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PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
MEDIDA DE APOIO JUNTO DOS PAIS
RESIDÊNCIA HABITUAL DO MENOR
MUDANÇA PARA O ESTRANGEIRO
CESSAÇÃO
Sumário
1. A aplicação de uma medida provisória nos termos do artigo 35º n.2 e 37º da LPPCJP é, como o nome indica, provisória, temporária e meramente cautelar, cuja duração não pode exceder seis meses, devendo ser revista no prazo máximo de três meses, dado que é aplicada no decurso do processo para afastar a situação de perigo actual e iminente em que a criança se encontra, enquanto se fazem as diligências instrutórias necessárias à compreensão da situação do menor e da sua família e à definição do seu encaminhamento subsequente, com a aplicação de medida definitiva. 2. Nos termos do disposto pelo artigo 79º n.1 da LPPCJP, competente para a aplicação das medidas de promoção e proteção será o tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que é recebida a comunicação da situação ou instaurado o processo judicial. 3. Diz-nos depois o n.4 do artigo 79º (com a alteração da redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 142/2015, de 08 de Setembro, que aditou a expressão “não cautelar”) que: se, após a aplicação de medida não cautelar, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido à comissão de proteção ou ao tribunal da área da nova residência. 4. Neste conspecto, a jurisprudência anterior à dita alteração, defendia de modo uniforme, o que se mantém actual e como vimos clarificado na lei, que a alteração de “residência” do menor apenas releva para efeitos de remessa do processo para outro tribunal, se ocorrer (por mais de 3 meses) após a aplicação de uma medida definitiva, não abrangendo as medidas provisórias aplicadas no âmbito dos artigos 35º n.2 e 37º, considerando que a aplicação de tal excepção pressupõe uma situação de estabilidade e continuidade já suficientemente definida, o que não sucede com aquelas medidas. Pelo que, enquanto não for proferida uma decisão definitiva, continua a ser competente para os termos processuais o tribunal que decretou a medida provisória, a quem cabe controlar a sua execução e dirigir a processo de forma a ser tomada a decisão definitiva. 5. Os factores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses mostram-se elencados nos artigos 62.º e 63.º do CPC, sem prejuízo do estabelecido nas normas de direito internacional, bem como nas convenções internacionais ratificadas pelo Estado Português – cf. artigo 8.º da CRP (regime de receção automática), entre os quais os Regulamentos da Comunidade Europeia de que Portugal (como o Luxemburgo) fazem parte e cujo regime jurídico tem primazia sobre o direito nacional, no caso o Regulamento (CE) n.º (UE) n.º 1111/2019, de 25 de Junho (que revogou o Regulamento 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003), relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças. 6. O princípio fundamental do Regulamento é que o foro mais apropriado em matéria de responsabilidade parental é o tribunal competente do Estado- Membro da residência habitual da criança.» E embora não defina o que é “residência habitual” refere que as regras de competência em matéria de responsabilidade parental são definidas em função do superior interesse da criança e devem ser aplicadas em função desse interesse. «Para salvaguardar o superior interesse da criança, a competência jurisdicional deverá, em primeiro lugar, ser determinada em função do critério da proximidade. 7. No âmbito do Regulamento tem-se entendido que tal conceito deve ser interpretado casuisticamente, considerando as condições e razão da permanência, a sua nacionalidade, ligação afectiva, social e familiar do menor a um determinado Estado Membro (critério da proximidade) e pressupor uma certa duração e estabilidade, não bastando que a presença da criança num determinado Estado-Membro tenha um carácter temporário e limitado 8. No caso em que os menores eram, à data da propositura do processo em tribunal, residentes habitualmente em Portugal (onde, residiam desde 2017 e onde reside a sua progenitora), o tribunal português era ab initio competente para os presentes autos e para aplicação da medida cautelar de promoção e protecção de apoio junto dos pais, a executar junto do pai (residente no Luxemburgo). Era, e continua a ser, pelo menos por ora, o tribunal competente para o controle da sua execução, revisão e prolação de decisão final, naturalmente, após percorrido o iter processual legalmente previsto. 9. O tribunal que aplicou a medida provisória não pode por isso, sem mais, declarar cessada a medida provisória e determinar o arquivamento dos autos com fundamento na alteração da residência dos menores para outro país da UE ( onde se encontravam apenas há um mês quando foi proferida a decisão), considerando que a mudança de residência dos menores se deveu à aplicação de uma medida provisória e cautelar, com prazo limitado ( de seis meses), susceptível de revisão e de alteração nos termos legais e de definição, através de uma decisão definitiva a proferir nos termos que melhor acautelem o superior interesse dos menores, o que não integra o conceito de alteração da residência habitual.
Texto Integral
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - RELATÓRIO
No âmbito do presente processo judicial de promoção e proteção relativamente aos menores:
AA, nascida a ../../2009 e,
BB, nascido a ../../2017,
intentado a requerimento do Ministério Público, foi proferida decisão que declarou cessada a medida provisória decretada de apoio junto dos pais, a executar junto do pai, e determinou, nessa parte, o arquivamento dos autos (cfr. artigos 2.º, 62.º, n.ºs 1, 3, al. a), e 4, e 63.º, n.º 1, al. b), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo).
*
Inconformada com esta decisão veio a progenitora recorrer da mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (transcrição):
(…)
*
O Ministério Público apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
*
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
A questão decidenda a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se face à mudança de residência dos menores para outro país, na sequência da medida cautelar aplicada de promoção e protecção de apoio junto dos pais, a executar junto do pai, deve tal medida ser cessada e os autos arquivados.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO:
Os factos a ter em consideração são os que constam do relatório, a que acrescem os seguintes, resultantes da consulta electrónica dos autos.
a) os presentes autos de Promoção e Proteccção foram instaurados a requerimento do Ministério Público, onde alegou:
«requerer a abertura de processo judicial de promoção e proteção relativamente aos menores:
AA, nascida a ../../2009 e,
BB, nascido a ../../2017,
pela seguinte situação de perigo:
1º Os menores são filhos de CC, emigrado no Luxemburgo, na Rue ..., ..., Luxemburgo e de DD, residente no Lugar ..., ..., ..., ... ... (doc.s 1 e 2).
2.º Os menores foram sinalizados pela Escola frequentada pela AA e pela GNR ..., dando-se conta de que a AA aparentava tristeza porque os pais se tinham desentendido, de forma muito violenta, no seu próprio aniversário, situação que demandou a presença das autoridades que tiveram que transportar a progenitora ao hospital por estar embriagada, facto que seria muito recorrente.
3.º Em 8/01/2021, foram instaurados processos de promoção e proteção às duas crianças e, após obtidos os consentimentos dos pais e não oposição da menor, foi iniciada avaliação diagnóstica (doc. 3).
4.º Apurou-se que a progenitora tem um grave problema de alcoolismo, a que se associa uma depressão, situação que já se verificava no Luxemburgo onde o casal e filhos viveram e se agudizou quando a progenitora e filhos regressaram a Portugal.
5.º A AA confirmou que a mãe está sempre alcoolizada e tem comportamentos perigosos e agressivos também para com os filhos com quem grita, para além de não cozinhar, sendo a menor muitas vezes a cuidar do irmão.
6.º Em 15/03/2021 a Comissão deliberou a aplicação, em benefício dos menores, da medida de apoio junto dos pais, por seis meses, cujo APP foi assinado em 13/04/2021, medida essa que veio a ser prorrogada por deliberações de 18/10/2021 e 20/04/2022, por iguais períodos.
7.º Não obstante, a situação não se alterou.
8.º Com efeito, a AA reiterou, nos vários atendimentos, que a mãe continuou a beber e inclusive a conduzir nessas condições e a ameaçar várias vezes que se mata.
9.º A menor vive angustiada e em stress, com receio do que a mãe possa fazer a si própria e aos filhos.
10.º A progenitora não reconhece o seu problema e não compareceu às consultas agendadas pela Comissão.
11.º O progenitor não tomou qualquer iniciativa para proteger as crianças.
12.º Em informação veiculada pelo CRI foi possível perceber que a progenitora também sofre de perturbação depressiva, estando medicada.
13.º Face à evidente falta de condições da progenitora para assegurar os cuidados dos filhos, a Comissão deliberou, em 20/03/2023, a substituição da medida aplicada pela medida de apoio junto de outro familiar tia paterna EE também residente em ... com o consenso da AA e dos progenitores, por três meses, medida essa prorrogada em 5/06/2023 por mais dois meses.
14.º Durante o acompanhamento da medida apurou-se que os familiares maternos não reconhecem à progenitora capacidade para tomar conta dos filhos, não lhe veem instinto maternal e não acreditam que mude ou queira mudar em prol do bem-estar das crianças.
15.º A AA e o BB integraram-se bem no agregado desta tia e têm uma grande ligação entre si.
16.º Entretanto, a tia EE informou a Comissão que, findo o prazo de duração da medida protetiva, não podia continuar a acolher os sobrinhos, ou pelo menos, os dois, porque ia sofrer uma intervenção cirúrgica.
17.º Foi, então, encontrada uma solução a possível no imediato – que permitiu resolver o problema dos menores porque a avó paterna aceitou acolher a AA com o apoio de uma tia avó.
18.º A Comissão deliberou, então, em 11/09/2023, a prorrogação das medidas protetivas aplicadas aos dois irmãos, sendo que a da AA passou a ser executada junto da referida avó, enquanto o BB se manteve aos cuidados da tia paterna que, apesar das suas limitações devido à intervenção de que foi alvo, mostrou-se disposta a cuidar do sobrinho.
19.º Estas medidas voltaram a ser prorrogadas em 11/12/2023, por mais seis meses, em virtude da progenitora ter iniciado tratamento à sua dependência numa comunidade terapêutica.
20.º No entanto, devido ao seu comportamento quando das saídas da instituição (voltava a consumir álcool), a progenitora ficou proibida de ir a casa.
21.º Na verdade, a AA também não quis a presença da sua mãe no seu aniversário, alegando que
22.º O tratamento da progenitora tem sido mal sucedido porque não consegue ficar abstinente quando sai da instituição.
23.º Não obstante, a progenitora afirma pretender ficar com os filhos sem explicar como, recusando terminantemente a ideia de irem viver com o pai para o Luxemburgo.
24.º O progenitor, por seu turno, decidiu que pretende levar os filhos consigo por não ver melhoras na mãe ou soluções no seio da família alargada, materna e paterna, residente em Portugal.
25.º Afirmou já ter inscrito os filhos no sistema de ensino luxemburguês, em equipamentos educativos próximos da sua casa.
26.º Informou, ainda, que tem quatro irmãs a residir naquele país e todas moram próximo de si, pretendendo, apenas, que os filhos terminem o presente ano letivo para depois viajarem.
27.º A progenitora, em face dessa pretensão do progenitor, que recusa veementemente, retirou o consentimento à intervenção.
28.º Dessa forma, a CPCJ deliberou, em 24/04/2024, a remessa do processo a tribunal.
29.º Não se mostrou, assim, possível continuar a intervenção junto desta família com vista a acautelar a situação de perigo em que os menores parecem encontrar-se, quer para a sua segurança, quer para a sua integridade psicológica.
30.º Para efeitos do disposto no art.º 3.º, n.º 1, da Lei 113/09 de 17/09, alterada pela Lei 103/2015 de 24/08, juntam-se os certificados de registo criminal dos progenitores (doc.s 4 e 5).
Assim sendo, requer-se a V.ª Exª que, R. e A. como processo de promoção e proteção, declare aberta a instrução, nos termos do art.º 106.º da LPCJP, com vista à aplicação das medidas que se mostrarem mais adequadas à salvaguarda do bem-estar e desenvolvimento integral dos menores.
b) Com data de 28.08.2024, foi proferida decisão nos seguintes termos:
«(…) sem prejuízo do prosseguimento dos autos para adopção das providências mais adequadas à sua salvaguarda, desde já, ao abrigo do disposto nos artigos 92.º, n.º 1, 37.º e 35.º, al. a), da LPPCJP, se decide aplicar, provisória e cautelarmente, aos meninos a medida apoio junto dos pais, a executar junto do pai, pelo período de seis meses.»
c) Fundamentou-se a referida decisão, nos seguintes termos:
«Avaliado o relatório da EMAT que antecede à luz dos dados que se extraem dos documentos juntos com o requerimento inicial, - designadamente, dos depoimentos prestados junto da CPCJ, das informações escolares relativas à AA e ao BB, do auto de notícia e das informações clínicas recolhidas junto do CRI-, e à luz das declarações prestadas pela Em.ª técnica gestora, pela jovem AA e pelos pais, verifica-se, indiciariamente, que a jovem AA e o irmão, BB, estão, efectivamente, em situação de perigo por estarem expostos aos comportamentos aditivos/disruptivos da mãe que, por um lado, afectam, directamente, a sua saúde psíquica e emocional e a sua segurança e, por outro lado, as impedem de receber os cuidados e o amparo adequados à sua idade e situação pessoal (cfr. artigo 3.º, als. b), c) e f) da LPPCJP).
Esse perigo veio sendo, gradativamente, afastado através da aplicação, pela CPCJ, da medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, a executar junto da mãe, e, mais tarde, da medida de apoio junto de outro familiar (relativamente ao BB); medidas essas que se revelam insuficientes para debelar a situação de perigo em que se encontram os dois irmãos.
Actualmente, os técnicos do caso são de parecer que o perigo no agregado familiar materno não se debelou, pelo contrário, até se agudizou com o abandono (por consumos) do tratamento de desintoxicação por parte da mãe. Ao mesmo tempo, a AA e o BB já não podem contar com o apoio da avó materna, nem da tia paterna; a primeira impossibilitada quer pela sua idade, quer por doença, de ser a principal cuidadora dos netos, a segunda por ter manifestado a sua indisponibilidade para continuar a ser retaguarda do sobrinho por mais um ano lectivo.
Atendendo à prevalência legal das medidas de promoção e protecção em meio natural de vida, o ISS lançou a possibilidade de se recorrer ao apoio do pai, emigrado no Luxemburgo; o que este prontamente aceitou, inscrevendo, de imediato, os filhos (nascidos naquele país) na escola.
Ouvidos os visados, designadamente, os pais e a jovem AA, reconheceram, unanimemente, a existência do perigo e aderiram, provisoriamente, ao apoio junto do pai, por ser a única solução que permitiria, no actual contexto, manter os dois irmãos, que sempre viveram juntos, unidos e em família.
Nessa medida, tudo ponderado, é inevitável concluir que, pese embora os esforços e apoios proporcionados ao longo da intervenção da CPCJ, não se verificou, no agregado familiar materno, uma evolução significativa em prol dos filhos. A AA vive, - segundo, sofridamente, relata – abandonada e entregue a si própria, assistindo, impotente, aos consumos de álcool da mãe e aos comportamentos desajustados e violentos que adopta junto dos filhos quando sob influência. O BB, não fora o apoio da tia paterna – que não pretende continuar a prestá-lo ao sobrinho – viveria no mesmo contexto da irmã, com a agravante de que é uma criança de apenas sete anos, dependente, não só nos cuidados de higiene, alimentação e saúde diários, mas também do amparo emocional e ambiente adequado à sua situação pessoal e idade.
Apreciando,
a LPCJP prevê a adopção de medidas urgentes, nos termos dos seus arts. 91.º e 92.º. Para tal é necessário que se esteja perante uma situação de urgência – quando exista perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física da criança ou jovem (art.º 5.º, alínea c)). O Tribunal adopta as medidas urgentes, a título cautelar, sempre que a protecção da criança ou do jovem o exige (cfr. artigo 37.º da LPPCJP).
De acordo com as informações juntas aos autos, nos moldes supra expostos, a AA e o BB estão, actualmente, sem a retaguarda da mãe com quem vivem e sem o apoio da tia paterna que vem cuidando do menino.
Prevalecendo as medidas de meio natural de vida (cfr. artigo 4.º, al. h), da LPPCJP) ainda existe a possibilidade de aplicar aos dois irmãos uma medida de apoio junto dos pais, a executar junto do pai, CC, que o aceita com a anuência da AA e da requerida, DD.»
*
DE DIREITO:
A recorrente (Progenitora), por meio do presente recurso, impugna a decisão proferida pelo tribunal a quo que declarou cessada a medida provisória decretada de promoção e protecção de apoio junto dos pais, a executar junto do pai, nos termos dos artigos 37º, 91º, 92º e 5º al.c) da LPPCJP, e determinou, nessa parte, o arquivamento dos autos, dada a mudança de residência dos menores com o pai para outro país, na sequência da aplicação da dita medida provisória e cautelar.
A decisão tem o seguinte teor (no que ora releva): «Vista a informação da EMAT. Segundo a mesma, o pai, CC, regressou ao Luxemburgo , onde reside, na companhia dos filhos, BB e AA, aos quais se aplicou, recentemente, medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, a executar junto do pai, a fim de os proteger e afastar dos comportamentos aditivos/disruptivos da mãe que, por um lado, afectavam, directamente, a sua saúde psíquica e emocional e a sua segurança e, por outro lado, as impediam de receber os cuidados e o amparo adequados à sua idade e situação pessoal (cfr. artigo 3.º, als. b), c) e f) da LPPCJP). Ora, encontrando-se, BB e AA, a residir no Luxemburgo, torna-se inviável a aplicação in casu do regime protetivo português, na medida em que o art.º 2.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo “… aplica-se às crianças e jovens em perigo que residam ou se encontrem em território nacional”. O que faz todo o sentido ante a inviabilidade de proteger uma criança e/ou jovem, com aplicação e execução de medidas protectivas, se estas não residem em território português. Destarte, uma vez que a jovem e a criança já não residem em território nacional declara-se cessada a medida decretada e determina-se, nessa parte, o arquivamento dos autos (cfr. artigos 2.º, 62.º, n.ºs 1, 3, al. a), e 4, e 63.º, n.º 1, al. b), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo). Notifique. Sem prejuízo, através do competente meio de cooperação judiciário-internacional, sinalize-se à Justiça Luxemburguesa a presença da jovem e da criança naquele país, solicitando-se, se se revelar necessário, a adopção das medidas protectivas necessárias à salvaguarda dos seus direitos a um crescimento e desenvolvimento saudáveis e estáveis. Sem prejuízo, através do competente meio de cooperação judiciário-internacional, sinalize-se à Justiça Luxemburguesa a presença da jovem e da criança naquele país, solicitando-se, se se revelar necessário, a adopção das medidas protectivas necessárias à salvaguarda dos seus direitos a um crescimento e desenvolvimento saudáveis e estáveis. Instrua-se o pedido com cópia deste despacho, daquele que aplicou a medida e dos relatórios da EMAT que antecedem. (…)
Vejamos, fazendo previamente uma breve abordagem ao processo de promoção e protecção, seguindo de perto, o nosso acórdão desta Relação de Guimarães de 8.10.2020, consultável in www.dgsi.pt.
A Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01 de setembro, alterada pela Lei n.º 31/2003, de 22.8 e pela Lei n.º 142/2015, de 8.9, é o diploma fundamental em sede de proteção de crianças e jovens em perigo.
Nesta, mostra-se regulada a intervenção do Estado para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo, a qual tem lugar, como referido no seu artigo 3º n.1 “quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”.
O processo judicial de promoção e proteção da criança e do jovem em risco é um processo de jurisdição voluntária, tal como decorre do artigo 100º da LPCJP. E, enquanto tal, regem-se estes processos não por critérios de estrita legalidade, mas antes por juízos de equidade e oportunidade com vista à tutela dos interesses que visam salvaguardar (vide artigo 987º do CPC) – in casu o “interesse superior da criança e do jovem”.
O art.º 4.º da LPPCJP enuncia os princípios pelos quais se deve reger a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo, entre os quais, o do interesse superior da criança e do jovem, o da intervenção precoce, o da proporcionalidade e atualidade, o da responsabilidade parental, o do primado da continuidade das relações psicológicas profundas, o da prevalência da família.
A finalidade da intervenção, referida no art.º 34.º da LPCJP, visa:
a) afastar o perigo em que a criança e o jovem se encontrem;
b) proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;
c) garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.
Por fim, as medidas previstas mostram-se elencadas no artigo 35º, podendo consubstanciar-se em medidas executadas no meio natural de vida –alíneas a) a d) e g)- ( como sejam, as de apoio junto dos pais; apoio junto de outro familiar; confiança a pessoa idónea; apoio para a autonomia de vida; confiança a pessoa selecionada para adoção) ou em regime de colocação – alíneas e) a g) -( como sejam, acolhimento familiar e acolhimento residencial; confiança a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção).
Nos casos em que se verifique uma situação de emergência ou enquanto se procede à avaliação da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente, as medidas podem ser aplicadas a título cautelar, não podendo, contudo, a sua duração, exceder seis meses (art.º 35.º n.º 2 e 37.º da LPCJP), devendo ser revistas no prazo máximo de três meses.
Deste modo, a lei prevê a aplicação de medidas provisórias (cfr. artigos 35°, n.° 2 e 37°), como a que foi aplicada nos autos, e a aplicação de medidas a título definitivo (cfr. artigo 106° e seguintes)
Considerando que a medida a aplicar no âmbito deste processo, pressupõe sempre uma situação de perigo, consubstanciando a intervenção protectiva a interferência numa situação aguda que se visa afastar, de modo a que, estabilizada a situação vivencial e, afastado o perigo, se possa delinear o caminho a seguir quanto à definição do futuro dos menores, as medidas provisórias e cautelares podem ser aplicadas sempre que se esteja perante uma situação de emergência, por um lado, e enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente, por outro (cfr. artigo 37°)[1].
Para que o tribunal possa aplicar a medida definitiva, é preciso desencadear o processo judicial de promoção e protecção, que é constituído por diversas fases, a da instrução, decisão negociada, debate judicial, decisão final e execução da medida (artigo 106º).
No caso em apreciação, considerando a situação de perigo em que se encontravam os menores BB e AA, foi decido aplicar-lhes provisória e cautelarmente, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 92º n. 1, 37º e 35º n. 1, al. a) da LPPCJP, a medida de apoio junto dos pais, a executar junto do pai, pelo período de seis meses.
A aplicação de uma medida provisória é, como o nome indica, provisória, temporária e meramente cautelar, dado que é aplicada no decurso do processo para afastar a situação de perigo actual e iminente em que a criança se encontra, enquanto se fazem as diligências instrutórias necessárias à compreensão da situação do menor e da sua família e à definição do seu encaminhamento subsequente, com a aplicação de medida definitiva.
Antes de avançarmos na apreciação da questão concretamente suscitada, impõe-se ainda ter em consideração, que nos termos do disposto pelo artigo 79º n.1 da LPPCJP, competente para a aplicação das medidas de promoção e proteção será a comissão de proteção ou o tribunal da área da residência da criança ou do jovem no momento em que é recebida a comunicação da situação ou instaurado o processo judicial. Sendo que nos termos do artigo 2º, a referida Lei aplica-se às crianças e jovens em perigo que residam ou se encontrem em território nacional.
Acresce ainda, que face ao disposto no artigo 59º n.2, a execução da medida aplicada em processo judicial é controlada pelo tribunal que a aplicou.
Diz-nos depois o n.4 do artigo 79º (com a alteração da redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 142/2015, de 08 de Setembro, que aditou a expressão “não cautelar”) que: se, após a aplicação de medida não cautelar, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido à comissão de proteção ou ao tribunal da área da nova residência.
Por último, o artigo 111º define as circunstâncias em que o processo é arquivado, nos seguintes termos: «O juiz decide o arquivamento do processo quando concluir que, em virtude de a situação de perigo não se comprovar ou já não subsistir, se tornou desnecessária a aplicação de medida de promoção e proteção, podendo o mesmo processo ser reaberto se ocorrerem factos que justifiquem a referida aplicação.»
Feitos estes considerandos, retornemos à situação dos autos:
Para fundamentar a cessação da medida e o arquivamento dos autos (dada a residência dos menores com o pai no Luxemburgo, após a aplicação da medida provisória) o tribunal recorrido fez apelo ao disposto nos artigos 2º, 62º n.1, 3 al. a), 4º e 63º n.1, al. b), todos da LPPCJP.
A progenitora DD, mãe dos menores e recorrente nos autos, impugna a decisão proferida sustentada, em dois argumentos nucleares:
i. - violação do caso julgado e autoridade do caso julgado:
Considerando, em súmula, que à data em que foi proferida a decisão provisória era sabido que o pai dos menores era emigrante no Luxemburgo e, não obstante, estabeleceu-se o prazo de seis meses de duração da medida, a qual seria revista nos termos legais, assentando o acordo da recorrente à sua aplicação, nesse pressuposto, pelo que a decisão agora proferida é, para além do mais, contraditória alterando-se decisão transitada em julgado.
ii. Erro na aplicação do direito:
Considerando, em súmula, que de acordo com o artigo 79º n.1, da LPPCJP, competente para conhecer dos presentes autos é o tribunal português territorialmente competente na área de residência onde o processo foi instaurado, sendo que, conforme jurisprudência abundante que cita, a excepção prevista no n.4 que alude à transferência de competência quando haja mudança de residência, não tem aplicação a uma decisão provisória, como sucede no caso, a que acresce que a referida mudança de residência decorre da sua execução, o que também afasta a aplicação da referida excepção ( do n.4 do artigo 79º).
Apreciemos:
i) Quanto à primeira questão suscitada, desde já adiantamos que não assiste razão à apelante.
A excepção de caso julgado visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior. Ou seja, o caso julgado material previsto no art. 580º e 581º do C.P.Civil, pressupõe o trânsito em julgado de uma decisão que incida sobre o mérito da causa e estão-lhe associados um efeito negativo e um efeito positivo. Um efeito negativo, consistente na inadmissibilidade das questões abrangidas por caso julgado anterior voltarem a ser discutidas, entre as mesmas partes, tendo como requisitos a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, nos termos do artº 581º do Código Civil. O caso julgado material tem força obrigatória não só dentro do processo como também, e principalmente, fora dele.
A autoridade do caso julgado tem, antes, o efeito positivo de impor a primeira decisão à segunda decisão de mérito e, sem prescindir da identidade das partes, dispensa a identidade do pedido e da causa de pedir nos casos em que existe uma relação de prejudicialidade entre o objeto da ação já definitivamente decidida e a ação posterior.
Como vimos, está em causa a decisão que aplicou uma medida cautelar provisória (apoio junto do pai), pelo período de seis meses, adoptada interlocutoriamente, perante um quadro indiciário de perigo para os menores, no decurso da fase instrutória e de diagnóstico da situação global que envolve as crianças e sua família.
É inquestionável, que tal decisão, enquanto não for alterada, tem força de caso julgado material e formal, sendo obrigatória dentro e fora do processo nos termos do art.º 619.º do C.P.Civil e com os limites previstos nos art.ºs 580.º e 581.º desse diploma legal.
Sucede que, apesar de as medidas provisórias serem obrigatoriamente revistas no prazo máximo de três meses após a sua aplicação, e podendo ser determinada a cessação da medida, a sua substituição por outra mais adequada, a continuação ou a prorrogação da execução da medida e a verificação das condições de execução da medida (cfr. art.º 62.º, n.º 3, als. a) a c) e n.º 6 da Lei n.º 147/99 de 01.09), nada obsta que antes de decorrido esse prazo, tal medida venha a ser revista nos termos acabados de elencar, se, entretanto, se alterarem os pressupostos fácticos em que aquela assentou, ou seja, se se verificarem “circunstâncias supervenientes” justificativas da alteração da anterior decisão.
Atentando no acabado de expor, resulta para nós evidenciado que, independentemente da sua bondade, a decisão proferida pelo tribunal a quo de cessação da medida e arquivamento dos autos, ainda que proferida antes do prazo de revisão fixado, não viola o caso julgado relativamente à decisão antes proferida nos autos que fixou o prazo da medida em seis meses, uma vez que teve como fundamento um alegado facto “superveniente” ( ainda que previsível) de os menores terem deixado de residir em território nacional e, no entendimento da decisão, cujo mérito neste segmento não cabe apreciar, tornou inviável, por força do artigo 2º da LPPCJP, o regime protectivo português, o que a nosso ver afasta a violação do caso julgado.
Improcede por isso, a dita arguição.
ii) Já no que se refere ao segundo argumento recursivo, não poderemos deixar de dar razão à apelante.
Antes de avançar, importa salientar que por força do disposto pelo artigo 2º e 79º n.1 da LPPCJP, o tribunal a quo, era ab initio o tribunal competente para tramitar os presentes autos de promoção e protecção relativamente aos menores BB e AA e para proferir, entre outras a decisão provisória que está em causa nos autos, por se tratar do tribunal da área de residência dos menores no momento em que o processo foi instaurado.
A questão que se coloca é então a de saber, se, tendo os menores na sequência daquela decisão provisória e cautelar, que aplicou a medida de apoio junto do pai, emigrante no Luxemburgo, ido viver com este para esse país, se alterou a competência do tribunal português, passando a ser, por tal facto, competente o tribunal Luxemburguês.
É certo, que o tribunal recorrido não colocou a questão nestes exactos termos, já que não se declarou incompetente e não encetou os mecanismos previstos no Regulamento (UE) n.º 1111/2016, de 25 de junho, aplicável in casu, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças, que revogou o, Regulamento(CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro, e que entrou em vigor a partir de 1 de agosto de 2022, sendo obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável nos Estados-Membros em conformidade com os Tratados.
O tribunal a quo limitou-se a declarar cessada a medida provisória aplicada e a arquivar os autos, determinando apenas que se sinalizasse a presença dos menores à Justiça Luxemburguesa, para que, caso necessário, fossem adoptadas as medidas protectivas necessárias à salvaguarda dos menores.
Como veremos, não podemos subscrever tal decisão.
A apelante sustenta que dada a provisoriedade da decisão e a circunstância da alteração da morada dos menores ter decorrido da própria decisão provisória proferida, o tribunal competente para tramitar os presentes autos, e, designadamente, proceder às revisões da medida e proferir decisão final, continua a ser o tribunal a quo, não sendo aplicável in casu a excepção prevista no n.4 do artigo 79º do LPPCJP.
Assiste-lhe razão, independentemente da questão não se colocar sobre o prisma do território nacional, para o qual rege o citado artigo 79º n.4., mas sob o prisma da competência internacional do tribunal.
Dada a relevância, contudo, da compreensão da alteração da competência do tribunal a nível nacional (pela mudança de residência) e seu reflexo na definição do alcance da decisão quanto à questão suscitada nos autos, importa deixar claro que com a alteração à redacção do n. 4 do artigo 79º da LPPCJP operada pela Lei n.º 142/2015, de 08 de Setembro, resultou clarificado que a excepção prevista no n.4 desse normativo não tem aplicação aos casos em que a alteração da residência do menor tenha resultado de uma decisão meramente provisória e cautelar, o que, aliás, vem na senda da orientação jurisprudencial anterior a tal alteração, citada pela recorrente no recurso.
De facto, a redacção originária do n. 4 do artigo 79º (LEI N.º 147/99, DE 01 DE SETEMBRO) limitava-se a prescrever:
«4 - Se, após a aplicação da medida, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido à comissão de protecção ou ao tribunal da área da nova residência.»
Após a alteração introduzida pela Lei n.º 142/2015, de 08 de Setembro, este normativo passou a ter a seguinte redacção:
« 4 - Se, após a aplicação de medida não cautelar, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido à comissão de proteção ou ao tribunal da área da nova residência.» (negrito nosso).
Ou seja, a alteração efectuada em 2015 com o aditamento “ não cautelar”, visou esclarecer aquilo que vinha sendo debatido na jurisprudência sobre o âmbito de aplicação do referido preceito legal e de que são exemplo os acórdãos citados pela recorrente, entre outros, acolhendo a posição maioritária, senão unânime, de que a excepção aí prevista quanto à competência, não tinha aplicação nas situações em que estivesse em causa uma decisão provisória e cautelar, proferida de forma intercalar no processo.
Neste conspecto e para o que ora releva, a jurisprudência defendia de modo uniforme, o que se mantém actual e como vimos clarificado na lei, que a alteração de “residência” do menor apenas releva para efeitos de remessa do processo para outro tribunal, se ocorrer (por mais de 3 meses) após a aplicação de uma medida definitiva, não abrangendo as medidas provisórias aplicadas no âmbito dos artigos 35º n.2 e 37º, considerando que a aplicação de tal excepção pressupõe uma situação de estabilidade e continuidade já suficientemente definida, o que não sucede com aquelas medidas. Pelo que, enquanto não for proferida uma decisão definitiva, continua a ser competente para os termos processuais o tribunal que decretou a medida provisória, a quem cabe controlar a sua execução e dirigir a processo de forma a ser tomada a decisão definitiva (a propósito vide, entre outros, Ac. STJ de 21.05.2002, STJ de 22.02.2005, STJ 11.06.2002, Ac. R.L. de 21.04.2005; Ac. R.E. de 28.10.2004., R.P. de 9.11.2006, todos in www.dgsi.pt). Do mesmo modo, entendia-se, que o n.4 do artigo 79º não operava, quando a criança tivesse sido deslocada da residência habitual para outra morada, por efeito da execução da medida que lhe fora aplicada, como uma consequência desta e que está sujeita a revisão pelo menos semestral. Por outras palavras, uma mudança de residência forçada e efémera, em execução da medida de promoção e protecção imposta, como se salienta no último aresto citado, não produz efeitos na competência do tribunal.
No caso em apreciação, como já enunciámos, não está em causa uma questão de competência territorial (competência interna), já que a alteração de morada dos menores não se deu dentro do nosso país, mas sim para outro país, no caso da UE, pelo que a questão que cabe apreciar (não obstante as considerações tecidas se mostrarem relevantes, como veremos) é a de saber, se tal alteração de morada nos termos em que ocorreu, pode legitimar e é fundamento, por um lado, para a cessação da medida provisória aplicada pelo tribunal e subsequente arquivamento dos autos, e, por outro, para a atribuição de competência internacional ao tribunal do país onde os menores passaram a “residir" com o pai, por efeito da execução da medida aplicada, como se parece depreender da decisão proferida embora sem que tire as suas consequências, ou se ao invés, o tribunal português, mantinha à data em que foi proferida a decisão, a sua competência internacional para a tramitação dos presentes autos.
Vejamos, então.
Resulta indiscutível que as crianças se encontram a residir com o pai no Luxemburgo, onde aquele é emigrante. Mais resulta, que a alteração da morada dos menores, para esse país, se deveu à decisão provisória e cautelar proferida no processo de promoção e proteção que lhes aplicou, pelo prazo de seis meses, a medida de apoio junto dos pais, a executar junto do pai. Acresce, que a decisão ora recorrida que determinou a cessação dessa medida e arquivamento dos autos, foi proferida, ainda não havia decorrido um mês desde que os menores se ausentaram para aquele país (veja-se que a medida foi aplicada no dia 28.08.2024, os menores encontram-se no Luxemburgo desde o dia 31.08.2024[2] e a decisão de cessação da medida foi proferida em 23.09.2024).
Os presentes autos foram instaurados em 10.05.2024 e à data, os menores residiam habitualmente em Portugal (desde o ano de 2017, como se extrai do relatório da SIATT junto aos autos em 1.07.2024), na circunscrição do tribunal onde foi instaurado o processo, pelo que de acordo com o disposto nos artigos 2º e 79º n.1 da LPPCJP, este era o tribunal competente para a tramitação dos presentes autos.
Vejamos então, se essa competência se alterou:
De acordo com o art.59º do CPC, “sem prejuízo do que se ache estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos arts. 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do art.94º.”
Os factores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses mostram-se elencados nos artigos 62.º e 63.º do CPC, sem prejuízo do estabelecido nas normas de direito internacional, bem como nas convenções internacionais ratificadas pelo Estado Português – cf. artigo 8.º da CRP (regime de receção automática), entre os quais os Regulamentos da Comunidade Europeia de que Portugal (como o Luxemburgo) fazem parte e cujo regime jurídico tem primazia sobre o direito nacional.
Neste conspecto, há que trazer à colação o Regulamento (CE) n.º (UE) n.º 1111/2019, de 25 de Junho (que revogou o Regulamento 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003), relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças.
Como ressalta das disposições preambulares, este regulamento é aplicável à situação dos autos, aí se referindo: 7) « A fim de garantir a igualdade de tratamento de todas as crianças, o presente regulamento deverá abranger todas as decisões em matéria de responsabilidade parental, incluindo as medidas de proteção das crianças, independentemente da eventual conexão com uma ação de natureza matrimonial ou qualquer outro processo. » e nota 17) «À semelhança da Convenção da Haia de 19 de outubro de 1996, relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças («Convenção da Haia de 1996»), o presente regulamento deverá ser aplicável a todas as crianças até aos 18 anos de idade (…)». Refere-se ainda sob a referência 30) e 31): O presente regulamento não deverá impedir que, em caso de urgência, os tribunais de um Estado-Membro que não sejam competentes para conhecer do mérito da causa ordenem medidas provisórias e cautelares em relação à pessoa ou a bens de uma criança presentes nesse Estado-Membro. Essas medidas não deverão ser reconhecidas e aplicadas em qualquer outro Estado-Membro ao abrigo do presente regulamento, com exceção das medidas tomadas para proteger a criança de um risco grave tal como referido no artigo 13.º, primeiro parágrafo, alínea b), da Convenção da Haia de 1980. As medidas tomadas para proteger a criança desse risco deverão permanecer em vigor até que o tribunal do Estado-Membro da residência habitual da criança tenha tomado as medidas que considerar adequadas. Na medida em que o exija a proteção do superior interesse da criança, esse tribunal deverá, diretamente ou através das autoridades centrais, comunicar as medidas tomadas ao tribunal do Estado-Membro competente para conhecer do mérito por força do presente regulamento. A não prestação de tais informações, por si só, não deverá constituir, contudo, um motivo de não reconhecimento da medida. (31) Um tribunal que só possua competência para decretar medidas provisórias e cautelares deverá, se lhe for apresentado um pedido relativo ao mérito, declarar-se oficiosamente incompetente se um tribunal de outro Estado- -Membro for competente para conhecer do mérito da causa por força do presente regulamento.»
Nos termos do nº 1 do art.º 7º do Regulamento, que define a regra geral em matéria de competência: «1. Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo é instaurado no tribunal.» (negrito nosso)
Como se refere no Ac. do Tribunal desta Relação de Guimarães, de 21.05.2015, in www.dgsi.pt « O princípio fundamental do Regulamento é que o foro mais apropriado em matéria de responsabilidade parental é o tribunal competente do Estado- Membro da residência habitual da criança.»
E embora não defina o que é “residência habitual”[3] refere nas considerações tecidas em (19) que «As regras de competência em matéria de responsabilidade parental são definidas em função do superior interesse da criança e devem ser aplicadas em função desse interesse. (…). (20) Para salvaguardar o superior interesse da criança, a competência jurisdicional deverá, em primeiro lugar, ser determinada em função do critério da proximidade. Consequentemente, a competência deverá ser atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, exceto em determinadas situações previstas no presente regulamento, por exemplo, nos casos em que ocorra uma mudança da residência habitual da criança ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.» (negrito nosso)
A propósito das situações de mudança de residência da criança, refere o Regulamento no seu artigo 12º, sob a epígrafe “Transferência de competência para um tribunal de outro Estado-Membro”, que: «1. Em circunstâncias excecionais, um tribunal de um Estado-Membro competente quanto ao mérito, a pedido de uma das partes ou oficiosamente, se considerar que um tribunal de outro Estado-Membro com o qual a criança tem uma ligação particular se encontra mais bem colocado para avaliar o superior interesse da criança no caso concreto, pode suspender a instância em relação à totalidade ou a uma parte específica do processo e:
a) Fixar um prazo para que uma ou mais das partes informe o tribunal desse outro Estado-Membro do processo em curso e da possibilidade de a competência ser transferida e apresente um pedido a esse tribunal; ou
b) Pedir a um tribunal de outro Estado-Membro que se declare competente nos termos do n.º 2.
2. O tribunal do outro Estado-Membro pode, se tal servir o superior interesse da criança em virtude das circunstâncias específicas do caso, declarar-se competente no prazo de seis semanas após:
a) Nele ter sido instaurado o processo em conformidade com o n.º 1, alínea a); ou
b) Ter sido recebido o pedido em conformidade com o n.º 1, alínea b).
O tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar ou ao qual foi pedido que se declarasse competente informa sem demora o tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar. Se aceitar, o tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar renuncia à sua competência.
3. O tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar continua a ser competente se não tiver recebido a aceitação de competência pelo tribunal do outro Estado-Membro no prazo de sete semanas após:
a) Ter expirado o prazo fixado para as partes apresentarem um pedido a um tribunal de outro Estado-Membro em conformidade com o n.º 1, alínea a); ou
b) Ter esse tribunal recebido o pedido em conformidade com o n.º 1, alínea b).
4. Para efeitos do n.º 1, considera-se que a criança tem uma ligação particular com um Estado-Membro se:
a) Depois de instaurado o processo no tribunal referido no n.º 1, a criança passar a ter a sua residência habitual nesse Estado-Membro;
b) A criança tiver tido nesse Estado-Membro a sua residência habitual anterior;
c) A criança for nacional desse Estado-Membro;
d) Um dos titulares da responsabilidade parental tiver a sua residência habitual nesse Estado-Membro; (…)
5. Nos casos em que a competência exclusiva do tribunal tenha sido estabelecida nos termos do artigo 10.º, esse tribunal não pode transferir a competência para um tribunal de outro Estado-Membro.»
O presente excurso, na decorrência de tudo o que já acima ficou exposto sobre o processo em apreço, permite-nos percepcionar a decisão a dar à questão colocada.
Concretizando diremos, que resulta inelutável a afirmação de que o tribunal competente para a tramitação e decisão dos presentes autos de promoção e protecção referente aos menores BB e AA, é o tribunal português, onde a acção foi instaurada e no qual foi proferida a decisão provisória e cautelar que aplicou aos menores a medida de apoio junto dos pais a executar junto do pai residente no Luxemburgo por aí estar emigrado, o qual, desde já adiantamos, tinha e mantém a sua competência para o efeito.
De facto, os menores eram, à data da propositura do processo em tribunal, residentes habitualmente em Portugal (onde, residiam desde 2017 e onde reside a sua progenitora) sendo que, quer por força do disposto nos artigos 2º e 79º n.1, da LPPCJP e artigo 62º al.a) do CPC, quer por força do disposto no artigo 7º n.1 do Regulamento (CE) n.º (UE) n.º 1111/2019, de 25 de Junho, o tribunal português era ab initio competente para os presentes autos. Era, e continua a ser, pelo menos por ora, o tribunal competente para a sua subsequente tramitação e prolação de decisão final, naturalmente, após percorrido o iter processual legalmente previsto.
Na verdade, não poderá deixar de se considerar que a decisão proferida pelo tribunal a quo de cessação da medida provisória aplicada aos menores e arquivamento dos autos, carece de fundamento legal, sendo aliás, em nosso entender e com todo o respeito, contrária ao superior interesse daqueles.
Explicitando, importa referir que pressuposto do arquivamento do processo, nos termos do artigo 111º da LPPCJP, é a desnecessidade de aplicação de uma medida de promoção e protecção em virtude da não comprovação da situação de perigo ou de tal situação já não subsistir.
Por outro lado, a medida provisória e cautelar aplicada, também só poderia ser antecipadamente revista e cessada, caso as circunstâncias de perigo actual e iminente que a determinaram tivessem supervenientemente desaparecido e a mesma deixasse de ter justificação (art. 62º n. 2 , 3, al. a) e 5), o que a verificar-se, não invalidava o prosseguimento dos autos para prolação da decisão final (ainda não proferida).
Ora, lida a decisão proferida, verifica-se que o fundamento convocado para a cessação da medida e arquivamento dos autos foi o da mudança de residência dos menores para outro país, aliás, diga-se, na sequência da decisão provisória e cautelar aplicada, e alegada inviabilidade de aplicação do regime protectivo português por força do art. 2º da LPPCJP, e não a desnecessidade da medida aplicada.
Ou seja, o tribunal não afastou a situação de perigo que determinou a aplicação da medida, que tudo indica se mantém dado manter-se a situação fáctica de confiança ao pai, ficando a situação dos menores, com a cessação da medida, indefinida, em aberto e sem tutela.
Sublinhe-se que à semelhança do entendimento exposto quanto à concretização do que se entende por “residência habitual” no âmbito da legislação nacional, também no âmbito do Regulamento se tem entendido que tal conceito deve ser interpretado casuisticamente, considerando as condições e razão da permanência, a sua nacionalidade, ligação afectiva, social e familiar do menor a um determinado Estado Membro (critério da proximidade) e pressupor uma certa duração e estabilidade, não bastando que a presença da criança num determinado Estado-Membro tenha um carácter temporário e limitado[4].
Reportando à situação dos autos, em nosso entender, a circunstância de os menores terem ido residir com o pai para o Luxemburgo na sequência da aplicação da medida cautelar (onde viviam há apenas cerca de um mês quando foi proferida a decisão), não integra o conceito de “residência habitual”, ou mais concretamente, de “alteração da residência habitual”, já que, como ressalta do que vem exposto, para além da sua curta duração, a mesma resulta da aplicação, diga-se, pelo tribunal competente, de uma medida provisória e cautelar, com prazo limitado ( de seis meses), susceptível de revisão e de alteração nos termos legais e de definição, através de uma decisão definitiva a proferir nos termos que melhor acautelem o superior interesse dos menores (o que não obsta a que essa decisão definitiva, acabe por considerar que a sua permanência com o pai é aquela que melhor acautela o seu interesse, se a essa conclusão se chegar, mas não é isso que está em causa neste momento!).
Em suma, para além de à data e circunstâncias da decisão proferida, não se poder caracterizar a permanência dos menores no Luxemburgo como de “residência habitual”, verifica-se que a decisão recorrida também não fez qualquer avaliação nos termos do dito regulamento e maxime do seu artigo 12º n.s 1 e alíneas do seu n. 4, quanto à verificação dos factores atinentes a uma “ligação particular” a esse Estado Membro, desencadeando oficiosamente, se fosse o caso, os mecanismos aí previstos para a alteração excepcional da competência definida.
Pelo contrário, o tribunal a quo, optou por cessar a medida e arquivar os autos, o que nos termos expostos não era admissível, já que para além de tal cessação e arquivamento, em nosso entender não ter cabimento legal e deixar os menores numa situação indefinida, o tribunal mantinha competência para a ulterior tramitação dos autos, a que não obsta, com todo o respeito, o facto de a equipa de ATT do ISS, IP deixar de ter competência para acompanhar a situação, pois como a própria sugere na informação enviada ao tribunal a quo de 12.09.2024, deverão ser “solicitadas informações acerca das atuais circunstâncias das crianças no Luxemburgo, à Direção-Geral da Administração da Justiça, Divisão de Cooperação Judiciária Internacional, entidade com competências no âmbito da Cooperação Judiciária Internacional em matéria da família e crianças”, desencadeando os mecanismos legais de cooperação internacional para o prosseguimento dos autos.
Uma última nota para referir que o acórdão citado nas contra-alegações apresentadas pelo Ministério Público em conforto da decisão, Ac. deste TRG, de 21.05.2015, processo 1006/02.0TMBRG.G1, se reporta a uma situação bem diferenciada da presente, seja nos seus pressupostos fácticos, seja de direito, já que no processo de promoção e protecção referido no acórdão foi proferida decisão final (mediante acordo de promoção e protecção) e aplicada medida de acolhimento familiar, na sequência do qual os menores foram residir com o casal que os acolheu para ..., onde permaneciam há 12 anos com caracter estável e permanente (tendo o tribunal português continuado a acompanhar a execução da medida pelo “C.D.S.S.S. através da Associação Portuguesa para o Serviço Social e Internacional”, vindo o P.P.P. a ser arquivado cerca de seis anos depois, sendo os pais, entretanto, em acção apensa, inibidos do exercício do poder paternal, cujas responsabilidades foram atribuídas ao casal que acolheu as crianças) sendo certo que o que se tratava nessa apelação era a aferição do tribunal internacionalmente competente, nas circunstâncias descritas, para a aplicação de nova medida de promoção e protecção a um dos menores, por questões relacionadas com a sua vivência nesse país e no âmbito desta.
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Em suma e aqui chegados, a decisão recorrida de cessação da mediada e arquivamento dos autos não poderá ser mantida, devendo ao invés determinar-se o prosseguimento dos autos para ulterior tramitação dos mesmos nos termos legais, mormente de revisão da medida e actos subsequentes.
A apelação procede.
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IV - DECISÃO
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e, revogando-se a decisão recorrida, determina-se o prosseguimento dos autos para a sua ulterior tramitação nos termos legais, mormente de revisão da medida e actos subsequentes.
Sem custas.
Guimarães, 18 de Dezembro de 2024
Rel. – Elisabete Coelho de Moura Alves 1º Adj. - Dr. José Manuel Flores 2º Adj. - Dra. Paula Ribas
[1] Como se salienta no Ac. da Relação de Lisboa de 21.04.2005, in www.dgsi [2] Conforme resulta da informação junta aos autos de 12.09.2024 do SIATT. [3] Como se salienta no Ac. RC de 11.10.2017, in www.dgsi.pt « Não define o Regulamento o que deva entender-se por residência habitual. Trata-se, em nosso entender, de um conceito autónomo da legislação comunitária, independente relativamente ao que possa constar das legislações nacionais, devendo ser interpretado em conformidade com os objetivos e as finalidades do Regulamento, e que deve ser procurado caso a caso pelo juiz, mas tendo em conta, desde logo, que o adjetivo “habitual” tende a indicar uma certa duração.» Refere-se outrossim, a propósito de residência habitual, no Ac. da Relação do Porto de 18.03.2004, in www que a residência de um menor em processo de promoção e proteção é o local onde efetivamente o menor está radicado e desenvolve habitualmente a sua vida, onde ele vive com estabilidade. A expressão residência inculca a permanência, mais ou menos prolongada, de certa pessoa, num lugar, por oposição a uma estada ocasional, ou durante um período limitado. [4] Cfr. a propósito, entre outro, Ac. R.C. de 5.11.2019; RC de 11.10.2017;