancetes da devedora, elementos contabilísticos que permitiriam a análise efetiva das diversas contas correntes (caixa, bancos, clientes e fornecedores e outros devedores ou credores).

11º- Inexiste qualquer contabilidade organizada respeitante ao exercício económico de 2020, desconhecendo-se o património da devedora, qual o destino que lhe foi conferido e se existiam quantias a apreender nas contas “caixa”, “bancos”, “clientes”, “ativos” e “outros devedores”.

12º- Por sentença proferida a 28-3-2017, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 18-12-2017, no processo nº 283/14.9... J... Juízo Criminal de ..., os requeridos foram condenados pela prática do crime de abuso de confiança previsto e punido pelo artigo 205º, nº1 do Código Penal, na qualidade de gerentes de facto da devedora por serem quem tomava decisões relativamente à sociedade e decidia que obras realizavam, que tipo de material usavam e aplicavam, contactavam clientes e fornecedores e davam ordens aos funcionários da sociedade.

13º- CC e DD, requerentes do presente incidente, foram ofendidos no inquérito que deu origem ao processo comum singular 283/14.9...

14º- Paralelamente, intentaram uma ação cível de condenação da insolvente sob o nº 899/14.3..., que correu no Juízo Central Cível da Comarca de ..., J..., e veio a ser posteriormente apensada à ação de processo comum nº 324/14.0...

15º- Nesta última ação foi proferida sentença a 21-2-2018, que transitou em julgado, a condenar a devedora a restituir àqueles a quantia de € 17.379,00.

16º- Após deduzir incidente de liquidação por apenso, foi a devedora condenada por sentença de 24.9.2019, transitada em julgado a 30.10.2019, a restituir aos mesmos a quantia de € 120.207,10, tudo perfazendo o total de € 137.586,10.

17º- O balancete geral acumulado respeitante ao exercício económico de 2019 regista que a devedora é credora dos requerentes e não o contrário.

18º- Não existem bens apreendidos, não tendo os autos principais sido encerrados por insuficiência da massa insolvente por os credores aqui requerentes terem depositado a quantia necessária ao prosseguimento dos autos.

19º- Não existe contabilidade respeitante ao exercício económico de 2020, desconhecendo-se o património da devedora, qual o destino que lhe foi conferido e se existiam quantias a apreender nas contas “caixa”, “bancos”, “clientes”, “ativos” e “outros devedores”.

19º(2)3 – Até 31/12/2015, a devedora Construções J..., Lda. dedicou-se essencialmente à compra de terrenos, onde construía edifícios, que constituía em propriedade horizontal e cujas frações vendia.

19º(2)A - Em 31/12/2015, a devedora Construções J..., Lda. deixou de ter qualquer trabalhador ao seu serviço e parte desses trabalhadores passaram a trabalhar para a sociedade S..., Lda., deixando a devedora de ter trabalhadores que lhe permitissem prosseguir com a atividade a que até então se dedicara e referida no ponto anterior.

19º(2)B- Após 31/12/2015, a devedora, Construções J..., Lda., não adquiriu qualquer terreno, nem realizou qualquer obra.

19º(2)C- Em 31/12/2015, a devedora, Construções J..., Lda., ainda tinha para venda:

- o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº. .............-A, composto por apartamento tipo T2, que veio a vender, em 19/04/2017, a JJ;

- o prédio descrito na mesma Conservatória sob o nº. .............-G, composto por apartamento tipo T2, que veio a vender, em 20/07/2017, a KK; e

- o prédio descrito na mesma Conservatória sob o nº. .............-O, composto por fração destinada a habitação, que veio a vender, em 19/01/2018, a LL pelo preço de 118.500,00 euros.

19º(2)D- E era proprietário de dois prédios rústicos:

- prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...........17, cuja propriedade transferiu, por dação em cumprimento, em 18/07/2017, para EE; e

- prédio rústico descrito na mesma Conservatória sob o n.º ...........17, que veio a vender, em 21/03/2018, à S..., Lda., pelo preço de cem mil euros.

19º(2)E- Com a venda, em 21/03/2018, deste prédio à S..., Lda., a sociedade devedora que, desde 31/12/2015, deixara de ter capacidade de construir, por via de AA e BB terem feito cessar os contratos de trabalho dos trabalhadores daquela, transferindo parte desses trabalhadores para a S..., Lda., deixou de ter quaisquer prédios para venda, ficando totalmente paralisada e mostrando-se incapaz de gerar riqueza, estando apenas a acumular prejuízos.

19º(2)F- Em 2015, o Condomínio do Edifício “O...”, em ..., instaurou ação declarativa de condenação contra a sociedade devedora, Construções J..., Lda., e AA, que correu termos pela ...ª Secção Cível, Juiz ..., do Tribunal da Comarca de ..., sob o n.º 4038/15.5..., pedindo a condenação destes a realizarem as obras que identificam na petição inicial aí apresentada ou, sem alternativa, a pagar o preço das obras necessárias a corrigir os defeitos e anomalias do edifício “O...”, bem como uma indemnização de 25.000,00 euros.

19º(2)G- Em 14/06/2016, no âmbito daquele processo foi celebrada transação em que a sociedade devedora, Construções J..., Lda., se obrigou a executar, no edifício “O...”, as obras identificadas no relatório da vistoria técnica realizada a esse edifício, tendo essa transação sido homologada por sentença proferida em 14/06/2016, transitada em julgado.

19º(2)H- O Condomínio do Edifício O... instaurou execução para prestação de facto contra a sociedade devedora, Construções J..., Lda., e AA, dando à execução a dita sentença homologatória da transação, transitada em julgado, alegando, além do mais, que decorrido o prazo convencionado de 180 dias para que os executados realizassem as obras, não o fizeram, e requerendo que, tratando-se de prestação de facto fungível, essas obras fossem realizadas por terceiro e liquidou o custo destas em 82.325,19 euros.

19º(2)I- A executada, Construções J..., Lda., e AA deduziram oposição à dita execução.

19º(2)J- Por sentença proferida em 14/06/2020, não transitada em julgado, os embargos foram julgados parcialmente procedentes, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva (que aqui se transcreve ipsis verbis):

“Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a presente oposição à execução, por embargos e, em consequência:

A) Determinar o prosseguimento da execução para prestação de facto a que estes autos são apensos, para cabal reparação das patologias Pat. 2, Pat. 3, Pat. 4, Pat. 5; Pat. 6; Pat. 10; Pat. 11, Pat. 13, Pat. 14, Pat. 15, Pat. 16, Pat. 18, Pat. 19, Pat. 20, Pat. 22, Pat. 23, Pat. 15, Pat. 28; Pat. 29 e Pat. 30;

B) Fixar o montante estimado da prestação de facto em 59.637,00 euros (cinquenta nove mil seiscentos e trinta e sete euros), acrescido de IVA, à taxa em vigor (23%), seguindo-se a penhora, cuja extensão terá como limite esse custo estimado, acrescido do valor das custas prováveis, uma vez que, só a final, com a prestação de contas, será fixado o valor do crédito exequendo, a pagar pelo produto da venda”.

19º(2)K- Nas contas dos exercícios da sociedade devedora, Construções J..., Lda., nunca foi inscrita qualquer verba a título de “provisão” para garantir a satisfação do crédito do Condomínio do Edifício O....

20º4-Na sequência da declaração, em 16/06/2020, da insolvência da sociedade devedora, Construções J..., Lda., foram reclamados créditos junto do administrador da insolvência, que este reconheceu, no valor global de 243.771,88 euros”.

21º- O crédito reconhecido ao Instituto da Segurança Social, IP foi constituído a partir de 2014 e o crédito reconhecido à Autoridade Tributária foi constituído a partir de janeiro de 2020.

22º- A insolvente não tinha maquinaria nem obras em curso.

23º- A insolvente entregou ao trabalhador BB a viatura que tinha, de matrícula ....-NC para dação em pagamento parcial dos seus créditos laborais.

24º- O prédio rústico descrito na CRP sob o nº ..49/... e inscrito na matriz sob o artigo rústico ..06 encontrava-se onerado com hipoteca a favor do Banco BIC Português, SA para garantia de um financiamento à insolvente anterior a 2012 e que foi objeto de renegociação em 2015 – fls. 54 e ss.

25º- Este prédio esteve à venda mais de um ano sem obter propostas superiores a 75.000,00.

26º- Foi vendido à S..., Lda. por € 100.000,00.

Por sua vez, a primeira instância julgou não provada a seguinte facticidade:

A- Após 1.1.2017 constituiu-se a dívida no valor de € 137.586,10 aos requerentes.

B- BB nunca foi gerente de facto da insolvente nem teve qualquer papel ativo na gestão da insolvente da qual era tão só funcionário, embora encarregado.

C- As decisões na insolvente sempre foram tomadas unicamente pelo seu gerente AA.

D- O gerente AA tinha esperança de que o quadro de situação de crise na construção melhorasse e a insolvente pudesse retomar a atividade com novos colaboradores.

E- Eliminada5.

F- AA nunca praticou qualquer ato de gestão na S..., Lda.

G- Eliminada6.

II.2. Apreciação jurídica

II.2.1. Questões prévias

II.2.1.1. Regime dos recursos

Estamos no âmbito de um incidente de qualificação da insolvência.

A presente revista foi interposta ao abrigo do artigo 14/1, in fine, do CIRE e, subsidiariamente, ao abrigo dos artigos 629/1 e 671/1, CPC. Por sua vez, o recurso subordinado foi interposto ao abrigo dos artigos 14º e 17º do CIRE.

É sabido que o despacho de admissão do recurso não vincula o Tribunal Superior (artigo 641º/5 CPC).

Como se tem entendido de modo uniforme neste Tribunal, o regime do art.º 14, n.º1, do CIRE, é de aplicação restrita ao processo de insolvência em si mesmo (e incidentes processados nos próprios autos) e aos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência (e ainda ao PER e ao PEAP), pelo que não se aplica aos procedimentos declarativos que correm por apenso, e que sejam autónomos ou diferenciados processualmente daqueles outros, como é o caso do procedimento de qualificação da insolvência7, sendo, antes, aplicável o artigo 17º do CIRE.

Aliás, foi este o entendimento consagrado no AUJ n.º 13/23.

Também na doutrina, no mesmo sentido, veja-se Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência8.

Assim, quer ao recurso principal quer ao recurso subordinado não é aplicável o artigo 14º do CIRE, mas o artigo 17º do CIRE que remete para as normas recursórias do CPC, mormente os artigos 671º e seguintes.

Não se coloca neste caso qualquer obstáculo em matéria de preenchimento das “condições gerais de admissibilidade de recurso, entre as quais figura a relação entre o valor da causa (e da sucumbência) e a alçada.”.

II.2.1.2. Tempestividade do recurso subordinado

Por requerimento de 12.03.24, os requeridos vieram suscitar a intempestividade do recurso subordinado, com fundamento, essencialmente em que este recurso não tem natureza de recurso subordinado porquanto respeita a matérias “que não foram objeto de recurso por parte dos recorrentes AA e BB”. Isto é, trata-se de matéria concernente à decisão do Tribunal da Relação constante da alínea b) do dispositivo9.

Assim, sustentam que tal recurso deveria ter sido apresentado autonomamente até aos dias 06 de fevereiro ou 09 de Fevereiro, após a notificação do acórdão da Relação e tendo em conta o prazo legal de 15 dias para o efeito.

É patente a sem razão dos requerentes.

Com efeito, em primeiro lugar, dir-se-á que não faz qualquer sentido fundar a inadmissibilidade no facto de o recurso subordinado incidir sobre matérias “que não foram objeto de recurso” principal, uma vez que, como é óbvio, tal recurso só pode incidir sobre a matéria em que os credores CC e DD ficaram vencidos, matéria esta que, naturalmente não podia ter sido objeto de recurso dos requeridos, AA e BB, uma vez que aí são parte vencedora.

Neste âmbito, à luz do artigo 633º do CPC, só as “partes vencidas” podem interpor recurso e, no caso de ser recurso subordinado, o respetivo prazo de interposição conta-se a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária.

Aliás, é da natureza do recurso subordinado que o mesmo caduca caso o recurso principal seja objeto de desistência, fique sem efeito ou o Tribunal dele não tome conhecimento (artigo 633/3 CPC).

Ora, tendo os requeridos interposto revista em 07.02.2024, o recurso subordinado e, bem assim, as contra-alegações dos requerentes, datados de 27.02.2024, respeitaram, obviamente, aquele prazo legal de 15 dias.

Consequentemente, indefere-se o requerido desentranhamento, sendo, naturalmente responsáveis pelas custas os requerentes AA e BB.

II.2.1.3. Requerida correção de lapso

Os credores no recurso subordinado dizem, nomeadamente: “o Tribunal ad quem deve proceder à revisão do acórdão revidendo e oficiosamente corrigir o valor do crédito dos Recorrentes para o montante de [137.586,10 euros, para] 157.453,47 €, porque foi o valor que lhes foi reconhecido pelo Sr. A.I. na Lista Definitiva dos Créditos Reconhecidos da sociedade insolvente, junta ao processo de insolvência”.

O artigo 614º CPC, sob a epígrafe “Retificação de erros materiais”, prescreve:

1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.

2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.

3 - Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.

Importa ainda considerar a este propósito que:

- o facto 2010 dos factos provados revela:

Na sequência da declaração, em 16/06/2020, da insolvência da sociedade devedora, Construções J..., Lda., foram reclamados créditos junto do administrador da insolvência, que este reconheceu, no valor global de 243.771,88 euros” e que

- a parte dispositiva do acórdão concernente a este ponto dispõe expressamente:

“d.- revogam a parte dispositiva da sentença recorrida constante da alínea e) e, em sua substituição, condenam os requeridos AA e BB a pagar cada um 50% (cinquenta por cento) dos seguintes créditos insatisfeitos:

d.1- crédito reclamado pela Segurança Social, no montante de 86,12 euros (oitenta e seis euros e doze cêntimos), por contribuições em dívida;

d.2- créditos reclamados pelos credores CC e mulher DD, no montante global de 137.586,10 euros (cento e trinta e sete mil quinhentos e oitenta e seis euros e dez cêntimos);

d.3- e o crédito reclamado pelo credor Condomínio do Edifício O..., que vier a ser fixado, por sentença transitada em julgado, a proferir no âmbito dos autos de embargos de executado que a sociedade devedora Construções J..., Lda. e AA opuseram à execução que lhes foi instaurada pelo referido Condomínio do Edifício O... e que correm termos pela ...ª Secção Cível, Juiz ..., do Tribunal da Comarca de ..., sob o n.º 4038/15.5...; sendo a responsabilidade de AA e BB pelo pagamento integral desses créditos aos respetivos credores solidária; e, no mais, confirmam a sentença recorrida.

Além disso, percorrendo o acórdão recorrido, verifica-se haver coerência entre o que vem decidido e o teor dos factos consignados sob os n.ºs 15 e 16º que se mantiveram incólumes e cuja matéria foi ponderada nos fundamentos do acórdão (fls. 48, 124, 126 e 148).

Não se vê, pois, qualquer evidência a ponto de se considerar ter havido lapso manifesto no acórdão sob crítica, tanto mais que, para atingir o limite de 243.771,88 euros (facto 2010), à soma dos valores já apurados haverá que acrescer o montante a ser fixado nos termos da al. d3 do acórdão e que neste momento se desconhece. Isto significa que o que é na verdade manifesto é a introdução do risco de incoerência futura ao comprometer aquele limite estabelecido.

Assim, e porque não demonstrado o lapso manifesto, não pode proceder a pretensão dos recorrentes, o que, naturalmente os torna responsáveis pelas custas do incidente.

II.2.2 Do mérito da revista principal

II.2.2.1 Quanto ao invocado caso julgado / nulidade

Os recorrentes AA e BB, sustentaram que estamos perante uma nulidade do acórdão e invocaram a violação do caso julgado, alegando, em síntese:

G. O acórdão recorrido viola uma decisão transitada em julgado já formado neste mesmo processo e por isso é nulo. Na verdade, o TRG já se tinha pronunciado por decisão transitada em julgado, no acórdão proferido em 05/05/202210, que decidiu que o ano de 2016 não estava sob sindicância por estar fora dos 3 anos da apresentação do processo de insolvência, confirmando aliás a decisão da primeira instância:

“O objeto do processo consiste em saber das razões que conduziram ao estado de insolvência com enfoque nos três anos anteriores ao início do respetivo processo, o que no caso nos remete para 30/12/2016”.

H. Assim estamos perante uma nulidade do acórdão que expressamente se invoca nos termos e ao abrigo da al a) do nº 2 do artigo 629º do CPC pois o acórdão recorrido viola uma decisão transitada em julgado proferida sobre a mesma matéria e no mesmo processo.

Por seu turno, os credores recorridos, nas contra-alegações, opuseram-se à procedência deste fundamento, alegando, em resumo: “Todas as irregularidades contabilísticas graves e relevantes que o acórdão revidendo usou para fundamentar e qualificar a presente insolvência como culposa e lançar mão do disposto e das presunções do art.º 186.º do CIRE, situam-se dentro do lapso temporal de “03 anos anteriores ao início do processo de Insolvência”, que tendo sido instaurado em 30/12/2019, respeita ao período compreendido entre 30/12/2016 e 30/12/2019”.

Por sua vez, no despacho de admissão da revista, o Exm.º Relator referiu expressamente: “essa alegação não tem a mínima correspondência com o decidido naquele acórdão”, transcrevendo diversos trechos em ordem a demonstrar que o comportamento ilícito levado em conta no mesmo aresto se situou no arco temporal de 3 anos antes do início do processo de insolvência.

Vejamos,

Desde logo, não se deteta o invocado vício de nulidade, por não estar em causa qualquer dos vícios previstos taxativamente no artigo 615º, n.º 1 do CPC.

Todavia, a invocação de ofensa de caso julgado, só a mero lapso se deve porquanto, de facto, a Relação apenas ponderou o “comportamento ilícito, doloso ou gravemente negligente [dos recorrentes], ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência (art. 185º e 186º, n.º 1 do CIRE)” (fls. 98 e 99; 109 e 112 a 114 e 149).

Mais, o acórdão refere expressamente nas páginas 131 e seguintes: “(…) se as identificadas irregularidades contabilísticas quanto aos exercícios da sociedade devedora dos anos de 2014 e 2015 não podem aqui ser consideradas para efeitos de qualificação da insolvência da sociedade devedora como culposa, dado terem ocorrido há mais de três anos por referência à data da instauração da presente ação de insolvência (intentada em 30/12/2019), mas refletiram-se na contabilidade da sociedade devedora nos exercícios dos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, que se situam no período relevante fixado no n.º 1, do art. 186º, impedindo a compreensão da verdadeira situação económica e financeira daquela sociedade nesses exercícios dos anos de 2016 a 2020, onde, em cada um desses exercícios, os apelantes AA e BB tinham que diligenciar para que fosse, inicialmente, inscritos os créditos reclamados pelos autores das supra identificadas ações como “provisão”, e, quanto aos aqui também apelantes e credores CC e mulher DD, depois como “passivo” da sociedade devedora nos termos já supra enunciados. (…).

Daqui resulta que, na realidade, o período considerado para identificar os comportamentos ilícitos e dolosos ou gravemente negligentes relevantes dos recorrentes, com vista à qualificação da insolvência, foi o que se situa no arco temporal de 3 anos antes do início do processo de insolvência.

É, pois, patente a inexistência de ofensa a caso julgado e, por conseguinte, não há qualquer motivo para aplicar al. a) do n.º 2 do art.º 629.º do Cód. de Processo Civil.

Assim, cai pela base a argumentação dos recorrentes AA e BB quando invocam que, em virtude de ter sido excedido o arco temporal previsto no n.º 1 do artigo 186º do CIRE, o acórdão recorrido está em contradição com jurisprudência anterior deste Supremo e das Relações11.

II.2.2.2 Quanto ao alegado mau uso dos poderes de facto por parte da Relação (matéria relativa à reapreciação da matéria de facto no tocante à gerência de facto e afetação do recorrente BB).

Os recorrentes alegam a ofensa de caso julgado com base em que foi proferida decisão penal que diz que BB não era gerente de facto, não exercendo qualquer gerência, suportando, deste modo, a pretensão subsidiária formulada quanto à conclusão R).

É pacífico nos autos que o Supremo Tribunal de Justiça não conhece de facto (artigo 674/3 CPC), a menos que se verifique a previsão do artigo 674º/3 CPC, ex vi 682º/2 do mesmo código.

Dispõe-se nestes incisos que:

- artigo 682.º - (Termos em que julga o tribunal de revista)

1 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

2 - A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º.

(…).

Por sua vez, o artigo 674º (Fundamentos da revista) estatui:

1 - A revista pode ter por fundamento:

(…).

3 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Em suma: as situações excecionais que admitem o conhecimento de facto pelo SJJ limitam-se àquelas em que estejamos perante: (1) facto para o qual a lei exija certo meio de prova ou (2) perante meio de prova com valor tabelado por lei12.

Vejamos, então o caso dos autos.

Transcrevem-se aqui, por comodidade de leitura, as conclusões onde, em síntese, os recorrentes vêm alegar que a Relação fez um mau uso dos poderes de facto:

I. O acórdão recorrido usa como fundamento para não reapreciar o pedido de alteração da matéria de facto (factos 4, 5 e 6 na sentença da 1ª instância) a força de caso julgado da sentença penal proferida no proc 283/14.9... do juízo criminal de ... que condenou ambos os ora recorrentes pela prática na forma consumada e em co-autoria de um crime de abuso de confiança previsto e punido pelo artigo 201º nº do Cod. Penal. Invocando o disposto no nº 1 do artigo 623º do CPC.

J. Ora não podemos concordar com tal interpretação, porque o que o douto acórdão recorrido parece ter ignorado, é que sobre a mesma matéria existe uma outra decisão também ela transitada em julgado, esta proferida no processo 324/14.0... do Juízo Central Cível - juiz ... do Tribunal de ... que afastou a existência de gerência de facto da insolvente por parte do BB.

K. A visão ou decisão do acórdão recorrido está em oposição com o decidido no Acórdão RL de 21/06/2018 proc 3369/12.0TBVFX.L1 -6 II - Beneficiando a autora da presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 623.º do CPC, não é a esta que incumbe fazer prova dos factos por si alegados e dados como assentes na sentença penal transitada em julgado, a que a dita presunção conduz - artigo 350.º do Cód. Civil.

- Em tal caso, compete à ré ilidir essa presunção que a desfavorece – artigos 344.º, n.º 1, do Cód. Civil.

L. Diga-se ainda que na interpretação de vários autores tal presunção inilidível só existe quando se trata de factos constitutivos do tipo legal de crime; já não ocorrendo o mesmo quando se trate de outros factos a merecerem igualmente ponderação, mas “externos” aos factos constitutivos do tipo legal de crime.

M. Conforme sumariado no Acórdão do TRGMR, datado de 07/11/2005 “I – O crime de abuso de confiança “ é, segundo a sua essência típica, apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio: é, vistas as coisas por outro prisma, violação da propriedade alheia através de apropriação, sem quebra de posse ou detenção” (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, II, pág. 94), uma definição e que leva já consigo, acentua Costa Andrade, RLJ nºs 3931 e 3932, pág. 315, “ a acção e o resultado típicos da infracção”.

N. A condenação do BB pela prática deste crime é que se torna, à luz do artigo 623º do CPC, presunção inilidível. Ora, nada disso se discutiu nos autos de incidente de qualificação da insolvência, por não estar em discussão tal matéria, nem a sentença recorrida versou sobre os mesmos, como é óbvio. Com efeito, o que se pretendia apurar era algo bem diferente – se o BB era, ou não, gerente de facto.

O. E tal prova nada contende com a condenação penal anterior. Com efeito, os factos a provar sobre a existência, ou não, de gerência de facto não são factos constitutivos do tipo legal de crime de abuso de confiança e só quanto a estes se pode falar de presunção inilidível;

P. Por isso, quer na sentença e acórdão proferido no proc 283/14.9..., tal facto admite prova em contrario noutros processos designadamente neste processo tal como no processo cível 324/14.0..., por se tratar de outros factos, esses sim ilidíveis, a admitir produção de prova.

Q. Isto posto deve declarar-se a ilegalidade da interpretação conferida ao art.º 623.º do CPC (error iuris), pelo acórdão recorrido, no sentido de que a presunção sobre os factos provados em penal em relação aos Réus, deva ser considerada presunção inilidível, por tal contender com as regras de interpretação por aplicação analógica e de interpretação extensiva (que é estrita e não admite interpretação a contrario) cfr. art.º 11.º do Código Civil.

R. E subsidiariamente declarar a ilegalidade da interpretação conferida ao art.º 623.º do CPC (por error iuris), quando interpretada no sentido de que a presunção sobre os factos provados em penal em relação aos Réus, deva ser considerada presunção inilidível, por tal interpretação declinar o regime estatuído no art.º 350.º n.º 2 do CC, que consagra que as presunções inilidíveis são casos excepcionais, que têm de estar expressamente previstas na lei.

S. Assim deve ser valorada a extensa prova produzida em julgamento que atestou que o BB não era, nunca foi gerente de facto da insolvente. Extraindo daí todas as consequências de direito.

Por seu turno, os recorridos, dissentem de tal visão, defendendo em resumo: “Atenta a prova documental indiciária e testemunhal relativamente à gerência de facto do Recorrente BB, e a falta de elementos de prova que demonstrem o contrário, o Tribunal a quo, decidiu, e bem, sobre a afectação do mesmo, como gerente de facto, na insolvência da sociedade Construções J..., Lda...

Uma vez que não estamos perante “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto”, a questão só poderia colocar-se relativamente às situações em que a lei fixe a força de determinado meio de prova.

E é precisamente neste domínio que os recorrentes convocam a decisão penal transitada em julgado, lida à luz do artigo 623 CPC.

Relembra-se que este preceito (oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória) estatui: “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.

As instâncias analisaram a sentença penal condenatória13, mas de modo alguma puseram em causa a força probatória do artigo 623º CPC.

De resto, na sua argumentação a Relação foi exaustiva, devendo-se, pois, a lapso manifesto a afirmação de que a Relação não tenha reapreciado o pedido de alteração da matéria de facto (factos 4, 5 e 6 na sentença da 1ª instância) ou que não tenha desenvolvido argumentação relativa à “força de caso julgado da sentença penal proferida no proc 283/14.9... do juízo criminal de ... que condenou ambos os ora recorrentes pela prática na forma consumada e em co-autoria de um crime de abuso de confiança previsto e punido pelo artigo 201º nº do Cod. Penal. Invocando o disposto no nº 1 do artigo 623º do CPC”.

Na verdade, a Relação sustenta o decidido sobre esta matéria em vasta documentação e em jurisprudência e doutrina. Analisa a força probatória da decisão penal condenatória e explicita que os recorrentes não preenchem a previsão da citada disposição legal, por não deterem a qualidade de terceiros, mas de arguidos.

Assim, do ponto de vista da Relação, não existe cobertura legal para salvaguardar a possibilidade de ilisão da presunção e abrir de novo a possibilidade de os, então, arguidos poderem vir mais tarde (agora) rediscutir a autoria dos factos que lhes foram imputados e que constituem os pressupostos da punição.

Note-se, por fim, que o acórdão recorrido não esgotou a motivação dos questionados factos. Na verdade, foi também salientada a importância probatória de prova testemunhal14.

Por isso, afigura-se que os recorrentes apenas esgrimem razões de mera divergência, mas na realidade, não demonstram ter sido violado o valor probatório fixado pelo artigo 623 CPC.

Os recorrentes aludem também a ação cível (processo cível 324/14.0...15). mas debruçando-nos sobre a presente ação e a invocada ação cível verificamos que ao referirem que no “processo 324/14.0... do Juízo Central Cível - juiz ... do Tribunal de ... que afastou a existência de gerência de facto da insolvente por parte do BB, há que esclarecer que a gerência de facto não foi objeto de expressa apreciação.

Com efeito, o que ali se colhe, nomeadamente do facto n.º 5, é que: “Estes funcionários eram coordenados por BB, funcionário da Autora e encarregado da obra”. Nada consta da matéria não provada quanto à gerência de facto por parte do BB.

Ora, não se detetando que o objeto dessa ação cível tenha incidido sobre a matéria da gerência de facto por parte do BB, obviamente que a conclusão que os recorrentes pretendem retirar não tem qualquer sustentação.

II.2.2.3. Quanto à pretendida alteração de facto relativamente aos fundamentos da al. h) do artigo 186/2 e à fixação da indemnização, à luz do artigo 189/2/e) e 4, ambos do CIRE

Neste âmbito, os recorrentes também recorrem da matéria de facto, salientando-se das conclusões:

CC. O AI no seu depoimento e as testemunhas FF, GG e HH (todas elas contabilistas), deixaram claro que a contabilidade da insolvente não era nem falsa nem fictícia e muito menos em termos substanciais como exige al. h) para que pudesse ser caracterizada a insolvência como culposa. Por isso tem o Douto acórdão que ser a revogado.

DD. O sr. AI e as 3 testemunhas contabilistas afirmaram de forma unânime que “ É prática uniforme nas médias, pequenas e microempresas, a não criação de provisões para processos judiciais em curso e até processos findos”. Este facto ao contrário do decidido no douto acórdão é extremamente relevante e por isso deve ser aditado ao elenco dos factos provados:

(…).

GG. O Douto acórdão desconsiderou prova efetuada por documentos autênticos – certidão predial e escrituras publicas) e constante dos autos comprovativa de que todos os prédios ou frações alienadas antes da sentença de declaração de insolvência, se encontravam oneradas com hipotecas (duas ou até três hipotecas) a favor dos bancos financiadores da construção.

HH. Ora esta prova autêntica tinha que ser levada à matéria provada pois é extremamente relevante para apreciação não só do carácter culposo ou fortuito da insolvência como para apuramento do quantum indemnizatório caso a insolvência viesse a ser declarada culposa (o que não se admite). É que por essa óbvia razão sempre seriam apenas esses credores garantidos, os únicos a receber,

II. Estas vendas constituíram pois a normal atividade da insolvente e não uma delapidação do seu património e tiveram como resultado uma diminuição das suas dividas e do seu passivo e que o gerente ou pessoas a ele ligadas, não tiveram qualquer beneficio dessas vendas pelo que não está preenchidos nenhum dos requisitos das al. a), f) d) e e) do nº 2 e nº 3 do artigo 186º do CIRE

No que tange à pretendida alteração da matéria de facto, com base nos depoimentos das testemunhas, por estarmos perante meios de prova sujeitos à livre apreciação do tribunal, como fica patente da leitura dos supra referenciados preceitos, estamos fora da sindicância deste Tribunal (artigo 607º/5 CPC).

Na realidade é “orientação jurisprudencial uniforme [que] o Supremo Tribunal de Justiça não pode interferir no juízo que a Relação faz com base na reapreciação dos meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como os depoimentos, declarações, documentos sem força probatória plena ou uso de presunções judiciais16.

No que toca à alegada desconsideração dos assinalados documentos, os recorridos assinalam nas contra-alegações que o acórdão se debruçou precisamente sobre a indicada matéria.

A realidade é que o acórdão apreciou tal matéria, ao afirmar: “Quanto às hipotecas que oneram as frações autónomas designadas pelas letras “A”, “G” e “O”, para além de não se descortinar qual a relevância da facticidade que o apelante pretende ver aditada ao elenco dos factos provados na sentença sob sindicância para a decisão de mérito nela a proferir, a pretensão deste assenta na consideração de que o preço pelo qual cada uma dessas frações foi vendida correspondia ao valor de mercado de cada uma delas, à data da respetiva venda, bem como que e o preço de venda daquelas foi necessário para que a sociedade devedora liquidasse as hipotecas que as oneravam, quando a prova produzida não permite extrair nenhuma dessas conclusões.

Aliás, nem sequer se conhece o preço pelo qual as frações designadas pelas letras “A” e “G” foram vendidas, em virtude de não ter sido produzida nos autos qualquer prova quanto a essa facticidade”.

Quer isto dizer que nenhum motivo se evidencia que demonstre ter havido violação dos poderes de facto pela Relação.

II.2.2.4. Quanto à questão da qualificação da insolvência como culposa (artigo 186/2/al. h) do CIRE)

A título prévio (admissibilidade da revista neste segmento), adianta-se que nenhum obstáculo existe à interposição da presente revista, porquanto tratando-se de revista dita normal (artigo 671/1 CPC ex vi artigo 17º do CIRE), ocorre que a fundamentação das instâncias é, neste caso, essencialmente diferente.

Com efeito, e como melhor adiante se detalha, a propósito dos argumentos do acórdão recorrido, a Relação toma em consideração factos [por exemplo o facto 19(2)] e fundamentos jurídicos deles decorrentes, não ponderados pela primeira instância. E, como melhor adiante se verá, não se trata de questões secundárias, mas que, do nosso ponto de vista integram mesmo a ratio decidendi.

Vejamos então a pretensão recursória.

Os recorrentes entendem não estar preenchido o requisito previsto no citado preceito, salientando-se das conclusões:

U. Ainda assim considerou a insolvência culposa com fundamento apenas na al h) do nº 2 do artigo 186º do CIRE o que não se pode aceitar porque entendemos que não ocorreu neste caso, nem se pode retirar da matéria de facto julgada provada e não provada o exigido incumprimento em termos substanciais da obrigação de manter contabilidade organizada

V. Também nesta parte o acórdão recorrido, além de mais uma vez incorrer no erro de se fundamentar em mais que os três anos que a lei permite, e só por isso dever ser revogado, está em flagrante oposição a vários arestos de tribunais superiores na apreciação e aplicação deste artigo 186 nº2 al h) designadamente o Ac. do STJ, 02.03.2021, Ana Paula Boularot, Processo n.º 3071/16.4T8STS-F.P1.S1. e ac da RG proc 2411/20.6T8VCT de 11/05/2023

W. Nada foi referido no acórdão recorrido sobre se essa falta de organização era, ou não substancial, isto é: existindo de facto uma contabilidade organizada, nada foi dito ou particularizado na sentença recorrida (no elenco dos factos provados e dos factos não provados) que possa remeter para um incumprimento em termos substanciais dessa obrigação.

X. Tendo ficado provado que, a partir de 30/06/2019, não foram entregues à contabilista mais elementos contabilísticos (factos 9 e 10º); também resulta provado que foram entregues e depositadas as declarações fiscais relevantes (IES e mod 22 relativos ao exercício de 2019 in totum ou seja foi efectuado o registo das contas anuais da Insolvente relativas a 2019; tal como o haviam sido as dos anos anteriores

Y. A omissão apontada de não ter entregue elementos contabilísticos posteriores a 30/06/2019 (facto 9 e 10) não permite pois concluir que a insolvente (Construções J..., Lda. ) incumpriu em termos substanciais a obrigação que sobre si impendia de manter a contabilidade organizada.

Z. Até porque está provado que a insolvente desde 31/12/2015 não tinha quaisquer trabalhadores ao seu serviço (facto 19º(2)A, 19(2)B , 19º(2)C 22º, e desde 2018 não tinha quaisquer bens e por isso, muito naturalmente não tendo atividade, não tinha quaisquer documentos a contabilizar .

AA. Finalmente quanto ao ano de 2020 (facto 11º e 19º) além do argumento da falta de atividade é certo que nesse ano ocorre a declaração da insolvência e por isso a não existência de elementos contabilísticos relativos a 2020 é responsabilidade apenas e só do AI.

BB. Por outro lado, resultou provado (facto 17º) que a sociedade forneceu um balancete geral acumulado relativo a 2019 ao AI, pelo que forçosamente se terá de concluir que a contabilidade existe e pelo menos de forma substancial não foi incumprida essa obrigação.

(…)

JJ. Quanto à qualificação da insolvência como culposa pelo incumprimento da obrigação de manter contabilidade organizada ou prática de irregularidade com prejuízo relevante (art. 186 nº 2 alínea h) também tem a douta sentença que ser revogada porque os artigos 15º a 17º dos factos provados não preenchem por si só a exigência do al. h) do nº 2 do artigo 186º do CIRE que exige um “incumprimento em termos substanciais” (sublinhado nosso). Além de que existem outros factos provados (18º, 22º) que desmentem em absoluto essa perceção.

KK. E também ficou provado que é prática uniforme nas pequenas e microempresas a não criação de provisões para processo judiciais em curso e até findos. Pelo que de forma alguma existe o incumprimento em termos substanciais (sublinhado nosso) que a al. h) exige

LL. Sendo a culpa grave apenas presumida, defende a maioria da jurisprudência e da doutrina que ela é insuficiente para qualificar a insolvência como culposa, por faltar um dos requisitos referidos no n.º 1 daquele art.º 186.º, impondo-se então demonstrar o nexo de causalidade entre a omissão culposa dos referidos dever e obrigação e a criação ou agravamento da situação de insolvência - cfr., v.g., Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda (in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2.ª ed., págs. 719 e 720), e Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões (in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Almedina, 2013, págs. 505 a 509) e os Acórdãos da Relação de Guimarães de 02/11/2017 (ut Proc.º 32/14.1TBVMS-A.G1) e de 01/02/2018, que se funda em doutrina e jurisprudência aí profusamente citadas (ut Proc.º 5091/16.0T8VNF-B.G1, ambos in www.dgsi.pt)

MM. Em suma a insolvência das Construções J..., Lda. nunca poderia ser considerada culposa, mas sim fortuita porque se não preenchem nenhum dos requisitos ou pressupostos que pudesse ser qualificada como culposa, devendo o douto Acórdão recorrido ser revogado.

Por sua vez, os recorridos contrapõem em síntese, que a contabilidade padecia de múltiplas irregularidades relevantes.

A primeira instância referira: “No caso em apreço, resultou provado que a contabilidade da insolvente apesar de estar organizada, não o estava devidamente, tendo-se verificado irregularidade que impossibilitava a perceção do seu real estado, o que é da responsabilidade do gerente, que deve zelar pela entrega de todos os documentos contabilísticos relevantes para ser organizada pelo contabilista. Assim, por esta alínea entendemos que deve o requerido gerente da insolvente, AA, ser responsabilizado, qualificando-se a insolvência como culposa- artigos 15º a 17º dos factos provados”.

Por seu turno, a Relação, embora aderindo a esta visão, concretizou as irregularidades que considerou verificadas e ponderou circunstâncias que derivam, não apenas dos factos 15º a 17º, tidos em conta pela primeira instância, mas também a factualidade que resultou da alteração da matéria de facto relatada sob o n.º 19(2), em particular nas alíneas f) a k) e ainda nos factos 1, 9 e 11.

Afirmou, nomeadamente: “(…) veio a ser proferida sentença, transitada em julgado a 06/04/2018, que condenou a sociedade devedora a pagar aos aí demandantes CC e DD a quantia de 17.379,00 euros, bem como as quantias que se viessem a apurar em incidente de liquidação. E que, deduzido o competente incidente de liquidação, nele veio a ser proferida, em 24/09/2019, sentença, transitada em julgado em 30/10/2019, que liquidou aquela quantia condenatória ilíquida da sociedade devedora fixada na anterior sentença, transitada em julgado, em 120.207,10 euros, condenando assim a sociedade devedora a restituir aos identificados CC e DD a quantia de 120.207,10 euros (cfr. pontos 14º, 15º e 16º dos factos provados).

Acontece que, no balancete geral acumulado da sociedade devedora, respeitante ao exercício económico do ano de 2019, regista que aquela é credora dos identificados CC e mulher DD, e não o contrário (cfr. ponto 17º dos factos provados).

Tal significa que os apelantes, enquanto gerentes de direito e de facto […], não cuidaram em inscrever no balanço, na demonstração dos resultados e nas notas anexas da sociedade devedora, quanto ao exercício do ano de 2014 (data da propositura daquela ação), nem nos balanços, na demonstração dos resultados e nas notas anexas da sociedade devedora relativos aos exercícios dos anos de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 qualquer quantia a título de “provisão” para a eventualidade dessa ação vir a proceder e vir a ser reconhecido a CC e mulher DD a quantia que estes reclamavam daquela, conforme se encontravam legalmente obrigados a fazer”.

(…).

Com o trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do incidente de liquidação, em 30/10/2019, que fixou o montante da obrigação de prestação de facto (obrigação ilíquida) da sociedade devedora em 120.207,10 euros, fixando o crédito de CC e mulher DD sobre a sociedade devedora num total de 137.586,10 euros, os apelantes AA e BB, enquanto gerentes da sociedade devedora, encontravam-se legalmente obrigados a inscrever no balanço, na demonstração de resultados e nas notas anexas do exercício do ano de 2019 daquela sociedade, como “passivo”, a quantia de 137.586,10 euros, o que também não fizeram, antes inscreveram nessa contabilidade que os credores CC e mulher eram devedores da sociedade devedora.

Decorre do que se vem dizendo que, a contabilidade da sociedade devedora relativa aos exercícios de 2014, 2015, 2016, 2017 e 2019 padece de irregularidades contabilísticas decorrente do que se vem explanando e que, atenta a natureza dessa irregularidade e o montante das quantias nela a inscrever, inicialmente, a título de “provisão”, e depois a título de “passivo”, conforme antes se descreveu, se refletiu decisivamente na compreensão da situação patrimonial e financeira da sociedade devedora em cada um desses exercícios, impedindo a compreensão desta e o seu evoluir17.

Sucede que a Relação foi mais longe do que o primeiro grau, ao introduzir a factualidade constante do facto 19 (2), como acima se assinalou.

Neste âmbito escreve a Relação: “em 14/06/2016, veio a ser celebrada transação nos termos da qual a sociedade devedora se obrigou a executar no edifício “O...” as obras identificadas no relatório da vistoria técnica realizada a esse edifício, a qual foi homologada por sentença proferida em 14/06/2016, transitada em julgado (cfr. pontos 19º(2)F e 19º (2) dos factos apurados).

Ademais, o Condomínio do Edifício “O...” instaurou execução para prestação de facto contra a sociedade devedora, Construções J..., Lda., e AA, dando à execução a dita sentença homologatória da transação, transitada em julgado, alegando, além do mais, que decorrido o prazo convencionado de 180 dias para que os aí executados realizassem as obras previstas naquela transação, não o fizeram, e requerendo que, tratando-se de prestação de facto fungível, essas obras fossem realizadas por terceiro e liquidou o custo destas em 82.325,19 euros.

Destarte, os apelantes AA e BB, enquanto gerentes de direito e de facto, respetivamente, da sociedade devedora encontravam-se obrigados a inscrever no balanço, na demonstração dos resultados e nas notas anexas da sociedade relativos ao exercício do ano 2015 (data da instauração da dita ação) uma quantia, a título de “provisão”, necessária para realizar as obras reclamadas pelo condomínio demandante, tanto mais que a obrigação de realizar as obras reclamadas lhes era, então, previsível, conforme resulta das razões que acima já se explanaram a propósito da ação instaurada por CC e mulher DD e do facto de, no âmbito desta ação, ter sido celebrada, inclusivamente, em 2016, transação, em que obrigaram a sociedade devedora, sua representada, a executar as obras de reparação previstas nessa transação, a qual foi homologada por sentença transitada em julgado.

E quanto aos exercícios dos anos subsequentes a 2016 da sociedade devedora, os apelantes AA e BB encontravam-se obrigados a inscrever e atualizar essa provisão em cada balanço subsequente, na demonstração dos resultados e nas notas anexas dos exercícios da sociedade devedora de modo a que refletisse a melhor estimativa corrente à data de cada balanço, o que não fizeram.

Com efeito, apurou-se que nas constas do exercício da sociedade devedora nunca foi inscrita qualquer verba a título de provisão para garantir a satisfação da obrigação reclamada pelo Condomínio do Edifício “O...” da sociedade devedora (cfr. ponto 19º(2)K dos factos apurados).

(…)

As irregularidades contabilísticas assim cometidas revelam-se relevantes para a compreensão da situação patrimonial e financeira da sociedade devedora, impedindo essa compreensão e o respetivo evoluir, tanto assim que, conforme se lê no parecer emitido pelo administrador da insolvência de fls. 357 verso a 360 do presente apenso de qualificação: “Se estes passivos tivessem sido devidamente registados as contas de resultados seriam gravosamente mais negativas e o passivo seria superior ao ativo, ficando o capital próprio negativo e incorrendo a sociedade no art. 35º do CSC, indicando uma situação de insolvência efetiva”.

Nota-se aqui que a alusão do acórdão aos anos de 2014 e 2015 – anos já não abrangidos pelo período legal de 3 anos - é plenamente justificado por se tratar de anos em que ocorreram factos desencadeantes de efeitos contabilísticos que se mantiveram também em anos subsequentes e cobertos pelo assinalado período de 3 anos, como muito bem é esclarecido pela Relação ao afirmar:

Note-se que se as identificadas irregularidades contabilísticas quanto aos exercícios da sociedade devedora dos anos de 2014 e 2015 não podem aqui ser consideradas para efeitos de qualificação da insolvência da sociedade devedora como culposa, dado terem ocorrido há mais de três anos por referência à data da instauração da presente ação de insolvência (intentada em 30/12/2019), mas refletiram-se na contabilidade da sociedade devedora nos exercícios dos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, que se situam no período relevante fixado no n.º 1, do art. 186º, impedindo a compreensão da verdadeira situação económica e financeira daquela sociedade nesses exercícios dos anos de 2016 a 2020, onde, em cada um desses exercícios, os apelantes AA e BB tinham que diligenciar para que fosse, inicialmente, inscritos os créditos reclamados pelos autores das supra identificadas ações como “provisão”, e, quanto aos aqui também apelantes e credores CC e mulher DD, depois como “passivo” da sociedade devedora nos termos já supra enunciados”.

(…).

E, continua a Relação: “o que tudo significa que as apontadas irregularidades contabilísticas comprometeram decisivamente não só a compreensão da situação patrimonial e financeira da sociedade devedora nos exercícios dos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020 (únicos que aqui interessam para a qualificação da insolvência), o evoluir dessa situação patrimonial e financeira em cada um desses exercícios, assim como dos reflexos que os identificados negócios de compra e venda e dação em cumprimento daqueles prédios (que se situam dentro do período de três anos anteriores à propositura da presente ação) na situação financeira da sociedade devedora”18.

Por fim, a Relação convoca os factos 1, 9 e 11, dizendo:

Acresce que, desde 30/06/2019 os apelantes AA e BB, enquanto gerentes de direito e de facto, respetivamente, da sociedade devedora deixaram de entregar regularmente à contabilista certificada que organizava a contabilidade dessa sociedade os documentos necessários à sua organização, designadamente, os extratos bancários que demonstravam a realização de transações comerciais, os pagamentos a fornecedores, o recebimento de clientes e respetivas entradas de capital (em numerário, cheque ou transferência bancária), elementos esses que são indispensáveis à elaboração dos balancetes, deixando essa contabilista de receber recibos/faturas, extratos bancários e comprovativos de pagamento/recebimento necessários à organização dos balancetes da devedora, elementos contabilísticos que permitiriam a análise efetiva das diversas contas correntes (caixa, bancos, clientes e fornecedores e outros devedores ou credores) - cfr. pontos 9º e 11º dos factos apurados).

E inexiste qualquer contabilidade organizada da sociedade devedora respeitante ao exercício económico de 2020, apesar desta ter sido declarada insolvente apenas em 16/06/2020 (cfr. pontos 1º e 11º dos factos apurados).

Finalmente, desconhece-se o património da sociedade devedora, qual o destino que lhe foi conferido e, bem assim se existiam quantias a apreender nas contas “caixa”, “bancos”, “clientes”, “ativos” e “outros devedores” (cfr. ponto 11º dos factos apurados).

Destarte, deriva do que se vem dizendo que, para além das irregularidades contabilísticas já acima apontadas quanto aos exercícios de 2016, 2017 e 2018, decorrente de, em cada um deles não ter sido inscrita no balanço, na demonstração de resultados e nas notas anexas as supra enunciadas “provisões”, com as consequências já explanadas e mencionadas pelo administrador da insolvência no parecer, também supra identificado, o que tudo impede a compreensão da situação patrimonial e financeira da sociedade devedora em cada um desses exercícios e o evoluir dessa situação, que a contabilidade da sociedade devedora relativa ao exercício do ano de 2019, para além de continuar a padecer da referida irregularidade contabilística que se verificava nos exercícios dos anos anteriores, não reflete a verdadeira situação patrimonial e financeira dessa sociedade, posto que apenas reflete os elementos contabilísticos entregues até 30/06/2019 à contabilista que a elaborou”.

E o acórdão retira a conclusão de que: “encontram-se preenchidos os factos base da ficção legal de insolvência culposa da al. h), do n.º 2, do art. 186º do CIRE, pelo que a sentença sob sindicância, em que assim se decidiu, não padece de nenhum dos erros de direito que imputam a essa decisão quanto a este segmento”.

Concluímos, assim, que os factos ponderados pela Relação incorporam a ratio decidendi, pelo que, pela novidade que introduzem face à ponderação do primeiro grau, afastam as dúvidas sobre a admissibilidade da presente revista.

Vejamos, então, o mérito desta mesma questão.

A posição dos recorrentes centra-se em que não ficou provado que lhes seja imputável o “incumprimento em termos substanciais” da obrigação de manter contabilidade organizada e a prática de irregularidades com prejuízo relevante para a insolvente.

Por comodidade de leitura transcrevem-se desde já os factos convocados pelos recorrentes:

15º- Nesta última ação foi proferida sentença a 21.2.2018, que transitou em julgado, a condenar a devedora a restituir àqueles a quantia de € 17.379,00.

16º- Após deduzir incidente de liquidação por apenso, foi a devedora condenada por sentença de 24.9.2019, transitada em julgado a 30.10.2019, a restituir aos mesmos a quantia de € 120.207,10, tudo perfazendo o total de € 137.586,10.

17º- O balancete geral acumulado respeitante ao exercício económico de 2019 regista que a devedora é credora dos requerentes e não o contrário.

18º- Não existem bens apreendidos, não tendo os autos principais sido encerrados por insuficiência da massa insolvente por os credores aqui requerentes terem depositado a quantia necessária ao prosseguimento dos autos.

22º- A insolvente não tinha maquinaria nem obras em curso.

Como se vê os factos 15 e 16 contêm matéria que integra as premissas que explicam o facto n.º 17.

Cumpre também desde já esclarecer que o argumentado na cls. V) (ponderação do período superior a três anos antes do início do processo de insolvência) não tem qualquer consistência.

Com efeito, a primeira parte cai pela base, em função do acima decidido no que toca ao alegado caso julgado, uma vez que o acórdão refere que não está abrangido o eventual comportamento ilícito, doloso ou gravemente negligente dos recorrentes, ocorrido para além dos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

No que toca à segunda parte, a referência à oposição de acórdãos de Tribunais superiores, afastado que foi o enquadramento do artigo 14º do CIRE, não assume qualquer relevância.

Para decidir da questão em epígrafe, importa ter presente que o n.º 1 e a al. h) do n.º 2 do artigo 186º CIRE dispõem:

1 - A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

2 - Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:

(…)

h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor”.

As dúvidas suscitadas ficam, pois, totalmente esclarecidas por esta disposição legal expressa: o período a ponderar para avaliar do comportamento culposo ou não dos administradores é o período de três anos anteriores ao início do processo de insolvência. E este período foi inteiramente observado pela Relação, a qual apenas convoca anos anteriores, por neles terem ocorrido os factos desencadeantes de efeitos contabilísticos que integraram a matéria relevante. Nada mais do que isso.

Cumpre, ainda, dizer que o que se passou em 2020 (inexistência pura e simples de contabilidade) não releva para efeitos do citado preceito uma vez que o presente processo de insolvência teve início em 30.12.2019.

As instâncias avaliaram o comportamento ilícito dos administradores como prática de “irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor”.

E, na realidade, não se vê que perante a matéria considerada provada pudesse retirar-se outra conclusão. Com efeito, numa abordagem não exaustiva, basta atentar, em síntese, que a sociedade devedora foi condenada a pagar aos demandantes as quantias de €17.379,00 e, mais tarde, de €120.207,10. Ora, não se deteta que os recorrentes tenham procedido à inscrição “no balanço, na demonstração dos resultados e nas notas anexas da sociedade devedora, quanto ao exercício do ano de 2014 (data da propositura daquela ação), nem nos balanços, na demonstração dos resultados e nas notas anexas da sociedade devedora relativos aos exercícios dos anos de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 qualquer quantia a título de “provisão” para a eventualidade dessa ação vir a proceder e vir a ser reconhecido a CC e mulher DD a quantia que estes reclamavam daquela, conforme se encontravam legalmente obrigados a fazer”.

Mais, idêntica obrigação de registo não foi cumprida na demonstração dos resultados e nas notas anexas da sociedade relativos ao exercício do ano 2015 [relativamente a] uma quantia, a título de “provisão”, necessária para realizar as obras reclamadas pelo condomínio demandante, tanto mais que a obrigação de realizar as obras reclamadas lhes era, então, previsível.

Por fim, “no balancete geral acumulado da sociedade devedora, respeitante ao exercício económico do ano de 2019, regista que aquela é credora dos identificados CC e mulher DD [relativamente à supra indicada quantia], e não o contrário (cfr. ponto 17º dos factos provados).

Nota-se, pois, neste caso, um registo não só sem correspondência com a realidade, como frontalmente contrário a ela.

A obrigatoriedade de registo foi tratada detalhadamente pela Relação, não nos merecendo reserva a análise que ali foi efetuada (aliás, não consistentemente questionada), salientando-se o que refere à equiparação da devedora a pequena entidade e à necessidade de efetuar “provisões”. Neste âmbito, diz a Relação:

Quanto ao modo como a contabilidade deve ser organizada, o D.L. n.º 158/2009, de 13/07, entrado em vigor em 01/01/2020 (art. 16º), aprovou o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), com o propósito de aproximar as normas contabilísticas nacionais, “tanto quanto possível dos novos padrões comunitários, por forma a proporcionar ao nosso país o alinhamento com as diretivas e regulamentos em matéria contabilística da EU, sem ignorar, porém, as características e necessidades específicas do tecido empresarial português”.

No SNC consagra-se um regime de contabilidade simplificado para “as pequenas entidades” (NCRF-PE), em que se “contempla os tratamentos de reconhecimento, de mensuração, de apresentação e de divulgação que, do cômputo dos consagradas nas NCRF, são considerados os pertinentes e mínimos a ser adotados por entidades cuja dimensão não ultrapassa dois dos três limites seguintes: a) total do balanço: 500.000,00 euros; b) total de vendas líquidas e outros rendimentos: 1.000.000,00 euros; c) número de trabalhadores empregados em medida durante o exercício: 20”19 (art. 9º do DL. n.º 158/2009).

A problemáticas das provisões, passivos contingentes e ativos contingentes merece especial atenção no âmbito da contabilidade, dadas as incertezas e riscos que rodeiam os acontecimentos e circunstâncias que demandam a necessidade de serem contabilizadas provisões.

No caso, desconhecemos se a sociedade devedora reúne (ou não) os requisitos legais que permitam o seu enquadramento jurídico enquanto “pequena entidade”, dado que os autos não contêm elementos de prova que permitam fazer esse enquadramento, além de que os elementos contabilísticos daquela que a eles foram juntos, antecipe-se desde já, não retratam a verdadeira situação financeira e patrimonial da sociedade devedora.

Ponderando, contudo, que o regime mais favorável para a sociedade devedora e para os apelantes AA e BB, respetivamente, gerentes de direito e de facto daquela, é o previsto no SNC para as “pequenas entidades”, vamos apelar a esse regime legal.

As Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro para Pequenas Entidades (NCRF-PE), publicados no Anexo III ao D.L. n.º 158/2009, na norma 13ª, a qual tem por epígrafe “Provisões, passivos contingentes e ativos contingentes”, regula o tratamento contabilístico de provisões, passivos contingentes e ativos contingentes, exceto os que resultem de contratos executórios que não sejam onerosos (norma 13.1).

Na norma 13.1 o NCRF-PE define-se por «contingentes» “Os passivos e ativos que não sejam reconhecidos porque a sua existência somente será confirmada pela ocorrência ou não ocorrência de um ou mais eventos futuros incertos não totalmente sob controlo da entidade”.

Por sua vez, lê-se na norma 13.3 do mesmo diploma que, para efeitos do tratamento contabilísticos de provisões, passivos contingentes e ativos contingentes distingue-se entre:

“a) Provisões que, desde que se possa efetuar uma estimativa fiável, são reconhecidos como passivo porque são obrigações presentes e é provável que um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos será necessário para liquidar as obrigações;

b) Passivos contingentes que não são reconhecidos como passivos porque são:

i) Obrigações possíveis, uma vez que carecem de confirmação sobre se a entidade tem ou não uma obrigação presente que possa conduzir a um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos; ou

ii) Obrigações presentes que não satisfaz os critérios de reconhecimento deste capítulo, seja porque não é provável que será necessário um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos para liquidar a obrigação, seja porque não pode ser feita uma estimativa suficientemente fiável da quantia da obrigação”;

c) Ativos contingentes que não são reconhecidos como ativos pois são possíveis ativos provenientes de acontecimentos passados e cuja existência somente será confirmada pela ocorrência ou não ocorrência de um ou mais acontecimentos futuros incertos não totalmente sob o controlo da entidade”.

Quanto às «provisões», a norma 13.4 do NCRF-PE estabelece que: “As provisões, incluindo as de caráter ambiental, só devem ser reconhecidas quando cumulativamente:

a) Uma entidade tenha uma obrigação, legal ou construtiva, como resultado de um acontecimento passado;

b) Seja provável que um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos será necessário para liquidar a obrigação; e

c) Possa ser feita uma estimativa fiável da quantia da obrigação”.

Para esses efeitos presume-se, nos termos da norma 13.5 do NCRF-PE que: “Um acontecimento passado dá origem a uma obrigação presente se, tendo em conta toda a evidência disponível, for mais provável do que não que tal obrigação presente existe à data do balanço”, e acrescenta-se na norma 13.8 que: “O uso de estimativas é uma parte essencial da preparação de demonstração financeiras e não prejudica a sua fiabilidade. Isto é especialmente verdade no caso de provisões, que pela sua natureza são mais incertas do que a maior parte de outros elementos do balanço. Uma entidade pode, normalmente, fazer uma estimativa da obrigação que seja suficientemente fiável para usar ao reconhecer uma provisão. Quando tal não seja possível, existe um passivo que não pode ser reconhecido, sendo divulgado como um passivo contingente”.

Em sede de mensuração contabilística da provisão no balanço, na demonstração dos resultados e nas notas anexas enquanto passivo, estabelece a norma 13.13 do NCRF-PE que: “A quantia reconhecida como provisão deve ser a melhor estimativa do dispêndio exigido para liquidar a obrigação presente à data do balanço”, e a norma 13.14 que: “A melhor estimativa do dispêndio para liquidar a obrigação presente é a quantia que essa entidade racionalmente pagaria para liquidar a obrigação à data do balanço ou para a transferir para uma terceira parte nesse momento”, podendo essa quantia “ser calculada com recurso ao método estatístico do valor esperado quando esteja envolvida uma grande população de itens, ou a consequência possível da ocorrência esteja em causa um acontecimento único”.

Finalmente, lê-se na norma 13.23 daquele diploma que: “As provisões devem ser revistas à data de cada balanço e ajustadas para refletir a melhor estimativa corrente. Se deixar de ser provável que será necessário um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos futuros para liquidar a obrigação, a provisão deve ser revertida”.

Daí que se retira que: “a contabilidade da sociedade devedora relativa aos exercícios de 2014, 2015, 2016, 2017 e 2019 padece de irregularidades contabilísticas decorrente do que se vem explanando e que, atenta a natureza dessa irregularidade e o montante das quantias nela a inscrever, inicialmente, a título de “provisão”, e depois a título de “passivo”, conforme antes se descreveu, se refletiu decisivamente na compreensão da situação patrimonial e financeira da sociedade devedora em cada um desses exercícios, impedindo a compreensão desta e o seu evoluir20.

E que “as irregularidades contabilísticas assim cometidas revelam-se relevantes para a compreensão da situação patrimonial e financeira da sociedade devedora, impedindo essa compreensão e o respetivo evoluir, tanto assim que, conforme se lê no parecer emitido pelo administrador da insolvência de fls. 357 verso a 360 do presente apenso de qualificação: “Se estes passivos tivessem sido devidamente registados as contas de resultados seriam gravosamente mais negativas e o passivo seria superior ao ativo, ficando o capital próprio negativo e incorrendo a sociedade no art. 35º do CSC, indicando uma situação de insolvência efetiva”.

Assim, legitimada está, também, a conclusão de que: “encontram-se preenchidos os factos base da ficção legal de insolvência culposa da al. h), do n.º 2, do art. 186º do CIRE, pelo que a sentença sob sindicância, em que assim se decidiu, não padece de nenhum dos erros de direito que imputam a essa decisão quanto a este segmento”.

II.2.2.5. Quanto ao valor da indemnização

Os recorrentes defendem nas conclusões:

NN. Os recorrentes já tinham recorrido da sentença por discordarem por completo com a fixação do montante de €30.000,00 de indemnização aos credores reconhecidos na lista apresentada pelo Administrador da Insolvência nos autos principais por ser desproporcional e injustificada. Todavia o acórdão recorrido agravou enormemente este valor condenando os recorrentes na totalidade do valor dos créditos reclamados.

OO. Ora esta decisão não tem qualquer razoabilidade violando os critérios e princípios de um justa aplicação do direito e está em flagrante oposição ao decido em vários acórdãos da Relação e do Supremo. Além do mais assume verdadeira estranheza que tendo a sentença recorrida condenado os afetados recorrentes no montante indemnizatório de €30.000,00 considerando a insolvência culposa com fundamento no preenchimento das alíneas f), d) e h) do nº 2 e al a) do nº3 do artigo 186 do CIRE que o acórdão ora recorrido tendo retirado por não preenchidos os fundamentos alíneas a), f) e d) do nº 2 e al a) do nº3 do artigo 186 tenha agravado de forma tão gravosa ( oito vezes mais) o montante indemnizatório.

PP. A condenação deve sempre ser decidida com base em critérios de proporcionalidade, razoabilidade, tendo em conta o nexo de causalidade entre a atuação culposa da insolvente e afetados pela mesma e as consequências daí advindas para os credores.

QQ. Nesta medida, o acórdão recorrido mostra-se excessivo e desproporcionado, em flagrante contradição com o decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 280/2015 de 16-6, no Acórdão do TRC de 16-12-2015 in www.dgsi.pt, e no Acórdão do TRG de 1-7-2021, no processo nº 2572/19.7T8VNF-D, pelo que deverá tal valor ser alterado para valor assaz inferior ao por si fixado e mesmo inferior ao fixado na sentença da primeira instância.

RR. Assim, o montante indemnizatório, na hipótese que se não concebe de a insolvência ser declarada culposa, deve ser eliminado ou ser substancialmente reduzido e fixado em montante não superior a €5.000,00 (cinco mil euros o c valor fixado na alínea d) do acórdão recorrido.

Por sua vez, os recorridos, opuseram-se a tal pretensão (insistindo tão só, no recurso subordinado, pela confirmação da decisão com a correção do alegado lapso - al. U).

Por seu turno, a Relação - respaldando-se, nomeadamente, na natureza da indemnização, na atual redação da al. e), do n.º 2, do art. 189º que estabelece o “limite máximo” como sendo o montante dos créditos não satisfeitos e que manda atender às “forças dos patrimónios” de cada afetado, por um lado, e atendendo a que, neste caso, havia decisões transitadas que condenaram os recorrentes na indemnização em questão (€137.586,10), a fim de garantir a tutela jurisdicional efetiva, por outro, e enfim, ponderando os graus de ilicitude e culpa, o nexo causal, e, bem assim, o ónus que cabia aos recorrentes de alegarem e provarem factos que pudessem atenuar ou diferenciar os montantes devidos por cada um – condenou no limite máximo dos créditos em causa.

Vejamos.

Cumpre ter presente que a atual redação do artigo 189/2/e) do CIRE, aplicável ao caso, veio estabelecer a possibilidade de o tribunal graduar a indemnização “até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos21.

Na verdade, foi assim resolvido um debate que se havia instalado a propósito da anterior redação do preceito que se referia apenas ao “montante dos créditos não satisfeitos”, não havendo, pois, em termos literais, a indicação de que se tratava de um “limite máximo”.

A jurisprudência e a Doutrina estavam naturalmente divididas: havia quem entendesse que não caberia ao juiz ponderar fatores ou circunstâncias para além do valor insatisfeito; outro entendimento diferenciava o crédito insatisfeito do valor da indemnização, ponderando fatores como a culpa do afetado e a salvaguarda do princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso.

Atualmente, como se viu, o legislador resolveu o diferendo em prol deste último entendimento e é possível, em tese, calcular o valor da indemnização em valor inferior ao dos créditos reconhecidos, mediante a ponderação, nomeadamente, do grau de ilicitude e de culpa dos afetados, melhor dizendo: o contributo do comportamento dos afetados para a criação ou agravamento da insolvência.

Nessa ponderação, não obstante a “natureza sui generis22 da indemnização, neste caso não vemos razão para alterar o veredito da Relação.

Com efeito,

Na vertente da densificação do critério legal, a jurisprudência deste Tribunal vem entendendo: “(…) tendo o processo de insolvência como objetivo primordial a satisfação do interesse dos credores, a responsabilização dos gerentes ou administradores afetados pela qualificação da insolvência acaba por cumprir, essencialmente, uma função ressarcitória por via sucedânea, tendo em vista o pagamento (total ou parcial) de créditos que não puderam ser satisfeitos em face da insuficiência da massa insolvente. O dano patrimonial a ressarcir será, tendencialmente, o crédito (total ou parcialmente) não satisfeito pela massa”23.

Este Tribunal assumiu, também, a “função/cariz misto, ou seja, sem prejuízo da sua função/cariz ressarcitório, tem também uma dimensão punitiva ou sancionatória (da pessoa afetada/culpada na insolvência), pelo que a observância do princípio da proporcionalidade não exige que a indemnização a impor tenha que ser avaliada como justa, razoável e proporcionada, mas sim e apenas, num controlo mais lasso, que a indemnização a impor não seja avaliada como excessiva, desproporcionada e desrazoável24.

Ainda a propósito da observância da proporcionalidade, este Tribunal entendeu ainda: “Atentos (…) os interesses patrimoniais em jogo (… dos credores, do comércio e da economia em geral), a interpretação do art. 189.º do CIRE de modo a levar às concretas consequências (culpa, inibições, dever de indemnizar, etc.) que na presente espécie foram fixadas no seu quadro apresentam-se proporcionais e adequadas. Trata-se simplesmente da aplicação ao caso concreto do modo como o legislador ordinário – a quem a Constituição da República Portuguesa não recusa o direito a uma ampla margem de atuação na definição dos termos da vida em sociedade – entende organizar juridicamente as consequências sócio-económicas inerentes à insolvência. A imputação de culpa, ainda que presumida, na produção ou agravamento da insolvência, a definição das consequências daí emergentes para o culpado e a definição dos inerentes direitos dos credores (tal como decorrente do art. 189.º do CIRE), tudo isso nada tem de desproporcionado ou de inadequado25.

E este mesmo aresto refere que só assim não será: “se acaso os factos provados revelarem que o comportamento culposo do afetado não foi causal de todo esse dano, antes se tendo limitado a ser apto a produzir um certo dano menor (dano inferior ao do passivo não coberto pelas forças da massa). Cremos que uma tal conclusão recebe algum respaldo na alínea a) do n.º 2 do art. 189.º do CIRE, que se reporta justamente à fixação do grau de culpa “sendo o caso”26.

Ora, no caso dos autos, verifica-se que não existem bens apreendidos (facto 18), não havendo qualquer ativo e, por isso, não se pode equacionar a redução do valor da indemnização para ulteriormente compensar através desse mesmo ativo.

Os factos provados não denotam que o comportamento ilícito dos recorrentes se limitou a um prejuízo aos credores, inferior àquele que lhes foi reconhecido por sentença em ação condenatória. Ao invés, mostra-se provado que o comportamento dos recorridos é causa de todo o prejuízo sofrido pelos credores. Foi-lhes imputado um comportamento ilícito e culposo que, como acima dito, se traduziu em irregularidade contabilística, relativa ao três anos anteriores ao início do processo de insolvência, sabido que a contabilidade constitui um “instrumento privilegiado para obter a informação e prova da situação económica e financeira da devedora”27.

E, como se disse, a irregularidade traduziu-se, nomeadamente, na circunstância de que figura no balancete geral acumulado respeitante ao exercício económico de 2019 o registo de que a devedora era credora dos requerentes quando deveria ter sido o contrário (facto 17) e “Nas contas dos exercícios da sociedade devedora, Construções J..., Lda., nunca foi inscrita qualquer verba a título de “provisão” para garantir a satisfação do crédito do Condomínio do Edifício O...” (facto 19º(2) K).

Por fim, neste largo domínio do cálculo da indemnização, é de notar que este Tribunal vem entendendo que: “estando em causa uma insolvência culposa, o fator/grau de culpa da pessoa afetada não terá grande relevância como limitação do dever de indemnizar, sendo o fator/proporção em que o comportamento da pessoa afetada contribuiu para a insolvência que deve prevalecer na fixação da indemnização.”28.

Por isso, entende-se que deve manter-se a proporção de metade, na responsabilidade de cada um dos afetados, apesar de os períodos de inibição serem diferentes (5 e 7 anos), uma vez que a fixação do período de inibição é uma consequência e não um fator desencadeante de responsabilidade. Além disso, a indemnização é um efeito externo, enquanto a inibição é um efeito sobre os próprios gerentes que, com o seu descrito comportamento ilícito conduziram à insolvência culposa. Por isso, não faria qualquer sentido uma diferenciação dos valores relativamente a cada um dos recorrentes.

Ora, a globalidade dos comportamentos imputados e resultantes da matéria de facto provada são causa adequada à produção do referenciado prejuízo.

Note-se que, sendo estabelecida a possibilidade de fixação do valor indemnizatório naquele limite máximo, cumpria aos afetados o ónus de um esforço probatório acrescido na demonstração de elementos que pudessem afastar ou reduzir o valor em causa. Não obstante, não lograram tal desiderato.

Os recorrentes suscitaram ainda a questão de que o facto de a Relação ter suprimido os fundamentos constantes das alíneas d) e f) do n.º 2 e a) do n.º 3, do artigo 186º CIRE [cls. OO)], conduziria a uma necessária redução do valor da indemnização.

Sucede que o raciocínio não pode proceder, porquanto qualquer dos fundamentos do artigo 186º CIRE é passível de desencadear os efeitos previstos pelo artigo 189º do mesmo diploma, nomeadamente quanto ao montante da indemnização. A quantidade de alíneas que serve de fundamento à qualificação da insolvência como culposa não releva necessariamente para a determinação do valor da indemnização que, como se viu, obedece aos critérios acima explanados.

À luz do exposto, uma vez que os recorrentes não lograram demonstrar como se lhes impunha, os factos que atenuassem o impacto dos seus comportamentos ilícitos e culposos no desencadear ou agravar da insolvência ou que os prejuízos não atingiam o referenciado valor, por um lado e, uma vez que não há base factual e jurídica para determinar uma redução, naturalmente, que não pode deixar de ser mantido o veredito da Relação.

Improcede, pois, a pretensão formulada a este propósito.

II.2.2.6. Quanto à requerida eliminação da inibição para o exercício do comércio

Os recorrentes sustentam que deve “eliminar-se a inibição para o exercício do comércio e ocupação de titular de órgão de sociedade (…) constantes da alínea c) da Decisão do acórdão Recorrido (al. SS. das conclusões).

Por sua vez, os recorridos opõem-se, dizendo, em resumo, que: “afigurando-se inteiramente adequado e proporcional o período de inibição fixado no acórdão revidendo, também nesta parte não merece qualquer reparo ou censura”29.

Está em causa o segmento constante da al. c) do dispositivo do acórdão, o qual tem a seguinte redação:

“c- revogam a parte dispositiva da sentença recorrida que fixou o período de inibição aplicado ao apelante BB em sete anos e, em sua substituição, declaram BB inibido para o exercício do comércio durante cinco anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgãos de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa”.

Vejamos.

Os recorrentes AA e BB insurgem-se contra a imposição da inibição fixada nos termos acima expressos e que, por comodidade de leitura, aqui de novo se transcrevem: “[deve] eliminar-se a inibição para o exercício do comércio e ocupação de titular de órgão de sociedade [] constantes da alínea c) da Decisão do acórdão Recorrido”.

Ora, a realidade é que o segmento decisório posto em causa diz respeito unicamente ao recorrente BB e a decisão da primeira instância que aplicou a inibição de 7 anos ao recorrente AA não foi, por parte deste, objeto de apelação.

Deste modo, e no que toca a este recorrente, a decisão sobre tal questão transitou em julgado, não podendo ser recolocada no objeto da revista.

De resto, é este o entendimento pacífico na Doutrina e na Jurisprudência: “Se determinada questão não foi integrada no recurso de apelação, não pode ser suscitada, depois, no recurso de revista interposto pelo apelante30.

Conclui-se, pois, que neste domínio a revista é circunscrita ao recorrente BB.

Cumpre notar, antes de mais, que, tendo a Relação reduzido o período de inibição de 7 para 5 anos, relativamente a este recorrente, ocorre dupla conforme, a qual só poderia ser atacada por via de revista excecional (artigos 671/3 e 672, ex vi artigo 17º do CIRE), o que não sucedeu.

Com efeito, verifica-se que houve uma reformatio in melius. Nestes casos, o STJ tem entendido que há dupla conforme impeditiva de recurso de revista se o apelante obteve na Relação uma decisão que, tanto no aspeto quantitativo, como no aspeto qualitativo, lhe é mais favorável, do que a decisão proferida pela 1ª instância31.

Nesse sentido, “«I - Prevalece actualmente na jurisprudência do STJ a tese segundo a qual é de equiparar à dupla conforme os casos em que o acórdão da Relação, não sendo inteiramente coincidente com a decisão da 1.ª instância, divirja dela em sentido mais favorável ao recorrente, tanto no aspeto quantitativo como no aspeto qualitativo”. “[V]ejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do STJ de 17-10-2019, Revista n.º 7223/12.8TBSXL-A.L1.S1, Rosa Ribeiro Coelho (Relatora) e de 27-09-2018, Revista n.º 634/15.9T8AVV.G1-A.S1, Tomé Gomes (Relator) […]:
Veja-se, ainda, o Ac. STJ de 28.01.2020, na Revista n.º 288/16.0T8CSC.L1.S132, e o Ac. STJ de 17.11.2020, na revista n.º 19128/18.4T8SNT.L1.S133.

Na Doutrina, no mesmo sentido, vide Teixeira de Sousa34 e, aderindo à tese deste autor, Abrantes Geraldes, o qual refere: “… sempre que o apelante obtenha uma procedência parcial do recurso na Relação, isto é, sempre que a Relação pronuncie uma decisão que é mais favorável – tanto no aspeto quantitativo, como no aspeto qualitativo – para esse recorrente do que a decisão proferida pela 1.ª instância, está-se perante duas decisões «conformes» que impedem que essa parte possa interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.35.

Não se tratando de caso em que a lei admita sempre recurso, o recurso de revista deste recorrente seria, assim, inadmissível neste segmento.

Como quer que seja, desde já se adianta que a pretensão do recorrente não pode proceder.

Com efeito, nota-se que o recorrente se limitou a requerer a eliminação pura e simples da inibição. Não contrapôs qualquer argumento, fazendo, assim, depender, necessariamente, a sorte desta pretensão do juízo formulado pelo STJ relativamente à questão da qualificação da insolvência como culposa (artigo 186/2/al. h) do CIRE).

No caso dos autos, ponderando a conduta do recorrente (que tem de ser assumida como dolosa pelo menos face aos elementos sem correspondência com a realidade, registados na contabilidade) e o impacto na vida da empresa e no interesses dos credores objetivados no valor dos créditos), afigura-se que nenhum excesso pode ser assacado à fixação de 5 anos num espetro que varia de 2 a 7 anos36.

Assim, tendo sido mantida a decisão no sentido de que a insolvência é culposa, naturalmente que tal acarreta as sanções decretadas ao abrigo do artigo 189º/2 CIRE, mantendo-se o período de inibição que foi decretado.

Improcede, pois, esta pretensão.

II.2.3. Recurso subordinado

II.2.3.1. Quanto à pretendida repristinação de primeira instância que julgou preenchidas as presunções inilidíveis de insolvência culposa previstas nas alíneas d) e f) do n.º 2 do art. 186º do CIRE”.

Os recorrentes puseram em causa o dispositivo do acórdão da Relação, na parte em que concluiu: “b- revogam o segmento da sentença recorrida em que se julgaram preenchidas as presunções inilidíveis de insolvência culposa previstas no art. 186º, n.º 2, als. f) e d) do CIRE (…)”.

Como se viu, o recurso principal improcedeu in totum, nomeadamente, em matéria de: (i) preenchimento “dos factos base da ficção legal de insolvência culposa da al. h), do n.º 2, do art. 186º do CIRE” e (i) no que toca à pretensão dos recorrentes AA e BB, quanto ao valor da indemnização, não obstante a Relação ter afastado os fundamentos constantes da al. b do dispositivo (als. d) e f) do n.º 2 do artigo 186 e al. a) do n.º 337 do mesmo artigo).

No caso dos autos, a improcedência do recurso principal (a qual, em si, não condiciona a sorte do recurso subordinado) leva a que fiquem acauteladas as pretensões dos ora recorrentes, CC e DD.

De facto, a pretensão recursória por estes formulada não se projeta em qualquer utilidade económica com impacto real nas suas esferas jurídicas.

Com efeito, no recurso principal, acima apreciado, decidiu-se manter o valor da indemnização fixada pela Relação (que não é questionada em sede de mérito pelos ora recorrentes).

A pretensão que aqui defendem, do ponto de vista do seu interesse direto, isto é, da vantagem que poderiam obter, circunscreve-se ao valor dos créditos que lhes foram reconhecidos por sentença de condenação transitada em julgado. E isso obtiveram-no na totalidade38.

Segundo um juízo de prognose, não teria, pois, qualquer relevância prática a hipotética procedência desta questão que se circunscreve a fundamentos e não propriamente a resultados.

Deste modo, atendendo a que, na prática, neste âmbito, os ora recorrentes obtiveram todo o efeito útil pretendido, através da improcedência in totum do recurso principal, mostra-se prejudicada esta pretensão formulada no recurso subordinado.

II.2.3.2. Quanto à pretensão relativa ao período de inibição

Neste âmbito, os ora recorrentes circunscreveram-se à conclusão T) onde afirmam: “Posto isto, resulta evidenciada a gravidade dos factos praticados pelos Recorridos AA e BB e o uso abusivo que os mesmos fizeram das sociedades pessoas colectivas, pelo que devem ser condenados na inibição da sentença primitiva pelo período de SETE ANOS”.

Todavia, trata-se de “venire contra factum proprium”, uma vez que nas contra-alegações, neste âmbito, os recorrentes conformaram-se expressamente com o decidido pela Relação ao dizerem: “afigurando-se inteiramente adequado e proporcional o período de inibição fixado no acórdão revidendo, também nesta parte não merece qualquer reparo ou censura”39.

Por sua vez, no requerimento de interposição, o objeto do presente recurso subordinado, restringiu-se à matéria das als. d) e f) do n.º 2 do artigo 186º CIRE.

Portanto, tudo indica que a formulação desta pretensão resulta de um patente equívoco face à posição anteriormente por eles assumida.

Como quer que seja, a pretensão dos recorrentes, porque desacompanhada de qualquer fundamento de suporte, jamais poderia proceder.

Improcede, pois, esta pretensão.

III. Decisão

Pelo exposto e de harmonia com as disposições legais citadas decide-se:

1. julgar totalmente improcedente o recurso principal;

2. considerar prejudicada a pretensão de repristinação das alíneas d e f) do n.º 2 do artigo 186º do CIRE formulada no recurso subordinado e, no mais, julgar improcedente este mesmo recurso,

3. mantendo-se, na íntegra, o acórdão recorrido.

Custas do recurso principal pelos recorrentes AA e BB e do recurso subordinado pelos recorrentes e CC e DD, fixando-se, quanto a estes, a taxa de justiça em 5%.

Custas pelo indeferimento do desentranhamento do recurso subordinado, a cargo dos recorrentes AA e BB, com taxa de justiça mínima.

Custas do incidente de correção de lapso, a cargo dos recorrentes CC e DD, com taxa de justiça mínima.

Lisboa, 28-01-2025

Amélia Alves Ribeiro (Relatora)

Graça Amaral

Rosário Gonçalves

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1. Nada se transcreve por constituir repetição, devida certamente a lapso manifesto.↩︎

2. Este facto tinha, a seguinte redação, na sentença: “BB é também o único sócio e gerente de direito da sociedade S..., Lda., pessoa coletiva com objeto similar ao da devedora e da qual AA foi sócio e único gerente de direito até ao dia 17 de janeiro de 2017”.

3. Este facto tinha, a seguinte redação, na sentença: “A partir do encerramento do exercício económico de 2016, altura em que não tinha qualquer trabalhador ao seu serviço, tendo estes passado a trabalhar para a sociedade S..., Lda., e apresentava uma dívida de € 82.325,19 ao condomínio do Edifício O..., em ..., a sociedade insolvente mostrava-se incapaz de gerar riqueza, estando apenas a acumular prejuízos”.

4. Este facto tinha a seguinte redação na sentença: “Face à inércia dos requeridos em adotar medidas de contenção dos prejuízos, acabaram por ser reconhecidos créditos sobre a insolvente no valor global de € 243.771,88”.↩︎

5. Na sentença, tinha a seguinte redação: “Que a não apresentação à insolvência não provocou ou agravou o estado de insolvência da devedora”.

6. Na sentença, tinha a seguinte redação: “Que uma parte significativa dos créditos reconhecidos foram constituídos a partir de 1-1-2017”.

7. Ac. STJ de 15.02.2023, proferido no processo n.º 822/15.8T8VNG-C.P2.S1 da 6.ª SECÇÃO, pela Excelentíssima Conselheira Ana Resende.↩︎

8. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2021, p. 99 e npp 140.↩︎

9. Com a seguinte redação: “b) - revogam o segmento da sentença recorrida em que se julgaram preenchidas as presunções inilidíveis de insolvência culposa previstas no art. 186º, n.º 2, als. f) e d) do CIRE e em que se qualificou a insolvência como culposa com fundamento na presunção de culpa grave da al. a), do n.º 2, daquele art. 186º”.↩︎

10. E não 05/05/2020, como por lapso os recorridos referem - cfr. doc. n.º 4 junto com as alegações de recurso.↩︎

11. Invocando o artigo 14 do CIRE, o qual, como já se disse não é aplicável, sendo apenas admissível a revista nos termos do artigo 17º do CIRE e 671 e seguintes do CPC.↩︎

12. Em sentido convergente, vd. Abrantes Geraldes, António Santos, Pimenta, Paulo e Pires de Sousa, Luís Filipe, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 815, nota 5 e Abrantes Geraldes, António Santos, Recursos em Processo Civil, 8ª Ed. Atualizada, Coimbra, Almedina, 2024, p. 571.↩︎

13. Transitada em 19.03.2018 e documentada a fls. 122 e seguintes do I volume dos autos.↩︎

14. A qual, como é sabido está excluída da possibilidade de sindicância por parte do STJ, uma vez que constitui meio de prova sujeito ao princípio da livre apreciação e, por conseguinte, está fora do âmbito de aplicação da exceção prevista na segunda parte do n.º 3 do artigo 674 CPC. Veja-se Abrantes Geraldes, António Santos, Recursos em Processo Civil, 8ª Ed. Atualizada, Coimbra, Almedina, 2024, p. 546.↩︎

15. Com decisão transitada em julgado em 06.04.2018, documentada a fls. 151 e seguintes.↩︎

16. Neste sentido veja-se, entre muitos outros, Ac STJ n.º 644/20.4T8LRA.C1.S1, publicado em 2022-06-21, relatado pelo Exmº Conselheiro Jorge Arcanjo e a nota de pé de página n.º 14.↩︎

17. Toda esta matéria se refere aos factos n.ºs 15 a 17.↩︎

18. Esta matéria respeita ao facto 19(2).↩︎

19. Preâmbulo do DL. n.º 158/2009, de 13/07.↩︎

20. Toda esta matéria se refere aos factos n.ºs 15 a 17.↩︎

21. CIRE na redação da Lei n.º 9/2022, de 11/01, aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor (11.04.22) – artigo 10/1.↩︎

22. Ac. STJ de 2.11.2023, no processo n.º 644/17, relatado pela Exmª Cons. Maria Olinda Garcia.↩︎

23. Ac. STJ de 2.11.2023, no processo n.º 644/17, relatado pela Exmª Cons. Maria Olinda Garcia.↩︎

24. Neste sentido Ac. STJ de 22.06.21, relatado pelo Exmº Consº Barateiro Martins.↩︎

25. Ac STJ de 06.09.22, no processo n.º 291/18.0T8PRG-C.G2.S1 relatado pelo Exmº Conselheiro José Raínho.↩︎

26. Ac STJ de 06.09.22, no processo n.º 291/18.0T8PRG-C.G2.S1 relatado pelo Exmº Conselheiro José Raínho.↩︎

27. Ac. STJ de 16.11.23, processo n.º 1937/21.9T8CBR-A.C1.S1, relatado pela Exmª Conselheira Ana Resende.↩︎

28. Ac. STJ 22.06.21, relatado pelo Exmº Conselheiro Barateiro Martins.↩︎

29. Note-se que as contra-alegações dos recorridos, neste domínio, incorrem num equívoco, na medida em que se reportam aos dois recorrentes e não apenas àquele que é efetivamente abrangido pela revista.↩︎

30. Abrantes Geraldes, António Santos, Recursos em Processo Civil, 8ª Ed. Atualizada, Coimbra, Almedina, 2024, p. 163 e npp. 268.↩︎

31. Ac. STJ de 24.05.2018, 37/09.4T2ODM-B.E2.S1 (relatora: Rel.: Exma Conselheira Rosa Ribeiro Coelho).↩︎

32. Relatado pelo Rel.: Exmº Cons. Conselheiro José Rainho.↩︎

33. (Relatado pelo Exmº Cons. Conselheiro Fernando Samões, e do qual foram extraídos os supra indicados acórdãos do STJ.↩︎

34. Teixeira de Sousa, Dupla Conforme: Critério e âmbito de conformidade, CDP, 21, p. 24 a 26 Apud Lebre de Freitas, José, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, 3ª Ed. Coimbra, Almedina, 2022, pp. 205/206/207.↩︎

35. Abrantes Geraldes, António Santos, Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição Atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pp. 372 e 373 e Abrantes Geraldes, António Santos, Pimenta, Paulo e Pires de Sousa, Luís Filipe, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I., Coimbra, Almedina, 2018, pp. 671 e 672, npp. 16 onde se faz referência jurisprudência do STJ.↩︎

36. Neste âmbito, a Relação de Guimarães de 31 de janeiro de 2019 (processo n.º 3478/16.7T8VNF-D.G1, disponível em www.dgsi.pt) e à míngua de qualquer outro diferente critério norteador legal, afirmou: “na ponderação da duração do período de inibição deve levar-se em conta a gravidade da conduta da pessoa afectada com a qualificação culposa da insolvência, as repercussões do comportamento, o grau de culpa (actuação dolosa ou com culpa grave, sendo que no primeiro caso é relevante a natureza do dolo) e o contributo para a situação de insolvência (balizado entre um comportamento que determinou directamente a situação de insolvência e outro que apenas agravou a mesma)”.↩︎

37. E não n.º 2, como por lapso se indicou no acórdão.↩︎

38. Por isso, bem se pode afirmar que os recorrentes não são, neste âmbito, verdadeiramente, parte vencida. Quando muito, nesta sede, poderiam ter lançado mão da “ampliação do objeto do recurso”, nos termos e para os efeitos estritos do artigo 636º CPC, o que não aconteceu. Poder-se-ia, é certo, equacionar a convolação (artigo 193/3 CPC), mas pela razão de que esta matéria do recurso subordinado ficou prejudicada, tal não se opera, por desnecessário (Abrantes Geraldes, António Santos, Recursos em Processo Civil, 8ª Ed. Atualizada, Coimbra, Almedina, 2024, p. 139 e npp. 222).↩︎

39. Note-se que as contra-alegações dos recorridos, neste domínio, incorrem num equívoco, na medida em que se reportam aos dois recorrentes e não apenas àquele que é efetivamente abrangido pela revista.↩︎