I – Havendo a A. alegado na petição inicial que “Como consequência directa da conduta do 2º R., designadamente das más práticas médicas e do facto de ter omitido à A. os aspectos menos positivos do tratamento que lhe aplicou, e que, a levariam a recusar essa terapêutica, caso tivesse deles conhecimento, convencendo-a que era uma intervenção segura, a A., para além dos danos morais antes descritos, tem sofrido na sua esfera jurídica avultados prejuízos patrimoniais, os quais merecem a tutela do Direito” e tendo o R. médico, neste contexto, respondido na sua contestação que a informou dos riscos associados à intervenção cirúrgica que realizaria, a questão da falta de consentimento informado da paciente integra-se na causa de pedir dos presentes autos.
II – Não há assim fundamento para que o acórdão do Tribunal da Relação tivesse anulado a sentença por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, entendendo que tal temática não integraria a causa de pedir – quando em anterior acórdão proferido no mesmo processo (em que determinara a reabertura da audiência para cumprimento do contraditório quanto à ampliação da matéria de facto) tinha concluído precisamente o contrário.
III – A organização dos Temas de Prova reveste carácter meramente instrumental e puramente organizador – tratando-se apenas de um guião de cariz prático e orientador da discussão da causa -, não constituindo caso julgado formal e permitindo por isso mesmo a discussão de outros factos alegados pela parte que sejam integrantes da sua causa de pedir, embora tenham sido omitidos na enunciação genérica realizada naquela peça processual, desde que cumprido o devido contraditório.
Revista nº 2656/18.9T8PTM.E2.S1
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção-Cível):
I - RELATÓRIO.
Instaurou AA a presente acção declarativa, com processo comum, contra Hospital de São Gonçalo de Lagos, S.A. e BB, médico.
Alegou essencialmente que:
Na sequência de fratura do úmero esquerdo decorrente de queda que sofreu a 5 de Julho de 2017, veio a ser sujeita no dia 25 de Julho de 2017, no contexto que descreve, a intervenção cirúrgica realizada no hospital 1.º réu pelo médico 2.º réu, no decurso da qual foi colocada cavilha fixada por parafusos.
Por má prática médica, em violação das leges artis, que imputa ao 2.º réu, ficou bloqueado o movimento do ombro e sido provocada lesão do nervo radial, sendo ainda que não foi informada por este dos efeitos negativos que poderia resultar da sujeição à intervenção cirúrgica proposta, o que lhe causou danos patrimoniais e não patrimoniais, como tudo melhor consta da petição inicial.
Conclui pela condenação dos réus a pagarem à autora:
a) a quantia de € 90 000, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
b) a quantia de € 181 608, a título de indemnização por danos patrimoniais, sem prejuízo de ampliação do pedido;
c) juros moratórios sobre todas quantias peticionadas, à taxa legal vigente, desde a data da citação até integral pagamento;
d) sanção pecuniária compulsória de montante não inferior a € 150, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações a que qualquer dos réus for condenado;
e) a quantia correspondente a todas as despesas supervenientes à entrada desta ação que a autora seja forçada a satisfazer com consultas, exames, tratamentos, fisioterapia, internamentos e cirurgias, para debelar e/ou atenuar os danos que lhe foram causados pela má intervenção do 2.º réu, incluindo as despesas supervenientes com a empregada doméstica que foi obrigada a contratar.
O réu Hospital de São Gonçalo de Lagos, S.A. contestou, sustentando não decorrer da matéria de facto alegada pela autora a responsabilidade civil do 1.º réu e impugnando parte da factualidade alegada, como tudo melhor consta do articulado apresentado.
O réu BB contestou, invocando a observância das leges artis, bem como a prestação pela autora de consentimento informado, e defendendo-se por impugnação motivada; mais requereu a intervenção acessória provocada de Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A., sustentando que a responsabilidade civil emergente da sua atividade profissional se encontra transferida para a referida companhia de seguros, a qual garante o pagamento de eventual indemnização que lhe possa vir a ser exigida.
A autora apresentou articulado no qual se pronuncia sobre a matéria invocada na contestação apresentada pelo 1.º réu, bem como articulado em que se pronuncia sobre matéria invocada na contestação deduzida pelo 2.º réu.
Dispensada a audiência prévia, foram enunciados, por despacho datado de 15 de Dezembro de 2019, os seguintes “Temas da Prova”:
a) Relação entre os RR.;
b) Acordo(s) celebrado(s) entre A. e os RR.;
c) Intervenções realizadas na A. pelo R. nas instalações do R.;
d) Ilicitude e culpa (presunção, em caso de responsabilidade contratual) – (in)cumprimento pelo 2.R. das leges artis, considerando a concreta intervenção objeto dos autos;
e) Danos patrimoniais / não patrimoniais produzidos pela intervenção e valor dos mesmos;
f) Nexo causalidade entre a intervenção e os danos;
g) Acordo respeitante à transferência da responsabilidade civil emergente de atos no exercício da atividade profissional para a chamada – franquia.
Foi realizada audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença, datada de 13 de Junho de 2022 que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou solidariamente a AGEAS PORTUGAL - COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., e o HOSPITAL DE SÃO GONÇALO DE LAGOS, S.A., no pagamento à autora AA da quantia de € 35 000 (trinta e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais (acrescida de juros legais de mora que vierem a vencer-se; condenou solidariamente a AGEAS PORTUGAL - COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., e BB, assim como o HOSPITAL DE SÃO GONÇALO DE LAGOS, S.A., no pagamento à autora AA da quantia de € 12 962,55 (doze mil novecentos e sessenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescidos de juros legais desde o dia seguinte ao da citação, a título de danos patrimoniais nas seguintes proporções: HOSPITAL DE SÃO GONÇALO DE LAGOS, S.A. (100%); AGEAS PORTUGAL - COMPANHIA DE SEGUROS, S. A. (90%) e BB (10%); a que acrescem as despesas supervenientes que a autora venha a realizar por via de eventual cirurgia de transferência tendinosa.
No mais absolveu os réus do pedido.
Inconformados com a decisão, o R. BB e a interveniente Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A., apelaram, juntando as respectivas alegações, tendo o R. Hospital de São Gonçalo de Lagos, S.A., aderido a esses mesmos recursos.
Foi proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 22 de Março de 2023, acórdão em que se decidiu:
“2.2. Apreciação do objeto dos recursos
No recurso interposto pelo 2.º réu, ao qual aderiu o 1.º réu, vem peticionada a anulação da decisão recorrida para ampliação da matéria de facto, com fundamento na consideração de factualidade integradora de tema da prova não enunciado, relativo à invalidade do consentimento prestado pela autora.
Sustenta o apelante que a 1.ª instância, sem prévia comunicação às partes, operou uma ampliação da matéria de facto respeitante ao consentimento prestado pela autora, relativamente à qual ficaram as partes impedidas de exercer o contraditório e de requerer a produção de novos meios de prova.
Vejamos se lhe assiste razão.
Pretende a autora, com a presente ação, obter a condenação dos réus ao pagamento de indemnização pelos danos emergentes de intervenção cirúrgica a que foi submetida no dia 25-07-2017, no contexto que descreve, realizada pelo médico 2.º réu no hospital 1.º réu.
A autora, no artigo 90.º da petição inicial, imputa ao médico 2.º réu, além do mais, o facto de ter omitido ao A. os aspetos menos positivos do tratamento que lhe aplicou, e que, a levariam a recusar essa terapêutica, caso tivesse deles conhecimento, convencendo-a que era uma intervenção segura.
Na contestação de apresentou, o 2.º réu alegou, além do mais, o seguinte:
44 - O ora contestante, na presença da amiga da Autora, referiu-lhe que a única alternativa à imobilização gessada era a intervenção cirúrgica, esclarecendo-a que esta não era isenta de riscos;
48 - Importa esclarecer quais os métodos cirúrgicos possíveis, para que se perceba que o que sucedeu com a Autora nada teve que ver com más práticas ou violação das legis artis.
49 - De um lado, o método mais antigo, a osteossíntese com placa e que consiste na aplicação sobre o osso de uma placa de compressão que fixa todos os elementos separados pela fratura (…);
50 - Para tanto, é necessário visualizar diretamente o foco da fratura através da dissecação dos tecidos e afastamento destes do osso;
51 - Esta técnica, devido à elevada extensão da dissecação dos tecidos para efeito de introdução e fixação da placa e ao necessário afastamento destes do osso, provoca a perda de suprimento sanguíneo do local da fratura;
52 - O que se mostra associado a índices de atraso ou não consolidação da fratura mais elevados;
53 - Pode levar a deslocamentos do próprio material (…);
54 - E, ainda, a lesões iatrogénicas do nervo radial, ou seja, a lesões provocadas pelo próprio ato médico.
55 - De outro lado, o método mais recente utilizado pelo ora contestante no caso da Autora, ou seja, a osteossíntese com cavilha intramedular, introduzida através do ombro e fixada por parafusos;
56 - Permite alinhar devidamente os elementos da fratura com o próprio eixo da diáfise do osso, submetendo-a a menor força de flexão por se encontrar numa posição central (…).
57- Não interfere com o hematoma fraturário deixando-o ser absorvido naturalmente pelo organismo, não toca no suprimento sanguíneo do osso, pois não necessita de dissecação dos tecidos no local da fratura e apresenta menor tempo cirúrgico (…)
58 - No entanto, também podem acontecer conflitos articulares com o ombro e, tal como no primeiro método, lesão iatrogénica do nervo radial, ou seja, lesão provocada pelo próprio ato médico.
59 - Estas lesões podem acontecer tanto no primeiro método como no segundo por causa da dissecação dos tecidos ou da manipulação do braço, introdução e fixação do material de osteossíntese;
60 - Porquanto a variabilidade anatómica humana não permite reconhecer com exatidão o local por onde passa o nervo radial.
61 - Como supra se referiu, esta variabilidade pode atingir dois ou mais centímetros, a partir do ponto de referência que é a extremidade inferior do úmero.
62 - E, reitera-se, o ora contestante informou a Autora das possíveis complicações da cirurgia, razão pela qual havia concordado com o Dr. CC quando este o contactou para discutir o caso, antes da aplicação do tratamento conservador.
63 - Ainda assim, esclarecida acerca das possíveis complicações, a Autora, alegando sempre a maior dificuldade em suportar a imobilização gessada, decidiu optar pela cirurgia.
64 - Na verdade, a libertação do braço de qualquer tipo de imobilização e a possibilidade, igualmente transmitida pelo ora contestante de consolidação da fratura num período de cerca de três meses, foram os fatores decisivos que a levaram a optar pelo tratamento cirúrgico.
Analisando a matéria de facto julgada provada, constata-se que, relativamente à questão suscitada no recurso interposto pelo 2.º réu, foram julgados provados determinados factos não alegados por qualquer das partes, designadamente os seguintes:
«Do dia 25 de julho
41. Na data da admissão, a autora assinou a “prestação de serviços clínicos a doentes com terceiros pagadores” de fls. 367 de onde consta “o utente declara estar esclarecido da sua situação clínica, aceitando ser submetido à terapêutica que lhe foi proposta pelo seu médico assistente/responsável pelo internamento. O utente declara também que lhe foram explicados, pelo seu médico assistente/responsável pelo internamento, todos os procedimentos de tratamento, as suas eventuais consequências e as possíveis complicações e riscos cirúrgicos e anestésicos. Declara ainda que é por sua livre e consciente vontade que se submete aos procedimentos de tratamento propostos” – fls. 367
42. Foi anotado o consentimento da autora conforme fls. 384 v. que assinou o formulário, o qual também se encontra assinado pelo médico – fls. 384 v.
43. No mesmo documento, após “a preencher pelo doente (…)” antes da assinatura consta o seguinte: por favor, leia com atenção todas as indicações constantes neste documento. Não hesite em solicitar mais informações ao médico, se não estiver completamente esclarecido. Verifique se tem toda a informação de que necessita. Se tudo estiver conforme, então, assine este documento. A autora não leu o documento antes de assinar nem lhe foi explicado o seu conteúdo.
44. Foi confirmado o consentimento pela autora à enfermeira do bloco conforme fls. 379 v. (art. 5.º do Código de Processo Civil)»,
Encontra-se consignada na parte final deste último ponto de facto uma menção ao artigo 5.º do CPC, preceito que, sob a epígrafe Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal, dispõe o seguinte:
1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Regulando os poderes de cognição do tribunal em matéria de facto, o n.º 2 deste preceito permite a consideração pelo juiz, além dos factos articulados pelas partes, de determinados factos não alegados, a saber: a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Em anotação ao indicado preceito, explicam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 27) o seguinte: «Na sentença, no segmento em que se pronuncia sobre os factos provados e não provados (para além de integrar os factos notórios ou que tenham sido revelados ao tribunal por força do exercício das suas funções), o juiz deve ponderar, mesmo oficiosamente, os factos complementares (constitutivos do direito ou integradores da exceção, embora não identificadores dos mesmos) e os factos concretizadores de anteriores afirmações de pendor mais genérico que tenham sido feitas, acautelando substancialmente o exercício do contraditório (arts. 607º, nºs 3 a 5, e 5º, nº 2, al. b))». No que respeita à concessão às partes da possibilidade de se pronunciarem nos termos da al. b) do n.º 2, defendem os autores (ob. cit., p. 29) que «o juiz deve anunciar às partes, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto», posição que entendem «consentânea com os princípios processuais e designadamente com a proibição de decisões-surpresa».
Face ao objeto da ação e à fundamentação em que se baseia a pretensão deduzida pela autora, verifica-se que a factualidade relativa à atuação do 2.º réu configura um dos elementos essenciais que integram a causa de pedir, cuja alegação cabe à autora, conforme decorre do n.º 1 do citado preceito, bem como da alínea d), do n.º 1, do artigo 552.º do mesmo código, relativo aos requisitos da petição inicial (com a redação seguinte: 1 - Na petição, com que propõe a ação, deve o autor: (…) d) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir…).
Extrai-se da alegação constante do citado artigo 90.º da petição inicial – na parte em que se afirma ter o 2.º réu omitido ao A. os aspetos menos positivos do tratamento que lhe aplicou, e que, a levariam a recusar essa terapêutica, caso tivesse deles conhecimento, convencendo-a que era uma intervenção segura – a imputação ao médico réu da omissão de informações relativas aos riscos próprios da intervenção cirúrgica pelo mesmo proposta à autora, isto é, de informações que habilitassem a autora, como paciente, a decidir fundadamente se queria submeter-se à aludida intervenção médica.
O indicado segmento do artigo 90.º da petição inicial contém uma alegação de conteúdo genérico, verificando-se que os factos julgados provados sob os pontos 41 a 44 de 2.1.1. poderão considerar-se complementares ou concretizadores de tal alegação.
Conforme decorre da alínea b) do n.º 2 do citado artigo 5.º, pode o juiz, oficiosamente, considerar na sentença factos complementares ou concretizadores dos alegados pelas partes, desde que resultem da instrução da causa e que as partes sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.
Ora, não decorre dos autos, designadamente das atas da audiência final, que o juiz tenha comunicado às partes a intenção de ampliar a matéria de facto, através do aditamento de determinados factos não alegados, ou que de alguma forma tenha sido facultada às partes a produção de prova sobre os mesmos, assim não podendo considerar-se cumprido o contraditório imposto pela alínea b) do n.º 2 do citado artigo 5.º.
A omissão de tal comunicação às partes impõe a anulação da decisão recorrida, afetando o segmento em que foram julgados provados os factos constantes dos pontos 41 a 44 de 2.1.1., devendo ser reaberta a audiência final e cumprido o contraditório imposto pela alínea b) do n.º 2 do citado artigo 5.º, nos termos supra expostos.
Não tendo o tribunal comunicado às partes a intenção de ampliar a matéria de facto, através do aditamento de determinados factos não alegados, verifica-se que a decisão proferida constitui efetivamente uma decisão-surpresa, conforme alegado pelo recorrente 2.º réu, em violação da proibição constante do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
Tal omissão influiu na decisão da causa, considerando que foram julgados provados os factos constantes dos pontos 41 a 44 de 2.1.1. sem que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar e que os mesmos foram tidos em conta na apreciação jurídica efetuada, assim constituindo nulidade processual, nos termos previstos no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.
Não se tratando de nulidade principal, encontra-se a nulidade em causa sujeita ao regime de arguição fixado nos artigos 197.º e 199.º, do qual decorre, além do mais, a regra geral sobre o prazo de arguição das nulidades secundárias: se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, dispõe para a arguição do prazo geral de 10 dias, contado desde o conhecimento de que foi cometida a nulidade. No entanto, considerando que a nulidade em causa se corporiza na decisão recorrida e só com a notificação desta se manifesta, verifica-se que a arguição da nulidade é incindível da impugnação da decisão, pelo que cumpre considerar tempestiva a respetiva arguição nas alegações do recurso interposto de tal decisão.
Nesta conformidade, considerando que a omissão da audição prévia das partes, em violação do dever imposto pelo artigo 5.º, n.º 2, al. b), influiu na decisão recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 195.º, n.º 2, do referido Código, há que anular tal decisão e determinar seja proferido a comunicação omitida.
Procede, assim, nesta parte, a apelação deduzida pelo 2.º réu, à qual aderiu o 1.º réu, o que prejudica a apreciação das demais questões suscitadas neste recurso, bem como o conhecimento da apelação interposta pela interveniente, à qual igualmente aderiu o 1.º réu.
Em conclusão:
Não tendo sido comunicada às partes a intenção de ampliação da matéria de facto, consubstanciada na inclusão na matéria provada de factos complementares ou concretizadores dos alegados pelas partes que se considerou resultarem da instrução da causa, nem tendo sido de outra forma facultada a produção de prova sobre tal factualidade, não pode considerar-se cumprido o contraditório imposto pelo artigo 5.º, n.º 2, al. b), do CPC.
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação deduzida pelo 2.º réu, à qual aderiu o 1.º réu, e prejudicada a apreciação da apelação deduzida pela interveniente, à qual aderiu o 1.º réu, em consequência do que se decide anular a decisão recorrida e determinar a reabertura da audiência final, para que seja assegurado o contraditório imposto no artigo 5.º, n.º 2, al. b), do CPC, mediante a comunicação às partes da possibilidade de virem a ser considerados os factos constantes dos pontos 41 a 44 de 2.1.1., praticando-se os demais atos subsequentes.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique”.
(sublinhados nossos).
Regressados os autos à 1ª instância, foi proferido o seguinte despacho, datado de 22 de Maio de 2023:
“Considerando:
- O teor do acórdão do Tribunal da Relação de Évora;
- Os constrangimentos de agenda que permitirão a reabertura da audiência apenas no mês de outubro,
Informe as partes de que é intenção do Tribunal dar o contraditório determinado, por escrito. Não havendo oposição, assim será, notificando-se conforme impõe o Tribunal da Relação de Évora e, logo após, conclua”.
Nenhuma das partes se manifestou.
Foi proferida nova sentença, agora datada de 7 de Setembro de 2023 que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou solidariamente a AGEAS PORTUGAL - COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., e o HOSPITAL DE SÃO GONÇALO DE LAGOS, S.A., no pagamento à autora AA da quantia de € 35 000 (trinta e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais (acrescida de juros legais de mora após 13 de junho de 2022, data da prolação da primeira sentença), num total até hoje de € 37 282,19 (trinta e sete mil duzentos e oitenta e dois euros e dezanove cêntimos), além dos juros vincendos até integral pagamento; solidariamente a AGEAS PORTUGAL - COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., e BB, assim como o HOSPITAL DE SÃO GONÇALO DE LAGOS, S.A., no pagamento à autora AA da quantia de € 12 962,55 (doze mil novecentos e sessenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescidos de juros legais desde o dia seguinte ao da citação, a título de danos patrimoniais nas seguintes proporções: HOSPITAL DE SÃO GONÇALO DE LAGOS, S.A. (100%); AGEAS PORTUGAL - COMPANHIA DE SEGUROS, S. A. (90%) e BB (10%); a que acrescem as despesas supervenientes que a autora venha a realizar por via de eventual cirurgia de transferência tendinosa; no mais absolveu os réus do pedido.
Veio o R. BB, através do requerimento entrado em juízo em 21 de Setembro de 2023, arguir a nulidade da sentença nos seguintes termos:
“1. Nos termos do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora foi determinada a abertura da audiência final para que fosse assegurado o contraditório mediante a comunicação da possibilidade de virem a ser considerados os factos constantes dos pontos 41 a 44 de 2.1.1., praticando-se os demais atos subsequentes.
2. Na sequência deste Acórdão foram as partes notificadas do despacho de fls. nos termos do qual: “Informe as partes de que é intenção do Tribunal das o contraditório determinado, por escrito. Não havendo oposição, assim será, notificando-se como impõe o Tribunal da Relação de Évora e, logo após, conclua.”
3. No prazo em que seria possível a oposição à intenção manifestada pelo Tribunal naquele despacho, nenhuma das partes se pronunciou.
4. Pelo que, valendo o despacho de fls., “Não havendo oposição, assim será, notificando-se como impõe o Tribunal da Relação de Évora”.
5. Ora, esta notificação nunca ocorreu, vindo as partes a ser confrontadas com nova sentença sem que lhes tenha sido dado o direito de exercerem o contraditório por omissão de formalidade imposta pelo próprio Tribunal.
6. A utilização do verbo ser no futuro “(…)não havendo oposição, assim será, notificando-se(…)”, dúvidas não podem restar quanto à necessidade de notificação pela secretaria, para o exercício do contraditório.
7. Considerando que o Tribunal da Relação de Évora já tinha determinado a essencialidade do exercício do contraditório, a omissão pela Secretaria da notificação prevista pelo despacho de fls. caso não houvesse oposição ao exercício por escrito do contraditório, constitui uma nulidade apta a influir no exame ou decisão da causa dependente de reclamação, a apreciar imediatamente, nos termos dos artigos 195º, 196º, 199º e 200º, todos do CPC.
8. Sob pena de se manter a violação do contraditório reconhecida pelo Tribunal da Relação de Évora.
9. Assim, deverá a nulidade supra reclamada ser declarada, determinando-se a notificação das partes para o exercício, por escrito, do contraditório com as legais consequências.
Termos em que, deve ser admitida a presente reclamação, por se tratar de uma omissão de formalidade essencial verificada antes da notificação da sentença declarando-se a nulidade daí decorrente e ordenando-se a notificação das partes para oexercício do contraditório, com as legais consequências”.
Foi, de seguida, proferido o seguinte despacho datado de 5 de Dezembro de 2023:
“Requerimento de 21 de setembro – fls. 522
Veio o réu arguir a nulidade da sentença – a segunda aqui proferida – por manter-se a preterição do princípio do contraditório.
A autora pronunciou-se no sentido de vir a ser indeferido o requerido – fls. 524 v.
Analisada a tramitação dos autos, decorre que:
- Foi determinado pelo Tribunal da Relação de Évora que viesse a ser dado o contraditório às partes;
- Foi proferido o seguinte despacho a 22 de maio de 2023: Informe as partes de que é intenção do Tribunal dar o contraditório determinado, por escrito. Não havendo oposição, assim será, notificando-se conforme impõe o Tribunal da Relação de Évora e, logo após, conclua;
- As partes foram notificadas do despacho nada tendo dito;
- Foi proferida sentença no dia 7 de setembro;
- A “Ageas” até já interpôs recurso – fls. 527.
Apesar de ser estranho o facto de a parte que suscitou a questão não ter exercido o direito a pronunciar-se, a verdade é que não é situação única neste Juízo. Por isso foi proferida sentença.
Contudo, estando em causa o exercício do contraditório e, para que não se diga que o Tribunal de Primeira Instância não cumpriu o tal princípio ou comunicou com as partes de forma dúbia,
1. Declaro a nulidade da sentença;
2. Notifique expressamente as partes para se pronunciarem em dez dias (exercício do contraditório)”.
Pronunciou o R. BB, através do seu requerimento entrado em juízo em 20 de Dezembro de 2023, nos seguintes termos:
“As ações de responsabilidade civil dos médicos podem ser de três tipos:
a) Ação por má prática médica, fundada em erros técnicos e suas consequências;
b) Ou uma ação por violação dos direitos dos doentes, nomeadamente por violação do direito ao consentimento informado;
c) Ou uma combinação das duas;
Ora, a presente ação é uma típica ação por má prática médica, pois funda-se exclusivamente na alegada má atuação técnica do segundo réu – cf. arts. 88º e 148º do petitório.
Aliás, a mesma conclusão se retira da análise dos temas da prova indicados pelo Tribunal, não existindo qualquer tema relativo à matéria do consentimento informado.
A causa de pedir não consiste, nem a título principal nem a título subsidiário, na violação por parte do segundo réu e/ou da entidade hospitalar dos direitos dos doentes, nomeadamente na violação do consentimento informado.
A alusão no art. 90º da petição inicial a uma eventual recusa por parte da Autora da terapêutica proposta pelo segundo réu, caso tivesse sido alertada para a possibilidade de determinados riscos, constitui uma mera conclusão que não assenta em quaisquer factos alegados ao longo da petição.
Assim, não existe sequer nos autos uma causa de pedir subsidiária assente na alegação de factos relativos a matéria atinente à violação do consentimento informado.
E, não constando da petição inicial, esta só poderia admitir-se nos termos dos arts. 264º, 46º e 265º do CPC, o que manifestamente não sucedeu.
Deste modo, a proposta ampliação pelo Tribunal, em sede de julgamento, de matéria complementar atinente exclusivamente ao consentimento informado não pode, salvo melhor opinião, ser considerada, pois não preenche os legais requisitos.
Termos em que devem não ser considerados os pontos 41 a 44 de 2.1.1 com as legais consequências”.
Foi proferida nova sentença – a terceira -, agora datada de 31 de Janeiro de 2023 que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou solidariamente a AGEAS PORTUGAL - COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., e o HOSPITAL DE SÃO GONÇALO DE LAGOS, S.A., no pagamento à autora AA da quantia de € 35 000 (trinta e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais (acrescida de juros legais de mora após 13 de junho de 2022, data da prolação da primeira sentença), num total até hoje de € 37 282,19 (trinta e sete mil duzentos e oitenta e dois euros e dezanove cêntimos), além dos juros vincendos até integral pagamento; solidariamente a AGEAS PORTUGAL - COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., e BB, assim como o HOSPITAL DE SÃO GONÇALO DE LAGOS, S.A., no pagamento à autora AA da quantia de € 12 962,55 (doze mil novecentos e sessenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescidos de juros legais desde o dia seguinte ao da citação, a título de danos patrimoniais nas seguintes proporções: HOSPITAL DE SÃO GONÇALO DE LAGOS, S.A. (100%); AGEAS PORTUGAL - COMPANHIA DE SEGUROS, S. A. (90%) e BB (10%); a que acrescem as despesas supervenientes que a autora venha a realizar por via de eventual cirurgia de transferência tendinosa; no mais absolveu os réus do pedido.
Interposto novo recurso de apelação, foi proferido acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 12 de Setembro de 2024, julgando procedente o recurso de apelação interposto, considerando nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a decisão recorrida, que revogou, absolvendo os RR. do pedido.
Veio a A. interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:
1ª - O douto acordão recorrido viola o Artigo 608º nº 1 do CPC.
2ª - Pretende a recorrente, com a presente ação, obter a condenação dos réus no pagamento de indemnização por danos emergentes de intervenção cirúrgica realizada pelo médico 2.º réu no hospital 1.º réu.
3ª - A ora recorrente alegou igualmente no artigo 90º da petição inicial que o médico 2.º réu lhe omitiu os aspetos menos positivos do tratamento que lhe aplicou, e que, a levariam a recusar essa terapêutica, caso tivesse deles conhecimento, convencendo-a que era uma intervenção segura.
4ª - Apesar dessa alegação, entendeu o douto Acordão recorrido que a pretensão indemnizatória não foi deduzida também com base em tal fundamento (omissão de consentimento informado).
5ª – O douto acórdão recorrido concluiu pela nulidade da douta sentença proferida em primeira instância por ter conhecido de causa de pedir não invocada pela autora, nela baseando a parcial procedência da pretensão indemnizatória deduzida. Ou seja, a sentença proferida em 1.ª instância terá apreciado questão de que não podia tomar conhecimento, o que configura a causa de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte.
Contudo;
6ª - Não se verifica a nulidade de acórdão com base em excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), 2.a parte, 666.º, n.º 1, e 685.º, do CPC) se, no âmbito da solução a dar à questão ou questões principais a decidir se o julgador aborda uma questão de direito nova, instrumental a essa solução.
7ª - A abordagem feita pela douta sentença proferida em primeira instância insere-se na disponibilidade objectiva do julgador quanto à matéria de direito.
8ª - Nos termos do Artigo 608º nº 1 do CPC o juiz deve resolver todas as questões suscitadas pelas partes, não podendo ocupar-se senão das questões por elas suscitadas.
9ª - No caso em presença, não há qualquer dúvida que a questão da omissão do consentimento informado foi colocada pela ora recorrente na sua P.I., como aliás reconhece o douto acordão recorrido.
10ª - O facto do tribunal não abordar tal omissão de consentimento informado por parte da recorrente faria incorrer a decisão em omissão de pronúncia.
11ª - A insuficiência do consentimento informado pode não ter constituido a questão principal invocada pela recorrente como fundamento do seu pedido. Mas sendo certo que a invocou poderia e deveria ser indagada pelo julgador.
12ª - Tendo a recorrente suscitado a questão da insuficiência do consentimento informado não se pode concluir que o Tribunal se ocupou de uma questão que a parte não suscitou. Tudo o que o julgador fez e bem foi abordar uma questão de direito nova traduzida no dever dos RR indemnizarem a aqui recorrente com base na referida insuficiência alegada na P.I.. – Cfr. Artigo 5º nº 3 do CPC
13ª - Sendo certo que a questão principal objecto de apreciação se prende com com a verificação da responsabilidade civil indemnizatória por acto médico, e tendo em conta que a aqui recorrente alegou a insuficiência da informação prestada que levou ao seu consentimento à prática do acto médico, só se poderia considerar que a pronúncia foi excessiva se a douta decisão se tivesse sustentado em considerações fácticas ilegitimas.
14ª - No caso em presença, tendo sido alegado tal facto, deve o mesmo ser considerado como elemento a ter em conta no escrutínio técnico-jurídico feito pelo Tribunal em primeira instância.
15ª - Tal facto deve ser tido em conta na análise dos pressupostos da responsabilidade civil indemnizatória, nomeadamente ilicitude, culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
16ª - Acresce também que o consentimento informado não pode ser separado do acto médico. É parte instrumental, acessório e preparatório do mesmo. A violação das legis artis surge na consequência de consentimento da recorrente face à informação prestada pelo 2º Réu.
17ª - A análise da de observância de “leges artis” deve incluir a análise do aconselhamento médico prévio e o conteúdo da informação fornecida ao paciente/doente para o escopo de obtenção do seu consentimento livre, consciente e esclarecido.
18ª - É com ele que se norteia a averiguação do cumprimento pelo médico de uma obrigação acessória de antecipação dos factores de risco e consequências secundárias adversas inerentes à intervenção médica.
19ª - Nessa medida a sentença proferida em primeira instância não incorre na nulidade prevista art. 615.º, n.º 1, al. d), 2.a parte do CPC.
20ª - O douto Acordão ora recorrido viola por sua vez o disposto no Artigo 608º nº 1 do CPC.
Contra-alegou R. BB, apresentando as seguintes conclusões:
A) A presente ação é uma típica ação por má prática médica, pois funda-se exclusivamente na alegada má atuação técnica do ora recorrido;
B) Esta conclusão resulta desde logo da leitura do despacho saneador quando da fixação do objeto do litígio e da enunciação dos temas da prova;
C) De seu lado, autora nunca reclamou do referido despacho saneador, nomeadamente quanto àquele objeto do litígio;
D) Ora, por se tratar de um litígio privado, cabe às partes definirem e delimitarem do seu objeto, em obediência ao princípio do dispositivo;
E) De outro lado, esta natureza do litígio implica que o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes;
F) Por isso, nas ações de responsabilidade civil o facto ilícito alegado é fundamental para se chegar aos elementos que poderão permitir estabelecer a obrigação de indemnização;
G) Acresce que, por efeito do princípio da estabilidade consagrado no artigo 260º do CPC, os elementos essenciais do processo, incluindo nestes a causa de pedir, só podem ser alterados nos estritos limites da lei;
H) No caso da causa de pedir, são os artigos 264º e 265º que fixa os limites da sua alteração;
I) Salvo acordo das partes ou a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, apenas a confissão do réu, aceita pelo autor, poderá permitir a sua modificação;
J) Nenhuma destas situações se verificou nos presentes autos.
K) No caso dos autos a matéria atinente ao consentimento informado não foi alegada pela recorrente, assim como não foi reclamada qualquer indemnização com fundamento na sua violação;
L) Pelo que bem decidiu o Tribunal da Relaçãode Évora ao considerar que a decisão da primeira instância se baseou num facto ilícito distinto daquele que constituiu a causa de pedir;
M) O que implica a nulidade da decisão nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 615º do CPC.
II – FACTOS PROVADOS.
Foi dado como provado que:
1. A autora foi arquiteta de profissão e simultaneamente pintora, designadamente, de óleos sobre telas, com exposições regulares em várias galerias (desde 2002 até 2017) e participações em vários eventos festivos, integrando várias coleções privadas em Portugal, Alemanha, Espanha, França, Bélgica, Suécia, Inglaterra, Dinamarca e Estados Unidos da América.
2. Para além da reforma que recebe em resultado dos anos de trabalho como arquiteta na Administração Local, antes da intervenção do réu médico, a autora conseguia pintar cerca de 14 quadros por ano, e fazer em média 150 desenhos.
3. Os quadros e desenhos da autora eram expostos para venda a preços que variavam entre os € 110 e os € 1960.
4. Através das exposições que fazia nas várias galerias de arte e a amigos, a autora conseguia vender alguns quadros por ano por montantes, em concreto, não apurados.
5. Antes desta cirurgia, a autora tinha mobilidade e apreensão normais nas mãos e dedos.
6. Em ...2017, a autora tinha 66 anos de idade. Assinalou aquando da entrada no Hospital 1, além da tontura antes da queda, e tonturas intermitentes, episódios sincopais sem pródromos de longa data (não estudados) sem movimentos tónico-ciónicos nem perda de controlo de esfíncteres associado e outros antecedentes como insónias crónicas, osteoporose, disipidemia e epistaxe. Noutros elementos é feita referência expressa a síndrome vertiginoso. No exame neurológico foi assinalado discreto nislagmo horizontal esgotável à esquerda. Foi dada indicação para estudo e seguimento em consulta externa de medicina interna, quanto às síncopes.
7. A autora vivia e vive sozinha há muitos anos, numa casa que sempre foi da família, constituída por três pisos e com jardim.
8. A autora era uma mulher independente, com muita energia, muito ativa, com enorme alegria de viver, e grande capacidade de trabalho, integrada na sociedade, participando em diversos eventos culturais e sociais.
9. O Hospital de São Gonçalo de Lagos é uma instituição de saúde cuja unidade que explora obedece a todas as exigências legais, requisitos, recomendações, detendo bloco operatório dotado de utensílios e tecnologia adequados aos procedimentos cirúrgicos e meios colocados à disposição dos médicos que colaboram no Hospital.
10. Também colaboram com o Hospital médicos de diversas especialidades, entre eles anestesistas e cirurgiões, que uns com os outros formam as equipas que considerarem adequadas.
11. O Hospital tem atendimento permanente, com serviço de urgência e de múltiplas valências médico-cirúrgicas.
12. BB é licenciado em medicina e especialista em Ortopedia e Fraturas pelo Hospital 2, .... Foi Assistente Hospitalar de Ortopedia e Fraturas no Hospital 2 ... entre 1992 e 1994, Assistente Hospitalar no Hospital 3, ... entre 1994 e 1997, Assistente Graduado de Ortopedia e Fraturas no Hospital 4 entre 1997 e 1999; Posteriormente, exerceu como Assistente Graduado, no Centro Hospitalar 1 entre 1999 e 2013 e foi Diretor Adjunto do Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar 2 entre 2013 e 2014; é Diretor do Departamento de Ortopedia do Hospital Privado de S. Gonçalo de Lagos, Assistente de Ortopedia do Hospital 5, assim como Assistente de Ortopedia do Hospital 6 e, ainda, Assistente de Ortopedia do Hospital 7.
13. Participou ou foi conferencista em cursos relativos ao tratamento de fraturas.
14. A colaboração do Dr. BB mantém com o Hospital tem a natureza de prestação de serviços.
15. O Dr. BB é médico cirurgião ortopedista especialista reconhecido pelos seus pares.
16. O réu BB transferiu para a “Ageas” a responsabilidade de indemnizar terceiros por atos médicos de ortopedia por si praticados. Para tanto, celebrou com a identificada seguradora contrato de seguro de responsabilidade civil, cuja apólice tem o número 0084.05.932368 e o capital de 600.000 €.
17. Os limites contratuais estabelecidos pela apólice nº ...68, em matéria de responsabilidade civil em que pudesse incorrer o tomador do seguro em virtude da sua atividade médica, são os constantes das condições gerais de fls. 188 e particulares de fls. 202 v. “O capital indicado como garantido pela Cobertura Responsabilidade Civil Profissional é definido para cada anuidade, ficando limitado, em cada sinistro, ao valor indicado como Sub-Limite do Capital Seguro”, sendo aplicada a cada sinistro uma franquia “Tipo 30 – Esta cobertura(s) fica(m) sujeita(s) a uma franquia de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de € 125,00”.
18. No dia 5 de julho de 2017, em consequência de uma queda acidental na rua após uma tontura, a autora fraturou um osso, o úmero esquerdo, tendo sido transportada para as urgências do Hospital 8, em ..., onde foi assistida, tendo feito rx, com fratura oblíqualonga da diáfise proximal do úmero esquerdo, com 3.º fragmento, e aí feito o diagnóstico de fratura da diáfise do úmero esquerdo e imobilizado o membro com imobilização de tio Gerdy, sem dor significativa no ombro, sem sinais de compromisso neurovascular do membro.
19. Foi-lhe comunicado que tinha de ser operada, mas que essa operação apenas se poderia realizar no prazo mínimo de onze dias, devido a falta de anestesista.
20. O úmero é um osso par localizado no braço, sendo o maior osso dos membros superiores; articula-se superiormente com a omoplata através do complexo articular do ombro; e, inferiormente, com o rádio e o cúbito, através da articulação do cotovelo; é constituído por uma parte longa e mais ou menos cilíndrica (diáfise) e por duas extremidades com forma triangular (epífises); o úmero é “acompanhado” pela artéria braquial que atravessa o próprio osso e que em parte o “alimenta” de sangue; e, ainda, pelos nervos cubital e radial; este “acompanhamento” ocorre ao longo da goteira radial que se inicia entre 97 e 142 mm da face externa da apófise terminal da omoplata (parte saliente ou acrómio) e termina entre 101 e 148 mm da extremidade do úmero. O músculo braquioradial é um dos músculos do antebraço enervado pelo nervo radial.
21. O nervo radial inicia o seu trajeto no compartimento posterior do braço e passa para o compartimento anterior atravessando a parede divisória muscular (septo) entre 7,5 e 10 cm da extremidade inferior do úmero; a localização deste nervo apresenta uma variabilidade anatómica significativa, pois ainda que conhecido o seu trajeto anatómico, a sua localização exata varia de pessoa para pessoa.
22. A diáfise do úmero pode fraturar de múltiplas maneiras em resposta a vários tipos de violência; é uma fratura comum e decorre na maior parte das vezes de quedas da própria altura, como no caso concreto.
23. Do ponto de vista da respetiva gravidade, estas fraturas são classificadas entre fraturas simples (A1 a A3), em cunha (B1 a B3) e complexas (C1 a C3): as fraturas do úmero das categorias B e C, apresentam risco de lesão do nervo radial decorrente da própria fratura, pois que com a deslocação dos fragmentos ósseos característica destas fraturas, eles próprios podem lesar o nervo radial.
24. No caso da autora, a fratura não exposta do úmero esquerdo que apresentava foi classificada como sendo do tipo C2, ou seja, complexa e segmentar por se terem separado diversas porções do próprio osso.
25. Uma fratura, além da quebra da própria integridade do tecido ósseo, envolve a disrupção local dos tecidos moles e a alteração da integridade vascular com sangramento.
26. Este hematoma e a inflamação dos tecidos envolventes onde existem células de diversos tipos acabam por formar no local um edema que será absorvido pelo organismo ou removido conforme a terapêutica aplicada.
27. Por outro lado, graças à intensa dinâmica do tecido ósseo, pois este cresce, remodela-se e mantém-se ativo durante toda a vida, é possível consolidar as fraturas através de novo tecido ósseo e não através de tecido cicatricial, como ocorre com outros tecidos.
28. A base do tratamento das fraturas assenta nas supra referidas características do tecido ósseo: cresce, remodela-se e mantém-se ativo durante a vida.
29. Face às dores de que padecia, e ao tempo que teria de esperar até que fosse sujeita à referida intervenção cirúrgica naquela Unidade Hospitalar, no dia seguinte, dia 6, a autora solicitou que lhe fosse dada alta médica, e pediu uma ambulância para a transportar para o Hospital 9.
30. Nesse dia 6 de julho, a autora foi admitida nas urgências do Hospital 9, no ..., onde o médico ortopedista que a atendeu (Dr. CC), em concordância com outro seu colega da mesma especialidade (Dr. BB), entenderam que era preferível a imobilização gessada com tala em U e assim fez o médico Dr. CC.
31. No Hospital 9 foram realizados vários exames à autora, como rx de controlo na sequência do que que foi confirmado padrão de fratura oblíqua longa aceitável para tratamento conservador que a autora aceitou depois de explicada à doente a situação clínica, opção gold standard para este tipo de fratura, com bons resultados em mais de 90% dos pacientes.
32. No caso, a opção em primeira linha pelo tratamento conservador visou reduzir os riscos de lesão do nervo radial, pois nesse momento a autora não apresentava quaisquer indícios de compromisso desse nervo, embora estivesse dependente do alinhamento conseguido com a imobilização: após manipulação do braço pelo médico é inicialmente aplicada uma imobilização gessada para estabilização da fratura, redução da dor e redução do edema. Cerca de duas semanas depois esta pode ser substituída, ou não, por uma ortótese funcional que exerce pressão sobre os tecidos e o úmero.
33. O Dr. CC agendou nova consulta para dali a duas semanas para avaliação da evolução da consolidação da fratura com controlo radiológico, dando alto com analgesia e AINE em SOS.
34. Recuperando o tratamento aplicado à autora, apesar de este ser bem tolerado pelos pacientes, a imobilização gessada exige a cooperação do doente, pois pode causar algum incómodo, obrigando-as a dormir sentado durante todo o tempo, para o peso fazer o seu efeito, sob pena de ser ineficaz.
35. O engessamento causa e causou incómodos à autora, que não aguentava o pesado “lastro” no cotovelo, uma vez que este lhe feria o tronco, quer pelo peso, quer pela irregularidade da sua espessura, causando-lhe dores, dificultando o descanso e a locomoção.
36. No dia 10 de julho, tendo conhecimento que o Dr. BB dava consultas no Hospital São Gonçalo de Lagos, em Lagos, a autora marcou uma consulta com este especialista, tendo-lhe transmitido que não aguentava mais o pesado lastro no cotovelo.
37. Nessa consulta, o Dr. BB transmitiu à autora que a única solução para evitar o desconforto e as dores causadas pelo lastro no cotovelo seria abordar a fratura diafisária do úmero esquerdo com uma intervenção cirúrgica e que seria expectável que com essa cirurgia ficaria curada após três meses de fisioterapia.
38. Na opção pela osteossíntese com cavilha intramedular UHN, um dos critérios a ponderar será a incapacidade por parte do doente de suportar os incómodos e dores da imobilização gessada, embora também seja igualmente encarada como tratamento de primeira linha. Esta técnica pode apresentar vantagens em comparação com a osteossíntese com placa e parafusos em fraturas mais cominutivas, segmentares oblíquas, como foi o caso, ou fraturas patológicas.
39. A autora tinha a expectativa de deixar de sentir o peso e o desconforto provocados pelo tratamento conservador e de libertar o braço de qualquer tipo de imobilização e a ver consolidada a fratura num período de cerca de três meses e foi essa a motivação que a levou a procurar o médico BB e a aceitar a proposta de cirurgia pelo mesmo apresentada, em face das queixas por si apresentadas, mesmo ciente dos riscos inerentes a uma cirurgia com anestesia geral, como seria a proposta, não demonstrando qualquer receio.
40. Na sequência dessa consulta, o Dr. BB marcou a cirurgia para o dia 25 de julho de 2017, a realizar no Hospital S. Gonçalo de Lagos, entidade que fez a admissão da autora pelas 7H15 e lhe cobrou a quantia pelos serviços prestados.
41. Na data da admissão, a autora assinou a “prestação de serviços clínicos a doentes com terceiros pagadores” de fls. 367 de onde consta “o utente declara estar esclarecido da sua situação clínica, aceitando ser submetido à terapêutica que lhe foi proposta pelo seu médico assistente/responsável pelo internamento. O utente declara também que lhe foram explicados, pelo seu médico assistente/responsável pelo internamento, todos os procedimentos de tratamento, as suas eventuais consequências e as possíveis complicações e riscos cirúrgicos e anestésicos. Declara ainda que é por sua livre e consciente vontade que se submete aos procedimentos de tratamento propostos”.
42. Foi anotado o consentimento da autora conforme fls. 384 v. que assinou o formulário, o qual também se encontra assinado pelo médico.
43. No mesmo documento, após “a preencher pelo doente (…)” antes da assinatura consta o seguinte: por favor, leia com atenção todas as indicações constantes neste documento. Não hesite em solicitar mais informações ao médico, se não estiver completamente esclarecido. Verifique se tem toda a informação de que necessita. Se tudo estiver conforme, então, assine este documento”. A autora não leu o documento antes de assinar nem lhe foi explicado o seu conteúdo.
44. Foi confirmado o consentimento pela autora à enfermeira do bloco conforme fls. 379 v.
45. Após ter efetuado um eletrocardiograma no dia 21 de julho, no dia 25 de julho, a autora que dera entrada com dores e fora medicada com metamizol magnésio foi operada pelo Dr. BB no Hospital São Gonçalo de Lagos.
46. De um lado, o método mais antigo, a osteossíntese com placa e que consiste na aplicação sobre o osso de uma placa de compressão que fixa todos os elementos separados pela fratura – figura 16 de fls. 103 v.; para tanto, é necessário visualizar diretamente o foco da fratura através da dissecação dos tecidos e afastamento destes do osso; esta técnica, devido à elevada extensão da dissecação dos tecidos para efeito de introdução e fixação da placa e ao necessário afastamento destes do osso, provoca a perda de suprimento sanguíneo do local da fratura, o que se mostra associado a índices de atraso ou não consolidação da fratura mais elevados; Pode levar a deslocamentos do próprio material – cf. figura 16 de fls. 103 v. - e, ainda, a lesões iatrogénicas do nervo radial, ou seja, a lesões provocadas pelo próprio ato médico; De outro lado, o método mais recente utilizado pelo médico no caso da autora, ou seja, a osteossíntese com cavilha intramedular, introduzida através do ombro e fixada por parafusos. Permite alinhar devidamente os elementos da fratura com o próprio eixo da diáfise do osso, submetendo-a a menor força de flexão por se encontrar numa posição central – cf. figura 17 de fls. 103 v. Não interfere com o hematoma fraturário deixando-o ser absorvido naturalmente pelo organismo, não toca no suprimento sanguíneo do osso, pois não necessita de dissecação dos tecidos no local da fratura e apresenta menor tempo cirúrgico.
47. Neste segundo método, também podem acontecer conflitos articulares com o ombro e, tal como no primeiro método, lesão iatrogénica do nervo radial, ou seja, lesão provocada pelo próprio ato médico. Estas lesões podem acontecer tanto no primeiro método como no segundo por causa da dissecação dos tecidos ou da manipulação do braço, introdução e fixação do material de osteossíntese, porquanto a variabilidade anatómica humana não permite reconhecer com exatidão o local por onde passa o nervo radial.
48. Como supra se referiu, esta variabilidade pode atingir dois ou mais centímetros, a partir do ponto de referência que é a extremidade inferior do úmero.
49. O réu optou pelo tratamento cirúrgico da autora mediante a colocação de cavilha, porquanto se tratava de uma fratura segmentar e também por se tratar de um osso osteoporótico, pois a possibilidade de deslocação da placa de osteossíntese no primeiro método é elevada, para além das restantes dificuldades já antes descritas. Apesar disso, a técnica usada na colocação dos parafusos tem uma maior probabilidade de lesar o nervo radial, do que outra técnica conhecida como técnica antero-posterior (de frente para trás), visto que o nervo passa por fora, e não pela frente, e o médico colocou de fora para dentro – fls. 297 (art. 65.º e 66.º da contestação do réu BB)
50. A cirurgia consistiu numa incisão longitudinal ao nível da apófise terminal da omoplata (acrómio) e posterior mobilização do músculo deltóide através da separação das suas fibras; separadas as fibras do músculo deltoide é possível visualizar a membrana ou bursa subdeltoideia que se encontra sob aquele músculo, assim como o músculo supra espinhoso; procedeu então à divisão deste músculo na sua posição mediana, paralelamente às suas fibras, cerca de 1 a 2 cm; o médico verificou que o diâmetro endomedular (interior) da diáfise do úmero apresentava bom tamanho, apto para tolerar a presença de uma cavilha de cerca de 7 mm, sem necessidade de qualquer desbaste ósseo; por tração e manipulação da fratura efetuou a sua redução alinhando os segmentos ósseos separados; introduziu a cavilha e fixou-a através da colocação de dois parafusos; por fim, suturou todos os tecidos dissecados, encerrou a ferida operatória e realizou o penso respetivo.
51. Houve anestesia geral e o ajudante foi DD.
52. O parafuso colocado é rombo para evitar que seccione qualquer estrutura em que toque – fls. 383 v.. O parafuso foi colocado de fora para dentro num dos orifícios predeterminados, numa zona que deveremos sempre admitir que o nervo possa passar. Se está acima ou abaixo é sempre difícil de determinar com toda a certeza embora pelos cálculos (…) deveria estar por baixo. O problema é que a broca pode aumentar a zona de lesão e tracionar o nervo a uma distância maior. Se o parafuso fosse colocado no outro orifício predeterminado anteroposterior o risco de lesão do nervo radial seria menor, pois a introdução anteroposterior é considerada mais segura evitando-se caso a cavilha esteja com a rotação adequada as estruturas vasculonervosas do terço distal do braço – fls. 300.
53. Durante a execução do procedimento cirúrgico não sobreveio qualquer facto conhecido anormal que se intrometesse, atrasasse ou obrigasse à suspensão do procedimento que estava a ser executado.
54. A possibilidade da alta no dia 26 de julho de 2017 adiantada pelo médico só teria lugar caso não houvesse queixas álgicas. O médico deu indicação de que havendo queixas álgicas, a autora teria alta na quinta-feira, dia 27 de julho.
55. Após a cirurgia, a autora refere queixas álgicas intensas e náuseas tendo sido administrada medicação.
56. No dia seguinte, dia 26, a autora mantinha dores intensas, tendo sido administrada morfina. Foi contactado o médico réu, pelas 9H15, por a autora referir dormência em toda a mão à exceção da extremidade dos dedos, não conseguindo fazer a extensão de qualquer dos dedos, apenas flexão, situação que foi evoluindo positivamente no decorrer do turno, contudo sente alguma dormência na palma da mão. Fez rx ao membro intervencionado de que resultou o seguinte relatório: no estudo realizado observa-se uma fratura aguda cominutiva atingindo a região média e superior da diáfise umeral do lado esquerdo. Observa-se material de síntese cirúrgico correspondente com cavilha intramedular comprida com parafusos de fixação distal e proximal. O parafuso distal está a cerca de 7 cm do rebordo ósseo condilar no limite da entrelinha articular radio-umeral, segundo a medição comparativa com a escala presente no estudo radiológico. O eixo longitudinal ósseo está reposto. Observa-se um normal relacionamento das superfícies articulares da cabeça umeral e cavidade glenoideia. Fratura simples do décimo arco costal esquerdo. Sem outros achados de relevância clínica. Foi observada pelo médico réu, pelas 15H30. A situação mantinha-se nos dias 27 e 28. Foi observada pelo médico réu que deu indicação para colocar tala imobilizadora de punho, como recomendado, mantendo suporte de braço, facto que foi classificado como complicação da cirurgia que de facto é. Cumpriu crioterapia. Teve alta no dia 28.
57. O médico réu fez a prescrição externa que segue: ultramidol, ananase, zaldiar, pregabalina (substância utilizada contra a dor neuropática) e vimovo, conforme fls. 104 v. (arts. 16.º da petição inicial, 79.º e 80.º da contestação do réu BB e art. 5.º do Código de Processo Civil) e fez um pedido de exame para que esta realizasse uma eletromiografia (incluindo velocidades de condução) no dia 04 de agosto, com a seguinte informação clínica: “status pos encavilhamento fechado do úmero esquerdo com sinais de paresia do radial. Avaliação do tipo de compromisso”.
58. A mão depende do nervo radial e do nervo cubital para funcionar em pleno, dividindo-se estes dois nervos na importância que têm nos movimentos da mão.
59. Os axónios são as extensões das células do sistema nervoso central responsáveis por levar os impulsos elétricos às unidades motoras dos órgãos recetores; a sua lesão é classificada como axonotemese quando há rutura dos axónios, mas ainda assim é mantida a integridade da bainha do nervo; e como neurotmese quando há rutura parcial ou completa dos axónios e da bainha que os envolve. No primeiro caso, axonotemese, a recuperação espontânea é possível, mas pode demorar de meses até um ano e no segundo, não é expectável uma recuperação espontânea, situação em que será necessária uma intervenção cirúrgica.
60. Na realização da cirurgia foi lesado o nervo radial – fls. 296 v. (art. 52.º da petição inicial). O parafuso inferior colocado lesou o nervo radial involuntariamente, embora o mais frequente seja o nervo ser apanhado pelo movimento rotativo da broca e não durante a introdução do parafuso – fls. 297 v. O nervo radial aflora a porção lateral do úmero a 10.5+/1.3 cm da porção proximal da fosseta oleocraniana e atravessa o septo sempre acima dos 7.5 c, da linha articular distal do úmero. A localização exata varia de pessoa para pessoa – fls. 298 v.
61. A paresia do nervo radial constitui uma complicação bem reconhecida nestas fraturas não só pela variação da localização, mas sim pelo seu trajeto à volta do úmero e passagem no septo intermuscular o que a torna particularmente vulnerável, ocorrendo tanto em cirurgia aberta como fechada – fls. 298 v. A lesão secundária do nervo radial reportado na literatura varia entre 6% e 32%. Existe elevada percentagem de recuperação verificada nas lesões do nervo radial no contexto de fratura do úmero: vários cirurgiões optam por aguardar (com taxas de recuperação de 75%) enquanto outros, sobretudo em lesões secundárias como esta, optam por explorar o nervo precocemente (com taxas de recuperação de 88%) – fls. 297. Não ocorrendo neurotemese do nervo radial, os sintomas regridem e a recuperação pode demorar de vários meses a um ano – fls. 299.
62. A lesão do nervo radial é uma complicação das fraturas diafisárias do úmero quer em situações cirúrgicas quer em situações não cirúrgicas – fls. 108 v. O período expectável para a recuperação de uma contusão do nervo encontra-se bem reportado na literatura e varia entre 3 e 12 meses com a grande maioria a mostrar sinais de recuperação aos 6 meses.
63. Do ponto de vista de redução e estabilização da fratura, o réu médico aplicou bem a técnica com uma excelente redução da fratura (…) não conseguiu evitar a lesão iatrogénica do nervo radial aquando do bloqueio distal da cavilha. A secção do nervo, não sendo uma complicação frequente, pode ocorrer em determinadas localizações onde não é possível determinar com certeza o trajeto do nervo, podendo a dissecação aberta diminuir esse risco.
64. No dia 3 de Agosto de 2017, a autora deslocou-se a consulta, tendo o médico referido que a recuperação levaria cerca de 3 a 12 meses com fisioterapia que anotou: status pós encavilhamento aparafusado do úmero esquerdo com lesão do radial. Ferida cirúrgica ok.
65. No dia 7, a autora submeteu-se ao exame solicitado, devido à preocupação revelada pela autora do membro superior esquerdo para obter alguma informação adicional que pudesse tranquilizar a autora, embora fosse ainda muito cedo para uma avaliação fidedigna do estado do nervo radial, o qual foi realizado pelo Dr. EE que concluiu: plexopatia braquial E – cordão posterior (envolvimento do n. radial e axilar) – por lesão axonotmética parcial. Ainda numa fase muito precoce para avaliação neurofisiológica, contudo já se encontra alguma atividade de desnervação ativa – fls. 273.
66. No dia 10, no Hospital, a autora foi observada pelo médico réu apresentando EMG confirma VCS mantida. Pede-se observação por fisiatria para eventual prescrição de tratamentos.
67. No dia 31 de Agosto, fez EMG do membro superior esquerdo e o Dr. EE concluiu: estudo eletromiográfico sugestivo de plexopatia braquial E – cordão posterior, por lesão axonotmética parcial - em relação ao exame anterior já com evidência de reinervação precoce e escassa e ligeira atividade de desnervação ativa nos músculos proximais (deltoide e tricipede braquial) contudo os músculos distais (extensor comum dos dedos e braquiorradial) com intensa desnervação ativa, não se verificando qualquer recrutamento de unidades motoras ao nível do extensor comum dos dedos – fls. 106 v./107/276. O relatório aponta para uma lesão elerofisiológica grave e não secção anatómica parcial ou total – fls. 299. O músculo braquiorradial é um dos músculos do antebraço inervado pelo nervo radial e vascularizado pela artéria recorrente radial; e é o primeiro nervo a dar sinais de recuperação após lesão do nervo radial.
68. Entretanto, o réu médico não mais observou a autora por esta não o ter mais procurado.
69. No dia 7, preocupada que estava com o facto de ter a mão paralisada e temendo pela sua reabilitação, a autora fora a uma consulta de medicina geral na Clínica 1
70. A autora procurou o Dr. FF, Ortopedista no Hospital 10, especialista de doenças dos ossos, músculos e tendões, fratura dos ossos no adulto, lesões do cotovelo, lesões do ombro, tendinite, com as seguintes áreas de diferenciação cirurgia do ombro, artroscopia, traumatologia desportiva do membro superior.
71. No dia 16 de Agosto, a autora deslocou-se a uma consulta com o Dr. FF, no Hospital 10, em ..., o qual, após examiná-la pediu que lhe fosse realizado um RX convencional.
72. Nesta consulta, o Dr. FF prognosticou um primeiro indício de melhoria na mão e nos dedos apenas a partir do 3.º ou 4.º mês de fisioterapia, com uma recuperação total ao fim de um ano, e aconselhou a autora um fisioterapeuta de ..., Dr. GG. Prescreveu tratamentos de fisioterapia à autora, na expetativa de que o nervo radial fosse recuperando a sua função, melhorando o desempenho do punho da mão esquerda: tratamento conservador do nervo radial, através de exercícios específicos de fisioterapia coordenados por um médico fisiatra.
73. No dia 19 de Agosto, a autora teve a primeira consulta no Hospital São Gonçalo de Lagos, com o fisiatra Dr. HH.
74. No dia 21 de Agosto, a autora iniciou a 1.ª série de fisioterapia na Clínica 2, com o fisioterapeuta GG, tendo concluído as primeiras sessões em 28 de Setembro de 2017.
75. No dia 12 de Outubro, a autora esteve presente no Hospital São Gonçalo de Lagos, para a 2.ª consulta com o fisiatra Dr. HH, que a informou que teria de fazer mais uma segunda serie de tratamentos de fisioterapia.
76. No dia 5 de Dezembro, a autora concluiu a segunda série de 15 sessões de fisioterapia.
77. No dia 7 de Dezembro, a autora esteve presente na terceira consulta com o médico especialista em medicina física e de reabilitação, Dr. HH.
78. Nessa altura, a autora apresentava limitação articular do ombro esquerdo e défice de força na zona da radial esquerda, tendo o médico pedido nova eletromiografia e mais quinze sessões de fisioterapia.
79. No dia 15 de Dezembro, no Hospital 9, a autora fez uma nova eletromiografia aos membros superiores ou inferiores, e de cujo relatório consta ausência de deteção do potencial sensitivo do nervo radial D; Intensa desnervação ativa nos músculos extensor comum dos dedos E e braquiorradial E não recrutando qualquer unidade motora no esforço voluntário máximo a sugerir um processo de desnervação completa; deteção de muita escassa atividade espontânea em repouso (ondas positivas e fibrilações) no músculo deltoide E. Sem qualquer melhoria em relação ao músculo extensor comum dos dedos e desta vez o músculo braquioradial não recrutou qualquer unidade motora sugerindo um processo de desnervação completa ao nível dos músculos distais inervados pelo nervo radial, mas sem referência a pedido urgente de reconstrução do nervo.
80. No dia 20 de Dezembro de 2017, a autora foi a uma consulta com o Dr. FF, no Hospital 10, em ..., onde fez um novo RX, de onde resulta o seguinte: o parafuso encontrava-se a 6.42 cm da interlinha articular, tendo por referência a dimensão do parafuso distal de bloqueio, com 3.9 mm de espessura como descrito na técnica UHN.
81. O Dr. Cartucho desconhecia a exata localização da lesão que se confirma com exames complementares e depois com a cirurgia.
82. Nesta consulta, o Dr. FF entregou à autora uma carta para ela levar ao Prof. II, cirurgião plástico de reconstrução dos nervos, a fim de ser agendada uma cirurgia com a intervenção destes dois médicos. Dizia: Caro II, a doente supracitada tem uma paralisia do radial, por cirurgia por # do úmero.
83. No dia 27 de Dezembro de 2017, a autora deslocou-se a consulta com o Prof. Dr. II, onde foram marcados os seguintes exames: uma Eco Partes Moles e uma Ressonância Magnética Plexo-Braquial, urgente, em pré cirurgia para observação exata do rompimento do nervo radial.
84. No dia 4 de Janeiro de 2018, foi entregue à autora o relatório de imagiologia com o resultado destes dois últimos exames, de onde se retira: nervo radial: observa-se no nervo radial distal a cerca de 4 cm proximalmente à interlinha articular do cotovelo uma lesão nodular em continuidade com o tronco nervoso sugestiva de neuroma com cerca de 14 mm de maior eixo e um aumento da área do nervo para 34 mm2. Continuidade do tronco do radial conservada. Esta área está em relação com a presença de parafuso distal na cavilha intramedular do úmero que exerce moldagem e conflito com o nervo radial (…) Atrofia marcada de grau 3 dos compartimentos musculares extensores dependentes do radial (…) Nervo mediano: sem alterações. Nervo cubital: sem alterações. Conclusão:1. Neuroma em continuidade do nervo radial distal em área onde se observa conflito com parafuso cirúrgico. 2. Plexo braquial sem alterações.
85. No dia 5 de Janeiro de 2018, a autora esteve em nova consulta com o Prof. Dr. II.
86. Nos dias 5, 6 e 8 de Janeiro, a autora realizou vários exames médicos pré-cirúrgicos solicitados pelo Dr. II.
87. No dia 16 de Janeiro, a autora foi submetida a nova intervenção cirúrgica no Hospital 10, em ..., efetuada pelo ortopedista Dr. FF, que procedeu à extração de cavilha do úmero esquerdo (cavilha e parafusos, que haviam sido colocada na 1.ª cirurgia efetuada em Lagos), tendo o Prof. Dr. Caneira reconstruído o nervo radial mediante enxerto de 3 nervos retirados da perna e pé da A. Dr. FF: “remoção de material de osteossíntese”; Prof. II: exploração de nervo radial que se verifica com secção completa ao nível da inserção de parafuso inferior de fixação de cavilha, excisão e neuroma e glioma até nervo viável e enxerto de 3 cabos denervo sural esquerdo para colmatar déficit de 3,5 cm. Hemostase cuidadosa. A cirurgia foi realizada na sequência de uma lesão iatrogénica descrita na literatura.
88. No dia 18, a autora teve alta de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva e Estética medicada com brufen (SOS), paracetamol (500 mg 8/8h) e tromboprofilaxia e com indicação para fazer mobilização sem esforço (fisioterapia diária para mobilização passiva e ativa assistida), manter mão e pé esquerdo elevados. Foi-lhe atribuída incapacidade laboral durante 3 semana.
89. A autora teve necessidade de recorrer à ajuda de uma canadiana.
90. No dia 24, a autora teve consulta pós-operatória de cirurgia plástica e reconstrutiva e estética, com o Prof. Dr. II.
91. Nessa consulta o Prof. Dr. II entregou à autora a “Informação Clínica” para fisioterapia de membro superior esquerdo, onde descreve o historial sobre o diagnóstico e a cirurgia.
92. No dia 1 de Fevereiro, a autora esteve na 4.ª consulta de Fisiatria com o Dr. HH, que lhe pediu a realização de vários tratamentos/fisioterapia.
93. A autora reiniciou as sessões de fisioterapia e realizou-as de 5 a 26 de Fevereiro.
94. No dia 27, a autora esteve na 5.ª consulta de Fisiatria com o Dr. HH, tendo o referido especialista pedido a realização de mais uma série de tratamentos/fisioterapia.
95. Nesse mesmo dia, a autora iniciou a 5.ª série de fisioterapia.
96. No dia 12 de Abril, a autora esteve numa consulta de cirurgia plástica e reconstrutiva com o Prof. Dr. II, no Hospital 10, em ..., que solicitou a realização de uma eletromiografia (4.ª) que a autora fez.
97. No dia 10 de Maio, a autora esteve numa consulta de Fisiatria (7.ª), no Hospital de S. Gonçalo, em Lagos, de onde consta o seguinte: limitação da abdução do ombro aos 80 ˚ e das rotações externa + e rotação interna ++. Parésia do radial, com limitação da extensão do punho e dedos. Tem tala de posicionamento do punho. Plano: confeção de tala dinâmica funcional do punho/mão por terapia ocupacional. 15 sessões de fisioterapia.
98. A autora realizou as sessões de fisioterapia de 14 a 29 de Maio.
99. No dia 10 de Maio, a autora procedeu à marcação dos seguintes exames pedidos: a) - Confeção de Ortóteses Dinâmica; b) – Sessão de Terapia Ocupacional; Terapia Ocupacional; d) – 7.ª série de fisioterapia.
100. No dia 17 de Maio, a autora esteve numa consulta de Fisiatria (8.ª), no Hospital de S. Gonçalo, em Lagos.
101. Nesse mesmo dia, procedeu também à marcação de nova sessão de fisioterapia (8.ª).
102. No dia 15 de Junho, a autora realizou o exame de eletromiografia no Hospital 10, em ..., em cujo relatório consta: interperetação: no estudo de condução nervosa salienta-se a ausência do potencial de ação sensitivo e diminuição da amplitude do potencial motor do nervo radial esquerdo. O estudo de condução nervosa dos nervos mediano (motora e sensitiva) e cubital (motora e sensitiva) do lado esquerdo é normal. No EMG de agulha, observam-se abundantes potenciais de fibrilação e ausência de atividade voluntária nos músculos braquiradial, extensor radial do carpo e extensor comumdos dedos. Nos músculos deltoide, tricípite braquial, pronator teres e primeiro interósseo dorsal, do lado esquerdo observam-se potenciais de unidade motora estáveis, de duração e amplitude normais, o padrão de recrutamento é normal e não se observa atividade patológica espontânea. Conclusão: Achados eletrofisiológicos no membro superior esquerdo compatíveis com lesão axonal do nervo radial esquerdo, no braço (entre os ramos para os músculos tricipite braquial e braquioradial), de gravidade severa (neurotemesis).
103. No dia 28 de Junho, a autora esteve em nova consulta de fisiatria (9.ª), na Santa Casa da Misericórdia de ....
104. Como consequência da lesão do nervo radial, a autora ficou com total incapacidade em pegar em qualquer objeto com a mão esquerda, pois, a mão caía desamparada e imóvel, com muito fraca mobilidade nos respetivos dedos.
105. A autora teve um período sem conseguir pintar, quer em razão da sua incapacidade física, quer em razão da consequente desmotivação que os constrangimentos dessa incapacidade lhe causaram.
106. Em razão desta incapacidade, a autora, que até então sempre cuidou da lide da casa sozinha, e do jardim, foi forçada a contratar a empregada por mais horas de modo a que a auxiliasse nas tarefas de higiene, lide da casa (limpeza e cozinha), jardinagem.
107. Embora a autora seja destra, a total incapacidade da sua mão esquerda impediu-a ou limitou-a na realização de tarefas de higiene pessoal, como lavar o cabelo e o corpo do lado direito, cortar as unhas da mão direita, vestir-se e calçar-se normalmente, sobretudo, quando na presença de botões e/ou colchetes, bem como de atacadores de sapatos e/ou botas, limpeza da casa, fazer a cama, lavar a loiça, lavar roupa e estendê-la, passar a ferro, preparar e cozinhar alimentos, cortar alimentos para comer (comer de faca e garfo), tratar do jardim, andar de bicicleta, e/ou conduzir o seu automóvel, além de exercer a atividade de arquiteta e de pintar que a realizavam pessoalmente e do ponto de vista económico.
108. A autora sofreu, pois, sentia-se uma inválida por não conseguir mexer a sua mão esquerda, e consequentemente estar privada de pintar.
109. Chorou muito e teve receio de nunca mais poder mexer a mão, e isolou-se socialmente.
110. A autora beneficiou da ajuda de várias amigas que a acompanharam na fase mais crítica, não apenas nas várias deslocações a consultas, exames e tratamentos, mas também no auxílio nas idas a outros locais.
111. Tudo, com uma enorme e desgastante carga emocional e traumática.
112. Em consequência das complicações da cirurgia, a autora sofreu um enorme desgaste e sofrimento, além da nova intervenção cirúrgica para reparação.
113. Caso a primeira cirurgia tivesse decorrido sem complicações, a autora já estaria recuperada da primeira lesão provocada pela queda no dia 5 de Julho de 2017 (previsão de engessamento mais 3 meses de fisioterapia).
114. No dia 25 de junho de 2020, a autora apresentava ainda as seguintes queixas: a nível funcional, sensação de “peso” desde o indicador e polegar até ao cotovelo; formigueiro e perda de sensibilidade na superfície cutânea inervada pelo radial. “Problema de circulação” que agrava com alteração do [tempo para] frio. Não consegue dormir em decúbito lateral esquerdo; a nível profissional e de formação, reformada de arquiteta na data da cirurgia (…) refere que não consegue usar o computador para fazer os desenhos relacionados com arquitetura. Ainda é pintora e dextra, referindo dificuldades quando tem de usar a mão esquerda para segurar a paleta. Refere que após a queda, esteve um ano sem poder pintar. A data da consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 29 de maio de 2018 – fls. 275, tendo sido valorizados os seguintes danos: défice funcional temporário total de 8 dias, tendo em conta os períodos de internamento, e parcial de 321 dias, considerando o restante período de tempo até à data de consolidação, em que foi submetida a tratamentos médicos (recuperação de cirurgias, fisioterapia); repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 329 dias; quantum doloris no grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade; défice funcional permanente da integridade físico-psíquica: parésia do nervo radial esquerdo (enquadrável no código Na0207) e limitação na mobilidade do ombro esquerdo (enquadrável no código Ma0207), num défice fixável em 11,8 pontos; repercussão permanente na atividade profissional: as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares; dano estético permanente fixável no grau 3 numa escala de sete graus (cicatriz da segunda intervenção).
115. Pode vir a ser necessária a realização de cirurgia de transferência tendinosa.
116. Com a consulta de 3 de Agosto de 2017, a autora despendeu € 3,99.
117. No dia 4 de Agosto, pela intervenção cirúrgica executada pelo médico réu, a autora pagou ao Hospital a quantia de € 474,50.
118. Na consulta de 7 de agosto, a autora despendeu a quantia de € 50.
119. Pelo exame realizado no dia 7, a autora pagou ao Hospital 9 a quantia de € 80.
120. Com a segunda eletromiografia de dia 31, a autora despendeu a quantia de € 80.
121. Pela consulta com o Dr. FF de Agosto de 2017 e com o exame/ RX, a autora pagou ao Hospital 10, a quantia de € 93,90.
122. Na consulta de 19 de Agosto, no Hospital São Gonçalo de Lagos, com o fisiatra Dr. HH, a autora despendeu a quantia de € 3,99.
123. Pela primeira série de sessões de fisioterapia, a autora despendeu a quantia de € 915.
124. Pela consulta de fisiatria de 12 de outubro, a autora pagou a quantia de € 3,99.
125. Pela segunda série de sessões de fisioterapia, a autora pagou a quantia de € 900.
126. Pela consulta de 7 de dezembro, a autora despendeu a quantia de € 3,99.
127. Com a eletromiografia de 15 de dezembro, a autora despendeu a quantia de € 80.
128. Pela consulta e exame/RX de 20 de dezembro, a autora despendeu a quantia total de € 83,90, a que acresceram as despesas com a sua deslocação de € 32,40, num total de € 116,30.
129. Com a deslocação e consulta de 27 de dezembro, a autora despendeu a quantia de € 31,90 e € 3,99, num total de € 35,89.
130. Com a consulta de 5 de janeiro de 2018, a autora despendeu a quantia de € 3,99 e € 24,70 com deslocações.
131. Com os exames dos dias 5, 6 e 8 de janeiro de 2018, a autora despendeu a quantia total de € 73.
132. Com a intervenção cirúrgica de 16 de janeiro, a autora despendeu a quantia total de € 1.140,22, a que acresceu ainda a quantia de € 14,50 em despesas de farmácia.
133. Pela canadiana a autora pagou a quantia de € 16,48.
134. Pela consulta de 24 de janeiro, a autora despendeu mais € 3,99 – fls. 43.
135. Com a consulta de dia 1 de fevereiro, a autora despendeu a quantia de € 3,99.
136. Com a fisioterapia de 9 a 26 de fevereiro, a autora despendeu mais € 21,45.
137. Com a consulta de 27 de fevereiro, a A. despendeu a quantia de € 3,99, a que acresceram despesas com a deslocação de € 32,40, num total de € 36,39.
138. No dia 17 de Março, a autora deslocou-se a consulta de fisiatria no Hospital de S. Gonçalo, em Lagos, com a qual despendeu € 3,99.
139. No dia 27 de Março, despendeu com sessões de fisioterapia a quantia de € 36,60 ao Hospital de S. Gonçalo, em Lagos.
140. Com a consulta de dia 12 de Abril, a autora despendeu a quantia de € 3,99.
141. Com a consulta de dia 10 de Maio, a autora despendeu a quantia de € 3,99.
142. No dia 10 de Maio, a autora liquidou àquele Hospital uma fatura de € 26,74 relativa à 6.ª série de fisioterapia.
143. No dia 14 de Maio, a autora despendeu com prótese de terapia ocupacional a quantia de € 80, e no dia 30, a quantia de € 217,23 com a 7.ª série de fisioterapia.
144. Com a consulta de dia 17 de Maio, a autora despendeu a quantia de € 3,99.
145. Com a sua deslocação a Lisboa e regresso a Lagos no dia 15 de Junho, a autora despendeu a quantia de € 16,70 e € 15,70 em comboio, e ainda a quantia de € 10,25 e € 7,65 com serviço de táxi em Lisboa, tudo no total de € 52,30 em transportes.
146. Com a consulta de dia 28 de Junho, a autora despendeu a quantia de € 3,99.
147. No dia 5 de Julho, a autora despendeu a quantia de € 34,58 com a 8.ª série de fisioterapia.
Foi dado como não provado que:
1º- Que na consulta ou antes da cirurgia, o médico tivesse chamado a atenção da autora para os riscos específicos e eventuais complicações da cirurgia a que iria ser submetida, especificando, em concreto, a possibilidade de lesão do nervo radial e concretas consequências na vida da paciente.
2º - Que não tenham sido praticadas as melhores artes médicas no sentido estrito, na intervenção cirúrgica propriamente dita.
3º - Que a segunda cirurgia não tenha resultado.
4º - Que a grande maioria dos danos ocorridos adviriam sempre da queda de 5 de Julho de 2017 e que deu causa ao tratamento.
5º - Quais os montantes pagos pela autora à empregada doméstica após a realização da cirurgia.
6º - Quais os concretos montantes por que vendeu os seus quadros no passado.
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.
Fundamento para a declaração de nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil. Conclusão extraída pelo Tribunal da Relação de Évora no sentido de que a temática respeitante à ausência de prestação de consentimento informado da paciente (incluindo a respectiva alegação de facto) não integrava a causa de pedir formulada pela A., o que foi determinante para a decisão de improcedência da presente acção.
Passemos à sua análise:
Assiste razão à recorrente.
Na sua petição inicial a A. fez questão de alegar discriminadamente no respectivo artigo 90º:
“Como consequência directa da conduta do 2º R., designadamente das más práticas médicas e do facto de ter omitido à A. os aspectos menos positivos do tratamento que lhe aplicou, e que, a levariam a recusar essa terapêutica, caso tivesse deles conhecimento, convencendo-a que era uma intervenção segura, a A., para além dos danos morais antes descritos, tem sofrido na sua esfera jurídica avultados prejuízos patrimoniais, os quais merecem a tutela do Direito”.
(Sublinhado nosso).
Esta mesma alegação de facto, absolutamente clara e linear, conjuga-se, aliás e coerentemente, com o afirmando pela mesma A. no artigo 8º da dita peça processual, no qual se refere que “Nessa consulta, o Dr. BB transmitiu à A. que a única solução para evitar o desconforto e as dores causadas pelo lastro no cotovelo, era submetê-la a intervenção cirúrgica, e que, com essa cirurgia ficaria curada após três meses de fisioterapia”.
Cumpre outrossim salientar a este propósito que o próprio R. BB bem compreendeu o contexto e o exacto sentido dessa alegação que lhe era dirigida, tendo-lhe respondido especificadamente, no exercício do seu direito de defesa, no artigo 62º da contestação onde consignou que “E, reitera-se que o ora contestante informou a Autora das possíveis complicações da cirurgia…”.
Para além do que, sobre a mesma matéria, o demandado deixou expresso no artigo 235º da sua contestação, onde – entendendo perfeitamente o alcance da causa de pedir com que era confrontado pela demandante, sua paciente – respondeu “…documentou, desde o início, toda a situação relativa à complicação pós-operatória nunca omitindo nada e mostrando a sua atenção para as complicações pós-operatórias que sabe poderem advir daquele tipo de cirurgia”.
Ou seja, a simples leitura dos articulados é por si só suficiente e inequívoca para se poder concluir, com toda a segurança, que a causa de pedir nos presente autos englobou a questão da falta de consentimento informado que a A. refere, imputando-a ao R. BB enquanto profissional médico que lhe propunha determinada terapêutica notoriamente invasiva, tendo que este refutado, em contrapartida, o invocado incumprimento desse seu dever deontológico.
Assim sendo, importa concluir que o pedido indemnizatório formulado nestes autos assenta igualmente nos factos alegados pela A. que visaram demonstrar que o A., enquanto profissional médico, não a informou quanto às eventuais consequências gravosas que poderiam decorrer da intervenção cirúrgica que efectuou, e a que esta se submeteu, retirando-lhe desta forma a possibilidade de, em momento prévio, ponderar conscientemente, sopesando os riscos, a sujeição, ou não, ao tratamento concretamente proposto, perante o quadro hipotético que deveria ter-lhe sido colocado em equação.
Não pode, portanto, sobrar o menor tipo de dúvida a este respeito, não fazendo sentido – por não ser verídica - a invocação de que tal materialidade não faz parte da causa de pedir exposta na presente acção.
A esta mesma conclusão aliás chegou, com toda a naturalidade e clarividência, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22 de Março de 2023, tendo nele sido escrito eloquentemente a esse propósito:
“2.2. Apreciação do objeto dos recursos
No recurso interposto pelo 2.º réu, ao qual aderiu o 1.º réu, vem peticionada a anulação da decisão recorrida para ampliação da matéria de facto, com fundamento na consideração de factualidade integradora de tema da prova não enunciado, relativo à invalidade do consentimento prestado pela autora.
Sustenta o apelante que a 1.ª instância, sem prévia comunicação às partes, operou uma ampliação da matéria de facto respeitante ao consentimento prestado pela autora, relativamente à qual ficaram as partes impedidas de exercer o contraditório e de requerer a produção de novos meios de prova.
Vejamos se lhe assiste razão.
Pretende a autora, com a presente ação, obter a condenação dos réus ao pagamento de indemnização pelos danos emergentes de intervenção cirúrgica a que foi submetida no dia 25-07-2017, no contexto que descreve, realizada pelo médico 2.º réu no hospital 1.º réu.
A autora, no artigo 90.º da petição inicial, imputa ao médico 2.º réu, além do mais, o facto de ter omitido ao A. os aspetos menos positivos do tratamento que lhe aplicou, e que, a levariam a recusar essa terapêutica, caso tivesse deles conhecimento, convencendo-a que era uma intervenção segura.
Na contestação de apresentou, o 2.º réu alegou, além do mais, o seguinte:
(…)
62 - E, reitera-se, o ora contestante informou a Autora das possíveis complicações da cirurgia, razão pela qual havia concordado com o Dr. CC quando este o contactou para discutir o caso, antes da aplicação do tratamento conservador.
63 - Ainda assim, esclarecida acerca das possíveis complicações, a Autora, alegando sempre a maior dificuldade em suportar a imobilização gessada, decidiu optar pela cirurgia.
(…)
Encontra-se consignada na parte final deste último ponto de facto uma menção ao artigo 5.º do CPC, preceito que, sob a epígrafe Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal, dispõe o seguinte:
1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Regulando os poderes de cognição do tribunal em matéria de facto, o n.º 2 deste preceito permite a consideração pelo juiz, além dos factos articulados pelas partes, de determinados factos não alegados, a saber: a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Em anotação ao indicado preceito, explicam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 27) o seguinte: «Na sentença, no segmento em que se pronuncia sobre os factos provados e não provados (para além de integrar os factos notórios ou que tenham sido revelados ao tribunal por força do exercício das suas funções), o juiz deve ponderar, mesmo oficiosamente, os factos complementares (constitutivos do direito ou integradores da exceção, embora não identificadores dos mesmos) e os factos concretizadores de anteriores afirmações de pendor mais genérico que tenham sido feitas, acautelando substancialmente o exercício do contraditório (arts. 607º, nºs 3 a 5, e 5º, nº 2, al. b))». No que respeita à concessão às partes da possibilidade de se pronunciarem nos termos da al. b) do n.º 2, defendem os autores (ob. cit., p. 29) que «o juiz deve anunciar às partes, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto», posição que entendem «consentânea com os princípios processuais e designadamente com a proibição de decisões-surpresa».
Face ao objeto da ação e à fundamentação em que se baseia a pretensão deduzida pela autora, verifica-se que a factualidade relativa à atuação do 2.º réu configura um dos elementos essenciais que integram a causa de pedir, cuja alegação cabe à autora, conforme decorre do n.º 1 do citado preceito, bem como da alínea d), do n.º 1, do artigo 552.º do mesmo código, relativo aos requisitos da petição inicial (com a redação seguinte: 1 - Na petição, com que propõe a ação, deve o autor: (…) d) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir…).
Extrai-se da alegação constante do citado artigo 90.º da petição inicial – na parte em que se afirma ter o 2.º réu omitido ao A. os aspetos menos positivos do tratamento que lhe aplicou, e que, a levariam a recusar essa terapêutica, caso tivesse deles conhecimento, convencendo-a que era uma intervenção segura – a imputação ao médico réu da omissão de informações relativas aos riscos próprios da intervenção cirúrgica pelo mesmo proposta à autora, isto é, de informações que habilitassem a autora, como paciente, a decidir fundadamente se queria submeter-se à aludida intervenção médica.
O indicado segmento do artigo 90.º da petição inicial contém uma alegação de conteúdo genérico, verificando-se que os factos julgados provados sob os pontos 41 a 44 de 2.1.1. poderão considerar-se complementares ou concretizadores de tal alegação.
Conforme decorre da alínea b) do n.º 2 do citado artigo 5.º, pode o juiz, oficiosamente, considerar na sentença factos complementares ou concretizadores dos alegados pelas partes, desde que resultem da instrução da causa e que as partes sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar”.
Nesta sequência, a anulação da decisão recorrida determinada no dito acórdão (de 22 de Março de 2023) apenas teve lugar pela circunstância de se haver entendido – bem ou mal - que a ampliação da matéria de facto quanto à causa de pedir expressa nos artigos que referencia, no que se refere à falta de consentimento informado da paciente, não fora atempadamente comunicada ao R., com vista ao pleno exercício do contraditório por parte deste, em obediência do princípio geral consagrado no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Assim sendo, não pode deixar de revelar alguma estranheza o facto de o mesmo Tribunal da Relação de Évora (composto por dois dos ilustres juízes desembargadores que intervieram na anterior decisão), no seu acórdão de 12 de Setembro de 2024 – o ora acórdão recorrido - haver chegado à conclusão totalmente oposta à extraída no antecedente, deixando consignado sobre este ponto:
“É certo que a matéria da informação prestada à autora previamente à realização da cirurgia foi introduzida nos autos na petição inicial, em cujo artigo 90.º a autora imputa ao médico 2.º réu, além do mais, o facto de ter omitido ao A. os aspetos menos positivos do tratamento que lhe aplicou, e que, a levariam a recusar essa terapêutica, caso tivesse deles conhecimento, convencendo-a que era uma intervenção segura.
Porém, a pretensão indemnizatória não foi deduzida com base em tal fundamento, conforme claramente se extrai dos supra transcritos artigos da petição inicial, nem se vislumbra que tenha a autora requerido qualquer ampliação subsequente da causa de pedir.
Em conclusão, verifica-se que a 1.ª instância conheceu de causa de pedir não invocada pela autora, questão da qual não podia tomar conhecimento, nela tendo baseado a condenação proferida.
Ao conhecer de causa de pedir não invocada pela autora, nela baseando a parcial procedência da pretensão indemnizatória deduzida, a 1.ª instância apreciou questão de que não podia tomar conhecimento, o que configura a causa de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, invocada pelo 2.º réu recorrente.
Procedendo a arguição de nulidade da decisão recorrida, por excesso de pronúncia, na parte relativa ao conhecimento de causa de pedir não invocada e consequências daí decorrentes, cumpre atender à regra da substituição ao tribunal recorrido estatuída pelo artigo 665.º do CPC, cujo n.º 1 dispõe que ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”.
Ou seja, depois de o Tribunal da Relação de Évora haver afirmado assertivamente no primeiro acórdão que:
“Face ao objeto da ação e à fundamentação em que se baseia a pretensão deduzida pela autora, verifica-se que a factualidade relativa à atuação do 2.º réu configura um dos elementos essenciais que integram a causa de pedir, cuja alegação cabe à autora (…) Extrai-se da alegação constante do citado artigo 90.º da petição inicial – na parte em que se afirma ter o 2.º réu omitido ao A. os aspetos menos positivos do tratamento que lhe aplicou, e que, a levariam a recusar essa terapêutica, caso tivesse deles conhecimento, convencendo-a que era uma intervenção segura – a imputação ao médico réu da omissão de informações relativas aos riscos próprios da intervenção cirúrgica pelo mesmo proposta à autora, isto é, de informações que habilitassem a autora, como paciente, a decidir fundadamente se queria submeter-se à aludida intervenção médica” (…)O indicado segmento do artigo 90.º da petição inicial contém uma alegação de conteúdo genérico, verificando-se que os factos julgados provados sob os pontos 41 a 44 de 2.1.1. poderão considerar-se complementares ou concretizadores de tal alegação”, veio no segundo aresto, em total e aberta contradição com o antes afirmado, a concluir que:
“a pretensão indemnizatória não foi deduzida com base em tal fundamento (…) nem se vislumbra que tenha a autora requerido qualquer ampliação subsequente da causa de pedir”.
De resto, se não tivesse considerado haver sido devidamente trazida a juízo, em termos processuais, a questão da falta de consentimento informado da paciente – e ainda que genericamente alegada na petição inicial –, integrando desse modo a causa de pedir, não faria então, nessas circunstâncias, o menor sentido a anulação da sentença recorrida para exercício do contraditório sobre tal temática, competindo apenas nesse caso julgar desde logo totalmente improcedente a presente acção por ausência de causa de pedir, como é lógico e absolutamente incontornável (sendo certo que o recurso de apelação entretanto interposto tinha unicamente como objecto a discussão em torno da temática da falta de consentimento informado e não sobre a responsabilidade médica por violação das legis artis – definitivamente dada como não provada).
E como se disse, afigura-se-nos que os factos relativos à falta de consentimento informado da paciente foram oportunamente alegados pela A., fazendo parte da sua causa de pedir, inexistindo assim qualquer nulidade da sentença de 1ª instância por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Cumpre salientar outrossim que a conclusão – que se afirma - de que essa questão jurídica (a falta de prestação de consentimento informado como fundamento da pretensão indemnizatória) foi devidamente trazida a juízo através dos factos alegados na petição inicial não implica necessariamente que, no âmbito da sua subsunção jurídica atinente ao respectivo enquadramento legal, tenha necessariamente de afirmar-se (no acórdão a proferir) a verificação do incumprimento por parte do Ré médico (podendo a acção vir a ser julgada procedente ou improcedente em conformidade com a pronúncia jurídica que o Tribunal da Relação de Évora tiver por pertinente).
Tudo dependerá do conhecimento do mérito da causa sobre tal matéria (única ainda em discussão) que deverá ser escrupulosamente realizado e onde se concluirá, ou não, pela suficiência desses factos para a demonstração do ilícito gerador do direito indemnizatório de que a A. se arroga.
O que não se pode aceitar é a (contraditória) postura de evitar esse mesmo conhecimento de mérito quando dos factos em causa – ainda que em moldes algo genéricos, reconheça-se – foram efectivamente alegados pela demandante, encontrando correspondência na factualidade dada como provada e não provada (vide inequivocamente o que consta dos factos provados nºs 41, 42, 43 e 44 e não provado nº 1º).
De notar, finalmente, que a não inclusão dessa mesma questão de facto e de direito nos Temas da Prova, aquando do saneamento dos autos, tal como suscitado pelo Réu, não releva, tendo em atenção que já foi devidamente exercido o contraditório sobre essa mesma matéria.
Como é sabido, a organização dos Temas de Prova reveste carácter meramente instrumental e puramente organizador – tratando-se apenas de um guião de cariz prático e orientador da discussão da causa -, não constituindo caso julgado formal e permitindo por isso mesmo a discussão de outros factos alegados pela parte que sejam integrantes da sua causa de pedir, embora tenham sido omitidos na enunciação genérica realizada naquela peça processual, desde que cumprido o devido contraditório.
(Neste mesmo sentido, vide:
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de STJ 6 Novembro 2018 (relator Pinto de Almeida), proferido no processo nº 2790/16.0T8VFX.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se sublinhou que:
“Os temas de prova não podem ter por função excluir a produção de prova sobre os factos relevantes alegados pelas partes (ou que resultem da instrução), sob pena de o sistema se revelar mais rígido e inflexível que o anterior (base instrutória) que, por esse motivo, se pretendeu afastar.
O objectivo do legislador foi, precisamente, o de libertar a instrução de peias formais, assegurando uma ampla e livre investigação sobre toda a matéria de facto pertinente.
É o que se afirma na Exposição de Motivos que antecedeu a Proposta de Lei 113/XII:
"Relativamente aos temas de prova a enunciar, não se trata mais de uma quesitação atomística e sincopada de pontos de facto, outrossim de permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos. Estamos perante um novo paradigma que, por isso mesmo, tem necessárias implicações", designadamente "na eliminação de preclusões quanto à alegação de factos (…)".
Os temas de prova têm, assim, conteúdo meramente orientador da ulterior actividade instrutória, que vai ter por objecto todos os factos relevantes que carecem de prova.
Objecto de prova são os factos, não os temas; estes podem, aliás, integrar, como se tem entendido, conceitos de direito e conclusivos, que não poderão constar da decisão que vier a ser proferida.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 Dezembro 2021 (relatora Clara Sottomayor), proferido no processo nº 2952/15.7T8FNC.L2.S1., onde se conclui, seguindo a jurisprudência firmada neste tribunal de cúpula do sistema judiciário que: “tanto o despacho de identificação do objeto do litígio, como o da enunciação dos temas da prova não formam caso julgado formal, podendo ser modificados posteriormente”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 Junho 2016 (relator Olindo Geraldes), proferido no processo nº 3296/11.9TBLLE.E1.S1., publicado in www.dgsi.pt, onde se enfatizou que:
“Trata-se de matéria inovadora introduzida pelo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, em vigor desde 1 de setembro de 2013.
A identificação do objeto do litígio, que neste âmbito constitui a principal inovação, é tida pela doutrina, como sendo a “enunciação dos pedidos deduzidos (objeto do processo) sobre os quais haja controvérsia” (J. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, 3.ª edição, 2013, pág. 198).
Esta identificação do objeto do litígio afigura-se insuficiente, porquanto deixa de fora a causa de pedir e, eventualmente, a matéria de exceção.
Na verdade, extrapolando do disposto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, o objeto do litígio coincide com as questões que as partes submetem à apreciação do juiz, delimitadoras dos seus poderes de cognição (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso), nomeadamente das questões consubstanciadas no pedido, causa de pedir e matéria de exceção.
A identificação do objeto do litígio, tendo em conta os pressupostos em que assenta, tem como finalidade esclarecer as partes, depois dos articulados e antes da instrução, dos termos precisos da controvérsia da ação, de modo a potenciar uma melhor e mais esclarecedora discussão dos termos da causa.
No entanto, o despacho de identificação do objeto do litígio, servindo apenas para delimitação da controvérsia da ação, não atribui nem retira direitos às partes, sendo certo ainda que a omissão ou o excesso de pronúncia provoca a nulidade da decisão nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Por outro lado, a enunciação dos temas da prova, que substituiu a anterior base instrutória, que, por sua vez, já tinha substituído o questionário, corresponde genericamente à enumeração das questões de facto fundamentais controvertidas (J. LEBRE DE FREITAS, Ibidem, pág. 197).
A partir dos factos controvertidos que corporizam a causa de pedir e as exceções, procede-se à sua enumeração, delimitando a matéria objeto da instrução, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Apesar de certa desvalorização e também alguma indefinição, a enunciação dos temas da prova constitui um ato processual relevante, nomeadamente pela definição do objeto da instrução e por poder facilitar a disciplina da audiência, bem como o julgamento da matéria de facto, o qual, naturalmente, requer um cuidado extremo, de modo a obter-se a justa composição do litígio e, assim, legitimar e prestigiar a administração da justiça, pilar fundamental do Estado de Direito.
A identificação do objeto do litígio, por sua vez, sendo meramente enunciativa, não atribui nem retira direitos às partes e, como tal, não decide qualquer relação processual, sendo certo ainda que as questões a resolver na ação resultam da alegação deduzida nos seus articulados.
Por isso, o despacho de identificação do objeto do litígio, correspondente ao alegado nos articulados, designadamente na petição inicial, não chega a constituir caso julgado, podendo a sentença, quanto ao objeto da ação, ir além daquele despacho, se o conteúdo dos articulados o permitir, na medida em que são os mesmos que delimitam os poderes de cognição do tribunal, independentemente da identificação do litígio que tenha sido declarada, embora esta, observando a disciplina processual, deva corresponder inteiramente à alegação dos articulados.
Por outro lado, relativamente à enunciação dos temas da prova também esta não forma caso julgado, pois pode ser modificada posteriormente.
Aliás, nem mesmo a especificação, existente até 1996, formava caso julgado, por poder ser modificada até à decisão final, conforme se decidiu no assento (equivalente ao atual acórdão uniformizador de jurisprudência) do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de maio de 1994 (BMJ n.º 437, pág. 35).
Nestas circunstâncias, podemos concluir que tanto o despacho de identificação do objeto do litígio como o da enunciação dos temas da prova, podendo ser modificados posteriormente, não formam caso julgado formal”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 Maio 2018 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 3811/13.3TBPRD.P1.S1., publicado in www.dgsi.pt, onde se consignou que:
“Factos provados são os factos concretos assim julgados, na sentença final, após exame crítico das provas e não os factos tidos como assentes no despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Significa isto que, ainda que se admita não haver obstáculo a que o juiz, no âmbito do novo Código de Processo Civil, continue a proferir despacho de fixação da matéria de facto considerada assente, é inquestionável que tal despacho não pode deixar de ser visto como um “guião” ou mero “suporte de trabalho” para o julgamento, pelo que, mesmo depois de decididas as reclamações contra ele apresentadas, não se forma caso julgado formal sobre ele, podendo, por isso, os factos dados como assentes ser alterados pelo juiz do julgamento e/ou pelo juiz do tribunal de recurso”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 Outubro 2024 (relatora) Paula Leal de Carvalho, proferido no processo nº 407/19.0T8PRG.G1.S1., publicado in www.dgsi.pt onde se pode ler:
“a enunciação dos temas da prova não constitui decisão que faça caso julgado formal, dizendo, a este propósito António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pp. 754/755, em anotação ao art. 596º, que:
«21. Com as devidas adaptações, permanece válida a jurisprudência que foi fixada pelo Assento nº 14/94: “No domínio da vigência do CPC de 1939 e 1961 (considerado este último antes e depois da reforma nele introduzida pelo DL nº 242/85, de 9.7), a especificação, tenha ou não havido reclamação, tenha ou não havido impugnação do despacho que as decidiu, pode sempre ser alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio”. Ou seja, a enunciação dos temas da prova não corresponde a nenhuma decisão definitiva no processo, que adquira força de caso julgado formal (STJ 20.1.22, 1084/12, STJ 12-12-21, 2952/15)”.
Pese embora a diferença entre a então (no CPC revogado) designada “especificação” e “questionário” e a atual identificação dos “temas da prova”, esta caraterizada por uma muito maior flexibilidade, não deixa de, por maioria de razão, se poder fazer a analogia com o entendimento sufragado no acima mencionado “Assento” no sentido de que a mera indicação dos temas da prova não faz caso julgado formal, não obstando a que os factos que tenham sido admitidos por acordo das partes nos articulados devam ser tidos em conta na sentença (art. 607º, nºs 4 e 5, do CPC)”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 Janeiro 2022 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), proferido no processo nº 1084/12.4TBPTL.G1.S1., pulicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:
“A enunciação dos temas da prova – sucessores, do ponto de vista da função desempenhada, do questionário e da base instrutória – não é mais do que a elaboração de uma peça instrumental, preparatória, das fases processuais que se seguem, no modelo de acção declarativa comum desenhado pelo Código de Processo Civil de 2013: a produção de prova e o julgamento da matéria de facto, hoje constante da sentença (cfr. artigo 607.º do Código de Processo Civil). Tal como a elaboração do questionário e da base instrutória, assenta na ideia de que é útil a concentração da matéria de facto controvertida, mas sem corresponder a uma lista de factos a provar. Como se escreveu na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII/2.º (GOV) apresentada à Assembleia da República, “Relativamente aos temas da prova a enunciar, não se trata mais de uma quesitação atomística e sincopada de pontos de facto, outrossim de permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Quando, mais tarde, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos.”
Não ficaram no Código, nem a referência às questões essenciais de facto, como sugerido pela Comissão de Revisão a quem o Ministério da Justiça incumbiu de preparar um projecto de alteração do Código de Processo Civil de 1961 – que acabou por ser transformado numa proposta de um novo Código e como tal foi apresentada na Assembleia da República – , nem a definição de regras directas para a sua enunciação; a verdade, porém, é que a ligação aos factos a provar e as linhas orientadoras da forma como os temas da prova devem ser enunciados podem e devem retirar-se da regulamentação de matérias directamente relacionadas com a sua função (cfr. a conjugação entre o n.º 1 do artigo 596.º e o artigo 410.ºdo Código de Processo Civil, da qual se pode deduzir que se trata de uma selecção de questões que englobam os factos controvertidos a provar e a julgar, definidas de forma mais ou menos genérica ou concretizada).
Assim, e quanto ao que agora releva, importa realçar que, sejam enunciados de forma mais genérica ou de modo mais concretizado, como se disse, os temas da prova devem corresponder a questões de facto controvertidas que interessem à decisão da causa, perspectivada esta de modo a abranger as soluções de direito que forem plausíveis. Ou seja: devem ser formulados de forma a permitir que se produza prova sobre os factos que possam vir a ser relevantes, de acordo com as soluções plausíveis da questão de direito, o que implica tomar como referência de relevância as diversas normas que plausivelmente poderão vir a ser aplicadas.
Esta regra constava das normas relativas à elaboração do questionário e, posteriormente, da base instrutória e explicava-se, como todos sabemos, pelo objetivo de evitar a necessidade de voltar à elaboração destas peças sempre que o juiz a quem coubesse a elaboração da sentença, ou o tribunal de recurso, não acompanhassem o entendimento do juiz do processo quanto à solução de direito do caso a julgar e, por esse motivo, houvessem sido desconsiderados factos que afinal tinham de ser objecto de prova.
Ora o mesmo problema se pode colocar no âmbito do Código de Processo Civil de 2013: se “a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados”, tendo sido elaborada a correspondente selecção (n.º 1 do artigo 410.º do Código de Processo Civil), o objetivo de evitar retroceder no processo porque o tribunal de recurso discorda da solução de direito seguida em 1.ª Instância e carece de matéria de facto não compreendida nos temas da prova aconselha a que estes sejam enunciados tendo em conta as soluções plausíveis da questão de direito.
O caso presente ilustra bem estas afirmações, embora em sentido inverso, o que em nada afecta a correcção do raciocínio: a 1.ª instância considerou necessários factos que a Relação houve por denecessários (“Por isso entendemos que a matéria relativa à avaliação dos bens partilhados é inútil, pois, conhecendo a vontade real das partes, e existindo acordo no tocante à valorização das participações sociais nas sociedades de P…, de forma a igualar o seu valor com as participações sociais das sociedades de A..., não é necessário proceder a qualquer avaliação.”), tendo em conta as diferentes soluções de direito perfilhadas. Sempre subsistiria, aliás, a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça vir a considerar necessária a produção de prova sobre factos desconsiderados.
Como definição instrumental e preparatória das fases processuais que se seguem, os temas da prova – tal como sucedia com o questionário ou a base instrutória –. ou melhor, a sua enunciação, não corresponde a nenhuma decisão definitiva no processo, que adquira força de caso julgado formal (artigo 620.º do Código de Processo Civil). Não pode assim sustentar-se que a inclusão, nos temas da prova, da aferição “do concreto e real valor dos lotes que compõem cada um dos quinhões segundo os quais as partes acordaram proceder à partilha” signifique a obrigatoriedade, neste processo, de se considerar necessário apurar o concreto e real valor desses bens para a decisão da causa.
O Supremo Tribunal de Justiça já teve ocasião de se pronunciar neste mesmo sentido de não aquisição de força de caso julgado formal da decisão de enunciação dos temas da prova; assim, por exemplo, nos acórdãos de 12 de Junho de 2016, www.dgsi.pt, proc. n.º 3296/11.9TBLLE.E1.S1, de 27 de Abril de 2017, www.dgsi.pt. proc. n.º 1204/12.9TVLSB.L1.S1 ou de 8 de Janeiro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 4814/17.4T8GMR.G1.S1”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 Junho 2021 (relatora Clara Sottomayor), proferido no processo nº 15319/16.0T8PRT.P1.S1., publicado in www.dgsi.pt onde se consignou que:
“(…) o legislador do Novo CPC impôs a enunciação dos temas da prova no sentido de tão-somente o Tribunal dever apontar genericamente a controvérsia entre as partes sobre as matérias principais que constituirão objecto da instrução e julgamento da causa.
Nesta conformidade, ao enunciar genericamente o tema da prova atrás identificado, o Tribunal Recorrido não só não incorreu em qualquer vício de deficiência, excesso ou obscuridade, como, pela amplitude com que o formulou, visou permitir que a instrução da causa pudesse decorrer sem barreiras artificiais e sem quaisquer constrangimentos, procurando com isso assegurar a livre investigação de toda a matéria de facto com atinência para a decisão da causa.
Foi esse claramente o sentido da decisão do Tribunal Recorrido, pois que, como logo esclareceu, “toda a matéria alegada pelas partes que contenda com a efectiva medida do enriquecimento a devolver será apreciada pelo tribunal ainda que não conste expressamente do tema de prova, que se elaborou em termos genéricos”.
Pelo que a revista é concedida, com a anulação do acórdão recorrido, inexistindo qualquer nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, e devendo o Tribunal da Relação de Évora – como lhe compete – conhecer imediatamente do mérito da causa (que se circunscreve à temática da alegada falta de consentimento informado).
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em conceder a revista, anulando o acórdão recorrido e ordenando que o Tribunal da Relação de Évora conheça do mérito da causa nos termos supra definidos.
Custas pelos RR.
Lisboa, 28 de Janeiro de 2025.
Luís Espírito Santo (Relator)
Rosário Gonçalves
Teresa Albuquerque
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.