ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
OFENSA DO CASO JULGADO
CURADOR
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
REVELIA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
PROCEDÊNCIA
ABUSO DO DIREITO
FUNDAMENTOS
PRESSUPOSTOS
CONTRADIÇÃO DE JULGADOS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Sumário


I. Este Supremo Tribunal tem entendido que para aferir da admissibilidade da revista é necessário ter em conta, não apenas a aparência do que vem alegado pelo recorrente como fundamento da revista e da sua admissibilidade, mas também a consistência dos motivos invocados, a fim de não frustrar o regime da própria revista.
II. É também orientação deste Tribunal que a autoridade de caso julgado tem por finalidade evitar que a questão decidida “por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica”, pressupondo a vinculação ao decidido anteriormente, ou seja, que a decisão de determinada questão não possa voltar a ser discutida.
III. A decisão da Relação que, confirmando a decisão da primeira instância, determina a cessação das funções de curador ad litem, não conhece do mérito da causa nem põe termo ao processo: trata-se de uma decisão que não é final e incide sobre a relação adjetiva. Este tipo de decisão é, em princípio, irrecorrível, sendo apenas recorrível nos termos do artigo 671º nº2 do CPC.
IV. O facto de a revista não ser admissível face ao mencionado preceito, inviabiliza também a revista excecional.
V. A contradição relevante para aferir do caso julgado não se verifica quando forem diferentes os fundamentos, objeto e contextos decisórios.
VI. É entendimento pacifico deste Tribunal que a revista das nulidades imputadas a uma decisão só é admissível, caso subsista um recurso agregador (artigo 615/4 ex vi artigo 666º, CPC).

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Processo n.º: 2551/18.1T8VCT.G3.S1

6ª Secção

Recorrente/A.: AA

Recorrida/R.: R..., Lda.

I. RELATÓRIO

I.1. Pedido: condenação da R. no pagamento do montante de € 102.549,27, correspondente aos suprimentos, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

Em 02.12.24, foi proferida decisão singular cujo dispositivo tem o seguinte teor:

III. Decisão

Pelo exposto e decidindo, de harmonia com as disposições legais citadas, não se toma conhecimento do objeto do recurso de revista.

Oportunamente baixem os autos à Relação para que, nomeadamente, conheça da nulidade invocada (artigo 617/5, 2ª parte).

Custas pelo recorrente, fixando a TJ em 3 Ucs”.

Inconformado com esta decisão, em 12.12.24, o recorrente apresentou requerimento pelo qual, invocando os termos do artigo 652º/3 ex vi artigo 679º, ambos do CPC, requereu, sem mais, que sobre aquela decisão recaia acórdão.

Tem sido entendimento deste Tribunal, por nós subscrito, sem qualquer reserva, que: “Na ausência de argumento novo na reclamação para a Conferência, confinando-se ao pedido do seu pronunciamento acerca do objecto da decisão do relator, por economia de actos, pode a Conferência suportar-se naquela decisão, sem necessidade de novos fundamentos1.

Deste modo, e revendo-nos inteiramente na decisão reclamada, passa esta aqui a transcrever-se, agora, como acórdão deste coletivo2, nele integrando a suscitada questão da suspensão “dos presentes autos, até à decisão no recurso extraordinário de Uniformização de Jurisprudência” (processo n.º 2551/18.1...).

Assim,

A legibilidade dos termos do recurso tornar-se-á mais clara se tivermos em mente a marcha do processo.

A petição inicial foi apresentada em 12.07.2018.

Em 18.10.2018, por despacho considerando que a R., regularmente citada, não apresentou contestação no prazo de que dispunha para o efeito, foram julgados confessados os factos articulados pelo A..

Em 26.10.2018, a R. juntou aos autos procuração passada a favor de mandatário.

Em 29.10.2018, a R. requereu a nulidade da falta da sua citação.

Em 12.11.2018, o A. veio arguir a falta de procuração da R. passada a favor do mandatário por o subscritor da mesma não poder obrigar sozinho a sociedade.

Por despacho de 10.12.2018 foi decidido julgar que a R. não se encontrava validamente representada através da procuração constante de fls. 26 e foi determinado nomear um representante especial à mesma, com vista a suprir a invocada irregularidade de representação judiciária, nos moldes então definidos.

Em 21.2.2019, foi nomeado curador especial à R. e determinada a notificação deste para informar se ratificava os atos anteriormente praticados pelo sócio-gerente da ré, designadamente, a outorga da procuração forense junta pelo mesmo aos presentes autos, na qualidade de representante da R., nos termos e para efeitos do disposto no artigo 27º/ 2, do CPC.

Em 22.11.2019, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente e, em consequência, decidiu condenar da R. R..., Lda. no pagamento ao A. do montante de € 102.549,27, correspondente aos suprimentos, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

Em 6.1.2020 a R. interpôs recurso da sentença arguindo a falta de citação.

Em 18.6.2020 foi proferida decisão pelo Tribunal da Relação de Guimarães julgando procedente o recurso e, consequentemente, por falta de citação da recorrente, revogou a sentença e anulou tudo o que se processou depois da nomeação do curador, incompatível com essa nulidade, devendo, com essa citação, o processo continuar os seus termos.

Em 4.9.2020, o A. interpôs recurso de revista desta decisão da Relação, o qual foi rejeitado, no STJ por inadmissível, em 23.3.2021.

Citada a R. através do curador foi apresentado um articulado como contestação da ré subscrito pelo Advogado BB, enquanto mandatário da R.

Esta contestação, depois de ter sido arguida de nula por requerimento do autor, veio a ser considerada sem efeito e rejeitada por decisão de 17.6.2021.

Em 18.6.2021, a R. requereu a revogação do despacho que determinou a rejeição da contestação com a substituição por outro que a admita.

Em 13.7.2021, em despacho que antecedeu a sentença, com fundamento em que a pretensão da R. consubstanciava uma nulidade que só poderia vir a ser arguida juntamente com o recurso da decisão final, foi indeferida aquela pretensão (fls. 405).

Na mesma data, foi proferida sentença que julgou a ação procedente, tendo condenado a R. no pagamento ao A. do montante peticionado acrescido de juros de mora (fls. 405 v.º a 407).

Em 08.09.2021, foi interposto recurso de apelação tendo por objeto:

• decidir se foi cometida alguma nulidade processual, nomeadamente se deve manter-se o despacho que desconsiderou a contestação apresentada nos autos como sendo da R.;

• caso se mantenha o despacho, aferir do acerto da sentença proferida, ou se deve ser reformada, anulada ou revogada.

Em 14.10.21, foi proferido despacho pela primeira instância que rejeitou o recurso da R..

A R. reclamou nos termos do artigo 643º CPC e, por decisão singular (de 14.12.21) foi deferida a reclamação.

Perante a reclamação do A. para a conferência, foi proferido acórdão em 17.02.2022, o qual, julgando procedente a reclamação, admitiu o recurso (fls. 490 a 509).

Nesse mesmo acórdão a Relação referiu expressamente que: “não se trata […] de um despacho [o de 17.06.21] que devia ser objeto de apelação autónoma, ele será recorrível com o recurso da sentença, como foi. Não se formou, por isso, caso julgado.

Improcede, por isso, igualmente a visão do recorrido quanto à intempestividade do recurso interposto no que concerne ao despacho em causa, já que só se aplicava o prazo de 15 dias à apelação autónoma (que não é o caso) (fls. 507 v.º).

Por acórdão de 05.05.2022, o Tribunal da Relação revogou o despacho de 17.06.2021 e, consequentemente, revogou o despacho e sentença subsequentes e decidiu admitir a contestação apresentada pela R. determinando o prosseguimento dos autos (fls. 521 a 535).

Consta deste acórdão nomeadamente que: “Já se mostra decidido, face ao nosso anterior acórdão [17.02.22] que o que está em causa apreciar no despacho de 17/6 e por isso também neste recurso que sobre o mesmo incide, é saber se a R. se constituiu em situação de revelia por não lhe poder ser imputada a contestação apresentada nos autos, o que nos remete para a análise da procuração junta em 06.01.2020” (fls. 533 v.º).

Em 08.06.2022, foi interposto recurso para o STJ pelo A., no qual, igualmente suscita a nulidade do acórdão da Relação, por omissão de pronúncia quanto à extemporaneidade e inexistência de recurso autónomo do despacho de 17.06.21 e o consequente caso julgado formado por este (cls. c. d.).

Em 30.06.2022, na sequência do acórdão de 05.05.22, veio a ser proferido acórdão em conferência pelo Tribunal da Relação julgando improcedente a arguição dessa nulidade. Neste mesmo acórdão lê-se nomeadamente que: “Note-se que o recorrido já havia invocado esta alegada falta de apreciação da questão quando reclamou para a conferência.

Fá-lo novamente nesta sede, sendo que efetivamente a questão não foi apreciada no acórdão de que se reclama porque já havia sido apreciada no que o antecedeu e transitou [acórdão de 17.02.22]. Pelo que nem tinha nem podia ser reapreciada” (fls. 547 a 561).

Notificado, em 14.07.2022, o A. veio requerer perante o Tribunal da Relação a reforma quanto a custas e reiterando que permanece a nulidade (fls. 563 a 564).

Por acórdão de 06.10.2022, o Tribunal da Relação julgou procedente o pedido de reforma, eliminando a condenação em custas do A. (fls. 585 a 588).

Na sequência do recurso de revista interposto em 08.06.2022, cumprido o artigo 655º CPC, foi proferida decisão singular do relator em 05.12.22, da qual consta nomeadamente: “Em resumo, a presente revista interposta pelo autor, não questiona diretamente a decisão recorrida tomada no sentido de determinar a admissão da contestação, a anulação dos atos posteriores, entre eles a sentença proferida, e determinar o prosseguimento dos autos. O recorrente limita-se a esgrimir questões que em seu entender deveriam ter impedido que a apelação fosse admitida e decidida, quais sejam, a omissão de pronúncia por o Tribunal da Relação na decisão recorrida não se ter pronunciado sobre a intempestividade do recurso (de apelação) e por entender que se havia formado caso julgado sobre a decisão de 1ª instância que rejeitou a contestação (o que determinaria também a inadmissibilidade da apelação). Acontece que a ambas as questões está vedada a revista por estarem definitivamente decididas antes com a admissão da apelação, sendo que quanto à segunda questão, mesmo a admitir-se que não se admite, que fosse admitida revista dirigida à decisão que admitiu a contestação e determinou o prosseguimento dos autos, também neste caso não é admissível a revista porque com esse fundamento ela só pode ter lugar com ou na que venha ser interposta nos termos do art. 671 nº 1 do CPC

Na decorrência do exposto, concluímos que o conhecimento em recurso de revista da decisão de 1ª instância que rejeitou a contestação - considerou confessados os factos articulados pelo autor e proferiu sentença - só é admissível com o que venha a ser interposto nos termos do art. 671 nº1 do CPC, razão pela qual, também por esta razão a revista interposta é inadmissível neste momento por falta de fundamento legal.

(…): “Pelo exposto decide-se não admitir o recurso interposto por falta de fundamento legal.” (fls. 598 a 602).

Perante reclamação para a conferência (fls. 604), foi proferido acórdão pelo STJ, em 10.01.2023, o qual manteve a decisão singular do relator (fls. 607 a 618).

Este acórdão refere nomeadamente: “Como se advertiu na decisão singular e aqui se repete, foi a ré e não o recorrente quem interpôs recurso de apelação e, na resposta a essas alegações o autor/ora recorrente, sem ampliar o recurso, limitou-se a protestar que devia ser “considerado o recurso referente aos despachos precedentes à sentença, totalmente extemporâneos, sendo, tais despachos, considerados com trânsito em julgado, com todas as consequências legais, incluindo a inadmissibilidade de tal recurso, por infringirem os dispositivos legais, relativamente ao prazo de recorribilidade”. (sublinhado da nossa responsabilidade)

É claro que o autor, ali recorrido e ora recorrente, pretendia a inadmissibilidade da apelação interposta pela ré uma vez que a entendia como extemporânea e, por consequência, o recurso inadmissível.

Temos em conta que a 1ª instância não admitiu o recurso de apelação interposto pela ré e tendo esta reclamado nos termos do disposto no art. 643 do CPC, a Relação decidiu, a admissibilidade do recurso por decisão singular que foi confirmada e em Conferência, ficando admitida definitivamente a apelação.

Deste modo, o recurso de apelação foi definitivamente admitido e do objeto desse recurso de apelação não fazia parte qualquer questão referente ao trânsito em julgado da decisão que ordenou o desentranhamento da contestação, precisamente porque quem delimitou o recurso foi o recorrente nas suas conclusões e não o recorrido.

Explicada a situação temos por esclarecido que o recorrente, com a arguição da nulidade por omissão de pronúncia - consistente em o Tribunal da Relação não ter apreciado se a apelação era extemporânea - pretende recorrer de uma questão que não fez parte do objeto da decisão recorrida e que este Supremo Tribunal de Justiça venha a declarar a inadmissibilidade e a rejeição do recurso de apelação interposto e no qual foi proferido o acórdão recorrido. A pretensão da recorrente visa em concreto que depois de o recurso de uma sentença ter sido admitido e decidido em apelação possa ser suscitada em recurso de revista interposto sobre essa decisão a questão da admissibilidade/inadmissibilidade da apelação que constitui a decisão recorrida na revista. Ora, a impossibilidade de conhecimento decorre da evidência de a decisão sobre a admissibilidade do recurso de apelação, em qualquer dos seus pressupostos e requisitos, designadamente o da tempestividade, ter transitado em julgado e, além do mais, do recurso de apelação não fazer parte a questão que o recorrente pretende suscitar na revista motivo para que, se outras razões não existissem, nunca poderia ser conhecida e admitida.

Mesmo que se argumente não ser a inadmissibilidade da apelação que se pretende discutir na revista, mas somente que a decisão de que se recorreu através dessa apelação se encontrava transitada em julgado e tal não foi apreciado, tal visa obter o mesmo resultado de se vir a julgar inadmissível um recurso interposto mas já admitido com trânsito em julgado e decidido.

Ainda que não seja de todo necessário, esclarece-se que, em tese, a propósito da arguição das nulidades da sentença dispõe o art. 615 nº4 do CPC que “4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.” Significa este preceito que apenas quando o recurso interposto seja admissível e admitido, as nulidades arguidas podem fazer parte do seu objeto pois, quando não, apenas pelo tribunal que proferiu a decisão podem ser conhecidas. Assim, mesmo que não tivesse sido julgada inadmissível a revista quanto à invocada omissão de pronúncia, como o foi por outros motivos, ela só seria admissível se o recurso na parte restante fosse admitido”.

Os autos baixaram à primeira instância.

Por despacho de 01.02.2023, na esteira do decidido pelo Tribunal da Relação que admitiu a contestação e o prosseguimento dos ulteriores termos do processo, foi ordenada a notificação do A. para se pronunciar quanto à cessação da intervenção do curador ad litem e quanto à alegada falta do pressuposto processual da prévia fixação judicial de prazo para o reembolso dos alegados suprimentos.

Por requerimento de 10.02.2023, o A. pronunciou-se, pugnando pelo cumprimento do despacho de não admissão da contestação, proferido em 17.06.2021, alegando o seu trânsito em julgado. Pugnou também pela cessação da representação da R. pelo curador ad litem em 02.06.2020 e, finalmente, pronunciou-se no sentido de ser julgada a questão do pressuposto processual da prévia fixação judicial do prazo. Argumentou que tal questão está resolvida e precludida pelo trânsito em julgado do acórdão de 05.05.2022, ficando, pois, o seu conhecimento prejudicado pela decisão de prosseguimento dos autos.

A R. pronunciou-se pelo indeferimento liminar da P.I. e consequente absolvição da instância.

Em 28.04.23 foi proferido despacho pelo qual a primeira instância entendeu não se verificar trânsito em julgado nem contraditoriedade de julgados, tendo ainda determinado “a cessação da intervenção do curador ad litem como representante da R., com efeitos a partir do trânsito da presente decisão”.

Na mesma data, foi elaborado saneador sentença em cujo dispositivo se lê: “Sendo assim, face ao que fica exposto, concluindo-se pela necessária prévia instauração da ação de fixação judicial do prazo, que se destina precisamente a fixar o prazo de cumprimento que ficou omisso (…), é óbvio de concluir que no caso vertente tal pressuposto não se verifica, o que conduz à existência de uma excepção dilatória inominada, por força da qual se determina a absolvição da instância da R. [art.s 278º, n.º 1, al. e) e 576º n.º 2 do CPC].

Custas pelo A. [art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC]

Valor: € 102.549,27

(…)”.

Em 26.05.23, o A. interpôs recurso de apelação.

A primeira instância, em 05.07.2023, proferiu despacho de admissão deste recurso e pronunciou-se no sentido de que a decisão não padecia de qualquer nulidade.

Por acórdão de 12.10.23, foi deliberado “julgar o recurso do A. parcialmente procedente e, em consequência, conceder provimento parcial à apelação, revogando a decisão [que] declarou a existência de uma exceção dilatória inominada, por força da qual se determinou a absolvição da instância da R. nos termos do art.s 278, n.º 1, e) e 576, n.º 2 do CPC, a qual deve ser substituída por despacho que determine o prosseguimento dos autos.

Em 15.11.23, o A. interpôs recurso de revista nos seguintes termos:

“(…) atendendo que, o mesmo [acórdão], foi proferido contra caso julgado formal (despacho de 17/06/2021), por não considerar que existe trânsito em julgado de tal despacho. Entendendo, o Recorrente, existir, com o douto Acórdão recorrido, ofensa do caso julgado, tal recurso é interposto nos termos, do Art.º 629º, n.º 2, al. a) “in fine”; e, ainda, interpor, tendo em conta a decisão sobre a questão da cessação da intervenção do curador “ad litem”, por a decisão no Acórdão recorrido ser diferente da decisão de primeira instância, bem como os seus fundamentos, serem diferentes, violando ambas, na apreciação das questões de facto, não tendo, em conta os factos notórios - notoriedade judicial -, em que a cessação do curador provisório, leva à revelia absoluta da Ré, não sendo admissível a contestação, por extemporânea,

Caso, assim, não se entenda, interpõe

REVISTA EXCECIONAL

quanto à questão da cessação da intervenção do curador “ad litem” como representante da Ré/recorrida, e consequente extemporaneidade da contestação.

Atendendo que está em causa uma questão de revelia absoluta, cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

Os fundamentos da Revistas interpostas, são, essencialmente, a violação da lei substantiva e do processo, nas questões que supra se enumeram.

Tudo nos termos e ao abrigo das disposições legais dos Art.os 671º e 672º, do C.P.C..

Formula as seguintes conclusões:

I. Do caso julgado do despacho, proferido nos autos, em 17/06/2021.

A – De acordo com o douto Acórdão recorrido, tendo o despacho, proferido nos autos, em 17/06/2021 (que ordenou o desentranhamento da Contestação – rejeitando tal articulado), sido objeto de recurso (apelação) e apreciado no douto Acórdão respetivo, de 05/05/2022, que transitou em julgado, revogou aquele despacho de 17/06/2021.

B – O despacho de 17/06/2021, faria caso julgado formal, nos termos do Art.º 620º, n.º 1, do C.P.C., caso não tivesse sido revogado por um Tribunal superior, segundo o douto Acórdão recorrido.

C – O Recorrente não se conforma com tal douto Acórdão, nem com o proferido anteriormente (Acórdão, alegadamente, revogatório do despacho de 17/06/2021), pois tais decisões recursivas, violam o disposto no Art.º 644º, n.º 2, al. d), do C.P.C..

D – Atento o conteúdo do despacho de 17/06/2021, verifica-se, que da análise da questão prévia, feita pela Meritíssima Juíza, da primeira instância, conclui:

Pelo exposto, uma vez apresentada por quem não tinha poderes, nem podia estar, por si em juízo, ordena-se o desentranhamento da contestação apresentada nos autos.”

E – Atendeu e teve por fundamento para a rejeição da contestação os pressupostos de admissibilidade (capacidade judiciária, legitimidade e patrocínio) e não qualquer fundamento respeitante à matéria de fundo da contestação.

F – Mas mesmo depois da análise da matéria de fundo do articulado da contestação, a mesma, viesse como veio, a ser rejeitada, entende o recorrente que ter-se-ia de aplicar a disposição legal, da al. d), do n.º 2, do Art.º 644º, do C.P.C., pois o mesmo é taxativo:

Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de instância:

(…)

d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;”

Não distingue se a admissão ou rejeição do articulado é decidida quanto aos pressupostos do mesmo ou, ainda, se é decidida após a apreciação total (de fundo) do mesmo.

G – Ora, se a lei (disposição legal) não distingue, jamais podemos, nós, distinguir; como fez o douto Acórdão revogatório, e que o recorrido acolhe.

H – Porém, como se afirmou e se constata, tal despacho de 17/06/2021, teve por fundamento (bem ou mal) a análise dos pressupostos de admissibilidade da Contestação.

I – É nesta posição que o Recorrente diverge e, por isso, entende que, de tal despacho de desentranhamento da Contestação, deveria ter sido interposta apelação autónoma e em separado, nos termos do Art.º 644º, n.º 2, al. d), e, não, subir, a final, com a apelação da sentença, mas no prazo de 15 dias, conforme Art.º 638º, n.º 1, 2ª parte, do C.P.C., transitando em julgado, em 09/07/2021.

J - O despacho de 17/06/2021, proferido nos autos encerra, simplesmente, questões de admissibilidade da contestação (mal ou bem), vejamos:

1. “O curador “ad litem” citado para contestar, não o fez, nem nada veio alegar”.

2. A contestação, subscrita por advogado, como mandatário da Ré, foi por esta apresentada, alegando que o Curador “ad litem”, tinha cessado funções (Art.º 25º, n.º 3, do C.P.C.).

3. Considerou, o tribunal de primeira instância, que quem apresenta a contestação não tem capacidade judiciária e não estava representada por advogado.

4. Faltavam, assim, pressupostos para que, a Contestação, fosse admitida.

K - O tribunal de primeira instância ao proferir o despacho de 17/06/2021, não se pronunciou sobre quaisquer outras questões de fundo, alegadas na contestação.

L - Assim, o douto Acórdão recorrido, ao considerar que, tal despacho, não transitou em julgado, faltando, até, ser considerada, a contestação, extemporânea, e admitindo que, o mesmo, foi legalmente revogado, por anterior Acórdão com o mesmo fundamento, vai contra, no entender do Recorrente, salvo o devido respeito, caso julgado formal.

M - Atendendo à lei, jurisprudência e doutrina mais avalisada que sobre a questão se pronunciou, como supra se refere e se enunciou, sendo que o despacho ao ordenar o desentranhamento da contestação, rejeitando-a, apenas conheceu de questões (bem ou mal) de admissibilidade de tal articulado, não sendo, do mesmo, interposto a apelação autónoma, já falada, tal transitou em julgado, constituindo-se caso julgado, que o Acórdão recorrido, ao não reconhecer tal trânsito, ofende o instituto de caso julgado. - Vide Acórdãos do S.T.J.: de 28/01/2021, no Proc.º n.º 13125/16.1T8LSB-A.S1, relator Rosa Tching; de 19/11/2015, no Proc.º n.º 271/14.5TTCBR.C1.S1, relator Mário Belo Morgado, in www.dgsi.pt e, ainda, em António Santos Abrantes Geraldes, em “Recursos em Processo Civil”, 7ª Edição Atualizada, Edições Almedina, fls. 251 a 253.

N – Existindo caso julgado, como entende o Recorrente, quanto ao despacho de 17/06/2021, devem os despachos e sentença subsequentes serem considerados válidos, por não revogados, com todas as consequências legais.

O - Existindo caso julgado, como o Recorrente entende, estaria o tribunal de primeira instância perante duas situações:

1. Sendo caso julgado, o despacho, transitado não podia ser revogado pela apelação, no recurso ordinário, mas, apenas, por recurso extraordinário de revisão, devendo ser repristinado o despacho de 17/06/2021, com todas as consequências legais.

2. Caso entendesse que transitado em julgado o douto Acórdão revogatório, que o tribunal de primeira instância teria de acatar, teria, este tribunal, de seguir e aplicar a lei, na disposição constante do Art.º 625º, do C.P.C.: perante duas decisões contraditórias (uma aceitar outra a rejeitar) sobre a mesma pretensão, cumpriria a que passou, em julgado, em primeiro lugar – o despacho de 17/06/2021.

Nesse caso, o tribunal acatava a decisão superior, mas, perante a situação, aplicaria a lei.

II Revelia Absoluta da Recorrida, por cessação da intervenção do Curador

P – Deve ser admitida a junção dos documentos, agora apresentados, pois, os mesmos, vêm no seguimento dos apresentados com o requerimento, junto aos autos, de 10/02/2023, após despacho a solicitar, pela Meritíssima Juíza de 1ª instância, para o Recorrente se pronunciar sobre a cessação da intervenção do curador “ad litem”, antes de proferir as decisões e sentença, que foram objeto de apelação e sobre tal questão se pronunciou o douto Acórdão recorrido. Pretendendo, com os mesmos, não qualquer prova, mas proporcionar uma melhor apreciação sobre a questão da cessação da intervenção do Curador “ad litem”.

Q – Tal, também, se prende com a perplexidade que os Venerandos Desembargadores, no douto Acórdão proferido, no processo de execução n.º 2551/18.1..., atendendo aos avanços e recuos, nestes processos, com várias decisões, execuções e recursos, como é o presente, entendendo ser o Recorrente, o verdadeiro culpado de todo este sinuoso procedimento.

R - Porém, tal situação não é provocada, pelo menos, intencionalmente, pelo Recorrente, mas tudo devido à atuação da Recorrida, ou melhor, o seu atual sócio gerente.

S - Percorrido todo o processo principal, quanto à Recorrida, verifica-se que a atuação do seu atual sócio gerente, se escondeu por trás do Curador “ad litem”, sendo que, talvez por conveniência, denuncia tal situação na questão prévia da contestação apresentada e que foi rejeitada, pelo despacho, em questão, de 17/06/2021.

T - O Recorrente, em vários requerimentos, chamou à atenção para que, as funções do Curador “ad litem” já tinham cessado, há muito, sendo a contestação extemporânea, verificando-se a revelia absoluta da Requerida.

U - Depois do Recorrente, ter sido destituído de gerente, como a Requerida não tinha qualquer atividade comercial, deixou a gerência ao outro sócio Amador, como o pretendeu.

V - Perante, esta repreensão e tendo conhecimento de vários processos judiciais que vem intentando, a Requerida, por iniciativa exclusiva, do atual sócio gerente, ficou a pensar e foi analisar todo o processado, para dar uma satisfação, pelo menos, no processo, aos Venerandos Desembargadores que proferiram o douto Acórdão, nos autos com o proc.º n.º 2551/18.1...

W – No douto Acórdão recorrido entendeu-se que a cessação da intervenção do Curador “ad litem” depende de despacho judicial, decidindo contrariamente à decisão da primeira instância que, segundo esta, verificar-se-ia, com o trânsito em julgado do despacho, porém o douto Acórdão recorrido decide que a cessação da intervenção do Curador se dá quando do despacho, mesmo que não transitado.

X – O Recorrente não está de acordo com quaisquer das duas decisões, pelo que a seguir expõe e alega.

Y - O regime jurídico sobre a cessação da curadoria provisória, como é a dos autos, assenta no previsto, nos Art.os 20º, n.º 2 e 25º, n.º 3, do C.P.C. e para melhor entendimento, o disposto nos Art.os 98º e 2048º, do Código Civil, entre outros, ou seja, “a curadoria termina logo que cessem as razões que a determinaram.”. – atendendo à unidade do sistema jurídico, com a interpretação da lei e aplicação analógica (Art.º 9º e 10º, do C. Civil) e Ac. TRG de 24/05/2018, Relator António Bessa Pereira.

Z - No caso dos autos a nomeação foi devida a conflito de interesses, entre o Recorrente, como sócio gerente da Recorrida, e esta, logo que, foi destituído de gerente, por decisão judicial, ficando a obrigar a Requerida, apenas, o outro sócio gerente, cessaram, a partir de tal decisão, as razões da nomeação do Curador “ad litem”.

AA - O que o sócio gerente, CC, da Requerida entendeu, muito bem.

BB - Pois, logo, no Proc.º n.º 2417/17.2..., em 08/02/2019, quando a sentença de destituição provisória, foi proferida, em 15/12/2018, nos autos que correram termos no tribunal da 1ª instância, Juízo de Comércio de ..., sob o processo n.º 486/18.7... (Doc. 1).

CC - O curador “ad litem” é nomeado à Requerida, nos autos principais, em 01/02/2019, sete dias antes da intervenção da Recorrida, mandatada por Ilustre Mandatário, o mesmo ou mesmos, que acompanham a presente ação, aos quais foi outorgada procuração, pelo sócio gerente, CC, para o que tinha poderes e obrigava a Recorrida, sendo o sócio gerente, aqui, Recorrente, sido destituído, ainda que, provisoriamente, nos autos, com o Proc.º n.º 486/18.7...

DD - Estes autos de destituição de gerente, quando foi criado o Juízo de Comércio de ..., onde correm os presentes autos, foram remetidos, pelo Tribunal de ..., para tal Juízo de Comércio, sendo, neste Juízo, distribuídos, em 24/04/2019 e proferida sentença final, pela mesma Juíza, que julgou os presentes autos, em 1ª instância, em 03/02/2020. (Doc. 2)

EE - Ao proferir tal sentença, a Meritíssima Juíza, teve perfeito conhecimento, da decisão provisória, proferida nos autos, em 15/12/2018, o que refere no relatório, da sentença. (Doc. 2)

FF - Ora, quer a Recorrida e seu sócio gerente, CC, quer os Ilustres Mandatários, de quem tinham procuração, sabiam de tal situação, o que apenas retrataram, na questão prévia, da contestação apresentada, em 27/05/2021, nos presentes autos.

GG - Tendo-se como citada, a Requerida, pelo menos, desde quando tomou conhecimento do processo, o que se presume, tenha sido, em 29/10/2018, quando, por requerimento, alega a falta de citação, nestes autos.

HH - Considerando a revelia absoluta, foi nos autos principais proferida a 1ª sentença, em 22/11/2019.

II - A partir desta data a Recorrida, ou melhor, o seu sócio gerente, escudou-se sempre com a nomeação do Curador “ad litem”, e os autos fizeram todo o caminho sinuoso até à atualidade, sabendo muito bem, a Requerida, que as funções do Curador tinham cessado.

JJ - Não seria necessário alegar a cessação do Curador “ad litem”, nos presentes autos, o que foi, por várias vezes (requerimentos de 11/06/2021 e 10/02/2023), pelo menos, feita; pois, conforme supra se alega, é a mesma Meritíssima Juíza que intervém no presente processo e na ação de destituição de gerente.

KK - Mais uma vez o Recorrente diz que, perante a revelia absoluta da Recorrida, a contestação é extemporânea, decorrente da atuação da Recorrida, o Curador “ad litem” já cessou as suas funções, há muito tempo, sendo, tais factos, notórios, considerando-se, mesmo, “notoriedade judicial”, pois é, a mesma Meritíssima Juíza, que intervém em ambos os processos.

LL - Deve, assim, ser decretada a revelia absoluta da Recorrida e a contestação extemporânea, com todas as consequências legais e processuais.

III . ABUSO DO DIREITO

MM – Em todo este processo, dando por reproduzidas as conclusões anteriores, verifica-se que é o sócio gerente, CC, que utiliza toda a estratégia procedimental de má fé.

NN- Pelo que deve ser condenado em indemnização ao recorrente e multa exemplar.

IV. Quanto ao destino da ação definida no douto Acórdão recorrido.

OO – No douto Acórdão recorrido, entendendo, como o faz o anterior Acórdão, transitado em julgado, proferido nos autos, em 05/05/2022, no prosseguimento dos autos após a contestação, entende, contrariamente, que na presente ação, não possa haver condenação no reembolso, mas, apenas, o reconhecimento dos suprimentos.

PP – Ora, como tal é contraditório com o anterior Acórdão transitado em julgado, aplicar-se-á a disposição do Art.º 625º do C.P.C., num futuro, caso aconteça.

QQ – Além de que, tal decisão não tem qualquer fundamento legal, pelo que é nula, nulidade que se invoca nos termos do n.º 1, do Art.º 615º do C.P.C., “ex vi” do Art.º 685º e 666º, do mesmo diploma.

RR - O douto Acórdão de que se recorre, infringiu, entre outras, as disposições dos Art.os 20º, 25º, n.º 3, 615º, 625º, 628º, 638º, n.º 1, 2ª parte, 644º, n.º 2, al. d), do C.P.C., Art.os 9º, 10º, 98º e 2048º do Código Civil – sistema jurídico da curadoria provisória (esta já na 1ª instância).

Pelo exposto,

Deve ser dado provimento à Revista interposta, devendo conhecer-se da revelia absoluta da Recorrida, com as consequências legais e, em todo o caso, considerar o despacho de 17/06/2021, transitado em julgado, com todas as consequências legais, revogando o douto Acórdão e/ou repristinando o douto despacho, atendendo ao caso julgado. Condenando, nos termos sobreditos, o sócio-gerente da Recorrida, com todas as consequências legais,

Não houve contra-alegações

Em 08.01.24, foi proferido despacho de admissão da revista, convocando-se os artigos 629/1/a), 671/1 e 2 a), 675/1 e 676º/1, a contrario, todos do CPC.

É sabido que o despacho de admissão do recurso não vincula o tribunal superior (artigo 641º/5 CPC).

Foi cumprido o artigo 655º/1 do CPC.

Em 25.11.2024, o recorrente apresentou requerimento sustentando, em resumo: Dando, aqui, por reproduzido o requerimento/resposta, junto aos autos em 28/10/2024, por economia e celeridade processual.

Concluindo-se como se faz em tal requerimento, de 28/10/2024.

Requer a admissão da Revista e nela seja proferido douto Acórdão a repristinar o despacho de 17/06/2021, e, consequentemente, o despacho e sentença subsequente, com todos os efeitos legais.

No requerimento de 28.10.24, o recorrente concluindo daquele modo, havia formulado a pretensão de amissão da revista ou, “caso assim se entenda” (sic.), a suspensão “dos presentes autos, até à decisão no recurso extraordinário de Uniformização de Jurisprudência” (processo n.º 2551/18.1...).

I.2. Recortadas nas conclusões de recurso, vistos os artigos 635º/4 e 639º/1 CPC, cumpre resolver as questões de saber se se verifica: (i) violação do caso julgado do despacho, proferido nos autos, em 17/06/2021; (ii) revelia absoluta da recorrida, por cessação da intervenção do curador; (iii) abuso do direito; (iv) nulidade da decisão na parte em que concluiu que na presente ação não pode haver condenação no reembolso, mas, apenas, o reconhecimento dos suprimentos.

Cumpre, no entanto, aferir da admissibilidade da revista.

II. Fundamentação

II.1. Importa ponderar o circunstancialismo processual acima relatado.

Como anteriormente assumido, suportamo-nos na decisão singular, sem necessidade de novos fundamentos. Conhecer-se-á, todavia, da pretensão de suspensão dos autos por ter precedência sobre o conhecimento da admissibilidade da revista.

II.2. Quanto à pretendida suspensão dos presentes autos

Com base nos obstáculos identificados no despacho ao abrigo do artigo 655º CPC, o recorrente vem alegar que interpôs Recurso para Uniformização de Jurisprudência (processo n.º B) onde suscitara idêntica questão. Conclui assim, que os presentes autos devem ser suspensos até à decisão no RUJ.

Vejamos.

É de notar, antes de mais, que o recorrente não se apoia em qualquer inciso legal a fim de sustentar a pretendida suspensão.

Os motivos da suspensão da instância costumam ser correntemente abordados por este tribunal no sentido de que “o tribunal pode ordenar a suspensão…” de uma ação até que seja julgada, com trânsito, uma outra ação cuja decisão pode prejudicar a decisão nesta” (artigo 272º CPC); e que: “Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão na primeira pode afetar ou destruir o fundamento ou razão de ser da segunda […]”3.

Neste âmbito é também correntemente assumido que a verificação de causa prejudicial não impõe necessariamente a suspensão da instância, antes envolve o exercício de um poder vinculado à verificação de que as duas acções pendentes apresentem entre si uma especial conexão4.

Ora, neste caso, o recorrente não alega qualquer circunstância demonstrativa da verificação de tal conexão, antes se limita a esgrimir que interpôs um RUJ.

Sucede que esse argumento não pode colher o efeito pretendido, porquanto não estamos perante causa de paralisação de ação. Isso mesmo resulta do regime dos recursos de Uniformização de Jurisprudência (artigos 688º a 695º).

O RUJ visa um objetivo de largo espetro que é, no quadro da mesma legislação e perante idênticos factos, tornar convergente a jurisprudência contraditória, até sobrevirem melhores argumentos. Visa introduzir harmonia no sistema, associada aos princípios da segurança e previsão na aplicação do direito, promovendo a justiça relativa.

Assim, apesar de ocorrer no domínio de um processo em que se discutiu um caso concreto, a verdade é que o RUJ assume um alcance normativo.

Indefere-se, pois, a pretendida suspensão da instância de recurso.

II.3. Da admissibilidade da revista

Vejamos, então, os diferentes fundamentos que motivam o recurso de revista.

II.3.1. Quanto à alegada violação do caso julgado do despacho proferido nos autos em 17/06/2021

Antes de mais, importa deixar claro que a convocação dos artigos 671/2/a) conjugado com o artigo 629/2/a) não basta para fundar a admissibilidade do recurso de revista e superar a dupla conformidade decisória.

De facto, tem-se entendido que não é apenas a aparência do que é trazido pelo recorrente como fundamento da revista, que deve ser apreciada para admissão do recurso. É necessário aferir da consistência dos motivos invocados para fundar a admissibilidade da revista, a fim de não frustrar o regime do próprio recurso.

Neste sentido, e no que ao caso julgado respeita, o acórdão do STJ 28.10.21, convocando o Professor Alberto dos Reis, refere: “invocada a ofensa de caso julgado, deve distinguir-se o aspeto da admissibilidade e o aspeto da procedência do recurso.

Dentro do aspeto da admissibilidade do recurso cabem duas averiguações: 1.ª se há uma decisão, com trânsito em julgado que possa ter sido ofendida; 2.ª se essa decisão em confronto com a decisão recorrida, tem valor de caso julgado a respeitar, o que equivale a dizer: se entre as duas decisões existem as três entidades mencionadas no artigo 581.º Dentro do aspeto da procedência do recurso cabe a averiguação sobre se a decisão recorrida ofendeu, realmente, o caso julgado5.

Neste domínio, vejamos os fundamentos em que o A. suporta a ofensa do caso julgado.

No essencial, no corpo das alegações da revista, colhem-se como fundamentos da afirmação do alegado caso julgado: “(…) o despacho de 17/06/2021, proferido nos autos, apenas se debruçou sobre a questão prévia, ou seja, sobre os pressupostos de admissibilidade da contestação (bem ou mal), quanto à capacidade judiciária de quem junta a contestação e existência ou não de patrocínio judiciário. Concluindo pela inadmissibilidade da contestação, ordenou o seu desentranhamento, rejeitando-a. Antes, porém, de qualquer pronúncia sobre a matéria de fundo alegada na mesma: nem uma simples questão, foi abordada”.

E adianta que: “Assim sendo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, o despacho, proferido nos autos, em 17/06/2021, apreciando, apenas, a questão de admissibilidade (mal ou bem) do articulado contestação e considerando-o inadmissível, mandando-o desentranhar, rejeitando, assim, a contestação. Não sendo, sobre o mesmo, interposto o recurso ordinário, de apelação autónoma e em separado, nos termos da al. d), n.º 2, Art.º 644º, 638º, n.º 1, 2ª parte e 628º, todos do C.P.C., o mesmo transitou em julgado, constituindo-se caso julgado formal”.

No fundo, se bem entendemos o argumento do A., este pretende sindicar a correção do regime do recurso interposto pela R.. Na sua visão, não tendo a R. seguido o regime consagrado legalmente, isto é, apelação autónoma e em separado, independentemente das decisões posteriores, conduziria a que não pudessem ser extraídas as consequências dessas mesmas decisões, prevalecendo a decisão recorrida.

Porém, esta tese do A. não tem cabimento legal, precisamente porque contraria os efeitos que a lei associa ao caso julgado e contraria os princípios da estabilidade da decisão judicial, da segurança e da confiança jurídicas que estruturam o sistema jurídico.

Com efeito, no que aqui releva, importa ter presente que: “A lei processual civil define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado traduz-se na insuscetibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado – arts. 619.º, n.º 1, e 628.º, ambos do CPC6.

E decorre da mesma jurisprudência que ao caso julgado estão associadas duas funções distintas, mas complementares: “uma função positiva (“autoridade do caso julgado”) e uma função negativa (“exceção do caso julgado”)”.

Aqui releva “A função positiva [que] opera por via de “autoridade de caso julgado”, que pressupõe que a decisão de determinada questão – proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda – não possa voltar a ser discutida”.

A autoridade de caso julgado segundo a mesma orientação jurisprudencial e que é, aliás, pacífica na doutrina, tem por finalidade evitar que a questão decidida “por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica”, pressupondo a vinculação ao decidido anteriormente, ou seja, que a decisão de determinada questão não possa voltar a ser discutida.

Vejamos, mais em detalhe, o caso dos autos.

A este propósito, o circunstancialismo processual pertinente revela abundantemente que os fundamentos em que o A. funda a ofensa de caso julgado não são legítimos, porquanto há já várias decisões quer da Relação quer do STJ que caucionam a correção do recurso da R., quando impugnou o despacho de 17.06.21 (despacho visado, cujo trânsito em julgado o A. alega ter sido ofendido).

Neste âmbito, por comodidade de leitura, salienta-se do precedente relatório e que constitui a matéria de facto provada:

- O acórdão de 17.02.2022, que admitiu o recurso e onde a Relação referiu expressamente que: “não se trata […] de um despacho [o de 17.06.21] que devia ser objeto de apelação autónoma, ele será recorrível com o recurso da sentença, como foi. Não se formou, por isso, caso julgado.

Improcede, por isso, igualmente a visão do recorrido quanto à intempestividade do recurso interposto no que concerne ao despacho em causa, já que só se aplicava o prazo de 15 dias à apelação autónoma (que não é o caso)”.

- Por acórdão de 05.05.2022, o Tribunal da Relação revogou o despacho de 17.06.2021 e, consequentemente, revogou o despacho e a sentença subsequentes e decidiu admitir a contestação apresentada pela R. determinando o prosseguimento dos autos.

- Em 08.06.2022, foi interposto recurso para o STJ pelo A., no qual, igualmente suscita a nulidade do acórdão da Relação, por omissão de pronúncia, quanto à extemporaneidade e inexistência de recurso autónomo do despacho de 17.06.21 e o consequente caso julgado formado por este (cls. c. d.).

- Em 30.06.2022, na sequência do acórdão de 05.05.22, veio a ser proferido acórdão em conferência pelo Tribunal da Relação julgando improcedente a arguição dessa nulidade. Neste mesmo acórdão lê-se nomeadamente que: “Note-se que o recorrido já havia invocado esta alegada falta de apreciação da questão quando reclamou para a conferência.

Fá-lo novamente nesta sede, sendo que efetivamente a questão não foi apreciada no acórdão de que se reclama porque já havia sido apreciada no que o antecedeu e transitou [acórdão de 17.02.22]. Pelo que nem tinha nem podia ser reapreciada” (fls. 547 a 561).

- Na sequência do recurso de revista interposto em 08.06.2022, cumprido o artigo 655º CPC, foi proferida decisão singular do relator neste Supremo Tribunal em 05.12.22, da qual consta nomeadamente: “Em resumo, a presente revista interposta pelo autor, não questiona diretamente a decisão recorrida tomada no sentido de determinar a admissão da contestação, a anulação dos atos posteriores, entre eles a sentença proferida, e determinar o prosseguimento dos autos. O recorrente limita-se a esgrimir questões que em seu entender deveriam ter impedido que a apelação fosse admitida e decidida, quais sejam, a omissão de pronúncia por o Tribunal da Relação na decisão recorrida não se ter pronunciado sobre a intempestividade do recurso (de apelação) e por entender que se havia formado caso julgado sobre a decisão de 1ª instância que rejeitou a contestação (o que determinaria também a inadmissibilidade da apelação). Acontece que a ambas as questões está vedada a revista por estarem definitivamente decididas antes com a admissão da apelação,

(…): “Pelo exposto decide-se não admitir o recurso interposto por falta de fundamento legal.” (fls. 598 a 602).

- Perante reclamação para a conferência (fls. 604), foi proferido acórdão pelo STJ, em 10.01.2023, o qual manteve a decisão singular do relator (fls. 607 a 618).

Este acórdão refere nomeadamente: “Como se advertiu na decisão singular e aqui se repete, foi a ré e não o recorrente quem interpôs recurso de apelação e, na resposta a essas alegações o autor/ora recorrente, sem ampliar o recurso, limitou-se a protestar que devia ser “considerado o recurso referente aos despachos precedentes à sentença, totalmente extemporâneos, sendo, tais despachos, considerados com trânsito em julgado, com todas as consequências legais, incluindo a inadmissibilidade de tal recurso, por infringirem os dispositivos legais, relativamente ao prazo de recorribilidade”. (sublinhado da nossa responsabilidade)

É claro que o autor, ali recorrido e ora recorrente, pretendia a inadmissibilidade da apelação interposta pela ré uma vez que a entendia como extemporânea e, por consequência, o recurso inadmissível.

[…]

Deste modo, o recurso de apelação foi definitivamente admitido e do objeto desse recurso de apelação não fazia parte qualquer questão referente ao trânsito em julgado da decisão que ordenou o desentranhamento da contestação, precisamente porque quem delimitou o recurso foi o recorrente nas suas conclusões e não o recorrido.

Explicada a situação temos por esclarecido que o recorrente, com a arguição da nulidade por omissão de pronúncia - consistente em o Tribunal da Relação não ter apreciado se a apelação era extemporânea - pretende recorrer de uma questão que não fez parte do objeto da decisão recorrida e que este Supremo Tribunal de Justiça venha a declarar a inadmissibilidade e a rejeição do recurso de apelação interposto e no qual foi proferido o acórdão recorrido. A pretensão da recorrente visa em concreto que depois de o recurso de uma sentença ter sido admitido e decidido em apelação possa ser suscitada em recurso de revista interposto sobre essa decisão a questão da admissibilidade/inadmissibilidade da apelação que constitui a decisão recorrida na revista. Ora, a impossibilidade de conhecimento decorre da evidência de a decisão sobre a admissibilidade do recurso de apelação, em qualquer dos seus pressupostos e requisitos, designadamente o da tempestividade, ter transitado em julgado e, além do mais, do recurso de apelação não fazer parte a questão que o recorrente pretende suscitar na revista motivo para que, se outras razões não existissem, nunca poderia ser conhecida e admitida.

Daqui retira-se que o Tribunal já se pronunciou em várias decisões de modo desfavorável ao A. quando argumentou no sentido da intempestividade do recurso da R. e de que deveria ter sido interposto como apelação autónoma.

Do que fica transcrito e da conjugação dos artigos 643/4 e 652/3/4/5, esta decisão transitou em julgado. O acórdão em conferência que incidiu sobre a reclamação do A. decidiu em definitivo a questão da admissibilidade do recurso (afastando assim qualquer fundamento que a ele pudesse obstar do ponto de vista do meio recursivo próprio ou da tempestividade).

Assim sendo, porque não subsiste o argumento com base na ofensa de caso julgado, não se pode aceitar como aplicável o artigo 671/2/a) na conjugação com o artigo 629/2/a).

Por conseguinte, não pode o mesmo argumento suster a admissibilidade da presente revista.

II.3.2. Quanto à alegada revelia absoluta da recorrida, por cessação da intervenção do curador

Concluindo o corpo das alegações, neste âmbito, o recorrente sintetiza a crítica dizendo, em conclusão: Mais uma vez o Recorrente diz que, perante a revelia absoluta da Recorrida, a contestação é extemporânea, decorrente da atuação da Recorrida, o Curador “ad litem” já cessou as suas funções, há muito tempo, sendo, tais factos, notórios, considerando-se, mesmo, “notoriedade judicial”, pois é, a mesma Meritíssima Juíza, que intervém em ambos os processos.

Deve, assim, ser decretada a revelia absoluta da Recorrida e a contestação extemporânea, com todas as consequências legais e processuais”.

O Tribunal de primeira instância entendeu, em 28.04.23, que, tendo-se tornado desnecessário que a R. continuasse representada em juízo por curador ad litem, uma vez que, o outro gerente a representava validamente e nessa qualidade outorgou a procuração já junta aos autos, determinou a cessação da intervenção do curador ad litem como representante da R., com efeitos a partir do trânsito da decisão.

Por seu turno, a Relação, no acórdão recorrido que incidiu nomeadamente sobre aquela decisão, em 12.10.23, concluiu: “Mantemos a nossa interpretação do disposto no artº. 25º, nº. 3, do C.P.C., pelo que resta concluir nesta matéria que as funções do curador cessaram com a prolação da decisão que aqui se aprecia”.

Cumpre lembrar que estamos perante uma decisão de natureza interlocutória de natureza processual.

Com efeito, a decisão da Relação que, confirmando a decisão da primeira instância7, determina a cessação das funções de curador ad litem, não conhece do mérito da causa nem põe termo ao processo. Trata-se de uma decisão que não é final e incide sobre a relação adjetiva.

Este tipo de decisão é, em princípio, irrecorrível.

Só pode ser objeto de revista nos termos do artigo 671º nº2 do CPC nos casos em que o recurso é sempre admissível (al. a) ou quando esteja em contradição com outro já transitado em julgado proferido pelo STJ no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência em conformidade (b).

Ora, percorrendo o corpo das alegações e as conclusões, verifica-se que não vem invocado pelo recorrente qualquer dos fundamentos previstos na referenciada norma.

Note-se que o facto de a revista não ser admissível face ao mencionado preceito, inviabiliza também a revista excecional. Neste sentido, como refere, entre outros, Abrantes Geraldes: “A revista excecional está prevista para situações de «dupla conforme», nos termos em que esta é delimitada pelo n.º 3 do art.º 671º, desde que se verifiquem também os pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição, ao abrigo do seu n.º 1.

Ou seja, a invocação e algum dos fundamentos excecionais do art.º 672.º, n.º 1, está limitada aos casos em que, sendo admissível, em tese, recurso de revista do acórdão da Relação previsto no n.º 1 do art.º 671.º, esse recurso se defronta com um único impedimento que decorre da dupla conformidade desenhada pelo n.º 3.

Estão, pois, afastados do âmbito de aplicação da revista excecional os acórdãos da Relação relativamente aos quais esteja impedido, como regra geral, o recurso de revista (…). Outrossim, aqueles que se integrem no n.º 2 do art.º 671 .º, pois só admitem recurso de revista nas situações previstas nas alíneas a) e b)8.

Por conseguinte, não pode ser admitida a revista neste segmento.

II.3.3. Quanto ao alegado abuso do direito

O A. invoca abuso de direito nas conclusões MM e NN, com o seguinte teor:

MM – Em todo este processo, dando por reproduzidas as conclusões anteriores, verifica-se que é o sócio gerente que utiliza toda a estratégia procedimental de má fé.

NN- Pelo que deve ser condenado em indemnização ao recorrente e multa exemplar.

No corpo das alegações lê-se a este propósito nomeadamente que:

verifica-se que é o sócio gerente, (…), utilizando uma estratégia de má fé, perseguindo judicialmente o Recorrente, utiliza a função para que a Recorrida prossiga, os seus intentos pessoais e exclusivos, para fazer com que o Recorrente tenha custos infindáveis com as ações que, indevida e propositadamente, lhe instaura ou se opõe, sabendo que nenhuma razão ou direito lhe assiste.

O que faz na presente ação sabendo muito bem que tinha de cessar a intervenção do Curador “ad litem”, como representante da Requerida, atuação que fez com que, escudando-se, com tal representação, fez com que, esta ação, perdurasse com avanços e recuos, várias decisões e recursos, bem como execuções e extinção, pelo menos, de uma. Tudo de má fé, para que o Recorrente tivesse mais despesas com os recursos, as execuções e as despesas com advogado. É tudo espelhado no caminho percorrido pela presente ação. Por omissão do atual sócio gerente da Recorrida, (…), devendo este ser condenado e não a Recorrida, pois indiretamente atingirá o Recorrente, por este ser sócio da recorrida, com uma quota de 50%.

Tudo fazendo o sócio gerente, sem qualquer deliberação ou existência de assembleias gerais, ultrapassando as funções de gerente, em prejuízo da Recorrida e, consequentemente, do Recorrente.

Há manifesto abuso do direito, na atuação do sócio gerente, da Recorrida, (…), pois excede, no seu comportamento, manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim económico desse direito.

O Recorrente alegou por várias vezes a cessação da intervenção do Curador provisório, porém, tal não era atendido, pela omissão do sócio gerente, CC, da Recorrida, de fazer cessar tal intervenção, pela intervenção do mesmo, como o fez noutros processos.

Desrespeitando, objetivamente, todas as disposições do Código das Sociedades Comerciais, maxime, as do Art.º 259º, do mesmo, e Art.º 985º, n.º 5, “in fine”, do Código Civil.

Como se vê, o A. insiste em conexionar esta questão exclusivamente com a cessação da intervenção do curador “ad litem” como representante da R. e, consequente, com a extemporaneidade da contestação, por revelia absoluta. Aliás, nas conclusões da apelação (X a SS) as duas questões são apresentadas como uma só.

Traz ainda, neste âmbito, como questão nova, na revista: o pedido de “indemnização ao recorrente de multa exemplar”.

Esta matéria, diga-se de passagem, é referente aos efeitos e não aos fundamentos do abuso do direito.

Porém trata-se de matéria nunca colocada perante as instâncias, pelo que estaria afastada do recurso, por constituir jus novarum e não poder ser coberta pela oficiosidade que carateriza o abuso do direito (artigos 334º CC e 542º/1, in fine CPC).

Cumpre notar que a questão do abuso do direito que o A. insiste em colocar não se mostra substancialmente formulada com autonomia, mas acoplada à questão do curador ad litem. Ora, como se viu no âmbito da decisão da questão anterior, o recurso não foi admitido, pelo que, por carecer de subsistência autónoma, cai pela base também a recorribilidade da decisão nesta parte.

II.3.4. Quanto à questão do destino da ação identificada no acórdão recorrido.

Nas conclusões OO) a RR) o A. suscita a questão da possibilidade de, na presente ação, haver condenação no reembolso dos alegados suprimentos que ele alega ter feito à sociedade R..

Critica o acórdão recorrido, sustentando que: (i) “é contraditório com o anterior Acórdão transitado em julgado [05.05.22], aplicar-se-á a disposição do Art.º 625º do C.P.C., num futuro, caso aconteça; (ii) tal decisão é nula nos termos do n.º 1, do Art.º 615º do C.P.C., por falta de fundamentação”.

(i) Quanto à questão de saber se o acórdão recorrido é contraditório com o anterior Acórdão [de 05.05.22]

O A. sustenta que o acórdão recorrido é contraditório com o anterior Acórdão [de 05.05.22].

Lembra-se que o dispositivo do acórdão sob crítica tem o seguinte teor: “Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso do A. parcialmente procedente, e em consequência, conceder provimento parcial à apelação, revogando a decisão declarou a existência de uma exceção dilatória inominada, por força da qual se determinou a absolvição da instância da R. nos termos dos artºs. 278º nº. 1, e) e 576º nº. 2 do C.P.C., a qual deve ser substituída por despacho que determine o prosseguimento dos autos”.

Por sua vez, no acórdão de 05.05.2022, o Tribunal da Relação revogou o despacho de 17.06.2021, e consequentemente, revogou o despacho e sentença subsequentes e decidiu admitir a contestação apresentada pela R. determinando-se o prosseguimento dos autos (fls. 521 a 535).

Salvo o devido respeito, não se vislumbra qualquer contradição, até porque ambas as decisões têm contextos processuais completamente distintos: o acórdão de 05.02.22 foi proferido numa fase ainda inicial da marcha do processo (admissão da contestação e prosseguimento dos autos) e a decisão de que agora se recorre debruçou-se sobre a existência de exceção dilatória (negando a necessidade de ação prévia), muito embora circunscrevendo a subsistência dos autos apenas no tocante ao reconhecimento do direito do autor aos suprimentos.

Não se vê, pois, qualquer ofensa de caso julgado formal. Trata-se de decisões que têm objetos totalmente distintos em contextos processuais completamente diferentes, insiste-se.

(ii) Quanto à alegada nulidade da decisão por falta de fundamentação (na parte em que concluiu que na presente ação não pode haver condenação no reembolso, mas, apenas, no reconhecimento dos suprimentos)

Também neste segmento se coloca a questão da admissibilidade da revista, porquanto, como é sabido, quer a doutrina quer a jurisprudência inclusive deste Tribunal, entendem, pacificamente, que a revista das nulidades imputadas a uma decisão só é admissível, caso subsista um recurso agregador (artigo 615/4 ex vi artigo 666º).

Neste sentido, vejam-se entre outros, Abrantes Geraldes et al. Com efeito, diz este autor expressamente que: “Sendo esta [revista] admitida, como revista excecional (art.º 672.º, n.º3) ou como revista normal (art.º 672.º, n.º 5), o Supremo, quando tiver de apreciar o respetivo objeto, conhecerá também das nulidades. Se o recurso não for admitido, nem como revista excecional [], o processo será devolvido à Relação para que nesta instância sejam apreciadas as nulidades que foram invocadas, se porventura, não tiverem sido apreciadas na ocasião da admissão do recurso de revista 9, a qual decidirá em definitivo. Em idêntico sentido, na jurisprudência se pronunciou este Supremo Tribunal nos acórdãos de 11-10-2022 e de 29-09-2022 10.

Ora, como se viu, a presente revista não é admissível com base em qualquer dos seus fundamentos, pelo que não subsiste a recorribilidade autónoma das nulidades.

III. Decisão

Pelo exposto e decidindo, de harmonia com as disposições legais citadas, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão singular reclamada.

Custas pelo recorrente/reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

Maria Amélia Ribeiro (Relator)

Ricardo Costa

(Votei parcialmente vencido, no que toca à questão recursiva (ii), analisada no ponto II.3.2., uma vez que considero ser de admitir a interposição de revista excepcional no caso de “dupla conformidade decisória” para as decisões interlocutórias com incidência processual, previstas no art. 671º, 2, sendo estas, na ausência de qualquer distinção, também integradas na previsão do art. 671º, 3, e subsequente aplicação do regime do art. 672º, do CPC.).

Maria Teresa Albuquerque

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1. Ac. STJ de 04.07.24, no Processo n.º 2254/20.7T8STS.P1-A-A.S1, relatado pela Exmª Conselheira Isabel Salgado.↩︎

2. Com ressalva de alguma conformação de mera forma.↩︎

3. Neste sentido, Ac. STJ 09.05.23, processo n.º 826/21.1T8CSC-A.L1.S1 (relator: Exmº Conselheiro Jorge Dias).↩︎

4. Ac. STJ no Proc. nº 806/21.7T8CSC-A.L1, apud acórdão citado.↩︎

5. Ac. STJ de 28.10.21, relatado pelo Exmº Conselheiro Nuno Pinto de Oliveira.↩︎

6. Ac. STJ de , na revista n.º 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1, relatado pelo Exmº Cons. Pedro Lima Gonçalves referente ao caso julgado material, mas tecendo considerações também válidas no âmbito do caso julgado formal.↩︎

7. E por isso trata-se de uma decisão interlocutória “velha”, por contradistinção com as decisões interlocutórias novas previstas no artigo 673, proferidas ex novo pela Relação.↩︎

8. Cf. abrantes geraldes, António Santos, Recursos em Processo Civil, 7ª ed. Atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pp. 445-446.↩︎

9. Abrantes Geraldes, António Santos, Pimenta, Paulo e Pires de Sousa, Luís Filipe, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Almedina, 2018, p. 737, notas 6 e 7.

Abrantes Geraldes, António Santos, Recursos em Processo Civil, 7ª ed. Atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pp. 431 e npp. 664.↩︎

10. Ac STJ de 29-09-2022, na Revista n.º 19864/15.7T8LSB.L1-A.S1, relatada pelo Exm.º Cons. Oliveira Abreu e de 11-10-2022, na revista n.º 105557/19.3YIPRT.G1.S1, relatada pelo Exm.º Conselheiro Jorge Dias.↩︎