RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
AÇÃO EXECUTIVA
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DECISÃO SINGULAR
PEDIDO
PRINCÍPIO DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS
ACÓRDÃO POR REMISSÃO
FUNDAMENTOS
Sumário


I. Tem sido entendido neste Supremo Tribunal que “Na ausência de argumento novo na reclamação para a Conferência, confinando-se ao pedido do seu pronunciamento acerca do objecto da decisão do relator, por economia de actos, pode a Conferência suportar-se naquela decisão, sem necessidade de novos fundamentos”.
II. Em processo executivo, “Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” o regime específico da revista contemplado nos artigos 852º a 854º antepõe-se às disposições gerais próprias do recurso de revista, em geral, previstas nos artigos 671º e seguintes.

Texto Integral


Acórdão em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça

Processo n.º: 2524/17.1T8LOU-E. P1

6ª Secção

Recorrente/executado: AA na qualidade de executado e legal representante do executado menor BB.

Recorrido/exequente: BCP SA.

I. Relatório

I.1. Em 19.11.24, foi proferida decisão singular cujo dispositivo tem o seguinte teor:

“Nesta conformidade e tendo em conta as disposições legais citadas, não se toma conhecimento do objeto do recurso.

Custas pelo recorrente.

Inconformado, o recorrente, em 02.12.24, apresentou o seguinte requerimento:

I. A revista excecional deduzida, foi fundamentada na necessidade de serem superiormente julgadas as questões relativas a institutos fundamentais do direito processual.

II. O presente recurso será admissível porque o seu fundamento se enquadra na apreciação de questão que, pela sua relevância jurídica, seja esta claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

III. Proceder-se à venda de um imóvel penhorado, sem conhecer as reais condições do prédio urbano, nomeadamente limites e área, tal circunstância só poderá conduzir à anulação sucessiva das vendas a realizar.

IV. Isto porque, existindo desconformidade entre o imóvel transmitido e o anunciado, isto é, existindo erro sobre a coisa transmitida, por desconformidade com o que foi anunciado, tal facto origina erro na formação da vontade do adquirente. Tanto mais que, o valor proposto para aquisição do imóvel, tem por base uma área de cerca de 1.000m2, como se verifica da certidão da inscrição matricial e da descrição do registo predial, documentos que se encontram na página da venda, quando, na realidade o prédio urbano não possuí mais de 400m2. Sendo esta a realidade física do prédio. Este erro conduzirá à prática de atos inúteis e consequentemente, ilegais.

V. E não se diga que o “o imóvel é vendido no estado e nas condições em que se encontra”, já que tal facto, perante a documentação existente é irrelevante. VI- Em causa estão pois, manifestos interesses de particular relevância social, devendo ser admissível o recurso interposto.

VII. A anulação pretendida decorre do facto de o referido leilão poder ser realizado com recurso à publicitação de elementos enganosos que vão determinar a exponenciação do valor pelo qual o imóvel poderá ser alienado. Isto porque, a divergência de áreas, por ser tão acentuada, irá influir na tomada de decisão negocial do licitante, que no exercício da sua liberdade negocial pode oferecer o preço que entender como justo e adequado.

VIII.Efetuar-se uma venda, nestes termos é aceitar uma solução que a ordem jurídica não pode tutelar.

IX. Deste modo verifica-se que a problemática levantada justifica a intervenção clarificadora do Supremo Tribunal.

X. Assim sem prescindir, pugna o recorrente pelo conhecimento do objeto do recurso, porquanto, não podem ficar as nulidades invocadas sem qualquer apreciação.

XI. Com efeito, foram praticados no presente processo actos/factos juridicoprocessuais, que lesam o dever-ser jurídico-processual, com flagrante fraude, não só à lei adjetiva, mas também substantiva, de natureza civil bem assim, à Lei Fundamental, que perturba significativamente direitos reconhecidos e protegidos constitucionalmente, razão pela qual, vem o aqui Recorrente, requerer que seja restaurada a legalidade, o que foi, de todo, desconsiderado, clamando-se por uma análise através deste recurso, o qual deverá ser admitido, por constituir um exercício legítimo, formal e materialmente admissível.

Nestes Termos e nos melhores de Direito que V. Exªs doutamente suprirão, se requer que a presente Reclamação seja declarada procedente e, em consequência, seja revogada a Decisão Singular proferida e admitido o Recurso de Revista Excecional interposto pelo ora Reclamante.

II. fundamentação

II.1. Como se vê, o requerente nenhuma novidade acrescenta que conduza a reponderação.

Nesse âmbito, tem sido entendimento deste Supremo Tribunal, por nós subscrito, sem qualquer reserva que: “Na ausência de argumento novo na reclamação para a Conferência, confinando-se ao pedido do seu pronunciamento acerca do objecto da decisão do relator, por economia de actos, pode a Conferência suportar-se naquela decisão, sem necessidade de novos fundamentos”1.

II.2. Deste modo, e revendo-nos inteiramente na decisão reclamada, passa esta aqui a transcrever-se, agora, como acórdão deste coletivo.

I. Relatório

Pretensão recursória: revogação do acórdão recorrido.

Fundamento: em síntese, o recorrente, radica o recurso na circunstância de “o Acórdão recorrido ao chancelar a venda por negociação particular do imóvel através de leilão electrónico, o qual tem qualidades diferentes das reais, por manifesta divergência de áreas, sem que seja esta previamente retificada, aceita uma solução que a ordem jurídica não pode tutelar”.

Na perspetiva da economia da decisão, e para contextualizar, importa considerar as seguintes circunstâncias processuais:

Foi apresentado requerimento que conclui que “a dívida do executado ascende ao montante de € 196.620,17 (€ 184.178,24 + € 12.441,93), à data de 23 de Junho de 2017, a que acrescem Juros de Mora vincendos e Imposto de Selo, sobre a quantia de € 184.178,24, até integral e efectivo pagamento”.

O exequente alegou, em síntese, que: “O montante em dívida resulta da quantia de € 184.178,24, correspondente ao capital em dívida relativo aos Contratos de Mútuo com Hipoteca outorgados a 4 de Junho de 2004, 15 de Abril de 2005, 22 de Junho de 2006 e 30 de Junho de 2011, respectivamente, que se encontra assegurado por Hipotecas voluntárias constituídas a favor do Banco - até ao montante máximo de € 297.865,50 - registadas na Conservatória do Registo Predial de ... com as apresentações AP. ...2 de 2004/05/10, AP. ...8 de 2005/05/13, AP. ...3 de 2006/08/09 e AP. ...4 de 2011/06/30, relativas ao prédio urbano sito no Lugar de ..., Freguesia de ..., Concelho de ...; descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …10”.

No processo executivo, após intercorrências processuais várias, a primeira instância, em 17.04.23, proferiu despacho com o seguinte teor:

“Em requerimento junto aos autos a 8 de fevereiro veio a Executada requerer que a venda do bem imóvel penhorado seja inviabilizada, pela Sra. Agente de Execução, até que esta diligenciasse no sentido de esclarecer, apurar, regularizar e anunciar, qual a área que efetivamente coincide com a realidade física do prédio urbano, já que pretende proceder à venda de um imóvel, cujas características não são conhecidas.

Alega existir uma manifesta desconformidade entre a área real do imóvel a vender, a que se encontra documentada (registo, matriz ou em quaisquer outros registos públicos), e a anunciada ou a anunciar, sobre o bem a transmitir, já que o anúncio publicita uma área do imóvel superior à existente na realidade física do prédio.

Arguiu a nulidade processual da decisão do Sr. Agente de Execução, relativa à venda do imóvel penhorado através de leilão, por negociação particular, que deverá ser revogada, e consequentemente, determinada a anulação de todo o processado tramitado posteriormente.

A Sr. AE respondeu a 20.2.2023 referindo e entre o mais que “ atento todo o historial do processo, e por forma a evitar delongas, decidiu a aqui signatária depois de ouvidas as partes nos termos do art. 825º do CPC, e considerando que nunca foi informada da existência de qualquer divergência de área, determinar que a venda, à proponente da melhor proposta do E-leilões, fique sem efeito, e prosseguir com a venda do imóvel penhorado nos autos mediante negociação particular, e pelos valores já fixados; Nestes termos, e salvo devido respeito por melhor entendimento, deve a reclamação apresentada ser julgada improcedente.

Ora, perante a decisão da SR. AE fica prejudicado o pedido de anulação da venda dado que a mesma foi considerada sem efeito pela Sr.ª AE.

Ademais carece legitimidade ao executado de requerer a anulação dado que tal como consta do anúncio de venda, o imóvel é vendido no estado e condições em que se encontra, sendo certo que o proponente tem que assegurar, antes de licitar, que o bem corresponde às suas expectativas e se não o fez a responsabilidade é inteiramente do proponente, não podendo invocar ulteriores desconformidades, uma vez que, com a licitação, aceitou o bem no estado em que se encontra e não alegou o proponente qualquer – único a quem se confere legitimidade para vir arguir qualquer eventual nulidade – motivo ou razão para ter incorrido em erro.

Quanto ao demais concordarmos com a posição da Sr. AE dado que não se mostra junto aos autos qualquer documento que comprove a existência de qualquer divergência de áreas, sendo que os executados tiveram várias oportunidades no decorrer do processo para dar conta aos presentes autos, da existência de tal divergência e não o fizeram.

Pelo exposto julga-se improcedente a reclamação apresentada.

Notifique”.

Interposto recurso de apelação, em 09.06.23, veio este a ser admitido por despacho do seguinte teor:

“Por a recorrente ter legitimidade e por ser legal e tempestivo – arts. 638.º, n.º 1, 629.º, n.º 1, e 631.º, n.º 1, todos do Cód. Proc. Civil –, admito o recurso interposto - art. 641.º, n.º 1, e n.º 2, a contrario, do CPC - que é de apelação - art. 853.º, n.º 2, al. a), do CPC -, com subida em separado e com efeito suspensivo, nos termos dos artigos 627.º, n.ºs 1 e 2, 631.º, 637º, 638.º, n. º1, 645.º, n.º 1, al a), 647.º, n.º3, b) in fine, 653.º e 852., todos do CPC.

Notifique (incluindo a Sr.ª AE)”.

A Relação ordenou a baixa dos autos a fim de o Exm.º juiz se pronunciar sobre a alegada nulidade por omissão de pronúncia, questão que foi conhecida pela primeira instância, em 03.11.23, em sentido contrário à pretensão do reclamante.

Em 25.01.24, foi proferido acórdão pela Relação, mediante o qual foi negado provimento ao recurso, “mantendo-se a decisão recorrida, que indeferiu a declaração de nulidade da decisão da Srª AE no sentido da prossecução da venda por negociação particular, entendendo-se nada obstar à venda na decidida modalidade”.

Em 07.03.24, foi interposto recurso de revista e, “a título supletivo e subsidiário, recurso de revista excepcional, fazendo-o ao abrigo da norma do Artº 672º, nº 1 al. c) do CPCivil, para o Supremo Tribunal de Justiça”.

O recorrente apresentou as seguintes conclusões:

I-Constitui objecto recursivo o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que decidiu:

(…).”Contudo, novamente a modalidade da venda por negociação particular é a que salvaguarda melhor a não verificação do erro do comprador quanto às qualidades do bem, na medida da verificação efectiva ou real, física, do objecto…

Tudo para dizer que não se tem como proibida a venda executiva de um bem cuja área constante do registo predial não coincida com a real e que sequer se tem por necessária a rectificação desta prévia à venda, por não haver disposição legal que a imponha, sendo certo que razões de salvaguarda do comprador não a exigem também.

Improcedente, pois, a arguição da nulidade da decisão da Sra. Solicitadora de prosseguir com a venda por negociação particular, cabendo manter a decisão de indeferimento proferida, entendendo-se nada obstar à venda na decidida modalidade.”.

II- Assim, na sequência da venda do imóvel penhorado por leilão eletrónico foi suscitada, pela proponente da melhor proposta, a questão do mencionado imóvel não possuir, nem metade da área publicitada, não correspondendo a área física à constante da inscrição matricial e descrição no registo predial.

III- É o executado notificado para se pronunciar sobre o oficio apresentado pela proponente da melhor proposta, o que faz, expondo que, na sequência das várias reuniões mantidas entre Executados e Exequente, visando a obtenção de um acordo de pagamento, a questão da divergências de áreas, agora abordada pela proponente, foi, por diversas vezes discutida, atendendo a que, já aquando da concessão dos mútuos, garantidos pela constituição de hipoteca sobre o imóvel o problema existia, pois a área física não corresponde à constante da inscrição matricial e descrição no registo predial, tendo a avaliação efetuada pelo Exequente ignorado tal facto, comportamento que o Exequente e a Sra. A.E. mantêm preferindo ignorar a existência da referida divergência de áreas, prosseguindo com a venda do imóvel. E o resultado é este, tendo a proponente razão, aceitando o pedido de redução do valor da venda do imóvel penhorado formulado pela proponente.

IV- A Sra. Agente de Execução decide,

“determinar que a venda, à proponente da melhor proposta do E-leilões, fique sem efeito, e prosseguir com a venda do imóvel penhorado nos autos mediante negociação particular, e pelos valores já fixados na decisão de 20/01/2021.”.

V- O Executado, perante a decisão de venda por negociação particular, sem que exista prévia retificação da área do imóvel, apresenta Reclamação do ato da Sra. Agente de Execução, que decide a venda do imóvel penhorado, por negociação particular, e invoca a sua nulidade processual, alegando fundamentalmente que,

. Mesmo que a Sra. Agente de Execução desconhecesse a existência da divergência das áreas, em cerca de 500 metros, tomou entretanto conhecimento, facto que continua, voluntária e conscientemente, a ignorar.

. Ao decidir pela venda do imóvel penhorado, sem conhecer as reais condições do bem imóvel, nomeadamente limites e área, tal circunstância só poderá conduzir à anulação sucessiva das vendas a realizar, devendo a Sra. Agente de Execução ser responsabilizada por tal facto. Isto porque, existindo desconformidade entre o imóvel transmitido e o anunciado, isto é, existindo erro sobre a coisa transmitida, por desconformidade com o que foi anunciado, tal facto origina erro na formação da vontade do adquirente, por facto imputável ao agente de execução que penhorou, anunciou e vendeu um prédio com determinadas características, que na realizada não tem. No entanto persiste a Sra. A.E. no mesmo erro material, que bem conhece. Na verdade, o valor proposto para aquisição do imóvel, tem por base uma área de cerca de 1.000m2, quando, na realidade o prédio urbano não possuí mais de 400m2.

. A descrição do prédio no registo, apenas faz presumir que este é propriedade do executado; dessa presunção não deriva a presunção de que o prédio é dotado de uma determinada área, constante da descrição e inscrição prediais, bem como não se presume que as confrontações mencionadas no registo estão corretas.

Pelo que, a venda do bem imóvel penhorado deveria ter sido suspensa pela Sra. Agente de Execução, até que se apurasse e registasse a área que efetivamente coincide com a realidade física do prédio urbano, já que pretende proceder à venda de um imóvel, cujas características não são conhecidas, apesar da manifesta e evidente desconformidade entre a área real do imóvel a vender, a que se encontra documentada (registo, matriz ou em quaisquer outros registos públicos), e a anunciada ou a anunciar, sobre o bem a transmitir, já que o anúncio publicita uma área do imóvel superior à existente na realidade física do prédio.

. Sendo certo que, a preterição de formalidades prescritas para a publicidade da venda constituí nulidade do anúncio.

. É requerida a procedência da Reclamação, pela arguição da nulidade processual da decisão do Sr. Agente de Execução, relativa à venda do imóvel penhorado através de leilão, por negociação particular, que deverá ser revogada.

VI- Pronuncia-se a Sra. AE sobre a Reclamação formulada e ofício da proponente, dizendo que:

- Tal como consta do anúncio de venda, o imóvel é vendido no estado e nas condições em que se encontra, sendo certo que o proponente tem que assegurar, antes de licitar, que o bem corresponde às suas expetativas;

- Se não o fez, a responsabilidade é sua, não podendo invocar posteriores desconformidades, uma vez que com a licitação, aceitou o bem no estado em que se encontra;

- Importa referir, que o executado, nunca juntou aos autos qualquer documentação que suporte a referida divergência, nem tão pouco tentou sanar tais divergências;

- Ora, atento todo o historial do processo, e por forma a evitar delongas, decidiu a aqui signatária depois de ouvidas as partes nos termos do art. 825º do CPC, e considerando que nunca foi informada da existência de qualquer divergência de área, determinar que a venda, à proponente da melhor proposta do E-leilões, fique sem efeito, e prosseguir com a venda do imóvel penhorado nos autos mediante negociação particular, e pelos valores já fixados;

- Deve a reclamação apresentada ser julgada improcedente.

VII- Notificado para se pronunciar, refere o Executado, em síntese, que a informação prestada pela Sra. A.E. atropela manifestamente, o regime de anulação da venda judicial e que, ao decidir a venda do imóvel penhorado, sem que tivesse existido prévia correção da divergência das áreas que este possuí, vai dar origem a nova invalidade do ato, pela existência de erro sobre a identidade da coisa que se pretende transmitir. Ao decidir pela venda do imóvel penhorado, sem conhecer as reais condições do bem imóvel, nomeadamente limites e área, tal circunstância só poderá conduzir à anulação sucessiva das vendas a realizar, devendo a Sra. Agente de Execução ser responsabilizada por tal facto. Isto porque, tendo sido considerada a venda, através de leilão eletrónico, sem efeito, por se ter demonstrado que existiu desconformidade entre o imóvel transmitido e o anunciado, isto é, que existiu erro sobre a coisa transmitida, havendo erro na formação da vontade do adquirente, difícil é de entender, como pode a Sra. A.E. persistir no mesmo erro material, que bem conhece, ao decidir-se por nova venda, agora por negociação particular.

VIII-É então proferida a Decisão, pelo Tribunal a quo, resultando do teor da mesma, que fica prejudicado o pedido de anulação da venda dado que a mesma foi considerada sem efeito, carecendo o executado de legitimidade para requerer a anulação, dado que tal como consta do anúncio de venda, o imóvel é vendido no estado e condições em que se encontra, e não alegou o

proponente qualquer – único a quem se confere legitimidade para vir arguir qualquer eventual nulidade – motivo ou razão para ter incorrido em erro.

IX- Inconformado intentou o Reclamante o competente recurso de Apelação, alegando que, a Reclamação apresentada pelo Executado refere-se, tão somente, ao ato da Sra. Agente de Execução, que decide a venda do imóvel penhorado, por negociação particular, ( venda para a qual não foi efetuado qualquer anuncio de venda, ao contrário do mencionado na Decisão), sem que exista previa retificação da área do imóvel, suscitando-se a nulidade processual deste ato, e não da venda, realizada através de leilão eletrónico, considerada sem efeito.

. Ao decidir pela venda do imóvel penhorado, sem conhecer as reais condições do bem imóvel, nomeadamente limites e área, tal circunstância só poderá conduzir à anulação sucessiva das vendas a realizar. Isto porque, tendo sido considerada a venda, através de leilão eletrónico, sem efeito, por se ter demonstrado que existiu desconformidade entre o imóvel transmitido e o anunciado, isto é, que existiu erro sobre a coisa transmitida, havendo erro na formação da vontade do adquirente, difícil é de entender, como pode a Sra. A.E. persistir no mesmo erro material, que bem conhece, ao decidir-se por nova venda, agora por negociação particular.

. Sendo certo que, a preterição de formalidades prescritas para a publicidade da venda constituí nulidade do anúncio.

. Pretende pois o executado, arguir a nulidade processual da decisão da Sra. Agente de Execução, relativa à venda do imóvel penhorado, agora através de leilão, por negociação particular, evitando-se, desta forma a realização de actos inúteis e como tal, nulos. Ao decidir a venda do imóvel penhorado, sem que tivesse existido prévia correção da divergência das áreas que este possuí, vai dar origem a nova invalidade do ato, pela existência de erro sobre a identidade da coisa que se pretende transmitir.

X- Foi então prolatado o respetivo Acórdão, agora em crise, com o qual o Recorrente não se conforma.

XI-Menciona o Douto Acórdão prolatado e agora em crise que a modalidade da venda por negociação particular é a que salvaguarda melhor a não verificação do erro do comprador quanto às qualidades do bem, na medida da verificação efectiva ou real, física, do objecto, não concretizando a razão de tal entendimento.

XII- Com efeito, a venda do imóvel penhorado, através de negociação particular é realizada através de leilão electrónico, não se vislumbrando o motivo pelo qual haverá verificação efectiva ou real, física do objecto.

XIII-Esta venda, terá de ser precedida do respetivo anúncio, o qual conterá a desconformidade entre as caraterísticas do imóvel objeto de venda e a descrição que do mesmo é feita. Essa desconformidade configura uma hipótese de erro sobre a coisa transmitida e possibilita ao comprador deduzir pretensão de anulação da venda (art. 838.º do CPC), tratando-se, pois, de um meio de tutela do comprador. A anulação pretendida decorre do facto de o referido leilão haver sido realizado com recurso à publicitação de elementos enganosos que determinaram a exponenciação do valor pelo qual o imóvel.

Isto porque, a divergência de áreas, por ser tão acentuada, irá influir na tomada de decisão negocial do licitante, que no exercício da sua liberdade negocial pode oferecer o preço que entender como justo e adequado.

XIV-Pelo que, mesmo não sendo proibida a venda executiva de um bem cuja área constante do registo predial não coincida com a real e que sequer se tem por necessária a rectificação desta prévia à venda, por não haver disposição legal que a imponha, sendo certo que razões de salvaguarda do comprador não a exigem também, como diz o Acórdão recorrido, a verdade é que ao decidir pela venda do imóvel penhorado, sem conhecer as reais condições do bem imóvel, nomeadamente limites e área, tal circunstância só poderá conduzir à anulação sucessiva das vendas a realizar.

XV-Isto porque, existindo desconformidade entre o imóvel transmitido e o anunciado, isto é, existindo erro sobre a coisa transmitida, por desconformidade com o que é anunciado, tal facto origina erro na formação da vontade do adquirente.

XVI- Com efeito, o valor proposto para aquisição do imóvel, tem por base uma área de cerca de 1.000m2, quando, na realidade o prédio urbano não possuí mais de 400m2. E, ao promover-se a venda deste imóvel, publicitando-o com características que o valorizam, mas que não correspondem à verdade, exponenciando o seu valor, tal facto determina a nulidade da venda, por anulação do acto da venda, sendo evidente o erro sobre o objeto do negócio.

XVII- Até porque, basta a desconformidade entre o anunciado e a realidade.

XVIII-Nesse sentido, veja.se o Ac. do STJ, de 17/06/2014, proc. 388E/2001.L1.S1 (Alves Velho), em www.dgsi.pt:

«I. É suficiente para a procedência do pedido de anulação da venda é o reconhecimento de ter havido erro sobre a identidade da coisa transmitida ou sobre as suas qualidades, por verificação de falta de conformidade - divergência - entre as características constatadas aquando da transmissão com as anunciadas.

II - Este erro, sobre o objecto mediato do negócio, goza de regime especial, na medida em que para a respectiva invocabilidade não se exige o requisito geral da essencialidade do erro para o declarante nem o da cognoscibilidade do mesmo pelo declaratário.»

XIX- Deste modo, o Acórdão recorrido ao chancelar a venda por negociação particular do imóvel através de leilão electrónico, o qual tem qualidades diferentes das reais, por manifesta divergência de áreas, sem que seja esta previamente retificada, aceita uma solução que a ordem jurídica não pode tutelar.

XX- O Acórdão recorrido, ao assim decidir, incorreu em manifesto erro de julgamento, gerador da violação de lei substantiva, que se reconduz a um erro de interpretação e de aplicação do direito, que o afecta e vicia, pelas consequências que acarreta. Erro que constituí fundamento específico de recurso de Revista e que determina a revogação do Acórdão.

XXI- Sem prescindir, estamos perante uma causa cuja apreciação, pela sua relevância jurídica é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e porquanto estão em causa interesses de particular relevância social, sendo pois admissível o recurso interposto.

XXII- É cada vez mais frequente a licitação de bens imóveis, através da venda por leilão eletrónico, que termina com a desistência dos respetivos proponentes, ou pedido de anulação da compra, sem que se apure qualquer tipo de responsabilidades, o que conduz à produção de graves prejuízos para os interessados.

XXIII- Deste modo verifica-se, com clareza, que a problemática levantada justifica a intervenção clarificadora do Supremo Tribunal.

XXIV- Na verdade, as questões em discussão extravasam o interesse da parte, o inerente objeto do processo e despertam a atenção de relevantes camadas da população, porque está aqui um relevante “sentir social”, uma motivação da comunidade que gravita em redor das acções judiciais, que se tornaram exponenciais num grande de empresários e suas famílias, que estão numa situação de urgência, por grave violação dos seus direitos fundamentais, interessando relevantes camadas da sociedade. Esses Cidadãos comuns, com reações normais relativamente à sua cidadania, postos perante a pendência desta ação e respetivos temas, ficariam interessados com intenso grau de probabilidade, o que justifica a intervenção do Venerando Supremo Tribunal de Justiça.

XXV- Assim, a situação descrita integra o conceito de interesses de particular relevância social por ser susceptível de entrar em colisão com valores socioculturais dominantes, cuja ofensa gerará inquietação de uma generalidade de pessoas, já que deste modo, se pode duvidar da eficácia do direito, pelo que, subsidiariamente e em caso de necessidade o presente Recurso deve ser admitido pela via da Revista Excecional.

XXVI- Cremos, assim, que se encontram cumpridos os requisitos de admissibilidade da presente revista.

XXVII- Deste modo e conforme resulta do supra exposto, pretende o Recorrente a revogação do Acórdão recorrido, com as legais consequências.

Nestes Termos, nos melhores de Direito e com o Douto Suprimento de V.Exªs., deve ser concedido provimento ao presente recurso.


Foi apresentada resposta que concluiu pela improcedência do recurso.

Em 28.03.2024, foi proferido despacho de admissão da revista, nos seguintes termos:

“Na medida em que, numa primeira apreciação dos aspetos gerais referidos no art. 641.º do CPC, não se apresenta a falta de qualquer dos pressupostos gerais em torno da tempestividade, da legitimidade ou da recorribilidade, em face dos arts. 629.º, n.º 1, e 671.º, n.ºs 1 e 3 do mesmo Código, constando as alegações e respetivas conclusões, não se vislumbrando razões para rejeitar desde já o recurso de revista excepcional interposto, subam os autos ao STJ, nos termos e para os efeitos do art. 672º, n.º 3 do CPC. DN. Datado e assinado electronicamente”.

Em 27.10.2024, foi proferido despacho nos seguintes termos:

1. Importa antes de mais esclarecer que o despacho de admissão do recurso não vincula o Tribunal Superior (artigo 641º/5 CPC).

2. Neste âmbito, cabe verificar se estão preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso.

3. Estamos perante um recurso de acórdão que incidiu sobre decisão proferida em primeira instância no âmbito de processo executivo (autos principais).

4. Neste domínio há que aferir a admissibilidade da revista segundo os parâmetros do artigo 854º CPC.

5. Assim, na ponderação das alegações do recorrente, afigura-se haver obstáculos à admissibilidade do presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

6. Notifique, pois, nos termos e para os efeitos do artigo 655º, n.º1, do CPC.

Por requerimento de 11.11.2024, o recorrente veio insistir na admissibilidade do recurso de revista, dizendo em resumo que: “Entende o Recorrente, que o presente recurso será admissível porque o seu fundamento se enquadra perfeitamente na apreciação de questão que, pela sua relevância jurídica, seja esta claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

II. Fundamentação

II.1. Importa considerar o circunstancialismo que resulta do precedente relatório.

II.2. apreciando

Como é sabido, o despacho de admissão do recurso não vincula o Tribunal Superior (artigo 641º/5 CPC).

Pela pertinência para a decisão da questão da admissibilidade da revista, importa ter presentes as seguintes conclusões do recurso:

XIX- Deste modo, o Acórdão recorrido ao chancelar a venda por negociação particular do imóvel através de leilão electrónico, o qual tem qualidades diferentes das reais, por manifesta divergência de áreas, sem que seja esta previamente retificada, aceita uma solução que a ordem jurídica não pode tutelar.

XX- O Acórdão recorrido, ao assim decidir, incorreu em manifesto erro de julgamento, gerador da violação de lei substantiva, que se reconduz a um erro de interpretação e de aplicação do direito, que o afecta e vicia, pelas consequências que acarreta. Erro que constituí fundamento específico de recurso de Revista e que determina a revogação do Acórdão.

XXI- Sem prescindir, Estamos perante uma causa cuja apreciação, pela sua relevância jurídica é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e porquanto estão em causa interesses de particular relevância social, sendo pois admissível o recurso interposto.

XXII- É cada vez mais frequente a licitação de bens imóveis, através da venda por leilão eletrónico, que termina com a desistência dos respetivos proponentes, ou pedido de anulação da compra, sem que se apure qualquer tipo de responsabilidades, o que conduz à produção de graves prejuízos para os interessados.

XXIII- Deste modo verifica-se, com clareza, que a problemática levantada justifica a intervenção clarificadora do Supremo Tribunal.

XXIV- Na verdade, as questões em discussão extravasam o interesse da parte, o inerente objeto do processo e despertam a atenção de relevantes camadas da população, porque está aqui um relevante “sentir social”, uma motivação da comunidade que gravita em redor das acções judiciais, que se tornaram exponenciais num grande de empresários e suas famílias, que estão numa situação de urgência, por grave violação dos seus direitos fundamentais, interessando relevantes camadas da sociedade. Esses Cidadãos comuns, com reações normais relativamente à sua cidadania, postos perante a pendência desta ação e respetivos temas, ficariam interessados com intenso grau de probabilidade, o que justifica a intervenção do Venerando Supremo Tribunal de Justiça.

XXV- Assim, a situação descrita integra o conceito de interesses de particular relevância social por ser susceptível de entrar em colisão com valores sócioculturais dominantes, cuja ofensa gerará inquietação de uma generalidade de pessoas, já que deste modo, se pode duvidar da eficácia do direito, pelo que, subsidiariamente e em caso de necessidade o presente Recurso deve ser admitido pela via da Revista Excecional.

Salvo o devido respeito, o que o recorrente vem afirmar na sequência do anterior despacho, não remove os obstáculos apontados à admissibilidade do recurso de revista.

Com efeito, antes de mais, importa notar que, não obstante o recorrente ter invocado a alínea c) do n.º 1 do artigo 672º, como fundamento para a revista excecional, o certo é que, como é patente da leitura quer do corpo das alegações quer das conclusões, apenas estão, na realidade, em causa as alíneas a) e b) do indicado preceito.

Contudo, há que ter em conta que estamos perante um recurso no âmbito de um processo de execução cujo regime específico está contemplado nos artigos 852º a 854º, ambos do CPC, e que, naturalmente, se antepõe às disposições gerais próprias do recurso de revista (artigo 852º CPC), previstas nos artigos 671º e seguintes.

Ora, dispõe o artigo 854º sob a epígrafe “Revista”: Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”.

Acontece que no presente caso, não estamos perante qualquer das situações contempladas no citado preceito.

Com efeito, por um lado, o recurso situa-se no âmbito dos próprios autos de execução, fora, pois, de qualquer das três situações contempladas na parte final do citado normativo e, por outro, não se verifica qualquer dos casos contemplados no artigo 629º/2 CPC, o qual, aliás, não foi sequer invocado ou materializado pelo recorrente.

Assim, não pode a presente revista ser admitida.

III. Decisão

Nesta conformidade e tendo em conta as disposições legais citadas, não se toma conhecimento do objeto do recurso.

Custas pelo recorrente”.

III. Decisão

Pelo exposto e decidindo, de harmonia com as disposições legais citadas, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão singular reclamada.

Custas pelo recorrente/reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s.

Lisboa, 28.02.2025

Amélia Alves Ribeiro (Relatora)

Graça Amaral

Cristina Coelho

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1. Ac. STJ de 04.07.24, no Processo n.º 2254/20.7T8STS.P1-A-A.S1, relatado pela Exmª Conselheira Isabel Salgado.↩︎