I – Tendo no acórdão recorrido sido julgados parcialmente procedentes os embargos de executado, por se haver considerado que não se verificava a excepção peremptória da prescrição relativamente a todas as prestações periódicas, ao contrário do decidido em 1ª instância, tal decisão de mérito é recorrível através da interposição do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos gerais dos artigos 671º, nº 1, e 854º do Código de Processo Civil, reunidos que se encontrem todos os respectivos pressupostos gerais de recorribilidade.
II – A tal recorribilidade não obsta o facto de o acórdão recorrido ter determinado o prosseguimento da execução, em consequência da improcedência parcial dos embargos, especificando que nesta se liquidaria o valor das prestações consideradas não prescritas.
Revista nº. 2430/21.5T8STB-A.E1.S1
Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão - Cível).
Deduziram EUROENG – ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES SA, AA, BB e CC embargos de executado e oposição à penhora na execução que lhes é movida por PROMONTORIA MARS DESIGNATED ACTIVITY COMPANY, como cessionária do crédito referente ao contrato de mútuo com hipoteca e fiança, celebrado pela Caixa Geral de Depósitos SA., em 24 de Outubro de 2014, por escritura pública, com Euroeng - Engenharia e Construções, S.A., na qualidade de mutuária, e com os devedores AA e BB, na qualidade Presidente do Conselho de Administração e, bem assim, na qualidade de fiadores e principais pagadores, ao qual foi atribuído o n.º …91, pedindo o pagamento da quantia de € 136.323,50.
Foram admitidos liminarmente os presentes embargos de executados.
Foi apresentada oposição pela executada/embargada.
Foi proferido despacho saneador-sentença, com o seguinte teor na sua parte decisória:
«Em face do exposto, julga este Tribunal procedentes os embargos de executado deduzidos por Euroeng – Engenharia e Construções SA, AA, BB e CC e, em consequência, determina-se a extinção da execução e o levantamento da penhora realizada nos autos principais».
Interpôs a exequente recurso de apelação.
No Tribunal da Relação de Évora foi proferido acórdão, datado de 23 de Maio de 2024, que julgou parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida.
Determinou-se, consequentemente, o prosseguimento da execução para pagamento das prestações de capital em dívida e respetivos juros moratórios, nos termos discriminados no ponto 6, mantendo-se a penhora efetuada.
Vieram os embargantes/executados interpor recurso de revista.
Apresentaram as seguintes conclusões:
a) A douta decisão recorrida é nula como a seguir se demonstrar, fazendo ainda uma incorreta interpretação e aplicação da Lei substantiva, violando por conseguinte, a mesma;
b) Relativamente à alegada exigibilidade imediata de toda a dívida de capital, cumpre dizer o seguinte:
c) Em primeiro lugar, e pese embora conste de douta decisão recorrida os devidos cálculos aritméticos relativos ao termo do prazo do contrato, sub judice, e se ter a concluído (e bem) que o mesmo ainda não havia terminado à data da instauração da execução, não são no entanto efetuados os cálculos até ao fim, pois tal contrato terminou a 24/09/2021 (termo do vencimento da última prestação, cfr. dispõe a cláusula 3.ª do documento complementar – 1 ano de carência + 72 prestações = 84 meses), ou seja, muito antes de qualquer executado (vide n.º19 dos Factos Assentes) ter sido citado;
d) Razão pela qual, não se entende, como pode o douto Tribunal da Relação de Évora ter considerado que a citação foi tida como a interpelação conducente à exigibilidade imediata de toda a dívida de capital, pois, nas datas das citações, todas as prestações há se haviam vencido, logo tal não era possível, nem necessário;
e) Em segundo lugar, ainda que assim não se entenda mas sem conceder, não explica a douta decisão recorrida o motivo pelo qual a “indicação do montante global da dívida de capital e a citação para o seu pagamento integral não pode deixar de ser tida como interpelação conducente à exigibilidade imediata de toda a dívida de capital”, limitando- se a dizer que assim é, citando Acordãos que assim o concluíram, mas sem dissecar os pressupostos que levaram a tal; Sem elencar o cumprimento dos requisitos necessários para que a citação possa valer como tal, nem os termos em que deve ser efetuada a interpelação para efeitos declaração de vencimento antecipado;
f) Com efeito, não tem a citação nestes autos, o efeito de suprir a falta de interpelaçãodos executados/embargantes (ora recorrentes) para em determinado prazo pagarem, sob pena de vencimento das restantes prestações, as prestações vencidas e não pagas, pois não consta dos autos as indicações para determinação dos valores que, em tal situação se encontrariam em dívida, já que a embargada (ora recorrida), no requerimento executivo, limitou-se a indicar o alegado valor global da dívida;
g) Sendo assim claro, que da douta decisão recorrida não resulta, como devia, a fundamentação do motivo pelo qual considerou que o requerimento executivo era explícito quanto ao fundamento de que se socorria para peticionar as prestações acordadas antes de decorrido o respetivo vencimento, nem quanto à causa da antecipação do vencimento da totalidade das prestações, nem quanto a identificação das mesmas, de modo a que a citação pudesse ser considerada a interpelação necessária para efeitos de colocar termo à mora e assim obstar ao vencimento antecipado de todas as prestações;
h) Pelo que, e sempre sem conceder, a douta decisão recorrida é, pois, nula, neste segmento, por total falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º1 alínea b) aplicável “ex vi” artigo 674.º, ambos do CPC e ainda por incorreta interpretação e aplicação da Lei substantiva, por não fazer funcionar o disposto nos artigos 781.º e 805.º n.º1, ambos do Código Civil (doravante designado “CC”);
i) E no que respeita à PRESCRIÇÃO há que referir:
j) Em primeiro lugar, não se entende, nem ao douto Tribunal d Relação de Évora fundamenta, o motivo pelo qual “(…), salvo o devido respeito, estando o contrato em execução, a prescrição conta-se em relação a cada uma das prestações devidas, e não desde o primeiro incumprimento, sem prejuízo de se terem por prescritas as vencidas há mais de 5 anos à data da citação para a acção, o que é bem diferente”;
k) O que significa, estando o contrato em execução? Significa que o mesmo foi dado à execução ou que estava ainda em cumprimento aquando a instauração da mesma (?)
E porque motivo é que por esse facto a prescrição se conta em relação a cada uma das prestações devidas?
l) Nunca tendo sido esse o entendimento maioritário da Jurisprudência, mesmo antes do Acórdão Uniformizador (Acordão n.º2/2022 publicado do Diário da República, Série I, de 22/09/2022) citado na douta decisão recorrida, segundo o qual o entendimento (que passou a ser acolhido pelos Tribunais), é o de que prescrevem no prazo 5 anos, após a cessação do pagamento, todas as prestações emergentes de mútuos, vencidas e não pagas, ainda que seja espoletado o seu vencimento antecipado;
m) O que equivale a dizer que o prazo de prescrição da dívida emergente de mútuo pagável em prestações de capital e juros é sempre de cinco anos, conforme previsto na alínea e) do artigo 310.º do CC, sendo irrelevante, para este efeito, a circunstância de ocorrer (ou não) o vencimento antecipado de todas prestações;
n) Ora, à data da instauração dos presentes autos executivos já haviam passado mais de 5 anos sobre a respetiva data de vencimento da 1.ª prestação, vencida e não paga, sem que tivesse sido declarada vencimento antecipado do contrato;
o) O que significa que a dívida emergente do contrato de mútuo com hipoteca já se encontrava prescrita quando os executados foram citados para a presente execução, pois e, tal como foi defendido pela primeira instância, “decorreram mais de 5 anos desde a data de incumprimento, sem que tenham ocorrido causas de interrupção ou suspensão”;
p) Com efeito, uma vez iniciado o prazo de prescrição de qualquer direito, a respetiva contagem prossegue a menos que ocorra qualquer suspensão ou interrupção (cfr. artigos 318.º e seguintes do CC), não relevando sequer a sua transmissão (cfr. artigo 308.º n.ºs 1 e 2 do CC);
q) Ora, se é certo que o prazo de prescrição se conta a partir da data em que o credor pode exercer o seu direito (no caso, a partir de 24/11/2015), acionando os devedores, conforme dispõe o artigo 306.º n.º 1 do CC, não é menos certo que a prescrição só se interrompe com a citação, de harmonia com o disposto no artigo 323.º n.º 1 do CC, não tendo aplicação, contrariamente ao defendido pelo douto Tribunal da Relação de Évora, ao caso sub judice o disposto no n.º 2 de tal disposição, porquanto à data da entrada da presente execução a prescrição da dívida exequenda já havia ocorrido, pois já haviam passado mais de 5 anos desde a data do incumprimento, ou cessação dos pagamentos;
r) Pese embora, considerando que foi aprovada legislação por força da qual foi determinada a suspensão de vários prazos, incluindo da prescrição, nos períodos de 09/03/2020 a 02/06/2020 e de 22/01/2021 a 05/04/2021 (Lei nº 1-A/2020 de 19/3, Lei nº 4 A/2020, de 6/4, Lei n.º 16/2020, de 29/5, Lei n.º 4-B/2021, de 1/2, e Lei n.º 13-B/2021, de 5/4), da qual resultou que os prazos de prescrição, durante aqueles períodos, estiveram suspensos durante 160 dias (86 dias + 74 dias), ainda assim e tendo por referência a data do incumprimento ocorrida em 24/10/2015 (cfr. Facto Assente sob o n.º12) e a data da instauração da execução, ou seja, 06/05/2021 (cfr. Facto Assente sob o n.º18), já havia decorrido o prazo prescrional dos 5 anos aquando esta última;
s) Em segundo lugar, e sempre sem conceder, os cálculos efetuados pelo douto Tribunal da Relação de Évora são incomprensíveis, pois se é o próprio a afirmar que o prazo de prescrição se conta a partir da data em que o credor puder exercer o direito (cfr. artigo artigo 306.º n.º1 do CC) e se esse direito pode ser exercido a partir de 24/10/2015, como é que a ora recorrida poderia alguma vez ter direito às prestações vencidas desde 24/05/2016 até ao termo do contrato? Tal significava que apenas tinham prescrito 7 prestações, vencidas durante 7 meses (período decorrido entre 24/10/2015 e 24/05/2016);
t) O raciocínio do douto Tribunal da Relação de Évora labora num lapso e numa errónea aplicação e interpretação da Lei substantiva, mencionando a data da citação, contabilizou a prescrição desde a data em que considerou a mesma interrompida, ou seja, 13/05/2021 para trás e não desde a data do incumprimento para à frente;
u) É no mínimo surreal tal contagem e não contabiliza o prazo de 5 anos que a Lei menciona, cfr. disposto no artigo 310.º alínea e) do CC;
v) Em terceiro lugar, e tendo em consideração o supra exposto, improcede por total falta de fundamento, o decidido quanto aos alegados juros moratórios, os quais também se encontram prescritos e como tal não são devidos, de acordo com a acima citada Jurisprudência;
w) Termos em que relativamente a este segmento decisório, o presente recurso tem por fundamento a violação da Lei substantiva, erróneamente interpretada e aplicada, conforme dispõe o artigo 674.º n.º1 alínea a) do CPC;
x) Mal andou, pois, o douto Tribunal da Relação de Évora ao decidir conforme decidiu.
Contra-alegou a embargada, apresentando as seguintes conclusões:
1. A reprodução integral do anteriormente vertido na motivação de recurso, ainda que com meras alterações pontuais e intitulada de “Em conclusão”, não deve ser considerada para efeitos do cumprimento do dever de apresentação de conclusões do recurso nos termos estatuídos no artigo 639.º, n.º 1 do CPC.
2. Equivale, pois, essa reprodução à falta de conclusões, pelo que deve o recurso ser rejeitado nos termos estatuídos no n.º 2 da alínea b) do artigo 641.º do Código Processo Civil, não sendo de admitir despacho de aperfeiçoamento, nos termos alegados no presente articulado. Se assim não se entender:
3. As conclusões não sintetizam a motivação de recurso, nem identificam a questão, ou questões que os Recorrentes sujeitam à apreciação do Tribunal a quem, constituem antes um desenvolvimento da própria motivação, o que torna inexistentes as conclusões propriamente ditas. Sem prescindir,
4. O tribunal a quo bem andou ao decidir que “a indicação do montante global da dívida de capital e a citação para o seu pagamento integral não pode deixar de ser tida como interpelação conducente à exigibilidade imediata de toda a dívida de capital.”
5. Vejamos, na sequência do incumprimento da 1.ª prestação, vencida em 24/10/2015, o Exequente, por carta datada de 13/09/2017, e expedida para a morada indicada pelos executados, comunicou-lhes as responsabilidades em incumprimento, bem como o vencimento das prestações e a quantia em divida.
6. Atendendo a que estamos perante um contrato de mútuo pagável em prestações, em que ocorreu o incumprimento do plano de pagamentos prestacionais acordado, em harmonia com o disposto no artigo 781.º do Código Civil, na falta de realização de uma das prestações, fica o credor com direito de exigir essa prestação e as subsequentes ainda não vencidas.
7. Destarte, a partir dessa data torna-se a prestação e as subsequentes ainda não vencidas exigíveis, independentemente de qualquer interpelação por parte do credor, verificando-se, assim, a exigibilidade de toda a divida de capital, pelo que, não deve a douta decisão recorrida ser alterada.
8. Por outro lado, ainda a respeito desta matéria, os Recorrentes vêm alegar a nulidade da douta decisão recorrida por falta de fundamentação.
9. Em harmonia com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, a nulidade de uma decisão pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente por a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que quem a proferiu se serviu ao proferi-la.
10. Ora, uma vez que não estamos perante uma falta absoluta de fundamentação, isto é, uma total ausência de indicação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, facilmente se conclui que o douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora se encontra devidamente fundamentado e não deve merecer qualquer tipo de censura, devendo assim improceder a nulidade alegada pelos aqui Recorrentes/Apelante.
11. Por fim, no que concerne à prescrição da dívida, o Tribunal a quo considerou, e bem, que o prazo da prescrição a aplicar é o de cinco anos, tendo a exequente direito às prestações de capital vencidas desde 24/05/2016 até ao termo do contrato.
12. Ora, o contrato de mútuo com hipoteca e fiança celebrado entre os Executados, aqui Apelantes, e a Caixa Geral de Depósitos, S.A. (Credora Originária), aqui Apelada, foi celebrado em 24/10/2014, sendo que a primeira prestação do contrato em apreço venceu-se em 24/10/2015 e a última vencer-se-ia em 24/08/2021.
13. De harmonia com o artigo 306.º, n.º 1 do Código Civil, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que o credor pode exercer o seu direito, demandando os seus devedores.
14. Em conjugação com o disposto no artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito.
15. Por sua vez, o n.º 2 do mesmo artigo estabelece que, não se fazendo a citação ou notificação dentro dos cinco dias depois de ter sido requerida a citação, por causa não imputável ao requerente tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
16. No caso dos autos, são justamente razões de natureza processual e de organização judiciária, não imputáveis à ora Recorrente, que explicam que a citação para a presente execução só tenha ocorrido em 19/01/2022, 31/01/2022 e em 07/01/2022.
17. Deste modo, considerado a data em que foi instaurada a execução em 07/05/2021, a prescrição deverá ter-se por interrompida no dia 13/05/2021, nos termos do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil.
18. Assim, e aceitando que o incumprimento se reporta a 24/10/2015, deverá considerar-se, conforme bem decidiu o douto acórdão recorrido, que se encontram prescritas as prestações que se venceram antes de 25/05/2016, mantendo-se todas as demais exigíveis.
19. Pelo que, decidiu bem o Tribunal a quo quando determinou o prosseguimento da execução para pagamento do capital em dívida, acrescido de juros desde 25/05/2016 até efetivo pagamento.
20. Quanto aos juros moratórios, deverá a decisão recorrida manter-se na integra, no sentido de “Sobre o capital em dívida relativo às prestações não prescritas, de 24 de Maio de 2016 até 13 de Setembro de 2017, apenas são devidos juros moratórios após esta data, à taxa contratual, em face da limitação temporal do pedido de juros feita no requerimento inicial; Sobre as restantes prestações vencidas à data da instauração da execução são devidos juros moratórios, contabilizados sobre o capital, desde a data de vencimento de cada prestação, sendo os das prestações que se mostrem vencidas após aquela data, a contar da citação.”
21. A douta decisão recorrida pronunciou-se quanto às questões cuja apreciação os Recorridos pretendem, fundamentou a decisão proferida, pelo que não deve merecer qualquer censura.
22. Não há, por isso, qualquer fundamento, legal ou processual, que justifique a sua alteração.
23. A douta decisão recorrida não deve ser alterada e as conclusões insertas no recurso apresentado devem ser julgadas improcedentes.
Foi proferido despacho, a dar cumprimento ao disposto no artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Após os embargantes e a embargada se terem manifestado (os primeiros pugnando pela admissibilidade da revista e a segunda corroborando os fundamentos apresentados no despacho da Srª Conselheira Relatora), foi proferida decisão sumária de rejeição do conhecimento do recurso de revista, que assim julgou findo, nos seguintes termos:
“EUROENG – ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES SA, AA, BB e CC deduziram oposição, por embargos, à execução que lhes move PROMONTORIA MARS DESIGNATED ACTIVITY COMPANY, como cessionária do crédito referente ao contrato de mútuo com hipoteca e fiança, celebrado pela Caixa Geral de Depósitos SA., em 24 de Outubro de 2014, por escritura pública, com Euroeng - Engenharia e Construções, S.A., na qualidade de mutuária, e com os devedores AA e BB, na qualidade Presidente do Conselho de Administração e, bem assim, na qualidade de fiadores e principais pagadores, ao qual foi atribuído o n.º …91, pedindo o pagamento da quantia de € 136.323,50.
Admitidos liminarmente os embargos, seguiu-se a legal tramitação.
Foi proferido despacho saneador-sentença, com o seguinte teor na sua parte decisória:
«Em face do exposto, julga este Tribunal procedentes os embargos de executado deduzidos por Euroeng – Engenharia e Construções SA, AA, BB e CC e, em consequência, determina-se a extinção da execução e o levantamento da penhora realizada nos autos principais».
Inconformado interpôs o exequente recurso de apelação.
No Tribunal da Relação de Évora foi proferido acórdão, com o seguinte teor a final:
«Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento da execução para pagamento das prestações de capital em dívida e respetivos juros moratórios, nos termos discriminados no ponto 6, mantendo-se a penhora efetuada».
Inconformados vieram os embargantes interpor recurso de revista para o STJ.
Fundamentação:
Nos presentes autos foi em 27-9-2024 proferido despacho, a dar cumprimento ao disposto no art. 655º do CPC.
Vieram os recorrentes pronunciar-se, reafirmando a admissibilidade do recurso, nos termos do art. 671, nº. 1 e 854º, ambos do CPC.
O despacho proferido foi do seguinte teor:
«Vieram os recorrentes interpor recurso de revista para este STJ., tendo o mesmo sido admitido ao abrigo dos artigos 631º, nº. 1, 638º, nº. 1, 629º, nº 1, 675º, nº 1 e 676º, nº. 1, todos do CPC.
Ora, nos termos do disposto no art. 854º do CPC, sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, entre outros, de oposição deduzida contra a execução, o que é o caso.
Nos termos gerais, dispõe o nº. 1 do art. 671º do CPC, que cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª. instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.
Como refere Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, Almedina, pág. 494 «O recurso de revista é, pois, em princípio, apenas admissível de decisões finais, pelo que o objeto de revista é sempre uma decisão final da Relação, seja ela de mérito ou possua mero conteúdo processual».
Ora, na situação vertente, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação revogou a decisão proferida pela 1ª. Instância e determinou o prosseguimento da execução, não encerrando uma decisão suscetível de permitir a revista, tal como a mesma é exigível pelo teor definido no art. 671º do CPC.
Com efeito, consta daquele acórdão o seguinte:
«Deste modo, ao contrário do decidido, conclui-se pelo prosseguimento da execução para pagamento das quantias em dívida, nos termos acima mencionados, a liquidar na execução, com a consequente manutenção da penhora do imóvel que, como é evidente, em função da hipoteca validamente constituída, só garante o pagamento, nos termos e com os limites previstos nos artigos 686º e 693º do Código Civil, e pelo montante máximo garantido constante do contrato, referido no ponto 8 dos factos provados».
Para se poder conhecer de recursos neste âmbito, pressupõe-se que estejam preenchidos os pressupostos/requisitos de que depende a admissibilidade do recurso de revista, nos termos do art. 671, nº. 1 do CPC, ou seja, que se tenha conhecido do mérito da causa ou que se ponha termo ao processo, como se mencionou no Ac. do STJ de 17-11-2015, in www.dgsi.pt.
Os acórdãos da Relação que conhecem do mérito da causa são aqueles em que efetivamente há uma resolução material do litígio.
No caso em apreço, tal ainda não existe, na medida em que os autos irão prosseguir, ou seja, o acórdão proferido pela Relação, não pôs termo ao processo, nem conheceu do seu mérito».
Para além do supra explanado, dir-se-á ainda o seguinte:
A oposição à execução visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da inexistência do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da ação executiva (cfr. Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 193, Coimbra Editora).
A oposição à execução são ações estruturalmente autónomas, mas funcionalmente ligadas à ação executiva.
Compulsado o acórdão da Relação, constatamos que ali não foi proferida uma decisão final, mas antes um ordenamento do prosseguimento da execução para pagamento das quantias em dívida, a liquidar na execução.
Com efeito, encontramo-nos até numa situação que nem tão pouco se sabe qual o montante ainda em dívida, o qual inclusivamente revelaria para efeitos de sucumbência.
E também não nos encontramos em nenhuma situação de recorribilidade ao abrigo do nº. 2 do art. 629º do CPC. No caso vertente, não houve resolução material do litígio, nem qualquer absolvição da instância.
A parte conhecida no acórdão atinente a prescrição, até foi favorável aos recorrentes, havendo lugar a dupla conforme.
Decisão:
Pelo exposto, nos termos do disposto na ai. b) do n°. 1 do art. 652°, ex vi do art. 679°, ambos do CPC, não se conhece do objeto do recurso.
Custas a cargo dos recorrentes”.
Vieram os recorrentes reclamar para a conferência, alegando essencialmente que a decisão do acórdão recorrido não confirmou a decisão de 1ª instância, alterando essa decisão em termos totalmente opostos, em desfavor dos recorrentes, o que constitui conhecimento de mérito para efeitos do artigo 671º, nº 1, e 854º do Código de Processo Civil.
A recorrida pronunciou-se no sentido da manutenção do decidido, secundando basicamente as razões expostas na decisão singular de rejeição do recurso de revista.
Apreciando:
Resulta do disposto no nº. 1 do artigo 671º do Código de Processo Civil que cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª. instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.
Outrossim o artigo 854º do Código de Processo Civil prevê, no âmbito das acções executivas, a admissibilidade da revista em matéria de oposição à execução, ou seja, quando o Tribunal da Relação procede ao conhecimento do mérito dos embargos de executado que tenham sido interpostos.
Ora, na situação vertente, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação - e que constitui o acórdão recorrido - revogou a decisão proferida pela 1ª. Instância, conhecendo do mérito dos presentes embargos de executado (que julgou parcialmente improcedentes).
Nesta sequência, e em conformidade com esse mesmo conhecimento do mérito, determinou o prosseguimento da execução – quanto às prestações periódicas não consideradas prescritas -, mantendo a penhora efetuada.
Concretamente, é afirmado nesse mesmo acórdão:
«Deste modo, ao contrário do decidido, conclui-se pelo prosseguimento da execução para pagamento das quantias em dívida, nos termos acima mencionados, a liquidar na execução, com a consequente manutenção da penhora do imóvel que, como é evidente, em função da hipoteca validamente constituída, só garante o pagamento, nos termos e com os limites previstos nos artigos 686º e 693º do Código Civil, e pelo montante máximo garantido constante do contrato, referido no ponto 8 dos factos provados».
Ou seja, no caso em apreço, existe claramente conhecimento (final) do mérito dos presentes embargos, na medida em que tal matéria, essencial para a defesa dos executados, foi apreciada e decidida pelo Tribunal da Relação de Évora e não pode mais voltar a ser discutida fora da instância recursiva.
O que significa que sem a admissão da revista para o Supremo Tribunal de Justiça, a mesma transitaria necessariamente em julgado.
De resto, tal conhecimento do mérito da causa esgota por si só o objecto dos presentes embargos de executado, que assim findaram em 2ª instância, nada mais havendo a considerar nesse âmbito, importando ainda não confundir a tramitação própria dos embargos com a resultante do prosseguimento da acção executiva não extinta, onde se determinarão matematicamente os valores a efectivar em estreita conformidade com o decidido naquele outro processado de cariz declarativo e natureza autónoma (é esta realidade a que se reporta a expressão “liquidação” - do montante respeitante às prestações periódicas não prescritas -, usada no acórdão recorrido, não comportando como se compreende a interposição de qualquer outro tipo de embargos de executado).
Logo, terá de concluir-se, contrariamente ao vertido na decisão reclamada, que houve efectivamente resolução material e final do litígio, com procedência apenas parcial da excepção peremptória de prescrição oportunamente suscitada, tal como bem o entendeu a própria exequente/embargada ao nada haver invocado nas suas contra-alegações, como poderia ter feito, acerca da pretensa inadmissibilidade (neste tocante) da revista interposta pelos executados/embargantes (à excepção do que diversamente referiu a propósito da alegada ausência de conclusões e do não cumprimento de formalidades formais necessárias para a não rejeição do recurso).
Trata-se, aliás, de uma situação perfeitamente comum e corrente – a decisão de improcedência total ou parcial dos embargos de executado que dá lugar ao normal prosseguimento da acção executiva respectiva - a qual nunca suscitou, ao que se sabe, qualquer tipo de dúvida quanto à admissibilidade da revista por este concreto motivo, reunidos que se encontrassem os necessários pressupostos gerais de recorribilidade.
Outrossim não pode concluir-se que a parte conhecida no acórdão e atinente a prescrição foi inteiramente favorável aos recorrentes, uma vez que tendo sido, na sentença de 1ª instância, extinta a execução por prescrição total da dívida exequenda, foram os apelados, porém, confrontados em 2ª instância com a improcedência parcial dos seus embargos e inerente prosseguimento da execução determinada pelo acórdão recorrido.
Procede, portanto, a presente reclamação.
Pelo exposto:
Acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça, em Conferência, em julgar procedente a reclamação, revogando a decisão singular reclamada, sendo o recurso de revista admissível, nos ternos gerais dos artigos 671º, nº 1, e 854º do Código de Processo Civil, pelo facto de o acórdão recorrido dever ser qualificado como decisão final de mérito (o que não prejudica a apreciação dos restantes pressupostos gerais de recorribilidade exigíveis).
Custas pela recorrida, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) Uc.
Lisboa, 28 de Janeiro de 2025.
Luís Espírito Santo (Relator)
Maria Olinda Garcia
Maria do Rosário Gonçalves.
(vencida nos termos do despacho singular acima transcrito).
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.