CRIME DE VIOLAÇÃO
AMEAÇA GRAVE
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
Sumário


I – Para o preenchimento do conceito de “ameaça grave” no crime de violação, a que alude o Artº 164º, nº 2, al. a), do Código Penal, deve entender-se qualquer manifestação de um propósito de causar um mal ou um perigo se a pessoa ameaçada não consentir no acto sexual, entrando neste conceito a “violência psíquica”.
II – A ponderação da aplicação do regime penal especial para jovens, regulado pelo Dec.-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, não constitui uma faculdade do tribunal, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
           
1. No âmbito do Processo Comum Colectivo nº 1094/21...., do Juízo Central Criminal de Guimarães, Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foram submetidos a julgamento os arguidos:
1.1. AA, solteiro, nascido em ../../2003, filho de BB e CC, natural da freguesia e concelho ..., residente na Rua ..., ..., titular do cartão de cidadão nº ...; e
1.2. DD, solteiro, nascido em ../../2003, filho de EE e FF, natural da freguesia ..., concelho ..., residente na Rua ..., ..., ..., ..., titular do cartão de cidadão n.º ....

*
2. Em 08/07/2024 foi proferido o acórdão que consta de fls. 659 / 609 Vº, depositado no mesmo dia, do qual se extrai o seguinte dispositivo (transcrição [1]):

“(...)
Nestes termos, e pelos fundamentos acima expostos, as Juízes que compõem o Tribunal Coletivo julgam o despacho de acusação parcialmente procedente, por provado, e em consequência, decidem:
11.A.1 Absolver o arguido AA da prática, pelo menos, de dois crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, al. b) e 177.º, n.º 1, al. c) e n.º 7 do CP; e
11.A.2 - Absolver o arguido AA da prática, pelo menos, de dois crimes de pornografia de menores agravado, p.p. pelo art.º 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 1, al. c) e n.º 7 do CP;
Vai também absolvido das penas acessórias conexas.
11.A.3 - Sem custas, nesta parte, quanto ao arguido AA – art.º 522.º do CPP.
11.A.4 - Absolver o arguido DD, da prática, pelo menos, de dois crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 5 e 177.º, n.º 1, al. c) do Código Penal (quanto às imagens que estariam na posse do arguido AA);
11.A.5 - Absolver o arguido DD, da prática de um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 e 177.º, n.º 1, al. c) e n.º 7 do Código Penal;
11.A.6 - Absolver o arguido DD, da prática de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a) e al. b), por referência ao artigo 176.º, n.º 1, al. c);
11.A.7 - Condenar o arguido DD pela prática, em autoria material e concurso efetivo, de um crime de violação agravada, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 2, al. a) e 177.º, n.º 7 do CP, aplicado o Regime Penal Especial para Jovens, na pena de quatro (4) anos e 8 (oito) meses de prisão (relativamente à conduta de foi vítima a menor GG);
11.A.8 - Absolver o arguido DD, da prática de um crime abuso sexual de menores relativamente à conduta de que foi vítima a menor HH, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1 do Código Penal;
11.A.9 - Convolar esta conduta do arguido DD, de que foi vítima a menor HH na prática de um crime de abuso sexual por importunação, previsto e punido pelo art.º 171.º, n.º 3 do CP, aplicado o Regime Penal Especial Para Jovens, na pena de 4 (quatro) meses de prisão.
11.A.10 - Em cúmulo jurídico das penas parcelares atrás referidas, condenar o arguido DD, na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.
11.A.11 - Nos termos conjugados do disposto nos artigos 50.º, n.º 5, 53.º, n.º 1, 2, 4 e 54.º, n.º 1, 2, 3 e 4 todos do Código Penal, suspender a execução da pena pelo período de (4) quatro anos e 10 (dez) meses de prisão, sujeita a regime de prova e aos seguintes deveres e regras de conduta, a ser fiscalizados pela DGRSP:
- receber notificações e comparecer a convocatórias do Tribunal ou da DGRSP;
- comunicar ao Tribunal e à DGRSP qualquer alteração de residência;
- frequentar Programa de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens, tendente a sensibilizar o arguido para a censurabilidade dos crimes de natureza sexual, que pode consistir em entrevistas individualizadas com técnico da DGRS – art.º 54.º, n.º 4 do CP;
- determinar o acompanhamento por parte da DGRSP que deverá focado na promoção de competências relacionais e sociais com vista ao desenvolvimento pessoal, interiorização da censurabilidade da conduta, nomeadamente no âmbito da sexualidade – cfr 53.º, n.º 4 do CP;
- determinar o acompanhamento especializado do arguido na área da psicologia clínica e da sexualidade (preferencialmente na Escola de Psicologia da Universidade do ..., ou no .../Serviço de Consulta Psicológica da ..., ou em entidade equivalente, seguindo o programa terapêutico dirigido a agressores sexuais, em formato de consulta individual, com a duração mínima que se sugere de 18 meses;
Visto estar em causa regime de consulta individual, o número de consultas e a duração do programa são estabelecidos em função da avaliação clínica realizada e dos objetivos estabelecidos.
Caso sejam cobradas, as consultas serão pagas a expensas do arguido, que, contudo, poderá diligenciar junto da Segurança Social pela obtenção de apoio para o efeito.
- determinar a proibição de contactos com a ofendida, GG, por qualquer meio (incluindo contactos pessoais, por escrito, por interposta pessoa, por telefone, telemóvel, aplicações de mensagens, conversações ou chamadas, e quaisquer outros contactos, pelo período de 4 anos e 6 meses;
- determinar que a suspensão também fique sujeita ao pagamento parcial da indemnização infra fixada à ofendida GG, no valor de € 5.000,00, a comprovar até ao termo da suspensão da pena;
11.A.12 - Condenar o arguido DD na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do art.º 69.º B, n.º 2 do CP (por referencia à conduta apurada relativamente à menor GG).
11.A.13 - Condenar o arguido DD na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do art.º 69.º C, n.º 2 do CP (por referencia à conduta apurada da menor GG).
11.A.14 - Mais se condena o arguido nas custas do processo – arts 513.º e 514.º do CPP – sendo a taxa de justiça fixada em duas (2) UC’s, sem redução, visto que a confissão foi meramente parcial.
(...)
11.A.24 – Declaro perdidos a favor do Estado os dois telemóveis apreendidos ao arguido, por terem sido usados na pratica do crime – 109.º, 1 e 3 do CP.
(...)
Julgam parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante GG e, em consequência, decidem:
 11.B.1 - Absolver o arguido/demandado AA do pedido formulado.
11.B.2 - Custas pela demandante, sem prejuízo de eventual apoio judiciário concedido.
Valor da ação: € 15.000,00
Fixa-se a taxa de justiça pelo mínimo legal.

11.B.3 - Condenar o arguido/demandado DD a pagar à ofendida GG, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 18.000 (dezoito mil Euros), acrescida de juros, a contar da data deste acórdão, até efetivo e integral pagamento, à taxa supletiva dos juros civis, fixada em 4% ao ano;
11.B.4 - Quanto ao mais, julgam o pedido de indemnização civil não provado, improcedente e em consequência absolvem o demandado do demais peticionado;
11.B.5 - Determinam que as custas relativas à instância cível fiquem a cargo da demandante e do demandado, na proporção do respetivo decaimento, fixando-se a taxa de justiça pelo mínimo legal e sem prejuízo de eventual AJ se concedido.
Valor da ação: € 40.000,00.
(...)”.
*
3. Inconformados com tal decisão, dela vieram interpor recurso o arguido DD e a assistente GG, cujas motivações são rematadas pelas seguintes conclusões e petitórios [2] (transcrição):
*
3.1. Arguido DD (através da peça processual constante de fls. 712/724):

1º O Recorrente não se conforma com o Acórdão recorrido, pelo que, interpondo o presente recurso de matéria de facto e de direito, o pretende ver revogado e substituído por outro nos termos infra explanados.
I – ABSOLVIÇÃO DO ARGUIDO DA PRÁTICA DO CRIME DE CRIME DE ABUSO SEXUAL POR IMPORTUNAÇÃO, PREVISTO E PUNIDO PELO ART.º 171.º, N.º 3 DO C.P.
1º Pelos motivos que se irão expor de seguida, baseados na prova que se irá indicar, o Recorrente considera que os pontos 40, 41, 42, 43 e 49 dos factos provados foram incorretamente julgados como provados, pelo que devem ser considerados como não provados.
2º O Recorrente negou todos os factos que fundamentam a acusação quanto à prática do crime de abuso sexual contra a Ofendida HH, apresentando uma justificação plausível para a versão por esta trazida aos autos.
3º Inexiste qualquer tipo de prova que permita ao Tribunal condenar o Arguido pela prática deste crime, pelo que terá de ser absolvido do mesmo.
4º O Arguido, declarou que conhecia a Ofendida e que havia mantido, uns tempos antes dos alegados factos, uma relação amorosa com a mesma, que referiu também não ter terminado bem entre ambos.
5º Ademais, afirmou ainda que que a Ofendida HH era também amiga da Assistente GG e após ter descoberto o que se teria passado entre o Arguido e a Assistente GG, ficou ressentida e zangada com o Recorrente, concluindo que toda esta conjuntura poderá ter estado na génese da acusação (falsa) ao Arguido pela Ofendida HH.
6º Declarações essas prestadas em sede de audiência de discussão e de julgamento, realizada no dia 09-05-2024, que foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu a consignando-se que o seu início ocorreu pelas 11h08m05s e o seu termo pelas 12h22m55s, sendo as passagens relevantes nos períodos do minuto 00:28:20 ao 00:31:30 e do minuto 00:55:55 ao 01:00:10 da gravação efetuada.
7º Não existe nenhuma testemunha que tenha visto os alegados factos, designadamente o alegado apalpão que fundamenta a condenação pelo Tribunal.
8º A testemunha II, apenas veio dizer que a Ofendida lhe transmitiu essa informação, mas que não viu nenhum apalpão do Recorrente à Ofendida, nem qualquer outro ato de natureza sexual.
9º Declarações essas prestadas em sede de audiência de discussão e de julgamento, realizada no dia 09.05.2024, que foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu a consignando-se que o seu início ocorreu pelas 16h02m48s e o seu termo pelas 16h14m50s, sendo as passagens relevantes nos períodos do minuto 01:25:00 ao 02:02:00 e do minuto 11:00:00 ao 11:18:00 da gravação efetuada.
10º Já a Ofendida HH, nas suas declarações prestadas em fase de inquérito, no dia 23-01-2023, cujo auto de inquirição se encontra junto aos autos a fls. 64, afirmou que após o alegado apalpão, ela e a testemunha II foram reportar o que se tinha passado à Diretora de Turma, Prof. JJ, tendo tal facto sido omitido, imagina-se que por lapso, visto que nem foi perguntado pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, nas declarações para memória futura prestadas posteriormente.
11º Quanto à mãe da Ofendida, testemunha KK, esta também vem apenas dizer que a sua filha lhe transmitiu essa informação, mas também não viu nada. Refere ainda que sabe que a Ofendida e a testemunha II que foram falar e reportar o sucedido no próprio dia à Diretora de Turma, Prof. JJ.
12º Declarações essas prestadas em sede de audiência de discussão e de julgamento, realizada no dia 13.05.2024, que foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu a consignando-se que o seu início ocorreu pelas 12h20m56s e o seu termo pelas 12h27m54s, sendo as passagens relevantes nos períodos do minuto 06:25 ao minuto 06:57 da gravação efetuada.
13º Quer a Ofendida HH, a testemunha II, e a testemunha KK, foram categóricas ao afirmar que após o alegado apalpão do Arguido à Ofendida, as raparigas que estavam alegadamente na sala, a Ofendida HH e a testemunha II, dirigiram-se imediatamente à sala da Diretora de Turma, Prof. JJ, para lhe relatar o sucedido.
14º A Diretora de Turma, Prof. JJ e testemunha nos autos, veio prestar depoimento a pedido da defesa do Recorrente, na sequência destes testemunhos.
15º Em sede de audiência de julgamento, veio afirmar que se recordava perfeitamente desse episódio e que a Ofendida HH e a testemunha II vieram ter consigo e relatar um episódio que alegadamente se havia passado momentos antes numa sala de aula com o arguido DD.
16º Esta testemunha foi categórica e inequívoca ao afirmar que as duas raparigas não lhe haviam transmitido rigorosamente nada acerca de um apalpão ou de qualquer outro ato de natureza sexual! Mais afirmou que se tal tivesse ocorrido certamente se lembraria disso!
17º Declarações essas prestadas em sede de audiência de discussão e de julgamento, realizada no dia 06.06.2024, que foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu a consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15h11m23s e o seu termo pelas 15h17m43s, sendo as passagens relevantes nos períodos do minuto 01:25 ao minuto 4:40 da gravação efetuada.
18º Esta testemunha, sendo alguém totalmente imparcial e externa às pessoas envolvidas, em contradição com as restantes testemunhas, parciais e interessadas (mãe e amiga da Ofendida), foi completamente ignorado pelo Tribunal a quo, considerando-se ser prova suficiente e bastante para colocar em crise a versão da Ofendida.
19º É inegável que tal meio de prova causa, no mínimo, uma dúvida razoável que esse tal apalpão tenha ocorrido.
20º Atendendo ao princípio in dúbio pro reu, o Tribunal deveria ter julgado os pontos 40, 41, 42, 43 e 49 como não provados e, em consequência, absolver o Recorrente da prática do crime de abuso sexual, por violação das normas elencadas no art.º 1.º e 171.º do Código Penal.

II – ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS PROVADOS E, EM CONSEQUÊNCIA, ABSOLVIÇÃO DO ARGUIDO DA PRÁTICA DO CRIME DE VIOLAÇÃO AGRAVADA, P. E P. PELO ARTIGO 164.º, N.º 2, AL. A) E 177.º, N.º 7 DO CP;
21º O Tribunal a quo considerou preenchido o tipo legal de crime previsto no n.º 2, do artigo 164.º, do CP, que prevê a existência de violência ou ameaça grave e a impossibilidade de resistir da vítima.
22º Entendeu o Tribunal que se preencheu o tipo legal atenta a existência de uma ameaça grave por parte do Recorrente, designadamente a que alegadamente consta do ponto 20 dos factos provados, o que este discorda por completo.
23º Em primeiro lugar, realça-se logo que a ameaça prevista neste normativo tem de ser, tal como o nome indica, uma ameaça grave, não bastando obviamente qualquer tipo de ameaça para o efeito, sendo necessário fazer um juízo crítico sobre a alegada ameaça para se poder concluir nesses termos.
24º O que resulta dos factos provados é que o Arguido terá ameaçado a divulgação de alegadas fotografias íntimas da Assistente, as quais, repare- não constam dos autos pelo que nem sabemos se efetivamente existem ou não, tal como admitiu a decisão recorrida, visto que o Arguido foi absolvido dos crimes de pornografia de menores que vinha acusado.
25º Resultou também da prova produzida nos autos, designadamente do depoimento de LL, sua mãe, bem como do relatório pericial médico-legal, da clínica forense de psicologia da Assistente e dos depoimentos das restantes testemunhas, que a Assistente tinha um historial de partilha de fotografias íntimas com colegas de escola e pessoas estranhas conhecidas online, isto é, em plataformas web na internet, tendo o feito, pelo menos, em 3 (três) ocasiões distintas, e a pessoas diferentes.
26º Depoimento da testemunha LL prestado em sede de audiência de discussão e de julgamento, realizada no dia 09.05.2024, que foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu a consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14h44m51s e o seu termo pelas 15h40m49s, sendo as passagens relevantes nos períodos do minuto 7:50 ao minuto 10:00 e do minuto 41:00 ao 44:10 da gravação efetuada.
27º Considera o Recorrente que a alegada ameaça por si proferida nunca poderia ser considerada uma ameaça grave, uma vez que desde logo nem possuía nenhumas fotografias, nem as mesmas constam dos autos ou qualquer outro meio de prova o indicia, e ainda porque a não se poderá considerar uma ameaça grave algo que a própria Assistente já o fazia com relativa frequência e facilidade.
28º Não constam assim, na opinião do Recorrente, quaisquer factos provados que preencham o tipo legal de crime previsto e punido pelo n.º 2, do artigo 164.º, do CP, pelo que deve ser o Arguido absolvido da prática deste crime, por violação deste normativo e do art.º 1, do CP.

III – ALTERAÇÃO DA CONDENAÇÃO DO RECORRENTE NO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL, REDUZINDO A INDEMNIZAÇÃO CONCEDIDA À ASSISTENTE PARA UM VALOR NUNCA SUPERIOR A € 5.000,00 (CINCO MIL EUROS)
29º Absolvendo o Recorrente do crime previsto no n.º 2, do artigo 164.º, do CP, a respetiva indemnização à Assistente deve sofrer igualmente as legais consequências.
30º Mesmo que assim não se entenda, o que não se concede, sempre se dirá que os danos dados como provados pelo Tribunal a quo não justificam nem são suficientes para condenação do Arguido no pagamento de uma indemnização no valor de € 18.000,00 (dezoito mil euros), pecando esta por manifesta excessividade, visto que o valor peticionado não respeita os princípios da proporcionalidade, equidade e adequação.
31º Deverá assim a indemnização atribuída à Assistente ser reduzida para um valor nunca superior a € 5.000,00 (cinco mil euros), por violação das normas elencadas nos arts.º 494.º e 496, n.º 3 do Código Civil.

IV – REVOGAÇÃO DA CONDIÇÃO DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO DE PAGAMENTO PARCIAL DA INDEMNIZAÇÃO FIXADA À OFENDIDA GG, NO VALOR DE € 5.000,00, A COMPROVAR ATÉ AO TERMO DA SUSPENSÃO DA PENA
32º A suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado o Recorrente foi condicionada ao pagamento de € 5.000,00, parcial da indemnização fixada à Assistente GG, a comprovar até ao termo da suspensão da pena.
33º Diz o artigo 51.º, do CP, o seguinte: «1 - A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente: a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou NA PARTE QUE O TRIBUNAL CONSIDERAR POSSÍVEL, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea».
34º Resulta dos factos dados como provados que o Recorrente aufere um salário muito próximo ao salário mínimo, no valor de € 830,00 (oitocentos e trinta euros), sendo este o seu único rendimento, não possuindo quaisquer bens – cfr. facto provado n.º 66.
35º Ao condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento de um valor mínimo de € 5.000,00 à Assistente, está o Tribunal a dificultar demasiado, ou mesmo a tornar quase impossível, a suspensão da execução da pena de prisão que aplicou.
36º Fez assim o Tribunal um juízo errado de prognose relativamente ao disposto no artigo 51.º, n.º 1, al. a), do CP, violando este normativo, pelo que deverá esta condição de suspensão da execução da pena de prisão ser revogada.

V – ALTERAÇÃO DO DESTINO DADO AOS OBJETOS APREENDIDOS COM A DEVOLUÇÃO DOS TELEMÓVEIS APREENDIDOS AO RECORRENTE
37º O Tribunal decidiu declarar perdidos em favor do Estado os telemóveis que foram apreendidos ao Recorrente DD, «por terem sido usados na prática do crime» (cfr. pág. 97 do douto acórdão).
38º Quanto à perda de bens a favor do Estado, exige-se um juízo de proporcionalidade e adequação que não existiu no âmbito do douto acórdão, visto que não procedeu a qualquer tipo de fundamentação, de facto ou de direito, da sua decisão de perda de bens a favor do Estado, o que significa uma nulidade por falta de fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do CPP, o que se invoca para todos os efeitos legais.
39º Mas ainda assim, sem prescindir, a decisão violou também o disposto no art.º 109.º, do CP visto que, atenta a factualidade demonstrada, os telemóveis não eram essenciais à prática do crime e que, por esse motivo, devem ser devolvidos ao Recorrente.
40º Por tudo quanto supra exposto, deve a decisão proferida ser revogada e ordenada a restituição dos telemóveis apreendidos ao seu proprietário, reconhecendo-se que foram violados os artigos 109.º do C.P. e 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do CPP.

TERMOS EM QUE:
revogando o douto acórdão recorrido e substituindo-o por um que:

I – ABSOLVA O ARGUIDO DA PRÁTICA DO CRIME DE CRIME DE ABUSO SEXUAL POR IMPORTUNAÇÃO, PREVISTO E PUNIDO PELO ART.º 171.º, N.º 3 DO C.P.;
II – ALTERE A QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS PROVADOS E, EM CONSEQUÊNCIA, ABSOLVA O ARGUIDO DA PRÁTICA DO CRIME DE VIOLAÇÃO AGRAVADA, P. E P. PELO ARTIGO 164.º, N.º 2, AL. A) E 177.º, N.º 7 DO CP;
III – ALTERE A CONDENAÇÃO DO RECORRENTE NO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL, REDUZINDO A INDEMNIZAÇÃO CONCEDIDA À ASSISTENTE PARA UM VALOR NUNCA SUPERIOR A € 5.000,00 (CINCO MIL EUROS);
IV – NÃO DETERMINE QUE A SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO FIQUE SUJEITA AO PAGAMENTO PARCIAL DA INDEMNIZAÇÃO FIXADA À OFENDIDA GG, NO VALOR DE € 5.000,00, A COMPROVAR ATÉ AO TERMO DA SUSPENSÃO DA PENA;
e
V – ALTERE O DESTINO DADO AOS OBJETOS APREENDIDOS, DESIGNADAMENTE DEVOLVENDO OS TELEMÓVEIS APREENDIDOS AO RECORRENTE,

nos termos acima requeridos e de acordo com a legislação vigente, farão Vossas Excelências a habitual J U S T I Ç A ! ! !”.
*
3.2. Assistente GG (através da peça processual constante de fls. 725 / 742 Vº):

PRIMEIRA: No presente recurso, a recorrente pretende colocar em causa, em relação ao arguido DD:
- a absolvição da prática dos crimes de pornografia de menores agravado e de ameaça agravado;
- a medida da pena, designadamente à aplicação do regime penal para jovens e à suspensão da execução da pena de prisão;
- O valor indemnizatório fixado em sede de pedido de indemnização cível.
SEGUNDA: O arguido DD foi absolvido da prática do crime de prática do crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 e 177.º, n.º 1, al. c) e n.º 7 do Código Penal por, em síntese, se entender que não se apurou se a imagem (print) da menor, nua da cintura para baixo, teria conteúdo concretamente pornográfico,  uma vez que tal imagem não chegou a ser apreendida.
TERCEIRA: Resulta dos factos considerados como provados nos pontos 20 a 25, do douto acórdão recorrido, que o arguido exigiu à recorrente a exibição da zona genital e que esta, por receio à ameaça que lhe foi feita, despiu a calças e exibiu-se à frente da câmara. Nesse momento, o arguido captou uma imagem e, durante toda a tarde, foi dizendo à recorrente que caso não mantivesse relações sexuais consigo exibiria “aquelas fotografias” (que poderiam englobar também outras fotografias antigas), sendo certo que face às sucessivas recusas da recorrente, o arguido partilhou com a menor, pelo menos, um print que tinha uma nude sua, precisamente a que tinha feito momentos antes.
QUARTA: Não é, pois, necessário termos acesso ao registo físico da imagem para concluirmos que a fotografia obtida pelo arguido no contexto referido é da zona genital da menor e, por isso, tem cunho pornográfico, visado e tutelado pela incriminação legal. Só assim se explica que a ofendida, com receio da divulgação desta foto, tenha acedido a ter relações sexuais com o arguido.
QUINTA: Assim, o arguido DD cometeu um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 e 177.º, n.º 1, al. c) e n.º 7 do Código Penal
ACRESCE QUE,
SEXTA: O arguido DD foi absolvido da prática de um crime de ameaça agravado pois o Tribunal recorrido entendeu que a ameaça foi um estratagema para perpetrar a violação e, por isso, este crime consome a ameaça, não se justificando uma incriminação autónoma.
SÉTIMA: A conduta do arguido DD, descrita nos pontos 23 a 25, 47, 97 e 98 da matéria de facto considerada como provada  integra o conceito de ameaça grave, uma vez que o arguido ameaçou a assistente com a prática de um mal futuro (divulgação, através da internet, de imagens íntimas da assistente), meio adequado a provocar na vítima medo, inquietação e a prejudicar a sua liberdade de determinação.
OITAVA: O crime de ameaça não é consumido pela prática do crime de violação, antes existindo concurso efetivo entre ambos os crimes, pois os atos constitutivos dos crimes de ameaça não foram meros instrumentos de comissão do crime de violação agravada, uma vez que existem dois momentos e duas resoluções criminosas do arguido, violadoras de bens jurídicos distintos: por um lado a ameaça que se a ofendida não mantivesse relações sexuais com o arguido este exibiria fotografias “nudes” suas e, por outro lado, a relação sexual que consistiu na pratica cópula com a ofendida, em concreto, coito vaginal, anal e oral, contra a sua vontade e mediante constrangimento.
NONA: Em consequência, o arguido, para além do crime de violação agravada, praticou o crime de ameaça agravado p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a) e al. b), por referência ao artigo 176.º, n.º 1, al. c).

ACRESCE QUE,
DÉCIMA: A aplicação da atenuação especial que resulta do Dec. Lei n.º 401/82 não se coaduna com a gravidade das infracções praticadas, a dimensão da culpa e da ilicitude, a intensidade do dolo, os fins que subjazem ao ilícito e as respetivas consequências, sendo que a defesa da sociedade e a prevenção  da criminalidade, as necessidades de reprovação e prevenção, impõe a exclusão de tal regime.
DÉCIMA PRIMEIRA: Por outro lado, de acordo com o acórdão recorrido, o juízo prognose favorável resultou, de dois factos: idade e ausência de antecedentes criminais do arguido. No entanto, a formulação de tal juízo deveria estar dependente da demonstração, por parte do arguido, de um sentimento de arrependimento sincero e sentido e actos concretos demonstrativos de contrição, o que não resulta dos factos provados porque não foi essa a postura do arguido ao longo do processo e, em particular, na audiência de julgamento.
DÉCIMA SEGUNDA: Em consequência, não deverá ser aplicada a atenuação especial da pena prevista no art.º 4.º do Dec. Lei n.º 401/82, de 23/09.

ACRESCE QUE,
DÉCIMA TERCEIRA: As exigências da culpa e prevenção especial e geral e todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, relevam a favor do arguido ou contra ele, impõe que sejam aplicadas as seguintes penas:
- Pelo crime de pornografia de menores agravado, 1 ano e 6 (seis) meses de prisão;
- Pelo crime de ameaça agravado, um ano e 6 (seis) meses de prisão;
-  Pelo crime de violação agravada, 6 (seis) anos de prisão;
- Pelo crime de importunação de natureza sexual, 4 (quatro) meses de prisão;

DÉCIMA QUARTA: Em cúmulo, face à moldura penal do concurso e à gravidade do ilícito global, deverá fixar-se uma pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

ACRESCE QUE,
DÉCIMA QUINTA: Atento o disposto no n.º 1, do art.º 50.º do Código Penal, a aplicação de uma pena de prisão superior a 5 (cinco) anos impossibilita a suspensão da execução da pena de prisão.
DÉCIMA SEXTA: Mesmo na hipótese de se entender que a pena aplicada em 1.ª instância se deve manter – o que se admite apenas para efeito de raciocínio, os motivos supra expostos impedem, salvo melhor opinião, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem, no caso concreto, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

ACRESCE QUE,
DÉCIMA SÉTIMA: O valor que o arguido foi condenado a pagar à recorrente a título de danos não patrimoniais - EUR 18’000,00 [dezoito mil euros] é injusto e inadequado aos factos que estão em causa nos presentes autos e às consequências absolutamente funestas e devastadoras que os mesmos tiveram, têm e terão na vida da recorrente - cfr. factos provados n.ºs 97 a 119 do acórdão recorrido
DÉCIMA OITAVA: resulta da matéria considerada como provada que a recorrente, na altura com 12 (doze) anos de idade, até ao fatídico dia ../../2021, nunca mantivera qualquer relação íntima, de natureza sexual e, que os factos ocorridos nesse dia tiveram um impacto absolutamente nefasto na sua vida futura. Na verdade, como foi considerado provado, a recorrente sofreu um choque psicológico inapropriado para a idade. Sentiu vergonha pela divulgação dos acontecimentos na escola, tanto assim que não mais voltou à Escola que frequentava e, no ano seguinte, passou a frequentar outra escola, nunca mais tendo querido relacionar-se com os amigos e colegas da escola antiga.  Passou a ter muitas dificuldades em fazer amigos. Apesar do tempo decorrido a demandante continua sem alegria de viver, sente-se prisioneira dos seus medos, dos seus receios e fobias e o sentimento de baixa autoestima acentuou-se. O perfil comportamental da recorrente variou, com elevações de níveis de “borderline” nas escalas de ansiedade e depressão e, em consequência, durante cerca de um ano, teve necessidade de frequentar sessões de acompanhamento psicológico e pedopsiquiátrico e de ser medicada para a ansiedade e controlo do sono.
DÉCIMA NONA: A recorrente iniciou a sua vida sexual, com a prática de coito anal, vaginal e oral, aos doze anos de idade, coagida com a ameaça de divulgação de uma fotografia tirada de forma sub-reptícia e sem o seu consentimento. Durante a prática dos actos sexuais, a recorrente sofreu dor física, humilhação e repúdio pela agressão ao seu corpo. A recorrente passou várias noites sem dormir, tinha pesadelos, acordando muitas vezes transtornada, não queria falar sobre o sucedido, isolava-se, andava revoltada, ansiosa e discutia e gritava com toda a gente que a rodeava, fazia queixas somáticas, designadamente várias irritações na pele. O trauma sofrido poderá repercutir-se negativamente nas futuras relações de intimidade da demandante.
VIGÉSIMA: Face a estes factos o valor da indemnização por danos não patrimoniais a pagar pelo arguido à recorrente deve ser fixada em EUR 40’000,00 [quarenta mil euros], valor que até poderá ser considerado como modesto face às consequências que o evento traumático teve na vida da recorrente.
VIGÉSIMA PRIMEIRA: O douto acórdão recorrida não aplicou corretamente ou fez uma incorreta aplicação do prescrito nos art.ºs 50.º, n.º 5, 53.º, n.º 1, 2, 4 e 54.º, 70.º, 71.º, 77.º, 176.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 e 177.º, n.º 1, al. c) e n.º 7, 153.º, al.s a) e b), do n.º 1, do art.º 155.º, por referência ao art.º 176.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, art.º 4.º do Dec. Lei n.º 401/82, de 23 de setembro e art.º 496.º do Código Civil.

NESTES TERMOS E PELO DOUTO SUPRIMENTO,
Deve o presente recurso ser julgado procedente e revogado o acórdão recorrido, condenando o arguido DD na pena única do concurso de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão e no pagamento da quantia de EUR 40’000,00 [quarenta mil euros], a título de indemnização por danos não patrimoniais, valor acrescido de juros, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento como é de
JUSTIÇA”.
*
4. Recebidos os recursos, através do despacho de 25/09/2024, e cumprido o disposto no Artº 411º, nº 6, do C.P.Penal [3], apresentaram-se a responder o Ministério Público e o arguido DD.
*
4.1. O Ministério Público nos termos que constam de fls. 743 / 754 Vº, pugnando pela improcedência de ambos os recursos, e pela manutenção da decisão proferida, peça processual que o Exmo. Procurador da República subscritor termina com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“1 – Inconformados parcialmente com o acórdão proferido nos autos em 8 de julho de 2024 – cfr. referência ...40 – vieram recorrer o arguido DD e a assistente GG;
2 – Alega o arguido em síntese:
- que existe erro de julgamento dos factos dados como provados constantes dos pontos “40, 41, 42, 43 e 49” na apreciação que o tribunal a quo realizou das declarações do arguido e das testemunhas HH, II, KK, JJ e com isso violou o princípio in dubio pro reo, em razão do qual o mesmo deve ser absolvido da prática do crime de abuso sexual referente à menor HH – conclusões 1 a 20;
- que o tribunal errou na qualificação jurídica dos factos referentes ao crime de violação agravada pois no seu entender a matéria dada como provada no ponto 20 não integra o elemento do tipo objetivo do ilícito de “ameaça grave“ – conclusões 24 a 28;
- que deve ser alterada a injunção estipulada como condição para a decretada suspensão da execução da pena de prisão de entregar o valor de € 5.000,00 à ofendida até ao termo da suspensão da pena pois que viola o artigo 51.º, n.º1, alínea a) do Código Penal – conclusões 34 a 36;
- que o tribunal não procedeu a qualquer tipo de fundamentação, de facto ou de direito, da sua decisão a propósito da declarada perda de objectos a favor do Estado, integradora da nulidade prevista nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do CPP e mesmo que assim se não entenda, a decisão violou também o disposto no art.º 109.º, do CP visto que, atenta a factualidade demonstrada, os telemóveis não eram essenciais à prática do crime – conclusões 38 e 39;
3 – Por sua vez, a assistente GG sustenta:
- que face à matéria dada como provada o arguido deve ser condenado pela prática do crime de pornografia de menores agravado previsto e punível pelos artigos 176.º, n.º1, alínea b) e n.º3 e 177.º, n.º1, alínea c) e n.º7, ambos do Código Penal, pois que no seu entender a fotografia obtida pelo arguido da menor GG “tem cunho pornográfico” – conclusões 3.ª a 5.ª;
- que face ao factos dados como provados nos pontos 23, 24, 25, 47 e 97 o arguido deve também ser condenado pela prática do crime de ameaça agravado pelo qual foi absolvido, no entendimento que, diversamente do entendimento do tribunal a quo, se está perante concurso real de infrações reportados a dois momentos e duas resoluções criminosas do arguido – conclusões 7.ª a 9.ª;
- que deveria ter sido afastada a aplicação do regime penal especial para jovens regulado pelo D.L. n.º 401/82, de 23/9, no entendimento que tal regime não se coaduna com a gravidade das infracções praticadas, a dimensão da culpa e da ilicitude, a intensidade do dolo, os fins que subjazem ao ilícito e as respetivas consequências - conclusões 10.ª a 12.ª;
- que as penas parcelares e única aplicadas devem ser superiores e deve a pena única situar-se nos 7 anos e 6 meses de prisão – conclusões 13.ª e 14.ª;
- que mesmo que assim se não entenda considera que, perante os argumentos que invoca relativamente ao afastamento do regime especial para jovens delinquentes, não estão reunidos os pressupostos para a decretada suspensão da execução da pena de prisão – conclusões 16.ª.
4 - Com relação ao invocado erro de julgamento sustentado pelo arguido recorrente, sempre se dirá que na forma como surge o todo explanado na motivação de recurso a propósito do invocado erro de julgamento em comparação com aquilo que surge refletido na explanação da fundamentação da matéria de facto do acórdão proferido nos autos e para a qual remetemos e aqui damos por reproduzida, na forma específica, especificada, pormenorizada e muito cuidada como surge ali refletida torna-se inequívoco que, para além do que ali surge referido a propósito do que foram as diversas declarações, não surge minimamente beliscado por aquilo que o recorrente refere na sua motivação.
5 - Por isso, seja do respetivo teor seja ainda do todo feito constar na motivação do tribunal a quo não assiste razão ao recorrente naquilo que concluiu da análise da prova produzida, resultando, ao invés, que a matéria de facto dada como provada faz pleno, justo e adequado eco da prova efetivamente produzida em audiência de julgamento.
6 - Ao fim e ao cabo, a questão central que a motivação de recurso coloca prende-se com o princípio da livre apreciação da prova, que concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional, verificando-se que no douto acórdão condenatório até se escalpeliza aquilo que envolve a negação ou a admissão de alguns dos factos por parte do ora recorrente a propósito dos modos como foram delineados cada um dos crimes;
7 - Em contraposição com aquilo que é referido na motivação de recurso é nosso modesto entendimento que a prova produzida em audiência, não desmente, minimamente, o juízo  efetuado pelas MM.ªs Juizes a quo quanto à credibilidade daquele conjunto de declarações e na qual estribou a sua convicção e que ali consta expressamente vertido e à análise da prova documental na sua integração e compreensão para a afirmação daquela convicção.
8 - A convicção do tribunal formou-se com base numa análise crítica cuidada dos diversos elementos de prova, não se verificando que o juízo de credibilidade efetuado pelo tribunal ou a sua análise conflitue, de algum modo, com a boa lógica e a experiência comum.
9 - Pelo raciocínio vertido a que chegou o tribunal para formar a sua convicção, não ressalta que, conjugado com as regras da experiência comum, outra pudesse ou devesse ter sido a decisão sobre a matéria de facto, resultando que o Tribunal formou a sua livre convicção segundo as regras de experiência comum, na contraposição entre os diversos elementos de prova produzidos em audiência, como aliás estabelece o artigo 127.º do CPP, tendo firmado a sua convicção, justificando-a, tendo decidido com base na certeza alcançada sobre a realidade dos factos, no quadro de uma verdade histórico-prática e processualmente válida e por isso, não vislumbramos razões para que seja alterada aquela matéria de facto provada.
10 – Relativamente à pugnada condenação pelo crime de pornografia de menores, no que envolve os factos dados como provados nos artigos 20 a 25, em face do desenvolvimento doutrinal e jurisprudencial que o tribunal a quo refere, comungamos do entendimento que a qualificação de uma fotografia “como pornográfica deve exprimir, segundo o seu conteúdo objetivo, que ele é idóneo, segundo as circunstâncias concretas da sua utilização, a excitar sexualmente a vítima, ultrapassando por isso notoriamente, em abstrato, os limites permitidos por um desenvolvimento sem entraves da personalidade do menor. É deste modo ainda (…) uma interpretação de acordo com o bem jurídico”.
11 - Naquilo que consta na acima referida matéria de facto dada como provada, no concreto contexto em que foi obtida aquela fotografia, pela objetividade, pelo sentido comum, por aquilo que surge descrito o seu conteúdo, pela ausência de quaisquer desenvolvimentos na conversação para além do pedido de uma fotografia da ofendida despida, a idade do próprio arguido e decisivamente em razão do bem jurídico protegido, a fotografia que o arguido obteve da ofendida e que lhe exibiu não se pode afirmar uma fotografia com expressão e conteúdo pornográfico, que visasse utilizá-la com fins pornográficos;
12 – Não integra assim o conceito de pornografia de menores, não ofende o bem jurídico individual e plurisubjetivo protegido pela incriminação da pornografia de menores na modalidade do aliciamento para a utilização de crianças em fotografias pornográficas;
13 – Relativamente à pugnada condenação do arguido pelo crime de ameaça, no que envolve a matéria de facto dada como provada nos n.ºs 23 a 25 e 47, na simplicidade com que se apresenta se “a captação deste print foi o estratagema usado pelo arguido DD para exercer sobre a menor GG a ameaça grave que lhe permitiu perpetrar a violação”, no iter criminoso da restante factualidade, como o tribunal a quo afirma, naturalmente “tal conduta – bem como a ameaça que lhe é inerente, estão consumidos pelo crime de violação previsto na al. a) do n.º 2 do artº 164.º do CP, não se justificando a incriminação autónoma quer da captação da imagem (…) quer da ameaça grave usada para esse fim (…) não se justificando incriminação autónoma.”
14 - Aliás o entendimento do tribunal a quo não constitui mais que o eco da doutrina e jurisprudência, se não unânime mas seguramente maioritárias, no entender que para se afirmar a pluralidade criminosa é necessário que se deixe afirmar em relação ao agente mais do que um juízo de censura referida a uma pluralidade de processos resolutivos e onde há que acrescentar à pluralidade de bens jurídicos violados uma pluralidade de processos volitivos merecedores de distintos juízos de censura, e com isso se justificando a unidade ou pluralidade desses juízos de censura, levado depois para aquilo que se tem entendido como uma valoração mais global que corresponde ao significado social do facto que inspira a própria formulação dos tipos legais de crime, ou seja aquilo que os doutrinadores designam por sentido social da ilicitude material.
15 - Em face da matéria dada como provada, não pode suscitar quaisquer dúvidas de que a actuação do arguido na utilização daquele “nude”, para além de não se afastar, é parte integrante e indissociável do propósito formulado de ter relações sexuais com a ofendida, onde não se pode de facto afirmar que tenha obedecido a uma autónoma resolução perfeitamente cindível da conduta integradora do crime de violação agravado pelo qual foi condenado, agravação essa que resulta precisamente daquela ameaça a considerar como grave.
16 - Por isso, até no lapso de tempo que intercorreu entre os dois momentos, se pode afirmar que aquela “ameaça grave” radica no mesmo processo volitivo presente naquela violação agravada.
17 – Vista a matéria de facto dada como provada bem andou o tribunal a quo a considerar que aquela materialidade integrava aquele conceito de “ameaça grave” e com isso a agravação do crime de violação, numa argumentação que se verifica estribada em pertinente jurisprudência e doutrina ali devidamente explicitada;
18 - Por isso, com a devida vénia e sem quaisquer rebuços, e porque qualquer outro acrescento mais não constituiria que “lavrar em terra já arada” aderimos à fundamentação de direito no que concerne à integração e qualificação jurídica dos factos dados como provados levada a cabo pelo tribunal e que tem sustentáculo na melhor jurisprudência e doutrina ali expressa.
19 – No que concerne à aplicação do regime para jovens delinquentes, muito embora em tese se comungue do expendido pelo assistente, o certo é que a decisão proferida nos autos vai de encontro aquilo que constitui a jurisprudência mais recente dos nossos tribunais superiores e muito particularmente do Supremo Tribunal de Justiça onde até em casos de crimes bem mais graves (incluindo homicídio qualificado e negação dos factos por parte do arguido), na falta de antecedentes criminais e inserção social e familiar tal regime tem sido aplicado.
20 - No mais, no que envolve verificar se as penas parcelares e única aplicadas ao arguido ficam aquém das necessidades de prevenção especial e geral ou se estão ou não reunidos os pressupostos para eventual suspensão da sua execução, somos de afirmar que a decisão do tribunal a quo se exibe plenamente ajustada e equilibrada, fundamentada doutrinal e jurisprudencial e fazendo jus às necessidades de punição que o caso requer.
21 - Para além de que, no pressuposto que se mantém inalterada a qualificação jurídica dos factos realizada pelo tribunal a quo, o que é peticionado pela assistente recorrente a propósito da agravação da pena parece-nos que ela ainda se enquadra no espaço que é concedido pela nossa jurisprudência de conformação do julgador com relação à dosimetria das penas (naquilo que implica não se afirmar consentâneo com a intervenção do tribunal superior quando estão em causa pequenas diferenças de pena) e não se vislumbra da matéria de facto fundamento bastante para que as penas parcelares e única se fixassem num patamar muito superior àquele fixado pelo tribunal a quo, nem que fosse afastada a decretada suspensão da execução da pena de prisão;
22 – No que respeita à pugnada revogação da injunção estipulada como condição para a decretada suspensão da execução da pena de prisão de entregar o valor de € 5.000,00 à ofendida até ao termo da suspensão da pena”, atrevemo-nos a afirmar que o pretendido pelo arguido não é mais que o pretender a conversão de uma condenação por “uma absolvição em pena suspensa”.
23 - Com efeito, para quem aufere um salário mensal próximo do SM, que integra 14 salários por ano, e está obrigado a entregar € 5.000 em 4 anos e 10 meses (58 meses), este valor traduz-se em cálculos aritméticos fáceis de realizar, números redondos, de um alocar entre 9 e 10% do seu salário anual para ressarcir parte da indemnização devida à vítima, num valor de cerca de € 2,5 diários.
24 – A par disso verifica-se que na argumentação que aduz olvida o arguido o facto dado como provado n.º 55, do qual se pode extrair que as suas despesas são bem inferiores àquelas que normalmente envolvem quem tem habitação própria ou arrendada ou tem obrigações para com outros que compõem o seu agregado familiar.
25 – Por fim relativamente à decretada perda de objectos, a decisão inequivocamente remete para o pertinente normativo e remete igualmente para a matéria de facto dada como provada e lendo a decisão mais concretamente aquela que se situa nos artigos 20 a 24.
26 - Ora, em vista dessa matéria dada como provada, apesar de exígua e sintética fundamentação neste particular ponto da decisão condenatória, o certo é mais não constitui que uma súmula do todo antes expendido e que a bondade e o fundamento do decidido se extrai e surge complementada a propósito daquilo que o tribunal discorre na parte que alude à qualificação jurídica dos factos dados como provados, pelo que não padece da invocada nulidade.
27 - Para além de que, como é bem evidente, o telemóvel do arguido foi essencial à prática do crime pois foi através dele que recepcionou aquele “nude” e foi com ele que o exibiu à vítima e que com a sua exibição usou como instrumento para realizar a ameaça conducente ao crime que veio a praticar.
28 - O douto acórdão não violou as normas referidas pelos recorrentes ou qualquer outro preceito legal e nele se decidiu conforme a lei e o direito.

Devem, assim, os recursos interpostos serem julgados improcedentes e assim mantida a douta decisão proferida nos autos.
Assim farão Vossas Excelências,
Senhores Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães como sempre, JUSTIÇA”.
*
4.2. O arguido DD, nos termos constantes de fls. 755/766, defendendo, também, a improcedência do recurso da assistente GG, e a manutenção da decisão recoridida [sem prejuízo do recurso pelo mesmo interposto].
*
5. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal da Relação emitiu o parecer que consta de fls.768/769, acompanhando e subscrevendo, em síntese “(...) as judiciosas considerações expostas nas alegações de recurso apresentadas pelo Exmo. Procurador da República que, com brilhantismo, se encarregou de rebater, de forma inabalável, os argumentos de ambos os recorrentes.”.
*
6. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, não foi apresentada qualquer resposta.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

1. É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal [4].

Assim sendo, no caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelos recorrentes, são as seguintes as questões que basicamente importa decidir:

1.1. Arguido DD
- Saber se existe erro de julgamento no que concerne aos factos dados como provados constantes dos pontos 40., 41., 42., 43. e 49. [e se, em face da respectiva alteração, o arguido deverá ser absolvido do crime de abuso sexual por importunação, p. e p. pelo Artº 173º, nº 3, do Código Penal, que lhe foi imputado];                
- Saber foi violado o princípio in dubio pro reo;
- Saber se existe errada qualificação jurídica dos factos referentes ao crime de violação agravada;
- Saber se deve ser alterada a injunção estipulada como condição para a decretada suspensão da execução da pena de prisão [entrega pelo arguido à ofendida do valor de € 5.000,00 até ao termo da suspensão da pena];
- Saber se é excessivo o montante que foi arbitrado à assistente a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos;
- Saber se a decisão recorrida enferma de nulidade no que tange à declaração de perda de objectos apreendidos (telemóveis) a favor do Estado; e
- Saber se inexistem fundamentos legais para essa declaração de perda.
*
1.2. Assistente GG
- Saber se, em face da matéria dada como provada nos pontos 20. a 25. o arguido deve ser condenado pela prática de um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos Artºs. 176º, nºs 1, al. b) e 3, e 177º, nºs. 1, al. c), e 7, ambos do Código Penal;
- Saber se, em face ao factos dados como provados nos pontos 23. a 25., 47., 97. e 98., o arguido DD deve também ser condenado pela prática do crime de ameaça agravado, do qual foi absolvido, havendo concurso efectivo entre esse ilícito e o crime de violação agravada;
- Saber se deveria ter sido afastada a aplicação do regime penal especial para jovens regulado pelo Dec.-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro;
- Saber se penas parcelares e única aplicadas ao arguido DD devem ser superiores;
Mesmo que assim se não entenda
-Saber se deve ser afastada a decretada suspensão da execução da pena de prisão; e
- Saber se é exíguo o montante quer lhe foi arbitrado a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos.
*
2. Mas, para uma melhor compreensão das questões colocadas e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, antes de mais, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados no acórdão recorrido, e bem assim a fundamentação acerca de tal factualidade.
2.1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
3.1.1 – Quanto à acusação pública (com aditamentos pontuais, que resultaram da concretização de fatos da acusação (...):
1. A ofendida GG, nasceu em ../../2008 e está registada como filha de LL e de MM.
2. Frequentou, pelo menos entre ../../2020 e ../../2021, os 6.º e 7.º anos na Escola ... 2/ 3 de ..., sita na Rua ..., ..., ..., em ....
3. Em 26/03/2020, a ofendida conheceu, através de um jogo virtual, designado como “...”, o arguido AA, que se apresentou como sendo de ... e tendo 17 anos, e a quem aquela disse ter 11 anos e identificou a escola que frequentava.
4. Mantiveram contactos através do jogo e das redes sociais Instagram e WhatsApp, para o que o arguido AA utilizava o número ...13, e iniciaram uma relação de namoro “virtual”, sempre à distância e sem que nunca se tenham encontrado presencialmente.
5. Decorridos alguns meses, em data não concretamente apurada, em junho de 2020, o arguido AA solicitou à ofendida GG que lhe enviasse fotografias e vídeos em que esta se exibisse despida, o que, inicialmente, recusou, vindo, uns dias mais tarde, a anuir àquela solicitação.
6. Então, no decurso daquele mês, e por mais do que uma vez, a ofendida GG fotografou-se (pelo menos, uma vez) e filmou-se despida (pelo menos, uma vez), com o seu telemóvel, e enviou ao arguido AA essas mesmas imagens.
7. Por os progenitores terem descoberto que se comunicava com o arguido AA, a ofendida GG ficou sem acesso ao telemóvel, deixando, por conseguinte, de interagir temporariamente com aquele,
8. O que o determinou, por várias vezes, a tentar contactá-la através de chamadas telefónicas, utilizando o supra identificado número.
9. Em data não concretamente apurada do ano de 2019, a ofendida GG tinha sido assediada, por um grupo de pessoas, cuja identidade e idades não se apuraram, através do Whatsapp, e que a chantagearam alegando ter na sua posse, fotografias suas, em que se encontrava totalmente despida,
10. O arguido DD frequentava a mesma escola EB 2/3 ... e conhecia a ofendida, como aluna do 7.º ano da mesma escola e, concretamente, a sua idade.
11. No dia ../../2021, pelas 13h15, a ofendida GG, acompanhada de uma amiga, NN, encontrou o arguido AA, junto ao quiosque, sito em frente à Escola.
12. O arguido AA travou conversa com a amiga NN, dizendo-lhe que “era linda” e “que até a comia”(sic) e pediu-lhe o número de telefone, o que a mesma recusou.
13. A ofendida GG interpelou o arguido AA e disse-lhe que parasse de assediar a amiga, dizendo-lhe que “era um porco”(sic);
14. Este colocou as suas mãos à volta do pescoço daquela, como que simulando que lhe apertava o pescoço, o que, porém, não chegou a fazer.
15. Chegada a casa, a ofendida GG enviou mensagem ao arguido AA, através do Instagram, pedindo que se afastasse da amiga NN, sob pena de o denunciar à Direção da Escola e à PSP.
16. O arguido AA brincou com a situação e respondeu que não tinha medo nenhum e que “tinha nudes suas”, referindo-se a imagens da ofendida GG em que surgia despida,
17. Após o que lhe disse que falassem através da aplicação ..., dialogando por escrito, no chat, mas com as câmaras de ambos ligadas.
18. Iniciaram, então, uma videochamada, sucedendo que, cada vez que a ofendida GG abria o chat, a câmara se desligava, o que provocava a ira do arguido que logo lhe dizia que “ia mandar as nudes a toda a gente”, e insistiu que dispunha de fotografias.
19. Tendo a menor GG intuído que se tratavam das fotografias (“nudes”) que a própria enviara, meses antes, ao arguido AA.
20. Ainda nessa videochamada, o arguido AA disse à ofendida GG que “se não tivessem cenas“(sic), o que a menor interpretou “se não fizesse sexo consigo, o beijasse e namorasse com o mesmo”, divulgaria as referidas imagens.
21. Em seguida, o arguido AA solicitou à ofendida GG que lhe exibisse a sua zona genital, vindo a mesma, após muita insistência, por receio, após ser, uma vez mais, advertida que “se o não fizesse partilharia as suas nudes”, a despir as calças e a exibir-se em frente à câmara,
22. Tendo aquele captado a imagem (feito um “print”) que, em seguida, lhe mostrou.
23. Durante toda a tarde, o arguido AA foi dizendo à ofendida GG que, caso não mantivesse consigo relações sexuais, exibiria aquelas fotografias, “nudes”.
24. Ao final da tarde, perante as sucessivas recusas da ofendida, o arguido partilhou consigo, pelo menos, um print que tinha uma “nude” sua.
25. Assustada, com receio da exposição pública, a ofendida GG concordou encontrar-se com o mesmo, no dia seguinte, no final das aulas, pelas 13h15, em frente ao portão da escola.
26. No dia ../../2021, à hora combinada, à saída da escola, a ofendida GG encontrou-se com o arguido AA e caminharam, pela estrada, em direção a uns prédios.
27. A certa altura, pararam e o arguido AA beijou-a nos lábios e introduziu os seus dedos na vagina da ofendida GG.
28. Como passavam pessoas, prosseguiram o caminho até às traseiras de um prédio, numa zona mais isolada, e aí, o arguido AA voltou a beijá-la na boca.
29. De seguida, o arguido desapertou e baixou as calças e as cuecas que a ofendida vestia, após o que baixou as suas calças e cuecas e colocou um preservativo no pénis.
30. Logo após, encontrando-se ambos de pé, o arguido disse à ofendida que se virasse de costas e introduziu-lhe o pénis ereto no ânus, passando a fazer movimentos de vaivém.
31. Uns minutos depois, ainda com o preservativo colocado, o arguido disse-lhe que se tornasse a virar e, desta feita, introduziu-lhe o pénis na vagina, tornando a fazer movimentos de vaivém, enquanto a beijava na boca.
32. Alguns minutos depois, o arguido retirou o preservativo, ordenou à ofendida que se baixasse e colocou o pénis na sua boca, mais uma vez fazendo movimento de vaivém, até ejacular.
33. Após, o arguido deitou o preservativo ao chão e vestiu-se, ordenou à ofendida que se vestisse e regressaram até à escola,
34. Onde a ofendida recuperou a mochila e seguiu para casa.
35. Já em casa, através de mensagem de Instagram, o arguido disse à ofendida que eliminara as suas fotografias, tendo a ofendida respondido que já não queria mais nada com o mesmo.
36. Perante a resposta da ofendida GG, o arguido acrescentou que conseguia recuperar as fotografias, deixando-a na mesma situação de pânico.
37. Até à data de ../../2021, nunca a ofendida GG, à data com 12 anos de idade, mantivera qualquer relação íntima, de natureza sexual.

38. Na mesma escola frequentada pelo arguido AA, também a ofendida HH, nascida a ../../2008, frequentava o 7.º ano.
39. Em dia não concretamente apurado do mês de ../../2021, mas no período da manhã de uma quarta-feira, a ofendida HH, à data com 13 anos de idade, e uma outra colega, II, em razão de não terem tido uma aula, estudavam na sala de aulas C6, daquela escola.
40. A certa altura, o arguido AA irrompeu por essa mesma sala e, encontrando a ofendida HH a escrever no quadro, aproximou-se e tocou-lhe com uma mão nas nádegas, acariciando-a, sobre a roupa.
41. Assustada, a ofendida HH fugiu para a ponta oposta da sala.
42. A certa altura, o arguido disse à II: “Oh II, não te importas de sair… é só dois minutos que eu quero falar de coisas nojentas com a HH!”
43. Como a ofendida HH fez sinais à amiga para que não saísse, aquela não o fez e o arguido acabou por se ausentar.

44. Agiu o arguido AA de forma livre, voluntária e consciente,
45. Sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
46. O arguido AA conhecia a especial vulnerabilidade da ofendida GG, atenta a sua idade – 12 anos – que não lhe permitia ter a capacidade e o discernimento necessários a uma livre decisão.
47. Mais agiu o arguido DD, ao comportar-se nos termos supra descritos sob os artigos 18.º a 25.º, com o propósito concretizado de anunciar mal futuro contra a liberdade e autodeterminação sexual da ofendida GG, sabendo que o fazia de forma adequada a provocar-lhe medo e inquietação, assim a constrangendo a encontrar-se consigo.
48. Como agiu o arguido DD com o propósito concretizado de constranger a ofendida GG a submeter-se a relações sexuais de cópula, coito anal e oral, após a ter colocado na impossibilidade de resistir, perante a ameaça da exibição pública das suas imagens íntimas, para satisfação dos seus instintos libidinosos, sabendo que punha em causa o livre desenvolvimento da sua personalidade, na esfera sexual.
49. Por fim, agiu o arguido DD, conhecedor da especial vulnerabilidade da ofendida HH, em razão da sua idade (13 anos), com o propósito concretizado de satisfazer os seus instintos libidinosos, bem sabendo que punha em causa o livre desenvolvimento da sua personalidade, e que a importunava na esfera sexual.

Mais se provou que:
50. Em 01.06.2021, aquando da realização do exame pericial de natureza sexual, a menor GG referiu queixas dolorosas nos quadrantes inferiores abdominais.
51. A menor GG e o arguido AA, mantiveram contato, por troca de mensagens, pelo menos até ../../2021.
52. O arguido AA não tem antecedentes criminais registados no seu CRC.
53. O arguido DD não tem antecedentes criminais registados no seu CRC.
54. O arguido DD, embora registasse comportamento indisciplinado na Escola, não tem registo de aplicação de medidas tutelares educativas.

3.1.2 - Quanto à situação pessoal do arguido DD:
55. À data dos factos, DD integrava o agregado dos avós maternos. 56. Anteriormente residia com a progenitora e com o padrasto, mas a dificuldade em lidar com o comportamento desafiante do arguido durante a adolescência, designadamente com o não cumprimento de regras por parte deste, conduziu à decisão de o arguido integrar o núcleo familiar dos avós e tia materna.
57. Os avós maternos e, em particular, a tia OO, que integra também este agregado, constituem um suporte relevante, tanto ao nível relacional, como ao nível do acompanhamento e orientação das suas necessidades, na transição para a autonomia de vida.
58. Na dinâmica relacional deste núcleo familiar foram expressos vínculos afetivos.
59. DD integra o Exército e, durante a semana, permanece no quartel do Regimento de Cavalaria n.º 6, em ..., ou em casa de um amigo.
60. Mantém um relacionamento afetivo que considera gratificante, referindo a possibilidade de a namorada se encontrar grávida.
61. O arguido concluiu o 9º ano de escolaridade, com 18 anos, após várias retenções no seu percurso académico.
62. Neste contexto foram reportadas dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento, tendo sido diagnosticado com perturbação de hiperatividade com défice de atenção.
63. Foi acompanhado, durante vários anos, no Hospital ..., na especialidade de pedopsiquiatria, tendo sido medicado para a perturbação acima descrita.
64. Neste contexto, durante o percurso escolar, beneficiou de medidas de apoio à aprendizagem e à inclusão.
65. O estabelecimento de ensino informou, em maio de 2023, que o arguido apresentou sempre um comportamento muito agitado, dentro e fora da sala de aula e dificuldade em acatar regras e normas da Escola.
66. DD incorporou o Exército em 24.07.2022, em regime de contrato, na categoria de soldado, auferindo o salário mínimo nacional (830,00€) – embora na Segurança Social esteja registado € 955,00 -, verbalizando motivação e orgulho no exercício desta atividade.
67. Anteriormente teve uma curta experiência laboral, em empresa de cabelagem, onde realizou formação prévia em contexto de trabalho.
68. O arguido desenvolveu a maior parte das suas relações sociais com pares que apresentavam alguns comportamentos de risco/desvio face às normas, situação que foi assinalada com preocupação pelos familiares.
69. No entanto, foi também referido que a incorporação no Exército potenciou um afastamento face a estes pares, situação corroborada pelo arguido, referindo que atualmente apenas vem a ... uma vez por mês, apenas para estar com a família.
70. Não foram reportados problemas de saúde relevantes.
71. Admite o consumo ocasional de álcool, em contexto recreativo, sem implicações comportamentais assinaláveis, ou interferência na vida do arguido.
72. Foi diagnosticado, durante a infância, com perturbação de hiperatividade com défice de atenção, tendo efetuado medicação para controlo desta perturbação, até abandonar o percurso académico, após atingir a maioridade.
73. De um modo global, adota um comportamento socio-relacional ajustado, ainda que seja referida alguma impulsividade e imaturidade por parte do mesmo.

3.1.3 - Quanto à situação pessoal do arguido AA:
74. À data dos factos, o arguido residia com os progenitores, na morada dos autos, enquadramento habitacional e familiar que mantém.
75. O arguido reside em apartamento tipologia 2, habitação própria adquirida pelos progenitores, mediante empréstimo bancário, com boas condições de habitabilidade, inserida em zona urbana do concelho ....
76. O agregado conta com despesas habitacionais, no valor global de € 500,00, a incluir amortização mensal de € 300,00 e € 200,00 de consumos domésticos (eletricidade, água e telecomunicações).
77. A situação financeira é encarada pelo arguido e agregado como suficiente para fazer face às necessidades pessoais, gerais e familiares, assente no vencimento de ambos os progenitores, laboralmente ativos, como professores, a rondar o valor global de € 2.900,00.
78. No contexto sócio-habitacional e comunitário, o arguido apresenta inserção discreta e ajustada, privilegiando atividades estruturadas de tempos livres, de índole desportiva.
79. O arguido praticou a modalidade de voleibol, desde os 10 anos de idade, na Associação ..., até há cerca de um ano, mantendo-se no presente, com funções de ajudante de treinador de voleibol, na mesma associação desportiva, nas camadas femininas, Minis-B (10-12 anos) e infantis (13 anos).
80. A par, o arguido regista, desde a infância, percurso estruturado de modalidades desportivas, a incluir ginástica e ténis, na mesma associação desportiva.
81. O arguido regista problemas de saúde de índole renal e de caráter neuropsicológico, tendo sido seguido no Centro Hospitalar .../... e posteriormente no Centro Hospitalar ... (Hospital ...), seguimento este que mantém.
82. Foi acompanhado nas consultas de desenvolvimento e de pedopsiquiatria com toma de medicação até aos 17 anos de idade, destinado ao tratamento de défice de atenção e hiperatividade.
83. Cessou o acompanhamento por atingir a maioridade, sem outra referenciação por ter sido considerada a respetiva desnecessidade por parte da unidade de saúde hospitalar.
84. Decorrente dos problemas de saúde congénitos renais mencionados, o arguido realizou diálise e transplante renal pelos 9 anos, mantendo o seguimento em consulta de nefrologia e cardiologia, no referido contexto hospitalar, com toma de medicação regular imunossupressora.
85. A trajetória clínica do arguido, ainda que no presente seja descrita como estabilizada, apresenta repercussões nas esferas de socialização, aprendizagem e autorregulação emocional.
86. O arguido conta percurso escolar pautado por dificuldades de inserção/adaptação desde o ensino pré-escolar, tendo sido paralelamente acompanhado em consulta de pedopsiquiatria, com toma de medicação, por dificuldades de regulação comportamental, com impacto no processo de aprendizagem.
87. Em termos escolares, o arguido conta com percurso sem retenções.
88. Não obstante, o seu percurso escolar foi sendo impactado pela trajetória clínica que, no presente, representa maior estabilidade.
89. Frequentou o 10.º ano no ensino regular, área geral de economia, que veio a alterar para a vertente técnico-profissional, curso de “Técnico de Gestão”, na Escola Secundária ..., em ..., cuja conclusão lhe conferiu dupla certificação, de nível 4 do Catálogo Nacional de Qualificações.
90. AA concluiu o ensino secundário, em 2023, prosseguindo estudos, mantendo-se integrado em termos formativos, no corrente ano letivo, a frequentar o ‘Curso Técnico Superior Profissional em Treino Desportivo de Jovens’, no ..., na ..., com a duração de dois anos, cuja conclusão lhe confere o nível 5.
91. Neste contexto, cumpre o pagamento de € 234,00, referente à propina mensal.
92. O arguido testemunha interesse e investimento escolares/formativos, com regular desempenho e produtividade.
93. Demonstra interações cordiais com colegas, docentes e respetivo enquadramento institucional, perspetivando a prossecução de estudos ao nível do ensino superior, na área de desporto.
94. Mantém quotidiano assente na atividade formativa, convivialidade familiar e interações desportivas, sem serem descritas relações de intimidade significativas.
95. As interações na rede social e de vizinhança são tidas como positivas e apoiantes.
96. Os progenitores continuam a manter-se apoiantes, testemunhando enquadramento pessoal e social normativo.

3.1.4 - Quanto ao pedido de indemnização civil:
97. O demandado DD coagiu a demandante GG, chantageando-a, alegando que tinha na sua posse fotos em que esta estava despida, de forma a satisfazer os seus instintos libidinosos.
98. A demandante sofreu, com receio que o demandante concretizasse as suas ameaças e divulgasse as suas imagens.
99. Durante a prática dos atos sexuais descritos na acusação, a demandante sentiu dor física, humilhação e repúdio por ver o seu corpo agredido.
100. Após, a demandante sentiu-se profundamente perturbada emocionalmente, envergonhada, humilhada, até porque os acontecimentos descritos na acusação foram amplamente divulgados na Escola que então frequentava, junto dos seus professores, amigos e conhecidos.
101. A demandante sofreu choque psicológico inapropriado à sua idade.
102. Em consequência, a demandante não mais frequentou a Escola nesse ano letivo e, no ano seguinte, passou a frequentar uma outra Escola.
103. A demandante não mais quis relacionar-se com os amigos e colegas da escola que frequentava quando dos factos descritos na acusação.
104. Ainda em consequência dos factos em questão, a demandante passou a ter muitas dificuldades em fazer amigos.
105. A demandante, após o acontecimento dos factos, passou várias noites sem dormir.
106. Tinha pesadelos, acordando muitas vezes transtornada.
107. Não queria conversar com quem quer que fosse sobre o sucedido, isolando-se.
108. A demandante passou por vários distúrbios de personalidade.
109. Andava revoltada, ansiosa e discutia e gritava com toda a gente que a rodeava,
110. Fazia queixas somáticas, nomeadamente de várias irritações na pele.
111. O perfil comportamental da demandante variou, com elevações de níveis de "borderline" nas escalas de ansiedade e depressão.
112. Em consequência, durante cerca de um ano, demandante teve a necessidade de frequentar sessões de acompanhamento psicológico e pedopsiquiátrico e de ser medicada para a ansiedade e controlo do sono.
113. A demandante sofreu e continua a sofrer por ter iniciado a sua vida sexual da forma que se deu como provada.
114. O trauma sofrido poderá repercutir-se negativamente nas futuras relações de intimidade da demandante.
115. Apesar do tempo decorrido, a demandante não tem alegria de viver, sente-se prisioneira dos seus medos, dos seus receios e fobias,
116. O sentimento de baixa autoestima acentuou-se depois da ocorrência dos fatos.
117. A demandante continua a sentir-se vexada sempre que é obrigada a relatar estes factos perante várias pessoas.
118. O demandado sabia que a sua conduta iria colocar a demandante em situação de exposição, desproteção e fragilidade, perturbando o seu normal desenvolvimento.
120. O demandado expôs a ofendida aos seus intentos lascivos e libidinosos, revelando uma indiferença pelo desenvolvimento psicológico daquela.”
*
2.2. Considerou não provado:
3.2.1 - Quanto à acusação pública:
i) Que, de forma não concretamente apurada, diretamente ou através de interposta pessoa, no período compreendido entre junho de 2020 e 26.05.2021, o arguido AA tenha partilhado as fotografias íntimas que a ofendida GG lhe enviara com o arguido DD, e que este as tenha recebido;
ii) Que o arguido AA, ao incitar a ofendida GG a remeter-lhe fotografias e vídeos com o corpo despido, ao guardá-las e partilhá-las, tenha agido com o propósito de satisfazer a sua líbido, sabendo que a utilização da menor em imagens dessa natureza e a sua detenção e ulterior partilha eram proibidas;
iii) O arguido AA tenha agido sabendo que punha em causa o livre desenvolvimento da personalidade da menor GG, na esfera sexual.
iv) O arguido AA tenha agido de forma livre, voluntária e consciente,
v) O arguido AA soubesse que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
vi) O arguido DD tenha mostrado à GG as fotografias que a própria enviara ao arguido AA, sem prejuízo do que demais se deu como assente;
vii) O arguido DD tenha agido com o propósito concretizado de deter imagens da ofendida GG, com o corpo despido, recebidas por intermédio do arguido AA, por forma a satisfazer a sua líbido, sem prejuízo do que demais se deu como assente;
viii) O arguido DD, tenha agido com o propósito concretizado de deter imagens da ofendida GG com o corpo despido, e em pose pornográfica, por forma a satisfazer a sua líbido, e o tenha solicitado diretamente à própria ofendida, bem sabendo que a aquisição dessas imagens, bem como a utilização da menor nas mesmas e sua detenção eram proibidas, sem prejuízo do que demais se deu como assente;

3.2.2 - Quanto ao pedido de indemnização civil:    

Não se provou, designadamente, que:
i) O demandado AA se tenha aproveitado da inexperiência e inocência da assistente, para obter fotografias e filmes desta despida, sem prejuízo do que demais se deu como assente;
ii) O arguido AA tenha partilhado estes conteúdos, pelo menos, com o arguido DD.
iii) A demandante, quando percebeu que fotografias e filmes em que aparecia despida, tinham sido partilhadas pelo arguido AA, tenha sofrido enorme perturbação emocional que a fez sentir humilhada envergonhada, muito triste e incomodada.
iv) Tenha sido devido ao comportamento do AA que a demandante tenha visto exposta, publicamente, a sua intimidade, e que seja devido ao comportamento do mesmo que ainda hoje desconheça quem viu tais conteúdos.
v) Tenha sido devido ao comportamento do AA que a assistente viva ansiosa e apavorada com receio que tais imagens voltem a ser divulgadas.
vi) O demandado AA bem soubesse que, atenta a vulnerabilidade da assistente, ao praticar estes factos, nomeadamente através do aliciamento para a partilha de imagens onde a mesma surgisse nua, iria perturbar o normal desenvolvimento daquela menor;
vii) O demandado AA tenha atuado com intenção de colocar a vítima numa situação de exposição, desproteção e fragilidade, perturbando o seu normal desenvolvimento.
viii) O demandado AA tenha atuado com a intenção de partilhar as fotografias da assistente despida, e que soubesse que iria sujeita-la a um enorme enxovalho público, prejudicando o seu desenvolvimento psicológico, escolar e familiar, facto que tenha desvalorizado”.
*
2.3. E motivou essa decisão de facto nos seguintes moldes (transcrição):
“O Tribunal formou a sua convicção conjugando todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, apreciando-os criticamente e à luz das regras da experiência comum (cfr. art.º 127.º do CPP). Na enunciação dos factos provados e dos factos não provados, foram expurgadas as afirmações conclusivas e os juízos valorativos[5].

Do ponto de vista documental, o Tribunal valorou:
- a comunicação da notícia do crime de fls. 4 e ss;
- a ficha do aluno DD – de fls. 6;
- o auto de apreensão de fls. 7;
- auto de notícia de fls. 19;
- auto de apreensão de fls. 40 e 41;
- as fotografias do local onde os fatos aconteceram – de fls. 57, 58 e 59;
- print das mensagens trocadas entre a GG e a testemunha PP, de fs. 122 a 132;
- relatório de extração de mensagens trocadas entre o arguido DD e QQ de fls. 399 e ss;
Sendo que os documentos foram alvo de contraditório, no decurso da audiência de discussão e julgamento.

Do ponto de vista pericial, foi valorado o auto de perícia de natureza sexual realizado em 01.06.2021, de fls. 25 e ss., e de onde resulta que, nessa data, a menor referiu queixas dolorosas nos quadrantes inferiores abdominais. Do mesmo consta a conclusão de que a vítima apresenta hímen permeável, com uma área ligeiramente ruborizada às 06 horas, de carater inespecífico, pelo que tais vestígios físicos, tendo em conta o grau de permeabilidade himenial, são de compatibilidade possível, mas não demonstrável.
Foi ainda valorado o relatório complementar de fls. 175 e ss., acompanhado do relatório pericial de criminalística biológica, sendo que as provas de orientação para deteção de sémen não evidenciaram a presença de sémen nas zaragatoas peri vulvar, peri anal, anal, vulvar, vaginal e introito vaginal.
O Tribunal atendeu, ainda, ao teor do relatório de perícia psicológica, constante de fls. 297 e ss., relativo à menor GG e cujas conclusões serão melhor exploradas infra.
Também com relevância para a formação da convicção positiva do Tribunal foi valorado o relatório pericial que incidiu sobre material biológico relacionado com a vítima GG (t-shirt, contendo uma mancha esbranquiçada) e amostras colhidas no local dos fatos (preservativo usado) – cfr. fls. 366 e ss.
Por outro lado, na sequência de extração do perfil genético do arguido DD, por zaragatoa bucal, foi determinada a sua comparação com vestígios colhidos no processo, constando o relatório pericial de criminalística biológica de fls. 452 e ss., onde se concluiu pela existência de perfil genético do arguido DD, quer na camisola, quer no preservativo recolhido no local dos fatos.

O arguido AA começou por prestar declarações, explicando que parte dos fatos correspondem à verdade, confirmando que, por ocasião do confinamento na pandemia por COVID 19, provavelmente em ../../2020, conheceu a ofendida GG, no contexto de um jogo online, designado ... e começaram a comunicar diariamente. Reconheceu o erro de lhe ter pedido o numero de telefone, mas não pensou nas consequências. Quando conseguiu o número, começaram também a comunicar por via whatsapp. À data, tinha 17 anos e frequentava o 10.º ano. Quando perguntado acerca da idade da ofendida, evidenciou um discurso algo confuso, começando por dizer que tinha 11 anos e que frequentaria o 6.º ano, para referir, pouco depois, ter ideia de que tinha 15 anos. O arguido reconheceu que lhe pediu o envio de fotografias e vídeos com imagens em que estivesse nua, e que também enviou fotografias suas desnudado. Continuaram a comunicar até a mãe descobrir, pensa que em junho de 2020, altura em que a mãe da ofendida lhe enviou uma mensagem para deixar de falar com a filha. Segundo o arguido, nessa altura, apagou as imagens na galeria e disse à GG que já não tinha nenhuma fotografia sua. Perguntado, o arguido foi perentório na afirmação de que não partilhou tais imagens com o arguido DD, que nem sequer conhece e com quem sustentou nunca ter tido qualquer contato. Também negou ter colocado as fotografias em qualquer plataforma, ou rede social, afirmando desconhecer em que contexto é que o DD acedeu a fotografias em que a ofendida aparece sem roupa. Por fim, referiu não ter conhecimento de ter qualquer amigo comum com o DD.
Instado a descrever o tipo de relacionamento que manteve com a ofendida, explicou que, de acordo com os avatares do jogo, eram namorados virtuais, mas para além de interagirem no jogo on-line, também comunicavam por whatsapp, tendo tais conversas perdurado, numa fase inicial, pelo menos, por cerca de 3 meses.
Tem ideia que pediu que a ofendida lhe enviasse as fotografias em junho de 2020. Falavam do jogo, da vida pessoal e da escola, sendo que para si, no contexto do confinamento social então vivido, eram como namorados. Apesar da mensagem da mãe da GG em junho de 2020, mantiveram conversações até ../../2021 (embora resulte do depoimento de LL e dos prints de mensagens da GG que tais conversas perduraram, pelo menos, até ../../2021).
O arguido AA acabou por não concluir as suas declarações, por se ter emocionado e declarado pretender não continuar a prestar declarações quanto aos fatos. Foi notório que esta situação o afetou do ponto de vista psicológico, evidenciando, efetivamente, alguma desregulação emocional, que se foi manifestando ao longo da audiência, solicitando várias vezes para abandonar a sala, visivelmente abalado. Apesar da evidente perturbação emocional, pareceu ao Tribunal que prestou declarações de forma sincera e autêntica, o que contribuiu, como se verá infra, para criar algumas dúvidas, no Tribunal, quanto à prática dos fatos que lhe estão imputados e sobretudo quanto à verificação do elemento subjetivo do tipo de crime imputado.

O arguido DD, por seu turno, também optou por prestar declarações, tendo explicado que, à data dos fatos, frequentava o 9.º ano e tinha 17 anos de idade. Não conhecia a ofendida, apenas conhecia a II, que era amiga dela. Tem ideia de que a GG tinha 12 anos. Segundo o arguido, teve acesso a umas fotografias intimas, mas que foram enviadas pela própria GG, através da rede social Instagram. Estava numa aula e ela mandou as fotos – sem mais nem menos -, desconhecendo o objetivo. Perguntado, declarou, sem hesitações, não conhecer o arguido AA.
Aludiu a um incidente junto a um quiosque, perto da Escola, em 21.05.2021, por causa de uma amiga comum - a NN - tendo a GG abordado o mesmo a dizer que o denunciava à Direção da Escola e à PSP, mas tal aconteceu sem qualquer explicação.
Também reconheceu que, em conversa posterior que manteve com a GG, no dia seguinte, lhe disse que iria partilhar as suas fotos intimas, mas “aquilo foi só bluff”(sic), porque, nessa altura, não tinha fotos suas para publicar. No entanto, segundo o arguido, ela teria mandado fotos a um outro rapaz que frequentava a mesma escola (e, portanto, não o arguido AA) e tal fato era comentado em ambiente escolar, tendo optado por usar esse comentário a seu favor. Também acrescentou que perante tal, “ela começou a falar torto”(sic) e, então, ameaçou que partilharia fotos dela. Perante tal, ela começou a despir-se em frente à câmara, pelo que tirou um print (registo da imagem). Nessa altura, estabeleceram uma chamada via ..., e disse que se queria dar bem com ela. O arguido reconheceu que o próprio não se despiu, alegadamente porque enquanto a chamada decorreu estava numa aula. Falou em namoro e em beijos e admitiu que lhe disse que “se não tivesse cenas consigo”(sic) partilhava as fotos, alegando que não falou concretamente em relações sexuais. Continuaram a falar e marcaram um encontro para o dia seguinte. Chegou à escola, pelas 13H00, na altura em que a GG estava a sair. Estava no quiosque com colegas e ela aproximou-se e foram em direção às traseiras de uns prédios, tendo passado à descrição dos atos sexuais: despiu-se e disse para ela também se despir e usou um preservativo, mantendo com ela uma relação de cópula vaginal. Negou a prática de sexo anal e sexo oral. Ejaculou dentro do preservativo. No decurso das suas declarações, o arguido foi confrontado com as imagens do local, de fls. 58 e 59, que confirmou.
Por fim, também reconheceu que nesse dia, durante a tarde, lhe prometeu que eliminava as fotografias, mas que quando a GG lhe disse que não queria mais nada consigo, afirmou que as recuperaria, o que fez, sabendo que dessa forma a mantinha assustada.
Confirmou que a relação sexual aconteceu no dia anterior à abordagem pela PJ na escola. Perguntado para concretizar o que queria dizer com a expressão “fazer cenas” referiu que não era para ter relações sexuais. Interpelado, o arguido também reconheceu que não existia qualquer outro motivo para a ofendida o acompanhar às traseiras dos prédios, que não fosse a ameaça que lhe fez de partilhar as fotografias intimas e que esta terá tomado por séria.
Já quanto à reação da vítima no decurso da relação sexual, referiu que “estava normal”(sic), não expressou dor, nem rejeição, não tendo sido exercida qualquer violência física, nem ela tendo dito para “parar”(sic). No dia seguinte, viu a GG, mas não falou com ela. Argumentou que estes fatos aconteceram porque queria ter uma relação com a GG. Na escola teve um processo disciplinar, tendo sido suspenso por 4 dias.
Quanto à factualidade atinente à HH, afirmou que a mesma foi sua ex-namorada, negando que alguma vez a tivesse apalpado na sala de aula. Segundo o arguido, a HH inventou isto, porque ela e a GG são amigas e também como vingança, porque depois de terminarem o relacionamento, nunca se deram bem. Segundo o arguido, não chegou a ser confrontado, na escola, com a situação da HH.
Atualmente, reconhece “que foi uma estupidez”(sic), e que as ameaças que fez à GG também foram erradas, tendo verbalizado arrependimento.
Negou ter partilhado fotografias intimas da vítima, e afirmou que as apagou ainda antes de ter sido abordado pela Polícia Judiciária. Prestou declarações de forma algo contida, admitindo a generalidade dos fatos, ainda que negando os mais gravosos (por exemplo, a extensão das praticas sexuais – com coito anal e coito oral - que terá mantido com a vítima). Esta negação evidenciou uma postura auto desculpabilizante, que foi transversal à prestação das declarações: por exemplo, começou por dizer que a GG lhe enviou fotos com imagens suas desnudadas quando estava numa aula, “sem mais nem menos”(sic) para depois reconhecer que isso aconteceu porque disse que tinha nudes suas e que as iria partilhar se não o fizesse; também disse que a GG ameaçou que o denunciaria à direção da Escola e à PSP “sem mais nem menos”, quando afinal tal aconteceu num contexto de comportamento de assédio à NN.
Assim, muito embora o arguido DD tenha admitido parcialmente os fatos, mostrou-se decisiva a conjugação do depoimento que na fase de inquérito foi prestado, em declarações para memória futura, pela ofendida GG (nos termos do disposto no art.º 271.º, nº 2, do Código de Processo Penal), sendo que tal depoimento foi conjugado com as conclusões da prova pericial.

Vejamos melhor.
Quanto às declarações para memória futura prestadas pela ofendida GG[6], as mesmas tiveram lugar em 11.11.2022, e foram transcritas, a fls. 330 e ss..
Nessas declarações, a ofendida relatou os factos tal como na acusação vieram a ser descritos, asseverando que o arguido teve consigo relações sexuais de cópula completa, vaginal, anal e oral, contra a sua vontade e de maneira forçada, não expressando quaisquer dúvidas a esse respeito, e mantendo-se firme na sua versão dos acontecimentos, num registo espontâneo, assertivo, completo e perentório.
A ofendida começou por referir que tinha enviado vídeos e fotografias com “nudes”(sic) suas a dois rapazes e que o DD tomou conhecimento disso. O que despoletou os acontecimentos foi um primeiro encontro junto ao quiosque, pela hora de almoço em que ele assediou a sua amiga NN, dizendo que “a comia”(sic) e, então, disse-lhe que era “um porco” e ele agarrou-lhe o pescoço como se a fosse esganar. Nesse dia e já depois de chegar a casa, criou uma conta de Instagram pelo Google e disse ao DD que se se metesse com a NN, o denunciaria na escola e na PSP. Ele riu-se e disse que tinha “nudes” seus e pensou que, provavelmente, seriam os que tinha enviado meses antes ao AA. Fizeram, então, uma chamada via ..., tendo percebido que ele estava em aula. Falaram por essa via, mas a imagem da sua câmara estava sempre a cair e ele ameaçou que partilharia as “nudes” se não namorassem e fizessem sexo. Ele estava a insistir na chamada para lhe mostrar as partes intimas e, então, tirou as calças e mostrou-lhe e ele tirou print. Diz que chegou a ver o print, não recordando se se via o seu rosto. Afirmou que, durante a tarde desse dia, o arguido continuou a ameaçar que partilharia os prints e combinaram um encontro no dia seguinte, ao portão da escola.

No dia seguinte, encontrou-se com o DD no local combinado e, durante parte do percurso, a sua amiga PP acompanhou-os, afastada uns metros, para que ele não se apercebesse, mas depois deixou de a ver. Depois, a menor descreveu que o DD a foi encaminhando para trás de uns prédios e a beijou e introduziu os dedos na sua vagina, mas como passava gente, foram para uma zona mais retirada, onde ele, depois de meter o preservativo no pénis, o introduziu no seu ânus e depois na vagina. E, depois de retirar o preservativo, ainda lhe introduziu o pénis na boca, mantendo os movimentos de vaivém, até ejacular.
Entretanto, já em casa, contou o que acontecera à PP e à NN e elas insistiram para que contasse o que se passara à sua mãe, mas não o fez. Já mais tarde, o DD mandou sms a dizer que tinha apagado os prints, mas quando lhe disse que não queria nada com ele, inverteu o discurso e alegou que conseguiria reaver as fotografias.
No dia seguinte, aconselhada pelas amigas, acabou por contar à diretora de turma, que chamou os pais e a PJ.
Prestou declarações de forma coesa, aludindo a um encadeamento fático lógico circunstanciado e verosímil. Apesar de algumas pausas nos momentos mais embaraçosos - designadamente aquando da descrição da relação sexual - prestou declarações de forma clara e pormenorizada, aludindo a detalhes que credibilizam a sua versão e sugerem que estava em estado psicológico de alerta (por exemplo, quando se dirigiam para as traseiras do prédio, deixou de ver a PP; depois o arguido recebeu um telefonema; quando o arguido começou a beija-la e lhe introduziu os dedos na vagina, passou gente; quando regressaram à escola, apareceu um rapaz que esteve e falar com o DD).
Acresce que credibilidade das declarações da assistente foi corroborada pelo relatório psicológico de fls., conforme veremos melhor infra.

Em audiência, o arguido DD admitiu expressamente a ocorrência de relações sexuais com a ofendida, ainda que apenas tenha admitido a existência de coito vaginal, negando a introdução do pénis no ânus e na boca da ofendida. É certo que foram recolhidas amostras biológicas em zaragatoas vulvares, vaginais e anais, para além de uma zaragatoa oral para estudo de ADN, as quais foram remetidas ao Serviço de Genética e Biologia Forenses da Delegação do Norte do INMLCF. Contudo, a recolha de vestígios biológicos, porque ocorrida 3 dias após os fatos, e já depois de a assistente ter tomado banho não permitiram a recolha de vestígios de sémen.
Já no relatório pericial que incidiu sobre material biológico relacionado com a vítima GG (t-shirt, contendo uma mancha esbranquiçada) e amostras colhidas no local dos fatos (preservativo usado) – cfr. fls. 366 e ss.- o resultado para prova de orientação de sémen foi positivo, tendo sido identificado, na camisola, um perfil genético masculino e no preservativo um perfil genético de mistura (feminino e masculino), com componente maioritária compatível com a vítima GG e com componente maioritário incompleto compatível com o perfil da mancha identificada na t-shirt. Posteriormente, o relatório pericial de criminalística biológica que procedeu ao estudo comparativo de amostras relacionadas com a vítima GG, de amostras colhidas no local da ocorrência, com o arguido DD, permitiu concluir que na mancha analisada na camisola se encontrou um perfil genético individual masculino coincidente com o perfil do arguido DD, não permitindo assim excluir que provenha deste arguido.
Por outro lado, na zaragatoa de limpeza do preservativo, foi detetado um perfil genético de mistura, com um mínimo de dois contribuintes, sendo o componente maioritário compatível o perfil da vítima GG e o componente maioritário incompleto compatível com o perfil do arguido DD.
É igualmente certo que, para além da assistente e do arguido, ninguém presenciou os factos que constituem o cerne do objeto deste processo, circunstância comum, aliás, no âmbito da criminalidade sexual[7].
Por outro lado, conforme perícia de natureza sexual, e face à permeabilidade himenial detetada, a agressão sexual pode ter acontecido, mas não é demonstrável.
Tudo ponderado e apesar das divergências existentes entre o relato da ofendida (que aponta para uma conduta globalmente mais gravosa) e o do arguido AA, a prova das condutas abusivas fez-se essencialmente com base no depoimento da menor (por referência às declarações para memória futura), articulado com o relatório pericial de credibilidade e sendo que o arguido também admitiu parcialmente os factos. Assim, o Tribunal optou por valorizar especialmente as declarações da vítima, o que fez ao abrigo do disposto no artº 127.º do CPP, por ter parecido especialmente credível, sendo certo que desvalorizar o depoimento da vítima sempre que não existissem testemunhas presenciais de factos ilícitos, como no caso presente, seria abrir caminho a uma total impunidade daqueles que agissem em situações, nas quais estivessem apenas envolvidos os agressores e os agredidos.

Relativamente à vítima HH, a mesma foi sujeita a declarações para memória futura, que tiveram lugar no dia 15.11.2022, as quais se encontram transcritas a fls. 567 e ss.. Explicou a vítima que andava no 7.º ano, e em dia que não recorda, da parte da manhã, estava dentro de uma sala de aulas, a estudar, com uma colega – a II – e estavam com a porta aberta. Mesmo em frente, havia outra sala, onde estavam a decorrer aulas e onde estava, nos lugares da frente, o arguido AA – que era seu colega e que era mais velho . A certa altura, como era malcomportado, saiu da sala e entrou naquela onde estavam as duas a estudar. Ele tentou que a II saísse e, em determinado momento, quando estava a escrever no quadro, apalpou-a na zona das nádegas, com uma das suas mãos, por cima da roupa.
Relativamente à situação da GG, apenas a viu um dia a chorar, atrás do bloco da sala de aulas, não sabendo pormenores do que aconteceu. Depôs de forma espontânea, que pareceu credível e que foi parcialmente corroborada pelo depoimento prestado pela colega II.
Foi inquirida como testemunha RR que, à data, desempenhava funções de porteira na escola EB 2/3 .... Afirmou ter memória de ter visto a GG, no dia dos fatos (mantendo tal memória depois de ter tomado conhecimento do que acontecera, no dia seguinte, com a deslocação à escola da PJ), estranhando a sua reação, porque a viu muito sorridente e evidenciando algum nervosismo. Na altura, até lhe perguntou se tinha fumado alguma coisa. No dia seguinte, houve logo rumores na escola, de que tinha havido uma violação e a PJ esteve na escola. Apercebeu-se das conversas entre os jovens, comentando que a GG tinha sido violada. Nunca viu o DD e a GG a sair da escola juntos e no dia dos fatos também não chegaram juntos. Depois deste episódio, deixou de ver a GG na escola. Descreveu a GG como uma criança carente, que gostava de chamar a atenção. Notava-se que tinha necessidade de aprovação por parte dos colegas. Era uma menina triste e tinha acompanhamento psicológico na escola. Naquele dia, efetivamente, ela apareceu “estranha”(sic), diferente do que era habitual, e percebeu que algo de anormal se tinha passado. Perguntada, confirmou que as miúdas gostavam de namorar com o DD porque ele era “o especial”(sic) da escola. Andavam todas atrás dele.
Prestou um depoimento detalhado, e espontâneo, ainda que circunscrito à sua perceção a respeito da reação da vítima nos momentos subsequentes à ocorrência dos fatos.
Por sua vez, foi inquirida LL (mãe da vítima), que afirmou desconhecer o arguido DD e conhecer o AA apenas de fotografia.
Quanto ao AA, sabe que a GG falava com ele no telemóvel, tendo visto as conversas (sms), e percebido que eram de natureza intima. Na altura, que terá coincidido com o final do ano letivo de 2020, a GG ficou de castigo, tendo ficado impedida de usar Whatsapp durante todo o verão. Nessa sequência, recebeu uma chamada, sendo que o arguido se identificou e explicou-lhe que ela estava de castigo. De vez em quando mandava uma mensagem para saber se a GG estava bem. Veio a tomar conhecimento, igualmente, que a GG usou o seu email, perguntando-lhe se se podiam conhecer pessoalmente, e se havia a possibilidade de terem um relacionamento e foi aí que perceberam que teria sido a GG a dar falsas esperanças ao AA. Na altura em que estes fatos aconteceram (../../2021), recebeu novamente uma mensagem do arguido AA, perguntando porque é que a GG não atendia. No dia 28 de maio, porém, mandou nova sms a dizer que já sabia o que se tinha passado, mas não percebeu como é que ele tomou esse conhecimento. Pelo tipo de mensagens que recebia, pensa que havia comunicação entre eles. Tendo-lhe sido perguntado concretamente, referiu que a GG admitiu que tinha trocado uma fotografia intima com o AA.
A mãe da vítima GG acrescentou, ainda, com relevo para o que se encontra em discussão, que um ano antes de a GG entabular conversações online com o AA, e, portanto, em2019 (teria, ainda, 10/11 anos) estaria a ser chantageada por um grupo criado no Whatsapp – onde, aparentemente, também se incluiriam adultos – porque alegadamente teriam tido acesso a fotografias intimas da menor. Segundo a GG, os contatos com as pessoas desse grupo surgiram no contexto de jogos on-line. Nessa altura, comunicaram a situação à PJ, mas não chegou a haver qualquer desenvolvimento.
A progenitora acrescentou que a GG é uma criança muito ingénua, acreditando que toda a gente é boa e relativamente a qualquer pessoa que lhe dê alguma atenção, tende a ceder aos pedidos que lhe façam. Quanto ao que se passou no dia ../../2021, devido a restrições no contexto da pandemia por COVID 19, a escola estava a funcionar até ao 7.º ano da parte da manhã e os restantes anos de escolaridade da parte da tarde. Moravam a 5 minutos a pé da escola. Na medida em que eram 14H45 e ela não tinha chegado, ficou preocupada e decidiu ir procurá-la de carro até à escola. Só a encontrou já numa rampa em frente à escola. Na altura, a GG disse-lhe que tinham tido um trabalho para apresentar e se atrasou. Achou-a em baixo, e ficou com a ideia de que tinha chorado, pelo que estiveram cerca de 15 minutos a conversar e sentiu que se passava alguma coisa, mas a GG argumentou que era entre ela e as amigas. Só tomou conhecimento do que se passou no dia seguinte, quando ligaram da escola, pelas 09H30. Nesse dia, foram recebidos pela psicóloga, pelo diretor da escola e diretora da turma, que disseram que ela tinha informado que tinha sido abusada sexualmente. Não conseguiu falar com ela porque esteve quase permanentemente com a PJ.
A GG explicou que há uns tempos o DD tinha tentado aproveitar-se de uma colega da sua turma e que lhe fez frente, o que terá feito com que ele lhe começasse a enviar mensagens dizendo que tinha fotografia intimas dela e que as iria partilhar. Ele terá dito que para evitar que partilhasse as fotografias, tinham que se encontrar, o que aconteceu. Contou-lhe, ainda, que o DD lhe meteu os dedos na vagina e que colocou um preservativo. A partir daí, porém, começa a chorar e não lhe contou mais nada. Referiu, ainda, que a vítima sofre com esta situação, e que tal sofrimento se acentuou com a aproximação da data do julgamento.
Por tal razão, a GG teve acompanhamento por parte de uma psiquiatra formada em traumatologia e já teve alta. Referiu que a menor não tem contato com o pai biológico, mas foi adotada pelo atual companheiro, que sempre cuidou dela como se fosse sua filha. Ainda assim, reconheceu que a filha tem sintomas de carência afetiva, embora tenha um ambiente de afeto em casa. Sempre foi uma criança insegura, o que se agravou depois deste episódio. Por fim, referiu que depois do dia ../../2021 decidiram que a GG não voltaria à escola, porque a situação foi conhecida dos colegas e quiseram poupá-la desse sofrimento. Descreveu pormenorizadamente o estado psíquico da menor: ficou muito perturbada, dormia pouco, acordava com medo e aos berros e dizia que tinha medo de dar de cara com o arguido. Acrescentou ter ideia de que a filha se sente culpada por não ter dito claramente “não”, embora considere que ela não percebeu exatamente a extensão do que se estava a passar. Assim, a testemunha verbalizou, por exemplo, ter tomado conhecimento de que quando foi ao INML comentou com a inspetora da PJ “eu não lhe disse que não” (sic). Pela ingenuidade dela, intui que, na altura, não tomou consciência da dimensão do lhe aconteceu. O sofrimento da GG foi ampliado pela circunstância de ter ficado privada de voltar à sua escola, e de conviver com os seus amigos. Prestou um depoimento sério, algo emocionado, mas coeso, sem evidenciar particular hostilidade para com os arguidos. Acresce que apesar da gravidade do que relatou, fê-lo com alguma objetividade, reconhecendo as vulnerabilidades da sua filha e a ingenuinidade da sua atuação, o que permitiu credibilizar o seu depoimento.
Por sua vez, MM, pai adotivo da menor GG, referiu que não conhece os arguidos e confirmou que no dia ../../2021 foi chamado à Escola EB 2/3 juntamente com a mãe. Também esta testemunha se reportou a um primeiro incidente, envolvendo mensagens a chantagearem a sua filha e que terão acontecido uns meses antes da situação em apreço, confirmando que, nessa altura, denunciaram a situação junto da PJ. Não viu o telemóvel, nem as conversas, sendo que, nessa primeira fase, retiraram o telemóvel à GG. Quanto ao episódio ocorrido em ../../2021, tomou conhecimento da sua ocorrência na escola, sendo que, em casa, a GG não consegue contar até ao final o que aconteceu. De todo o modo, percebeu que o encontro com o DD apenas aconteceu porque ele dizia que tinha fotografias intimas dela e que as ia divulgar.
Depois desta situação, a GG não voltou à escola e, no ano letivo seguinte, mudou de escola. Na altura, e dada a gravidade da situação, proibiram o contato da GG com os conhecidos dessa escola e ela sofreu bastante com isso. Não conseguia descansar, estavam todos isolados. Descreveu a menor como uma criança algo instável e ingénua, que gosta de pertencer ao grupo e que quando a tiram do grupo, reage mal, sendo que já teve episódios de auto-mutilação. Com esta situação, a GG tornou-se ainda mais insegura. Ela tem receio de que as fotografias sejam divulgadas e sabe que isto “é um cutelo sobre a sua cabeça”(sic). O fato de esta situação ser do conhecimento de muita gente também a revolta. Nos dias seguintes à ocorrência dos fatos, a GG registou dificuldade em dormir, e esteve medicada para a ansiedade e para a depressão. Tem várias cicatrizes no corpo das auto-mutilações. Teve acompanhamento psiquiátrico durante algum tempo.
Prestou um depoimento menos pormenorizado do que o da sua esposa, mas evidenciou igualmente um conhecimento aprofundado do impacto que esta situação teve na menor e na sua auto-estima, pelo que, também foi relevante para prova matéria atinente ao pedido de indemnização civil.
A menor II (15 anos) referiu recordar-se de um episódio em que estava com a HH, numa sala de aula, na Escola EB 2/3, no decurso do ano de 2021. À data, frequentavam o 7.º ano, e a HH era da sua turma. Estavam a estudar e o DD entrou e começou a fazer umas brincadeiras. A certa altura, virou as costas para pousar o telemóvel e a HH contou-lhe (posteriormente) que, nesse momento, ele a terá apalpado. A HH ficou muito ansiosa com esse episódio. Recorda-se que o arguido AA lhe pediu para que saísse da sala de aula, porque queria falar a sós com a HH, mas esta olhava para si, com um ar aflito, para que não saísse. A certa altura, o AA acabou por abandonar a sala e foi então que a HH lhe contou o que lhe fizera. Instada para reproduzir as expressões do arguido, afirmou recordar-se que ele disse que era demasiado nova para saber o que ia fazer com ela, embora tenha a mesma idade que a HH. Depois desta situação, foram ter com a JJ, diretora de turma, e relataram a situação.
Quanto à situação que envolveu a GG, afirmou recordar- se que um dia chegou à escola e estavam várias meninas da turma dela a comentar o caso. Só a conhecia de vista, mas percebeu que ela ficou muito mal, por tudo aquilo que se passou. Depôs de forma séria e espontânea, admitindo não ter visto o gesto abusivo, mas relatando os fatos que o contextualizaram com clareza e simplicidade.
Por sua vez, QQ, (16 anos), afirmou que apenas conhece o DD, da escola EB 2/3 ..., tendo explicado que a menor GG era da sua turma e, à data dos fatos, frequentavam o 7.º ano. A Escola abrange turmas do 5.º ao 9.º anos de escolaridade. O arguido era mais velho e andava no 9.º ano e era conhecido na escola, por alguns comportamentos mais desajustados e desestabilizadores. Recorda-se que a GG lhe falou que estava a ser abordada pelo DD por causa de uns [“nudes”(sic)] – em fotografias e vídeos. Só depois soube que ela também teria partilhado esse tipo de imagens com o AA. Relativamente ao DD, apercebeu-se que um dia ela foi ter com ele e viu ambos a dirigirem-se na direção de uns prédios. Esse encontro terá acontecido a pedido do AA, que lhe tinha dito que se não fosse ter com ele publicava as fotos das “nudes”(fotografias em que a GG aparecia sem roupa, exibindo as partes intimas). No dia seguinte, apercebeu-se que a GG chegou à escola a chorar e depois falou com a psicóloga e com a diretora de turma. No dia do encontro, ela tinha pedido que a acompanhassem de longe, e para irem atrás dela, mas só acompanhou parte do caminho, porque, entretanto, teve de apanhar o autocarro. Associou esse pedido da GG ao receio que tinha do que ele lhe pudesse fazer.
Mais acrescentou a testemunha que esta situação foi muito comentada na escola e que a GG até teve que mudar de escola. Ela aparentava estar muito transtornada com a situação. Havia rumores na escola de que tinha mandado fotos para rapazes e às vezes gostava, de fato, de se meter com alguns rapazes.
Ainda assim, tinha algumas fragilidades que eram conhecidas, por exemplo, sabia-se que já tinha infligido cortes a si própria nos braços. Por fim, e sem hesitações, afirmou que o DD sabia em que ano andavam e que idade teria a GG à data dos fatos.
Prestou um depoimento credível e objetivo, sem evidenciar inimizade para com os arguidos, nem especial proximidade com a GG, pelo que contribuiu para a sedimentação da convicção positiva do Tribunal. 
Foi também inquirida NN, (15 anos), que explicou que, à data dos fatos, andava com a GG, na mesma turma, no 7.º ano. A vítima mostrou-lhe uma mensagem, onde o AA dizia que tinha fotos intimas dela [“nudes”(sic)]. Sabe que a GG tinha também enviado imagens dela [“nudes”(sic)] ao arguido AA. A PP também lhe contou que a vítima saiu da escola e se afastou na companhia do AA, sendo que PP apenas os acompanhou, de vista, até um certo ponto. A GG contou, depois, que tiveram relações sexuais e ela não queria.  Ela contou a chorar – um ou dois dias depois – na escola e, então, incentivaram-na a contar à diretora de turma. Nesse mesmo dia, a GG contou à diretora de turma e, nos dias seguintes, já não regressou à escola. Neste momento, não tem contato com a GG. Praticamente a escola toda ficou a saber e a GG sentiu-se mal, os pais descobriram e toda a agente sabia. Perguntada, a testemunha explicou que ela já antes tinha falado do AA, tendo ideia que era alguém com quem ela se dava bem. Já em relação ao AA, ela tinha receio que se não fosse ter com ele, este partilhasse as suas fotos intimas. A testemunha foi ainda confrontada com as declarações prestadas perante a PJ – 356.º, 3, a) e 5 do CPP– fls.  – que corroborou.
Confirmou o seu depoimento e acrescentou recordar-se agora que no dia anterior estava nervosa e chorava.
SS, militar do Exército, prestou depoimento acerca do caráter e comportamento do arguido DD, confirmando que o mesmo trabalha consigo, há mais de um ano. O arguido entrou no Exército há mais de 2 anos. Descreveu o arguido como um jovem um pouco instável emocionalmente, mas cumpridor, sendo que, em termos profissionais, tem respeitado as regras. Por vezes, parece um pouco permeável às emoções, algo infantil, mas geralmente disponível para ajudar os outros e não parece mal intencionado. Prestou um depoimento que pareceu sério, ainda que circunscrito ao conhecimento algo superficial que tem do arguido.
TT, psicóloga e investigadora na Universidade ..., explicou que tem um doutoramento no âmbito da Psicologia da Justiça e que acompanhou a vítima GG, no período compreendido entre junho de 2021 e junho de 2022, tendo sido os pais desta que procuraram a sua ajuda. Nos primeiros seis meses, atendeu a GG com periodicidade semanal e, nos seguintes, com periodicidade quinzenal. Foi percebendo traços de personalidade da GG e avaliou a sintomatologia clínica. Percebeu que a GG já teria fatores de instabilidade prévia, que ajudam a explicar a sua fragilidade. Trata-se de uma menor com alguma predisposição para sintomatologia ansiosa, dificuldade em confiar nos outros e uma forte necessidade de que os outros gostem dela, apresentando uma auto estima muito baixa, o que era percetível mesmo dentro do grupo de pares. Explicou que a partilha de fotografias sem roupa é um comportamento imprudente em pré-adolescentes, infelizmente comum. No caso da GG, considera que a jovem apresentava alguma incapacidade de se proteger e dizer que não, eventualmente relacionado com o medo de perder (a amizade, ou o relacionamento) caso negasse tal pedido.
Quando começou a atender, a GG apresentava sintomatologia grave compatível com um diagnóstico de stress pós-traumático - com crises de choro constantes, dificuldades em iniciar e manter o sono, muitos ataques de ansiedade, flasbacks e irritabilidade. Estas vulnerabilidades prévias que a GG apresentava, agudizaram o impacto negativo deste trauma. Foi melhorando com o tempo e no momento em que teve alta já não apresentava esta sintomatologia, mas pode regressar, o que depende de variados fatores.
Descreveu, ainda, que nos meses que se seguiram aos fatos, a GG sentiu medo da divulgação pública dos mesmos, o que explica que tenha ficado fechada em casa todos os meses de verão. Por outro lado, na nova escola, tinha receio que os fatos fossem conhecidos. Instada a concretizar as suas vulnerabilidades prévias, afirmou que a menor apresentava sintomas de alguma ansiedade, com episódio prévio de auto-mutilação, tudo fatores que potenciam o impacto de uma situação traumática.
A situação de abuso gerou uma situação traumática clara, não só pela situação já por si penalizadora, mas porque também implicou a quebra de relações com amigos, particularmente impactante nesta idade. Sublinhou que os pais foram sempre presentes, cumpriram o que foi solicitado, compareceram em todas as consultas e evidenciaram preocupação.
Quanto ao sorriso estranho com que a menor terá chegado à escola depois dos fatos e que foi relatado pela funcionária supra identificada, explicou que há muitas formas de resposta quando estamos sob ameaça. Por outro lado, e quanto à ausência de reação enquanto estes fatos aconteceram, também explicou que há vítimas que paralisam, e outras que nem sequer têm capacidade para processar toda a informação que se está a desenrolar. Só com o decorrer do tempo é que muitas vitimas têm a clara noção do que aconteceu na sua vida.
Por fim, e quanto à maturidade da GG para perceber o que acontecera, referiu que é provável que ela não tivesse a noção clara de como funcionava uma relação sexual, nem tão pouco das modalidades que a mesma pode contemplar, para compreender a extensão do abuso que foi perpetrado, naquele momento, em concreto.
Concluiu referindo que o confronto da vítima com a circunstância de não ter reagido – que é algo comum numa situação traumática - é entendido pela mesma como uma forma de culpabilização. Na verdade, esta paralisação numa situação abusiva - está comprovada cientificamente, porque configura uma estratégia de sobrevivência, e numa criança, será ainda mais comum do que num adulto. No caso específico da GG, não é só a idade que a vulnerabiliza, uma vez que ela já tinha tendência para evidenciar uma incapacidade para se impor.
Prestou um depoimento pormenorizado, coeso, evidenciando um conhecimento aprofundado do impacto que esta situação abusiva provocou na GG. Pelos conhecimentos técnicos que evidenciou, contribuiu, ainda, para esclarecer a normalidade das reações da menor, à luz da sua idade e vulnerabilidades, quando foi confrontada com a situação em apreço. Nessa medida, o seu depoimento foi crucial para a prova do sofrimento da menor.
Por sua vez, PP (16 anos) explicou que, à data dos fatos, era bastante próxima da GG, sendo provavelmente a sua melhor amiga. Conhece o arguido DD da Escola EB 2, 3 de ... e o arguido AA por causa do jogo on-line – .... A GG e a testemunha andavam na mesma turma desde o 1.º ano. O arguido DD andava naquela escola, mas era mais velho. Já quanto ao AA, no jogo on-line, ele e a GG eram namorados e transpuseram essa vivência virtual para a realidade. Por isso, sabia que que a pedido dele, a GG lhe tinha enviado fotos intimas, pensa que vídeos também, sendo certo que nunca viu tais imagens.  Não sabe se houve troca de imagens com o DD, mas ele dizia que tinha fotos dela, desconhecendo como é que as obteve. No caso do arguido AA, o envio das imagens foi voluntário por parte da GG. Já no caso do arguido DD, este ameaçou que se não se encontrasse com ele, partilharia na Internet as imagens intimas da GG e ela estava aflita com essa possibilidade. Estava ansiosa e triste. Pensou em várias alternativas, mas, no momento, pareceu-lhe que o melhor era encontrar-se com ele. Por essa razão, e como ela estava muito receosa, acompanhou-a até um certo ponto – cerca de metade do caminho. Confrontada com as imagens de fls. 58, explicou que não chegou a aproximar-se dos prédios, mas viu-os a caminhar nessa direção. Ela depois, através de sms, contou o que tinha acontecido. Pessoalmente, no dia seguinte, confirmou que tinham acontecido relações intimas e chorou muito enquanto contava, aparentando estar desesperada. Espontaneamente, a testemunha frisou que a GG tinha apenas 12 anos de idade e era uma criança problemática, algo depressiva e que até se auto-mutilava. Confrontada com as mensagens de texto que constam dos autos, confirmou que as mensagens que constam de fls. 122 e 123 correspondem a conversações que tiveram antes da ocorrência do abuso. Tem ideia que os fatos aconteceram no dia 27 de maio. Tem também ideia que o UU, que é um aluno da mesma escola, e que está mencionado nas mensagens, tinha fotos intimas da GG em seu poder, desconhecendo se as mesmas foram enviadas, ou não, pelo arguido AA. Tem ideia que o UU e a GG tiveram um namorico.
A testemunha explicou, ainda, que é percetível, nas mensagens que constam a partir de fls. 124 que a GG tinha medo do que o DD pudesse fazer. A testemunha descreveu a amiga como uma jovem muito ingénua, que não tinha a clara perceção do que lhe estava a acontecer. No dia seguinte à ocorrência dos fatos, acabaram por convencê-la, e decidiu contar o que se passara à diretora de turma e à psicóloga da escola.
A testemunha também evidenciou alguma mágoa e tristeza por ter visto a sua amizade com a GG interrompida por causa desta situação, porquanto ela nunca mais frequentou a escola e nunca mais se falaram, provavelmente porque os pais quiseram que ela fizesse um corte com o passado. O seu testemunho pareceu sério, credível, coerente e algo emotivo, o que é perfeitamente plausível, no contexto da delicadeza da situação e da idade da própria testemunha. Por outro lado, a testemunha evidenciou preocupação com a amiga e até uma maturidade acima da média, mas não pareceu que esta especial proximidade tenha condicionado a sinceridade do seu depoimento, tanto mais que reconheceu vários aspetos problemáticos da GG (por exemplo, a automutilação) e menos favoráveis (por exemplo, a sua ingenuidade).
Demonstrou particular coragem e assertividade para a sua idade (desde o início que tentou convencer a vítima a transmitir o que se estava a passar aos pais ou a um adulto) e lealdade, frisando que estaria junto da GG para a apoiar, tudo caraterísticas que também contribuíram para credibilizar o seu depoimento.
KK afirmou que não conhece nenhum dos arguidos, nem a vítima GG, tendo-se identificado como mãe da menor vítima HH. Explicou que a sua filha frequentou a escola, entre o 5.º e o 9.º ano. Aquando deste incidente, que não presenciou, verificou que a menor andou com falta de apetite, sendo que terá começado por contar o sucedido à tia de uma amiga. Segundo o que lhe transmitiu, o arguido pediu-lhe beijos e apalpou-a. Depois soube que ele também disse à II que queria que ela saísse “para lhe dizer coisas porcas” (sic). No entanto, ressalvou ter ideia que a sua filha não queria que fizessem nada ao DD, porque eram amigos. Depois do episódio que envolveu a GG, foi chamada à escola por causa desta situação. Tem, pois, ideia que estes fatos aconteceram antes da situação da GG. Prestou um depoimento sereno e coeso, ainda que totalmente assente no que lhe foi transmitido, o que a própria reconheceu, visto que não presenciou os fatos. 
VV identificou-se como professor do Agrupamento ... em ..., da disciplina de Educação física. O arguido AA foi seu aluno e foi diretor de turma. Não conhece as vítimas dos autos. Depôs quanto à personalidade do arguido AA, salientando que contatou com o mesmo no contexto desportivo e no contexto escolar. Descreveu-o como um jovem “sem nenhuma má intenção”(sic), puro e com um comportamento exemplar. Por outro lado, nunca na sua direção de turma houve a mais pequena observação negativa acerca do seu comportamento e caráter. Em termos desportivos é fervoroso, mas respeitador.
Em termos académicos, tinha algumas dificuldades, o que nunca o impediu de ser empenhado. Do ponto de vista emocional, fica aflito com questões mais complexas. Depôs de forma serena e objetiva.
Por sua vez, CC, identificou-se como pai do arguido AA. A testemunha explicou que se tratou de um filho muito desejado, tendo a gestação sido foi complicada, devido a uma má formação congénita, que o colocou em risco de vida. Fez um transplante renal, o que aconteceu em 2013 e a partir de então teve uma vida mais estável. A testemunha relatou que o arguido até aos 16 anos fez cerca de 12 intervenções cirúrgicas, tem hipertensão e é muito emocional. Tomaram conhecimento desta situação com a entrada da PJ em casa, por volta das 07H00, aquando da busca domiciliária, o que lhes causou muito incómodo, porque foram apanhados de surpresa. O arguido terá dito aos pais que tinha entrado num jogo virtual e que se apaixonou por uma jovem, com quem trocou umas fotografias intimas. A PJ analisou o telemóvel e o computador do arguido AA, mas nada foi encontrado. A testemunha sublinhou que nunca recebeu uma queixa da escola e nunca foi chamado nenhuma vez por questões comportamentais. Perante si, o arguido assumiu que manteve este relacionamento virtual. Pensa que trocou umas fotos sem qualquer maldade. Ele garantiu que não publicou as fotos dela, nem as mostrou a ninguém, nem as partilhou. A testemunha prestou um depoimento emotivo, corroborando algumas informações relevantes a propósito da situação pessoal do arguido, mas o seu conhecimento dos fatos resulta exclusivamente do que lhe foi transmitido pelo próprio arguido AA. 
WW, desempregado, identificou-se como amigo da família do AA, também depôs a respeito da personalidade do arguido AA, explicando que o conhece desde criança, e foi treinador dele, sabendo que teve alguns problemas de saúde. Descreveu-o como um jovem de trato fácil e educado. Prestou um testemunho sério e credível, ainda que limitado aos traços de personalidade do arguido AA.
Como testemunha de defesa do arguido DD foi inquirida JJ, que referiu ter sido professora na escola EB 2/3 ..., tendo sido diretora de turma das menores HH e a II no ano letivo 2020/2021. À data, as jovens frequentavam o 7.º ano. Referiu recordar-se de um episódio em que estava a preparar-se para dar uma aula e estas duas alunas vieram dizer que um rapaz - que não era seu aluno e que não soube identificar – “se tinha metido com elas”(sic). Descreveu as menores como estando muito nervosas, recordando-se de as ter questionado se ele as tinha tocado, tendo estas indicado que não. Tem ideia que o que foi relatado é que o aluno em causa tinha impedido a passagem de uma delas, mas que não chegou a tocar nela. Pareciam exageradamente nervosas, mas também não indicaram palavras que tivessem sido ditas pelo aluno que justificasse esse nervosismo. No geral, pareceu ao Tribunal que a testemunha prestou este depoimento de forma desinteressada, mas também de forma algo superficial e vaga, registando alguma incoerência nas suas declarações, porquanto descreveu um estado de espirito nas jovens (muito nervosismo) aparentemente incompatível com o cenário descrito (apenas o impedimento de uma passagem), mas não resultou do seu depoimento que tivesse procurado investigar melhor o que se passara, visto que aparentemente, nem sequer identificou o aluno em causa.
Por último, OO identificou-se como tia materna do arguido DD, explicando que o arguido esteve um tempo em sua casa, que coincidiu com a altura em que fez 18 anos e decidiu ir passar algum tempo consigo e com os avós. Ele sempre foi próximo dos avós maternos e residiu a tempo inteiro com a testemunha e com os seus pais até entrar no regime militar. Referiu que o arguido cresceu sem a presença do pai e isso foi sempre uma lacuna na vida dele. Ainda assim, indicou que tem um suporte familiar grande. Muito embora tenha referido não ter conhecimento integral daquilo que está acusado, das conversas que manteve com o mesmo, percebeu que está arrependido. Pensa que ele atuou com muita imaturidade, e convicto de que não teria consequências. Quando a PJ foi a sua casa, aquando da busca domiciliária, contou algumas coisas e sabe que se comportou mal. Falam pontualmente sobre esta situação. Ainda que tenha sido notório que depôs com algum comprometimento com a posição do arguido, evidenciou uma postura de alguma assertividade na condenação (abstrata) do comportamento do arguido, cuja extensão e pormenores admitiu desconhecer.

Aqui chegados, cumpre concretizar com mais detalhe, e numa analise crítica e conjugada a prova acabada de descrever, o que motivou as conclusões do Tribunal quanto aos fatos provados e não provados.
Assim, o ponto 2 dos FP), relativo à frequência, pela menor, da Escola EB 2/3 resultou apurada com base nas declarações da GG, dos pais LL e MM, do próprio arguido AA e das colegas da menor que foram inquiridas com testemunhas.
Quanto à forma como a GG e o arguido AA se conheceram, o tipo de contatos que foram mantendo e quanto ao envio recíproco de fotografias/vídeos com imagens em que estavam desnudados, em junho de 2020 (pontos 3 a 6 dos FP), o Tribunal ponderou as declarações concordantes, quer do arguido AA, quer da ofendida GG.
A descoberta da relação virtual pela progenitora da assistente e as suas consequências (pontos 7 e 8 dos FP), provou-se com base no depoimento de LL, circunstancia a que aludiu também a GG, nas declarações para memória futura, bem como o arguido AA.
O ponto 9 dos FP, que foi aditado, resultou da ponderação do depoimento de LL, não configurando o mesmo, porém, qualquer alteração não substancial, ou substancial dos fatos.
Já quanto à partilha – pelo arguido AA – das imagens contendo imagens da ofendida – e que vinha invocado na acusação - não se fez prova de que tal tivesse ocorrido. Por um lado, porque o próprio arguido, pela forma emocionada com que se referiu a tal aspeto, criou a dúvida no Tribunal. Mas, para além disso, porque o arguido DD também negou que tal tivesse acontecido. Os arguidos sustentaram que não se conhecem e nunca tiveram qualquer contato, não tendo amigos em comum. Tal alegação é crível: não são familiares, não estudam na mesma escola e aparentemente nem sequer têm o mesmo tipo de interesses.  É certo que a ofendida, nas declarações para memória futura referiu que o DD, na chamada via ..., lhe exibiu “nudes” que reconheceu como tendo sido os que enviou ao AA. No entanto, essa parte das suas declarações são algo confusas, acabando por reconhecer que o único print que lhe foi enviado pelo arguido DD foi o que tirou à sua imagem sem calças, que lhe exibiu no próprio dia da chamada. Alias, é pertinente ter presente que a menor referiu que perguntou ao DD como tinha conseguido as suas “nudes” e este “não contou”, o que a levou, nas suas palavras “a juntar as peças”(sic) e a intuir que, provavelmente as fotografias corresponderiam às que tinha enviado ao AA. Note-se que o arguido AA, nas declarações que prestou em audiência referiu que se limitou a “fazer bluff”(sic). Estratégia que funcionou, porque a menor tinha conhecimento de que existiam imagens suas, em que aparecia nua, e que estavam na posse de terceiros. Por um lado, e voluntariamente, enviara tal tipo de imagens ao AA. Por outro lado, a progenitora da menor referiu que uns meses antes a GG já tinha sido confrontada com chantagens por parte de um grupo no Whatsapp que invocava ter na sua posse imagens em que estava sem roupa.
Para além disso, foi crucial para o rumo probatório dos autos, nesta parte, levar em consideração o teor das mensagens trocadas entre a vítima GG e a testemunha PP, cujo print consta de fls. 122 e ss. Na verdade, analisadas tais sms, é aí referido pela vítima que houve um ex-namorado que terá partilhado as suas fotos intimas com o DD, tendo ela mencionado o nome UU. A testemunha PP confirmou, no seu depoimento, ter ideia que a GG e o UU, que era, à data, aluno da mesma escola, tinham tido um namorico. A testemunha RR (porteira da escola) aludiu à circunstância de que era comentado na Escola que circulavam, entre os alunos, imagens intimas da GG, o que também foi aflorado nas declarações do arguido DD.
Por fim, e ainda mais decisivo, voltando às sms de fls. 122 e ss., consta das mesmas que a testemunha PP perguntou à GG, a propósito das “nudes”, “se eram da parte de cima ou da parte de baixo”, tendo a menor respondido “isso eu não sei”. Esta afirmação espontânea, por parte da GG, nessa troca de mensagens que - recorde-se, aconteceu já depois de o DD ter combinado encontrar-se com ela, no dia seguinte, à porta da escola - reforça a ideia de que a menor ficou convencida de que este tinha “nudes” suas, designadamente o print que lhe tirou na conversa que tiveram via ..., mas não estava totalmente ciente que imagens eram essas, se não, naturalmente, não teria feito esta afirmação à amiga.
O que se acabou de expor, levou o Tribunal a concluir que não se provou que o arguido CC tenha partilhado qualquer imagem com o arguido DD, nem que este tivesse tais imagens na sua posse quando ameaçou a GG de que divulgaria fotos intimas suas se não se encontrassem. O que explica a tomada de posição do Tribunal quanto à factualidade não provada constante dos pontos i), iv), v), vi) e vii) dos Fatos Não Provados.
Por outro lado, e ainda quanto às imagens enviadas pela menor ao AA, as mesmas não foram apreendidas, nem visualizadas pelo Tribunal, que desconhece, por isso, que tipo de representação estaria em causa, designadamente, se a mesma poderia ser qualificada como pornográfica, tanto mais que foi enviada em contexto de reciprocidade e no âmbito de um namoro virtual. Tal conduta, ainda que desajustada face à idade da menor – também não preenche os elementos típicos da incriminação, o que legitimou que fossem dados como não provados os pontos ii), iii), iv) e v) dos Fatos Não Provados.
Ainda no mesmo contexto, também não se provou que o arguido DD tenha feito print da imagem da GG sem calças (ponto viii) dos FNP) com o intuito de satisfazer a sua líbido, ou de a partilhar, mas antes como estratégia para construir a ameaça séria que lhe permitirá, depois, constranger a menor à pratica de atos sexuais.

Quanto à frequência pelo arguido DD da Escola EB 2/3, a mesma foi admitida, quer pela vítima, quer pelo arguido – ponto 10 dos FP).
Relativamente ao incidente ocorrido junto ao quiosque – no dia 26.05.2021 – o mesmo foi reconhecido, nos seus contornos essenciais, quer pela GG, quer pelo próprio DD (pontos 11 a 15 dos FP), apenas com o aditamento de que o arguido usou linguagem brejeira e abusiva, que foi expressamente descrita pela GG nas declarações para memória futura e que ajuda a conferir sentido e coerência interna ao episódio.
É este episódio, aliás, que despoleta os demais acontecimentos. É nesse dia da parte da tarde que o arguido, perante a ameaça da GG de que o denunciaria à direção da escola e à PSP, que este, como represália, diz que tem na sua posse “nudes” da vítima. Segundo o arguido, o que é plausível, como já se viu, limitou-se a fazer “bluff”, mas a pré-existência dessas imagens e a volatilidade que lhe está associada, levou a vítima a julgar tal ameaça como credível – pontos 16 a 18 dos Fatos Provados.
Por essa razão, é que o Tribunal acabou por levar aos FP a matéria constante do ponto 19 – a menor intuiu que se tratavam das fotos que remetera ao AA – porquanto é o que está conforme com o que esta mencionou nas declarações para memória futura, em que diz que “juntou as pontas” (sic), isto apesar de, nesse mesmo dia, como se viu, ter admitido à PP não saber se as “nudes” eram “da parte de cima ou da parte de baixo”.
No ponto 20 dos FP, o aditamento da expressão “se não tivessem cenas”(sic) está conforme as declarações do arguido DD, que também pareceram credíveis nessa parte, por se tratar de expressão comummente usada nessa idade, para designar envolvimento físico, que se pode vir a traduzir em contato/relação sexual, sendo assim legítimo que a menor GG o tivesse interpretado dessa forma.
Quanto aos pontos 21 a 24 dos FP, o arguido AA não confessou a insistência, mas admitiu o pedido e a captação da imagem, tendo o Tribunal valorado especialmente as declarações da vítima nestes pontos.
A consequência dessa insistência e dessa ameaça – com exibição do print tirado nesse mesmo dia – ponto 25 dos FP - provou-se com base nas declarações concordantes do arguido, da GG e dos depoimentos das menores PP e NN. Todavia, tal ameaça também está claramente aflorada nos prints das sms de fls. 122 e ss.
Já relativamente ao episódio de 27 de maio, o encontro à porta da escola e o encaminhamento para junto dos prédios, está demonstrado com base nos depoimentos da GG, e das testemunhas PP e NN, sendo que o arguido também o admitiu – ponto 26 dos FP.
Acresce que o beijo acompanhado da introdução dos dedos na vagina da menor – pontos 27 e 28 dos FP – ainda que negado pelo arguido, foi claramente descrito pela GG, que o contou à mãe LL, que também aludiu a esse pormenor no seu depoimento.
O encaminhamento para uma zona mais isolada (ponto 28) foi unanimemente referido por ambos, a colocação do preservativo e o baixar da roupa (ponto 29) igualmente.
Já quanto à forma como o contato sexual se desenrolou – abrangendo sexo anal, vaginal e oral – pontos 30, 31 e 32 as versões do arguido e da ofendida foram dissonantes, mas o Tribunal não teve duvidas em valorizar as declarações da assistente, porque credíveis e coesas, parecendo que o arguido quis aqui beneficiar da circunstancia de ninguém ter presenciado os fatos, sendo que não poderia negar a cópula vaginal face aos vestígios biológicos encontrados.
As mensagens enviadas nesse mesmo dia à ofendida – pontos 35 e 36 dos FP – também foi admitida pelo arguido.

Ainda que a versão da assistente não tivesse sido corroborado pelo relatório psicológico, o mesmo seria credível. Mas no caso em concreto, importa salientar, com base nesse relatório, que:
- do ponto de vista cognitivo, GG evidenciou ter alcançado os marcos desenvolvimentais esperados para a sua idade, não se tendo observado qualquer défice significativo no que concerne às competências intelectuais esperadas e adquiridas;
- demonstrou possuir adequadas competências de memória, atenção e capacidade narrativa, fazendo referência a situações do quotidiano;
- evidencia adequadas capacidades de se representar no mundo social e é capaz de identificar e expressar emoções básicas ("feliz", "triste", "zangada") e complexas ("vergonha", "raiva"), reconhecendo-as em si e nos outros.
- em termos de desenvolvimento social, revela capacidades adequadas em colocar-se no lugar do outro e compreender a essência das relações sociais, ainda que se apresente como uma jovem imatura, ingénua e influenciável;
- encontra-se, em termos desenvolvimentais, dentro dos parâmetros de funcionamento esperados para a sua idade, revelando possuir os requisitos elementares para fornecer um testemunho credível sobre as suas experiências.
- quando confrontada com os fatos dos autos, foi percetível emocionalidade e afeto negativo;
- fez referência a um episódio único perpetrado, segundo a menor, por um jovem que frequentava a sua escola e que esta apelida de DD, o qual terá envolvido penetração anal, vaginal e oral (ex., "Pôs em 3 sítios. Ele meteu o pénis... na parte de trás... e depois meteu na parte da frente.
(...) Ele beijava-me na boca. (...) E depois tirou o preservativo e meteu na minha boca").
- Pese embora GG não fosse capaz de precisar a data do alegado episódio, referiu que este terá ocorrido numa quinta-feira do corrente ano, cerca de um mês antes do final das aulas, no dia a seguir ao episódio em que DD terá assediado a sua amiga (ex., "Eu sei que no dia já estava a ameaçar mandar a toda a gente. Foi numa quarta-feira. Foi em maio. Numa quarta-feira foi quando ele assediou a NN e eu o ameacei e no dia seguinte já estava a fazer chantagem e foi nesse dia que tudo aconteceu.

Nestas suas descrições a menor foi ainda capaz de fornecer alguns indicadores temporais (ex., "Foi este ano. Foi um mês antes de acabar as aulas porque eu faltei um mês às aulas"; "Foi numa quinta-feira. Foi ao meio-dia, mais ou menos. Não tinha aulas de tarde") e espaciais (ex., "Ele levou-me para trás de um apartamento que era da madrinha do meu irmão"; "Foi atrás de uma árvore"), enquadrando as alegadas ocorrências nas suas rotinas diárias (ex., "No outro dia [quinta-feira] eu fui para a escola, falei com a QQ. Nos intervalos e durante as aulas combinamos ele ir-me buscar à escola e fazermos lá").
- foi ainda capaz de fazer referência a acontecimentos anteriores (ex., "Nós combinamos depois da última aula que eu tinha nos encontrarmos à frente da escola para fazermos. Mas não foi à frente da escola. (...) Ele estava à minha espera, depois pousei a mochila, fomos para cima. (...) Depois já estávamos a descer a rampa. Nós paramos em três sítios: o primeiro foi nos arbustos que tinha a relva bem grande, que era suposto fazer lá, só que eu disse não. Depois fomos para a frente de uma garagem e ficamos lá...") e posteriores ao alegado episódio (ex., "Fomos para a escola. Foi silêncio daquele constrangedor mesmo. Lembro-me que apareceu na ida para lá um rapaz que era colega dele e eles começaram a falar. (...)Nesse dia, no final do dia, mandei mensagem ao DD a dizer que não queria nada com ele, coisa que nós não tínhamos nada, e ele ficou todo chateado e disse que ia mandar às pessoas os meus nudes.).
- Nestas descrições a menor foi ainda capaz de fazer referência a ações circunstâncias aos alegados episódios (ex., "(...) tem o quiosque e ele parou para falar com umas raparigas que eram amigas dele e eu encontrei uma amiga minha que é a PP e ela disse «ó GG, foge» e eu disse «eu não posso fugir porque a minha mochila está lá em baixo e se eu não for ele vai mandar para toda a gente» e então ela disse que ia atrás de nós. Eu estava sempre a olhar para trás e ele até ficou desconfiado, até que eu não vi mais a PP e ela no dia a seguir disse que o táxi dela tinha chegado.
Quando interpelada sobre a sequência das alegadas interações, GG descreveu o episódio com uma sequência lógica e estruturada: " (...) Ele começou-me a beijar e meteu a mão dentro das minhas calças e passado algum tempo ele viu que estava a passar gente da escola e disse «vamos mais para baixo» e fomos parar lá atrás do apartamento. Chegamos lá, ele tirou-me as calças (...)". Nesta descrição a menor foi capaz de incluir espontaneamente as suas verbalizações e verbalizações do alegado ofensor (ex., "(...) e perguntou-me se eu queria que ele usasse o preservativo e eu disse que sim'), assim como ações circunstâncias (ex., "Ele pôs o preservativo, tanto que depois, quando a polícia foi lá, estava lá o preservativo").
GG incluiu ainda referências a elementos sexuais (ex., "Ele tirou o preservativo quando pôs o pénis na minha boca"; "Ele depois fez o gesto, ele moveu a anca para a frente e para trás, como fez nas outras duas cenas, e saiu do pénis dele, como é que se chama? É tipo um líquido...", "Saiu uma coisa para a minha boca. Eu cuspi") e sensoriais (ex., "Doeu"; "Isso é uma coisa que me anda a perturbar muito.
O preservativo tem um cheiro e dantes eu conseguia recordar esse cheiro em praticamente todos os sítios e isso faz-me lembrar o que aconteceu') e foi capaz de apelar às verbalizações do alegado ofensor (ex., "[Durante o sexo oral] Ele disse-me para eu deixar estar que ele batia").
Relativamente aos estados psicológicos experienciados durante e após o incidente, GG referiu: "Eu tentava não pensar em nada. A minha cabeça estava limpa"; "Eu acho que o que me passava mais pela cabeça era «ai se a minha mãe me vê aqui ela mata-me». Pensava também como é que ia entrar na escola depois daquilo".
           
- Procedendo a uma análise do relato de GG à luz dos indicadores de credibilidade salientados pela literatura (validade e credibilidade das alegações), verificamos que este apresenta um conjunto de características encontradas em relatos credíveis.
No que concerne à validade, ponderando as declarações produzidas pela menor ao longo das diferentes sessões de avaliação foi possível concluir que os relatos de GG a respeito das experiências abusivas apresentam consistência interna (coerência num mesmo testemunho), consistência inter-declarações (consistência entre a informação central entre informantes) e consistência entre relatos (coerência global ao longo das diferentes sessões de avaliação) e persistência das declarações (ao longo do tempo e entre contextos).
No que concerne à credibilidade do seu relato, verificamos que este apresenta um número significativo de características habitualmente presentes em relatos credíveis. Assim, em termos de características gerais a narrativa proferida apresentou uma estrutura lógica, uma vez que os segmentos da história se ordenam de forma coerente, havendo enquadramento temporal e contextual dos eventos com as suas atividades rotineiras, bem como referências aos antecedentes e aos acontecimentos posteriores aos alegados episódios.
Ao nível dos conteúdos específicos, GG foi capaz de enquadrar temporal e contextualmente os episódios relatados, descrevendo a sequência de ações que os terão caracterizado e os atos praticados.
-  o relato da jovem apresentou-se espontâneo e estruturado.
- da avaliação efetuada, não nos parece que estejam presentes distorções significativas de memória, ou indicação de eventual mentira da autoria da menor ou induzida por terceiros, sendo de realçar que o discurso produzido por GG se apresenta espontâneo e coerente e inclui um número significativo de detalhes, elementos usualmente associados a relatos credíveis.
- GG admitiu falhas de memória e dúvidas em relação a determinados elementos (ex., datas concretas), o que é pouco típico em situações de mentira.
- no que concerne às reações aos alegados episódios, quer os pais quer a menor relataram um conjunto de alterações emocionais e comportamentais da parte de GG, em especial no período que se seguiu à sua ocorrência (ex., "Enquanto a GG não foi seguida pela psicóloga, aqueles primeiros tempos foram de altos e baixos. Tinha momentos de estar muito calma, de estar completamente eufórica e estar em estados de chorar, de gritar. Uma vez ela estava muito calma, de repente começou a chorar e a dizer «tenho que falar com a Polícia»"
- no que respeita ao risco de (re)vitimação, importa salientar que, à presente avaliação, resultou a presença de alguns fatores de risco/vulnerabilidade. Não obstante a ausência de contactos com o alegado ofensor e a adoção de estratégias de securização e proteção face a eventuais episódios abusivos da parte dos progenitores (ex., mudança de escola, supervisão), o estilo de funcionamento da menor (i.e., ingenuidade, imaturidade) pode torná-la mais vulnerável a este tipo de vitimação.

Em suma, perante as declarações para memória futura e as declarações prestadas pelo arguido em audiência, para além dos resultados dos exames comparativos de genética e biologia forense, atrás explanados, não restaram quaisquer dúvidas de que as relações sexuais foram praticadas contra a vontade da GG e, além disso de maneira forçada, nos moldes descritos na acusação.
Mereceu a credibilidade do Tribunal o relato da ofendida, feito num registo assertivo, perentório e coerente. Com efeito, a GG descreveu os factos de forma completa, lógica e conforme às regras da experiência comum. Manteve um discurso claro, objetivo, sem expressar dúvidas e também sem exageros na forma como relatou os acontecimentos. Aludiu aos pontos essenciais, sem olvidar importantes pormenores. Acresce que as declarações da ofendida foram congruentes e sólidas.
Por outro lado e em contraponto, o arguido apresentou um discurso, por vezes, contraditório, admitindo apenas o que não podia negar.
As declarações para memória futura não revelaram sinais de viciação, afetação ou exagero. Ouvido o depoimento em apreço, nota-se que a testemunha apresenta capacidades de memória e de narração adequadas para a sua idade e relatou os factos sem traços de imaginação ou fantasia, conforme alias, o relatório psicológico bem acentuou.
Refira-se, por último, que o estado em que a ofendida se encontrava depois dos factos – chorosa, nervosa, muito perturbada, como afirmaram as testemunhas que a viram (as amigas e os pais) – contribuiu para o crédito que mereceu a versão da acusação.
Conjugando todos os fatores de apreciação da prova atrás expostos, entre os quais se destacam a credibilidade do depoimento da ofendida, a inconsistência da versão desculpabilizante do arguido, os resultados dos elementos de prova pericial e a reação da ofendida aos acontecimentos, não restaram dúvidas de que os factos ocorreram tal como na acusação foram descritos.
Já quanto ao episódio da HH, a postura do arguido foi idêntica, tendo optado por negar o apalpão. No entanto, a ofendida a ele se referiu sem hesitações, nas declarações para memória futura, sendo certo que a testemunha II, ainda que admitindo não ter visto essa parte, prestou um depoimento coerente, em que tal comportamento surge como perfeitamente plausível, no contexto fatual que descreveu, não tendo nunca duvidado da versão da sua amiga. Aliás, a mãe KK aludiu à reação da filha em casa, tendo a mesma perdido o apetite, o que é compatível com o impacto de um episódio desta natureza.
Finalmente, a testemunha de defesa JJ além de algo evasiva, também não deu qualquer explicação alternativa para o nervosismo apresentado pelas menores a respeito desse episódio.
A personalidade e postura de correção do arguido AA foram enaltecidas pelas testemunhas abonatórias VV e António Teixeira e ainda pelo pai CC.
Também a testemunha SS e OO depuseram a favor do carater do arguido DD, ainda que ambos reconhecendo alguma imaturidade e permeabilidade no mesmo.
Especificamente em relação aos elementos subjetivos correspondentes às infrações criminais imputadas, o Tribunal teve em consideração a factualidade objetiva que considerou assente, bem como a circunstância de a generalidade das pessoas saber que não se podem praticar atos sexuais, quaisquer que sejam, contra a vontade de outras pessoas, sobretudo se menores de 14 anos. O arguido conhecia perfeitamente a idade das vítimas, sabendo que frequentavam o 7.º ano da sua escola.

Finalmente e quanto à matéria do pedido de indemnização civil, o Tribunal ponderou o depoimento prestado pela psicóloga XX, e pelos progenitores LL e MM, que descreveram o impacto emocional que a situação criou na GG, o que, aliás, também está aflorado e fundamentado no relatório psicológico acima aludido.
Naturalmente, não se tendo provado a pratica de crime pelo arguido CC, também não se provou que o sofrimento psicológico da vítima GG a si pudesse ser imputado.
O desconhecimento de antecedentes criminais resultou da consulta do certificado de registo criminal de ambos os arguidos.
Finalmente, no que concerne às condições pessoais e sócio-económicas dos arguidos e aos dados relativos ao seu processo de integração, o Tribunal teve em consideração os relatórios sociais e, ainda, aos depoimentos prestados por OO e CC.”.
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3. Posto isto, passemos, então, à análise das concretas questões suscitadas pelos recorrentes nos respectivos recursos, as quais, evidentemente, serão apreciadas segundo a sua precedência lógica.
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3.1. Da nulidade do acórdão recorrido / da perda de bens a favor do Estado
De acordo com as suas conclusões, sustenta o recorrente DD que o acórdão recorrida é nulo, por falta de fundamentação, nos termos disposto nos Artºs. 374º, nº 2, e 379º, nºs. 1, al. a), e 2, no que tange à declaração de perda a favor do Estado dos telemóveis apreendidos.
Mais acrescentando que, mesmo que assim se não entenda, a decisão recorrida também violou o disposto no Artº 109º do Código Penal, dado que os telemóveis em causa não eram essenciais à prática do crime.
Porém, desde já se adianta não lhe assistir qualquer razão.
De acordo com o citado Artº 379º, nº 1, al. a), “[é] nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 (…) do art. 374º (…)", ou seja, “(…) a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
No que concerne à exigência da fundamentação em análise, vem a doutrina entendendo que só a sua falta absoluta é que conduz à nulidade da decisão, e que a fundamentação insuficiente, deficiente ou não convincente não constitui nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso.
Efetivamente, como lapidarmente ensinava o Prof. Alberto dos Reis, “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada.”. Pois, “o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade” - In “Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 140.
Do mesmo modo se vem orientando de modo reiterado a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, segundo a qual apenas a ausência ou falta absoluta de fundamentação constitui nulidade (cfr., v.g., o Acórdão de 12/04/2018, proferido no âmbito do Proc. nº 140/15.1T9FNC.L1.S1, ou o Acórdão de 17/03/2016, proferido no âmbito do Proc. nº 1180/10.2JAPRT.P1.S1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt).
No caso vertente, compulsando o acórdão recorrido, na parte referente aos “objetos”, verifica-se que nele se fez constar o seguinte (transcrição):
“Quanto ao telemóvel da marca ... pertencente à ofendida, deverá ser cumprido o disposto no art.º 186.º, n.º 3, na pessoa dos representantes legais.
Quanto aos demais telemóveis, por terem sido usados na prática do crime, declaro os mesmos perdidos a favor do Estado – art.º 109.º, n.º 1 e 3 do CP.”.
Ora, como bem sublinha o Exmo. Procurador da República na sua douta resposta ao recurso, “Tal como se apresenta constata-se que a decisão remete para o pertinente normativo e remete igualmente para a matéria de facto dada como provada e lendo a decisão mais concretamente aquela que se situa nos artigos 16 a 24.
Ora, em vista dessa matéria dada como provada e o apontado preceito é nosso modesto entendimento que, apesar de exígua neste particular ponto da decisão condenatória o certo é que a bondade e o fundamento do decidido se extrai e surge complementada a propósito daquilo que o tribunal discorre na parte que alude à qualificação jurídica dos factos dados como provados.
Para além de que como é bem evidente o telemóvel do arguido foi essencial à prática do crime pois foi através dele que recepcionou aquele “nude” e foi com ele que o exibiu à vítima e que foi o instrumento usado para realizar a ameaça conducente ao crime que veio a praticar.
E com isso se pode afirmar que a decisão em causa com relação à decretada perda não padece do invocado vício e ali se decidiu em conformidade com a lei e o direito.”.
Concordamos com estas asserções veiculadas pelo Exmo. Procurador da República.
Na verdade, ainda que sinteticamente, extrai-se do acórdão recorrido, quanto à temática em causa, que o mesmo permite uma avaliação minimamente segura das razões de facto e de direito que serviram de suporte ao respectivo conteúdo decisório, não se verificando, assim, a invocada nulidade.
Pois, como se disse, e ora se reitera, apenas a ausência ou falta absoluta de fundamentação constitui nulidade da sentença.
O mesmo sucedendo no que à declaração de perda diz respeito, já que o telemóvel do arguido recorrente foi essencial à prática do crime, pois foi através dele que recepcionou aquela “nude”, e foi com ele que o exibiu à vítima, consubstanciando o instrumento usado para realizar a ameaça conducente ao crime que veio a praticar.
Não havendo, assim, qualquer desproporcionalidade ou desadequação na decretada perda, como verbera o recorrente DD na respectiva motivação, tendo a mesma cobertura legal na norma constante do Artº 109º, nº 1, do Código Penal, da qual se socorreu o tribunal a quo.
Soçobra, pois, o recurso do arguido DD, nestes segmentos.
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3.2. Da impugnação da matéria de facto - do erro de julgamento / da violação do princípio in dubio pro reo
Neste âmbito insurge-se desde logo o arguido e recorrente DD contra a decisão sobre a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo no que tange ao respectivo envolvimento nos factos dados comos assentes nos pontos nºs. 40. a 43., e 49. [que estiveram na base da sua condenação pelo crime de abuso sexual por importunação, na pessoa da ofendida HH], a qual – diz – deve ser alterada no sentido que preconiza, e que, em síntese, passa pela sua exclusão da dita factualidade.

Vejamos, pois.
Antes de mais, há que sublinhar que, como prima facie poderia resultar de uma leitura mais apressada dos correspondentes preceitos adjectivos, não são ilimitados os poderes conferidos às Relações em termos da matéria de facto apurada em 1ª instância.
Para isso concorre, basicamente, a concepção adoptada no nosso ordenamento adjectivo que concebe os recursos como "remédio jurídico" para os vícios de julgamento ou, noutra perspectiva, o seu entendimento como juízos de censura crítica e não como "novos julgamentos", e ainda as decorrências do princípio da livre apreciação da prova, ínsito no Artº 127º do C.P.Penal, segundo o qual “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente”.
Por outro lado, não se pode olvidar que, ao apreciar a matéria de facto, o Tribunal da Relação está condicionado pela circunstância de não ter com os participantes do processo aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão, sendo certo que os princípios da oralidade e da imediação [8] permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido e com os demais intervenientes processuais, nomeadamente com as testemunhas, permitindo-lhe uma melhor avaliação da credibilidade das declarações e depoimentos prestados.
E exactamente porque o Tribunal da Relação não beneficia destes princípios (da oralidade e da imediação) - e, nesta medida, escapa-lhe, por insindicável, toda uma panóplia de informações não verbais e não documentadas, imprescindíveis para a valoração da prova produzida -, entende-se que a reapreciação das provas gravadas só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª instância caso se constate que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas produzidas.
Nesta perspectiva, o Tribunal da Relação não procede a um segundo julgamento de facto, pois que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 1ª instância nem pressupõe a reanálise pelo tribunal de recurso do conjunto dos elementos de prova produzida, mas tão-somente o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido mencionados no recurso e bem assim das provas, indicadas pelo recorrente, que imponham (e não apenas, sugiram ou permitam) decisão diversa, traduzindo-se, pois, numa reapreciação restrita aos concretos pontos de facto que o mesmo entende incorrectamente julgados e às razões dessa discordância.
Assim, os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um “remédio” a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inquestionavelmente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância, e já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando dos já supra aludidos princípios da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou em parte de cada uma delas) que se apresentou como mais plausível e coerente.
Sublinhe-se, por outro lado, que não raras vezes os recursos, quanto a esta questão concreta, de impugnação da credibilidade dos elementos de prova, demonstram um evidente equívoco - o da pretensão de equivalência entre a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e o exercício, ilegítimo, do que corresponde ao princípio da livre apreciação da prova, a que já se aludiu, exercício este que, face ao transcrito Artº 127º do C.P.Penal, apenas ao tribunal incumbe.
O que não é legítimo é a convicção do recorrente sobrepor-se à do julgador.
Evidentemente que, como sublinha o mencionado Mestre, [9] o princípio da livre apreciação da prova não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imutável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida.
Com efeito – diz –, se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (como já dissemos que a tem toda a discricionariedade jurídica) os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados; a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material –, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo, possa embora a lei renunciar à motivação e o controlo efectivos.
Noutra vertente, há que relembrar que a matéria de facto pode ser sindicada junto dos Tribunais da Relação por duas vias: a primeira, no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal, no que se convencionou chamar de “revista alargada”; e a segunda através da “impugnação ampla” da matéria de facto, a que alude o Artº 412º, nºs. 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
Ora, no primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do citado Artº 410º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem de resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.
Ao passo que, na segunda situação, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs. 3 e 4 do citado Artº 412º.
Acresce que, nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Ou seja, o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, pois, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa [10].
Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, conforme determina o Artº 412º, nº 3, do C.P.Penal:
“3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”.

Ora, a especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.
Ao passo que a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida.
E, finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. Artº 430º do C.P.Penal).
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente um outro ónus: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nºs. 4 e 6 do Artº 412.º do C.P.Penal).
E, para dar cumprimento a estas exigências legais tem o recorrente de especificar quais os pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, quais os segmentos dos depoimentos que impõem decisão diversa da recorrida e quais os suportes técnicos em que eles se encontram, com referência às concretas passagens gravadas.

Ora, no caso vertente, das conclusões do recorrente DD extrai-se que o mesmo não assaca à decisão recorrida, validamente, nenhum dos vícios a que alude o Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal (nem este Tribunal os vislumbra), os quais, como se referiu anteriormente, têm como pressuposto (inultrapassável) que o vício a apreciar resulte do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum [11].
Na verdade, resulta claro da motivação e das conclusões do seu recurso que o arguido DD tem em vista o erro de julgamento a que alude o Artº 412º, n.ºs 3 e 4, traduzido numa errónea valoração das provas produzidas em julgamento no que tange à supra descrita factualidade, constante dos pontos nºs. 40. a 43., e 49..
Sendo que, quanto às concretas provas que, na sua perspectiva, impõem decisão diversa e que concretizou por referência aos respectivos minutos das passagens das declarações, trouxe o recorrente à liça, no essencial, pequenos excertos das declarações do próprio, e bem assim pequenos excertos dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento pelas testemunhas II, KK e JJ, fazendo ainda alusão às declarações da ofendida HH, “prestadas em fase de inquérito, no dia 23-01-2023, cujo auto de inquirição se encontra junto aos autos a fls. 64”.
Ora, para além de o recorrente invocar um meio de prova [declarações da ofendida HH prestadas em fase de inquérito, no dia 23/01/2023, perante OPC] cuja validade, para este efeito, estaria dependente da observância dos requisitos a que alude o Artº 356º, nºs. 1, al. b) e nº 5, do C.P.Penal, o que não sucedeu, toda a alegação do recorrente DD ao longo das considerações que adianta em abono da sua tese resume-se à sua discordância relativamente à forma como o tribunal a quo valorou a prova, limitando-se a avançar a sua ponderação acerca da prova produzida, notoriamente distinta daquela que ficou estabelecida no acórdão recorrido, visando que este tribunal a adopte.
Sendo certo que em momento algum o recorrente DD explicita o que é que nos meios probatórios que validamente indica não sustenta os factos dados como provados que impugna, ou seja, não relaciona o conteúdo específico desses meios de prova com cada um desses factos, de modo a demonstrar que se impõe uma decisão diversa quanto a eles, explicitando as razões desse entendimento.
Pois que a imposição de decisão diversa terá de advir da circunstância dos meios probatórios invocados não comportarem ou não consentirem aquilo que o tribunal deles retirou, designadamente porque os depoentes ou declarantes disseram algo diverso ou contraditório daquilo que o tribunal apreendeu, ou porque os documentos não permitem extrair o que deles foi retirado pelo tribunal e com base no qual veio a formar a sua convicção.
Dito de outro modo, na situação em apreço, o que o recorrente DD pretende é, no fundo, que este tribunal de recurso proceda a um novo julgamento acerca de tais factos, analisando toda a prova produzida na primeira instância a fim de fixar depois a matéria de facto de acordo com a convicção do próprio recorrente, considerando os factos em causa como não provados.
E olvidando que, para que este tribunal de recurso pudesse levar a cabo a pretendida alteração da matéria de facto, tornava-se necessário que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não apenas aconselhasse, ou permitisse, ou consentisse uma tal alteração, mas antes impusesse essa alteração da decisão a que o tribunal recorrido chegou, fundamentadamente, sobre a matéria de facto [12].
Ora, no caso vertente, tendo em consideração as normas legais e os princípios jurídicos acabados de enunciar, e perscrutando o acórdão recorrido quanto à motivação sobre a matéria de facto em causa, facilmente se constata que as provas produzidas em audiência de discussão e julgamento não "impõem" uma decisão diversa daquela que foi proferida pelo tribunal a quo, antes a confirmam.
Com efeito, vista e analisada a "motivação quanto à matéria de facto" concluiu-se que o tribunal a quo fez uma proficiente e correcta análise da prova [na qual se incluem as declarações para memória futura prestadas pela ofendida HH, prestadas no 15/11/2022, e que se encontram transcritas a fls. 567/571] produzida em audiência de discussão e julgamento, procedendo ao exame crítico dessa prova, de modo totalmente claro e apreensível, socorrendo-se das regras da experiência comum e da normalidade das coisas, com apoio na imediação e na oralidade da produção dos pertinentes meios de prova, e dessa análise apenas podemos referir sem hesitações que o mesmo cumpriu a sua missão com êxito.
Na verdade, a análise dessa prova não nos dá qualquer indício de que o tribunal a quo decidiu mal. Antes pelo contrário, confirma o raciocínio coerente, lógico e racional que prosseguiu para dar como provados os factos em discussão, ou seja, os impugnados pelo arguido e recorrente DD.
Ressaltando da decisão recorrida uma imagem lógica e coerente do que realmente aconteceu, sem que subsistam dúvidas de que o arguido DD, ora recorrente, nas circunstâncias de tempo e de lugar descritos, cometeu os factos tidos por provados, por ele ora colocados em crise.
É certo que a tal recorrente assistia o direito de apresentar a versão que lhe aprouvesse e que tivesse por mais adequada à sua defesa, o que fez nos termos que constam das suas conclusões recursórias, questionando, em suma, a relevância que o tribunal a quo deu ou não deu à prova produzida.
Porém, em bom rigor, o recorrente DD, ao alegar em tais moldes, sem apontar argumentos ou provas impositivas de uma decisão diversa da que foi tomada pelo tribunal nos segmentos aludidos, socorrendo-se de pequenos pormenores desgarrados da visão global que sempre deve existir, e sobretudo fazendo “tábua rasa” das declarações para memória futura prestadas pela ofendida HH, que, como sublinhou o tribunal colectivo, sem hesitações confirmou os factos em causa, em boa verdade o recorrente está, em síntese, a impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos aquela adquiriu em julgamento, olvidando a regra da livre apreciação da prova ínsita no Artº 127º do C.P.Penal.
Assim sendo, sem necessidade de mais considerações, não vislumbrando este tribunal qualquer razão para divergir da apreciação da prova feita pela primeira instância, mantém-se inalterada a factualidade dada como provada, constante dos pontos nºs. 40. a 43., e 49., impugnados pelo recorrente DD.
Mas, como se viu, defende também o recorrente DD que o tribunal a quo, ao dar como provada a aludida factualidade, violou o princípio in dubio pro reo.
Uma vez mais, nenhuma razão lhes assiste.
O princípio in dubio pro reo funda-se constitucionalmente no princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença (Artº 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), impondo ao tribunal que, em situações de dúvida quanto à ocorrência de determinado(s) facto(s) daí deva retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido.

Como ensina o Prof. Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português”, Universidade Católica Editora, Volume I, 2ª Edição, 2017, págs. 96/97, “A presunção de inocência é identificada por muitos autores com o princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. Este princípio denomina-se também «benefício de dúvida» e significa que o arguido tem o direito de ser absolvido, a ser declarado inocente (direito à inocência), se não for feita prova plena da sua culpabilidade (...). A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a admissão da responsabilidade sem prova, fruto do azar do arguido que por qualquer razão se viu suspeito da prática de um crime, em que o tribunal tenha logrado provar a sua culpabilidade (...). Em rigor, o princípio in dubio pro reo é simplesmente um princípio lógico de prova. Se o tribunal não lograr a prova dos factos que constituem o objecto do processo deve considerar a acusação não provada e como consequência lógica não aplicar qualquer sanção ao arguido porque falta o necessário pressuposto, ou seja, que a acusação é fundada (...)”.
Porém, como se afigura evidente, o princípio in dubio pro reo não se traduz em dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, como sucede no caso sub-judice com o arguido recorrente, DD. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
O que não significa, obviamente, que tendo havido versões diferentes ou até contraditórias sobre determinados factos, o arguido deva ser absolvido em homenagem a tal princípio (cfr., neste sentido, v.g., o Acórdão desta Relação de Guimarães, de 09/05/2005, proferido no âmbito do Proc. nº 475/05-1, relatado pela Exma. Desembargadora Maria Augusta, disponível in www.dgsi.pt).
Na verdade, a violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma manifesta e evidente, que o tribunal, numa situação de dúvida, decidiu contra o arguido.
Ora, no caso sub-judice, como se depreende das suas conclusões, o recorrente DD invoca o princípio in dubio pro reo como corolário da sua própria apreciação da prova.
Porém, em momento algum resulta do acórdão recorrido que relativamente à actuação do arguido recorrente, nos termos descritos na factualidade dada como provada, as Mmºs. Juízas que compuseram o tribunal colectivo se tenham defrontado com dúvidas que resolveram contra o mesmo, ou demonstraram qualquer dúvida na formação da convicção e, ademais, se impunha que a devesse ter tido.
Ou seja, o tribunal recorrido não teve qualquer dúvida, tendo retirado directamente as conclusões que extraiu da prova produzida em audiência, pelo que não poderia nem deveria fazer uso de tal princípio.
Nenhuma violação ocorre, pois, de tais princípios, maxime da norma constante do Artº 32º da Constituição da República Portuguesa.
Improcede, pois, o recurso do arguido DD, quanto a estes aspectos.
Como improcede, também, a sua pretensão no sentido de ser absolvido  da prática do crime de abuso sexual por importunação, na pessoa da menor HH, pelo qual foi condenado.
Pois que, como claramente emerge das suas conclusões, esta questão foi trazida à colação pelo recorrente no pressuposto de que tivessem êxito as questões anteriormente abordadas, designadamente a atinente à impugnação da matéria de facto em causa.
Porém, tendo improcedido totalmente a impugnação da matéria de facto efectuada pelo recorrente, considerando-se definitivamente provados os factos em causa, dados como assentes no acórdão sub-judice, dúvidas não há de que se verificam inteiramente os elementos objectivos e subjectivos do ilícito criminal pelo qual foi condenado, nos termos devidamente explicitados na decisão recorrida, para os quais remetemos, e que subscrevemos inteiramente.
*
3.3. Da qualificação jurídica dos factos
Como resulta das respectivas conclusões recursórias, defende o arguido e recorrente DD a absolvição do crime de violação agravada, p. e p. pelos Artºs. 164º, nº 2, al. a) e 177º, nº 7, do Código Penal, por inexistência de violência ou ameaça grave e da impossibilidade de resistir da vítima.
Por seu turno, a assistente e recorrente GG preconiza que, em face da matéria dada como provada nos pontos 20. a 25.,  o arguido DD deve ser condenado pela prática de um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos Artºs. 176º, nºs 1, al. b) e 3, e 177º, nºs. 1, al. c), e 7, ambos do Código Penal. Mais adiantando que, em face ao factos dados como provados nos pontos 23. a 25., 47., 97. e 98., o mesmo arguido deve também ser condenado pela prática do crime de ameaça agravado, do qual foi absolvido, havendo concurso efectivo entre esse ilícito e o crime de violação agravada.
Vejamos.

Atentando-se, antes de mais, nas considerações jurídicas a esse propósito expendidas pelo tribunal a quo (transcrição):
“A acusação imputa ao arguido AA, a prática, em autoria material, sob a forma consumada e em concurso efetivo de, pelo menos, dois crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, al. b) e 177.º, n.º 1, al. c) e n.º 7; e, pelo menos, dois crimes de pornografia de menores agravado, p.p. pelo art.º 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 1, al. c) e n.º 7 do CP.

Por sua vez, ao arguido DD, o MP imputa a prática, em autoria material, sob a forma consumada e em concurso efetivo de, pelo menos, dois crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 5 e 177.º, n.º 1, al. c) do Código Penal e, um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 e 177.º, n.º 1, al. c) e n.º 7 do Código Penal.
Inserido na Secção II, que trata dos «crimes contra a autodeterminação sexual», estabelece o artigo 176º, sob a epígrafe “Pornografia de menores” (com as alterações das Leis n.ºs 65/98, de 2.9; 99/2001, de 25.8; 59/2007, de 4.9; 103/2015, de 24.8 e 40/2020, de 18.8, sendo esta última a aplicável ao caso dos autos:
1 - Quem:
a) Utilizar menor em espetáculo pornográfico ou o aliciar para esse fim;
b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim;
c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior;
d) Adquirir, detiver ou alojar materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2 - Quem praticar os atos descritos no número anterior profissionalmente ou com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de um a oito anos.
3 - Quem praticar os atos descritos nas alíneas a) e b) do n.º 1 recorrendo a violência ou ameaça grave é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
4 - Quem praticar os atos descritos nas alíneas c) e d) do n.º 1 utilizando material pornográfico com representação realista de menor é punido com pena de prisão até dois anos.
5 - Quem, intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do n.º 1 é punido com pena de prisão até 2 anos.
6 - Quem, presencialmente ou através de sistema informático ou por qualquer outro meio, sendo maior, assistir, facilitar ou disponibilizar acesso a espetáculo pornográfico envolvendo a participação de menores é punido com pena de prisão até 3 anos.
7 - Quem praticar os atos descritos nos n.os 5 e 6 com intenção lucrativa é punido com pena de prisão até 5 anos.

8 - Para efeitos do presente artigo, considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo.
9 - A tentativa é punível.

Recentemente, a Lei n.º 4/2024 de 15.01 modificou a redação do n.º 3 deste normativo, alargando a conduta típica às situações de “constrangimento”, passando o n.º 3 a ter a seguinte redação “Quem praticar os atos descritos nas alíneas a) e b) do n.º 1 recorrendo a qualquer forma de ameaça, constrangimento ou violência é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”. (sendo que apenas ao arguido AA está imputado o comportamento previsto no n.º 3 do art.º 176.º do CP).
O tipo legal de pornografia de menores pode, assim, revestir qualquer ato que se enquadre nas modalidades definidas nas alíneas do n.º 1 do artigo 176º. Com este crime pune-se “a conduta daquele que utiliza (ou alicia para esse fim) menor em espetáculo pornográfico, fotografia, filme ou gravação pornográfica, independentemente do seu suporte, a daquele que produzir, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, material pornográfico em que utilize menor, e ainda, a daquele que adquira esse material com o propósito de o distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder”.

Acresce que nos termos do art.º 177.º do CP, as penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima:
a) For ascendente, descendente, adotante, adotado, parente ou afim até ao segundo grau do agente; ou
b) Se encontrar numa relação familiar, de coabitação, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação;
c) For pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez.
7 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º e 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos.
Este normativo passou, pois, a estabelecer uma agravação da pena, em função da idade da vítima, a qual encontra justificação, como refere MARIA JOÃO ANTUNES, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2ª Ed., pág. 882, “na especial vulnerabilidade do menor e, consequentemente, no maior desvalor do tipo de ilícito. Ao mesmo tempo que traduz a ideia de uma proteção diferenciada em função de diferentes graus do desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual”, sendo o limite etário dos 14 anos normalmente entendido como a fronteira entre a infância e a adolescência.”

O art.º 176.º do CP, sob a epígrafe “Pornografia de menores” prevê, como esclarece PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, (Comentário do CP, Universidade Católica Editora, p. 486 e ss.) quatro crimes distintos:

i) utilização de menor de 18 anos em espetáculo pornográfico;
ii) a produção, distribuição, importação, exportação, divulgação, exibição, cedência de materiais pornográficos;
iii) a aquisição ou detenção de materiais pornográficos com o propósito de distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder esses materiais;
iv) a aquisição ou detenção de materiais pornográficos;

Em qualquer uma das modalidades do crime, o bem jurídico protegido é “ainda que remotamente a autodeterminação sexual de menor de 18 anos (mas Figueiredo Dias (…) considerando que o bem jurídico está “demasiado longínquo” em relação ao bem jurídico da autodeterminação sexual do menor, e mesmo Mouraz Lopes 2008: 157, considerando que se tutela a mera “moral” no caso de representação realista de menor”.

Parafraseando novamente PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE “o legislador decidiu na reforma do CP de 2007 punir criminalmente o mero “consumidor” do material pedófilo como meio de antecipar a proteção do menor”.
Na base da incriminação está, como se assinala no acórdão do STJ de 19.02.2020, disponível no site www.dgsi.pt o reconhecimento de que “a criança não é só destinatário, é também sujeito de direitos fundamentais entre os quais sobressai o direito ao desenvolvimento integral em todos os aspetos da sua identidade pessoal, o direito ao respeito pela sua dignidade humana e o direito à proteção contra todas as formas de exploração ou exposição sexual.”
E acrescenta-se, no mesmo aresto, que “nos avisados considerandos da Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, a pornografia infantil, constitui uma violação grave “dos direitos fundamentais, em especial do direito das crianças à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar”. É uma fenomenologia criminal em que não devem interceder considerandos de ordem cultural ou ideológica, nem haver espaço para a expressão de opiniões pessoais ou de coletivos refratários ao respeito pela dignidade e direitos fundamentais das crianças, universalmente reconhecidos.
O bem jurídico protegido com a incriminação da «pornografia infantil» não se circunscreve ao desenvolvimento da personalidade do menor na sua esfera sexual. Protege não somente a autodeterminação sexual, mas, essencialmente, o direito de cada um e de todos os menores a um desenvolvimento físico natural e a gozar de uma infância e adolescência harmoniosas e sem traumas. Importa que a criança continue criança durante toda a sua infância e o adolescente o seja em toda essa importante fase da sua formação. Estamos, por isso, perante um bem jurídico plurisubjetivo e coletivo que protege a indentidade sexual, o bem-estar das crianças e adolescentes, a sua segurança formativa e a dignidade da infância no seu todo.”
Acresce que, como se salienta no mesmo acórdão “a «pornografia infantil» – e estamos a cingir-nos às condutas que a materializam – prejudica, sem dúvida, a formação e o desenvolvimento da personalidade integral, incluindo a sexualidade do próprio menor – componente essencial da personalidade da pessoa humana -, mas também coloca em perigo, ainda que abstrato, o bem-estar e o desenvolvimento harmonioso das crianças em geral, do coletivo que está na idade da infância e da juventude, e que a sociedade entende ser igualmente importante e do interesse geral proteger.
O legislador adianta as barreiras de proteção de modo a abranger o perigo inerente a condutas que podem fomentar quaisquer práticas pedofilias sobre os menores em geral (proibindo e punindo desde a posse, à difusão por qualquer modo, até comercialização de materiais ou conteúdos pornográficos de crianças meramente representadas) e também sobre menores concretos e determinados.
Sendo assim, conclui-se no mesmo acórdão, de forma paradigmática, que “As condutas que preenchem o tipo objetivo são multifacetadas. Grosso modo podem agrupar-se em atos de utilização de menores, atos de aquisição ou produção de pornografia de menores, atos de detenção ou acesso, e atos de exibição ou divulgação de pornografia infantil.
Presumindo-se que a formação e desenvolvimento da personalidade global dos menores é colocada em perigo pela pornografia infantil, o legislador decidiu adiantar as barreiras da proteção contra essas práticas altamente lesivas de acontecimentos que “roubam” ou traumatizam gravemente a infância ou a adolescência dos menores, perturbando um desenvolvimento harmonioso da personalidade a todos os níveis.”

Trata-se de um crime de perigo abstrato (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de mera atividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objeto da ação) – cfr., neste sentido PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica.
Segundo SANDRA FEITOR (Universidade Nova de Lisboa) “Caracterização do Crime de Pornografia de Menores” (link disponibilizado no site www.pgdl.pt, e onde faz uma súmula das posições doutrinárias mais recentes a respeito desta matéria ): “A utilização de menor em espetáculo pornográfico pode ocorrer por meio de fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim.
Criminaliza e pune, igualmente, quem produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder material pornográfico a qualquer título ou por qualquer meio.
Bem como, também pune quem adquirir ou detiver com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder. (…)
No entanto, com o objetivo de travar a relação procura/oferta, criminaliza e pune ainda quem adquirir ou detiver, mesmo sem o propósito de divulgação (ou seja, para consumo próprio), dado que se reconhece um perigo abstrato pela divulgação e consumo deste tipo de material, de estimulação e facilitamento da prática de crimes sexuais contra menores e danos derivados, cuja gravidade é indiscutível, como refere Pedro Vaz Patto (“Pornografia Infantil Virtual”, in Revista Julgar, Setembro-Dezembro, n.º 12 especial, 2010, pp. 183-194).
Como referem MOURAZ LOPES e ANA RITA ALFAIATE, não se incrimina a consulta ou a visualização das imagens, mas sim, a sua detenção (ALFAIATE, Ana Rita, A Relevância Penal da Sexualidade dos Menores, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 119).
Contudo, o Estado Português reservou-se do direito de criminalizar quer a aquisição e detenção. Ora, para consultar ou visionar este tipo de imagens é necessário possuir ou deter aquele concreto item mesmo antes de proceder ao visionamento.
Por conseguinte, a Decisão-Quadro, relativa à luta contra a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, confere aos Estados-membros a faculdade de optarem pela criminalização, ou não, da representação realística de menor. 
Contudo, o Estado Português reservou-se do direito de criminalizar quer a aquisição e detenção para uso pessoal de pornografia de menores, bem como fazer o tipo legal de crime abranger “…todo e qualquer material pornográfico que represente visualmente pessoa com aspeto de menor envolvida em comportamentos sexualmente explícitos e imagens realistas de um menor envolvido em comportamentos sexualmente explícitos…”, como explica Maria João Antunes, in “Crimes Contra a Liberdade e a Autodeterminação Sexual dos Menores”, in Revista Julgar, Setembro - Dezembro, n.º 12 especial, 2010, pp. 153-161.
Isto é, representação realística de menor, quer por meio de utilização de pessoas que à data da publicação das imagens pornográficas tenham já atingido a maioridade, quer as imagens irreais produzidas por meio de programas informáticos, onde se represente uma imagem realística de um menor em espetáculo pornográfico.”
Quanto ao que deva entender-se por pornografia, o legislador, veio, em 2020, através da Lei nº 40/2020, de 18 de agosto, estatuir, no nº 8 do art. 176º do Código Penal, que se considera pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo.
Esta definição acompanha as normas internacionais[13] relativas à matéria e que também nos dão a noção de pornografia infantil, que constituem fonte da norma em questão e que vinculam o Estado Português. Assim, de acordo com o Protocolo Facultativo à Convenção sobre Direitos das Crianças Relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil (aprovado pela Resolução da Assembleia da República nº 16/2003, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 14/2003, in DR, I-A, de 5/3/03) considera-se pornografia infantil «toda a representação, por qualquer meio, de uma criança no desempenho de atividades sexuais, reais ou simuladas, ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins predominantemente sexuais» (cf. art. 2º, al. c)).
Segundo o art. 1º, al. b) da Decisão-Quadro do Conselho Relativa à Luta Contra a Exploração Sexual de Crianças e Pornografia Infantil, de 22 de Dezembro de 2003, entende-se por pornografia infantil «qualquer material pornográfico que descreva ou represente visualmente: i) crianças reais envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou entregando-se a tais comportamentos, incluindo a exibição lasciva dos seus órgãos genitais ou partes púbicas, ou ii) pessoas reais com aspeto de crianças, envolvidas em comportamentos referidos na subalínea i) ou entregando-se aos mesmos, ou iii) imagens realistas de crianças não existentes envolvidas nos comportamentos referidos na subalínea i) ou entregando-se aos mesmos».
A Recomendação do Conselho da Europa REC (2001) também define pornografia infantil como «todo o material que represente de forma visual uma criança envolvida num comportamento sexual explícito, ou imagens realistas representando uma criança envolvida num comportamento sexual explícito».
As Nações Unidas definem pornografia infantil como sendo qualquer representação por qualquer meio de uma criança em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas ou qualquer representação das partes sexuais, de onde resulta que o conceito de pornografia infantil é amplo (cfr. art.º 2 .º, c), do Protocolo Adicional à Convenção dos Direitos da Criança sobre o Tráfico de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia, de 2002), inexistindo pois qualquer distinção entre objeto pornográfico e erótico-sensual.
No que toca às faixas etária abrangidas cumpre sublinhar que “O limite etário dos 14 anos é normalmente entendido como a fronteira entre a infância e a adolescência. Citando Weinberg, Willians e Pryor, referindo que "os tipos de experiências sexuais que uma pessoa tem, especialmente durante a adolescência, são importantes na direção ou reforço do fluxo da sua preferência sexual", sendo por sobremaneira um desenvolvimento adequado da sexualidade, no sentido de proteger a liberdade do menor no futuro, para que decida, em liberdade, o seu comportamento sexual". (cfr. neste sentido o Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 17.03.2015 in www.dgsi.com).
Neste sentido também TERESA BELEZA, (in "O conceito legal de violação"), "já não é o pudor do jovem ou da criança (...) que está em causa (...), mas a convicção legal de que abaixo de uma certa idade ou privada de uma certa dose de autodeterminação, a pessoa não é livre de se decidir em termos de relacionamento sexual".
COSTA ANDRADE (in "Consentimento e acordo em Direito Penal), defende que "até atingir um certo grau de desenvolvimento, indiciado por determinados limites etários, o menor deve ser preservado dos perigos relacionados com o desenvolvimento prematuro em atividades sexuais".
Significa isto que o legislador presume que a prática de atos sexuais em menor, com menor, ou por menor de certa idade, prejudica o seu desenvolvimento global, e considera este interesse tão importante que coloca as condutas que o lesem ou ponham em perigo sob a tutela da pena criminal. O desiderato do legislador foi proteger uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida, e apenas parcialmente autónoma, dos abusos que sobre ela executa um agente, aproveitando-se da imaturidade do jovem para a realização de ações sexuais bilaterais.
O que está em causa não é somente a autodeterminação sexual mas, essencialmente, o direito do menor a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso, presumindo-se que este estará sempre em perigo quando a idade se situe dentro dos limites definidos pela lei.
Daqui se retira a ilação de que o legislador reconheceu o papel da sexualidade no desenvolvimento da personalidade humana e pretende proteger aqueles que, devido à sua imaturidade, ainda não têm capacidade para se autodeterminar nesta vertente.
Também, acolhendo o que a Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho, de 22.12.2003 (in Jornal Oficial de 20.01.2004), relativa à luta contra a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, definiu como pornografia infantil com crianças reais, reportada, segundo o seu art. 1.º, alínea b)/i, a qualquer material que as descreva ou represente visualmente envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou entregando-se a tais comportamentos, incluindo a exibição lasciva dos seus órgãos genitais ou partes púbicas, o que foi reafirmado pela Diretiva 2011/92/EU, de 27.10.2011 (in Jornal Oficial de 17.12.2011), que entretanto veio substituir aquela, definindo pornografia infantil, nos termos do seu art. 2.º, alínea c), como i) materiais que representem visualmente crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou ii) representações dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais, iii) materiais que representem visualmente uma pessoa que aparente ser uma criança envolvida num comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou representações dos órgãos sexuais de uma pessoa que aparente ser uma criança, para fins predominantemente sexuais, ou iv) imagens realistas de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos, ou imagens realistas dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais.
Estando em causa nos autos a obtenção, posse e divulgação desses materiais, por via informática, a infração surge relacionada com os conteúdos respetivos, em sintonia, ainda, com recomendação abrangente expressa na Convenção sobre o Cibercrime, adotada em Budapeste em 23.11.2001, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 88/2009, ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 91/2009 (in D.R. 1.ª série de 15.09.2009), no seu art.º 9.º, designadamente protegendo, como menores, pessoas com menos de 18 anos de idade.
De modo tendencialmente rigoroso e compatível com a intervenção do direito penal, o bem jurídico reside mais diretamente na proteção da personalidade em desenvolvimento dos menores, entendida tanto numa dimensão interior (psico-física ou moral), como noutra exterior (social ou relacional), embora não deixando de atentar, ainda que remotamente, na sua autodeterminação sexual, opção neocriminalizadora justificada no reforço da tutela das pessoas particularmente indefesas (sobre o assunto, PEDRO SOARES DE ALBERGARIA/PEDRO MENDES LIMA, in “O crime de detenção de pseudopornografia infantil – evolução ou involução?” e MARIA JOÃO ANTUNES, in “Crimes contra a Liberdade e a Autodeterminação Sexual dos Menores”, na Revista Julgar, Especial, n.º 12, Set./Dez.2010).

Já quanto ao conceito de “menor” previsto no art.º 176.º do CP, tendo em consideração que a norma refere apenas menor e que agrava a conduta quando estão em causa vítimas com idades inferiores a 16 ou a 14 anos (cf. art. 177º, nº 6 e 7 do Código Penal) não podemos senão concluir que a referência a menor se reporta a indivíduo de idade inferior a 18 anos.

Quanto ao bem jurídico protegido, tendemos a sufragar o entendimento vertido no acórdão do STJ de 19.02.2020, disponível no site www.dgsi.pt, mas existem divergências na doutrina.
Assim, MARIA JOÃO ANTUNES e CLÁUDIA SANTOS, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2ª Ed., pág. 880, referem que “pretende ser o livre desenvolvimento da vida sexual do menor de 18 anos de idade face a conteúdos ou materiais pornográficos”. Mas consideram duvidoso que todas as condutas tipificadas sirvam a proteção desse bem jurídico. Pois a ser assim é questionável a abrangência da previsão legal a menores de idade situada entre os 14 e os 18 anos de idade e, ainda, no que concerne à detenção de material pornográfico, pois só de forma muito longínqua se podem vislumbrar como atingidos bens jurídicos individuais atinentes à liberdade ou autodeterminação sexual.

Por seu turno, PEDRO SOARES DE ALBERGARIA e PEDRO MENDES LIMA, in “O crime de detenção de pseudopornografia infantil – evolução ou involução?”, Revista Julgar, Especial, nº 12, pág. 207, consideram que, no caso da detenção de material pedopornográfico o bem jurídico reside mais diretamente na proteção da personalidade em desenvolvimento dos menores, entendida tanto numa dimensão interior (psicofísica ou moral), como noutra exterior (social ou relacional) e não tanto na área da liberdade ou autodeterminação sexual. “Decisiva nesta formulação é a consideração de que a representação de um menor em contexto pornográfico encerra potencial danoso para a sua maturação psicológica, desde logo como possível forte perturbações em termos de auto-estima, isto por um lado, mas também e sobretudo, por outro, como fator prejudicial à sua “honorabilidade sexual”, isto é, à sua reputação sexual enquanto condição de um normal desenvolvimento de ralações sociais, em particular no plano sexual”.

Efetuadas estas considerações teóricas, cumpre agora analisar a conduta de cada um dos arguidos e proceder à sua subsunção jurídica.
Quanto à conduta do arguido AA apurou-se que o mesmo, em data não concretizada do mês de junho de 2020, em contexto de uma relação de namoro «virtual» com a assistente GG, lhe solicitou o envio de fotografias em que esta aparecesse sem roupa. A ofendida acabou por aceder a tal solicitação e enviou tais imagens, em suporte de fotografia e/ou vídeo, que o arguido AA recebeu. No contexto desta relação de namoro, e em clima de reciprocidade, o arguido AA também terá enviado fotografias suas, desnudado, que a ofendida recebeu.
Ora, o relacionamento estabelecido entre a menor GG e o arguido AA, aparentemente, foi percecionado por ambos como uma relação de namoro, ainda que meramente virtual, sendo certo, porém, que a mesma também decorreu em período de confinamento e isolamento social, por força da pandemia por COVID 19.
Recentemente, o Tribunal da Relação do Porto, considerou, em acórdão de 24.01.2024, disponível no site www.dgsi.pt que “Uma relação amorosa não fortuita ou de carácter puramente sexual, onde a intimidade dos afetos está associada a alguma continuidade na ligação, é uma relação de namoro. Não deixa de manter a natureza de relação de namoro aquela que se inicia e se prolonga durante alguns meses apenas em registo virtual.”
O arguido AA, nas declarações emotivas que prestou, referiu ter desenvolvido uma ligação afetiva com a vítima GG, e esta, nas suas declarações para memória futura, admitiu que enviou tais fotografias voluntariamente, nesse mesmo enquadramento afetivo, o que aliás, também foi corroborado pelas suas amigas, designadamente pela testemunha PP.
Sendo assim, o que importa aferir é se tal comportamento – ainda que desadequado em termos de desenvolvimento sexual da vítima GG, atenta a sua idade – configura, por parte do arguido AA, a prática de um crime.
E, neste particular, faz sentido chamar à colação as considerações vertidas no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.01.2024, disponível no site www.dgsi.pt que sublinha que “a parte da previsão cujo preenchimento se discute restringe-se a «utilizar menor em fotografia pornográfica», ou a «aliciar para esse fim». O cerne da interpretação aqui a realizar, consiste, pois na definição e delimitação do que se deve entender por «utilizar», por «aliciar» por «pornografia de menores». No léxico da língua Portuguesa o verbo «utilizar», significa «tornar útil, empregar utilmente, servir-se de, tirar partido de, aproveitar». (cfr. dicionário da língua Portuguesa, Porto Editora, 8ª ed.).
Numa definição, no âmbito da previsão, «utilizar menor significa servir-se dele como participante a qualquer título (ator, modelo), fazendo fotografias (…), com qualquer dos meios que tais alíneas se referem» (Ana Paula Rodrigues, “Pornografia de Menores”, Rev. do CEJ, 2011, v.15, p. 268). No léxico da língua Portuguesa o verbo «aliciar» significa «atrair com falsas promessas», «induzir a atos», «seduzir». (cfr. dicionário da língua Portuguesa, Porto Editora, 8ª ed.). Numa definição, no âmbito da previsão, «entende-se por aliciamento uma qualquer ação de sedução, no sentido de induzir, atrair a criança a comportamentos de cariz sexual, por meio de conversas e outras condutas (ex. prometer presentes, dinheiro, fama) através da internet e outros meios de comunicação a distância, de modo a abarcar o agressor que começa por aliciar na mira de convencer o menor a intervir efetivamente» (Maria Carilho Fernandes, in Revista de Direito e Segurança, Ano 11, nº 4, p. 55-87). No léxico da língua Portuguesa «pornografia» significa “arte ou literatura que tem por assunto atos obscenos”, “devassidão” (cfr. dicionário da língua Portuguesa, Porto Editora, 8ª ed.). Reconhecendo a inexistência de uma definição normativa de “pornografia de menores”, por Mouraz Lopes/Tiago Milheiro (Crimes Sexuais, 2ª. ed. ª, Almedina, p.172) é preconizado que, na interpretação do conceito, se leve em consideração o contexto em que se desenvolvem os comportamentos de natureza sexual.”

Tendo presentes tais elementos interpretativos, concluiu-se no referido acórdão que:
- o mero recebimento e posse pelo arguido – via Instagram - de fotografias, em lingerie, enviadas por uma menor de 14 anos de idade, quando mantinham uma relação de namoro (in casu, iniciavam uma relação de namoro), sem as mostrar a outrém, as ceder, ou por qualquer forma divulgar ou exibir, não integra o conceito de “utilizar menor em fotografia pornográfica”;
- o “pedir” e “incentivar” o envio dessas fotografias, num contexto de namoro com uma menor de 14-15 anos de idade, não integra o conceito de “aliciar para esse fim”, a menor em causa.

No mesmo sentido decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.04.2020, proferido no proc.º n.º 573/18.1JAAVR.P1, disponível in www.dgsi.pt, que o envio de materiais de conteúdo lascivo no âmbito de uma relação de teor sexual e destinando-se os mesmos ao uso pessoal dos próprios, não se pode qualificar como pornográfica para efeitos de incriminação penal, na referida previsão “O mero recebimento e posse – no “messenger” da rede social “facebook” – pelo agente de fotografias (sem roupa, em nu integral, exibindo os seios e a zona genital) enviadas por uma adolescente de 16 anos de idade, quando mantinham uma relação de namoro, sem as mostrar a outrem, as ceder, ou de qualquer forma as divulgar ou exibir, não integra o conceito de «utilizar menor em fotografia pornográfica».
- E «pedir» ou «incentivar» o envio dessas fotografias, em contexto de um namoro com uma adolescente de 16 anos de idade não integra o conceito de «aliciar para esse fim» a menor em causa.

No caso dos autos, como se viu, não se apurou com a segurança necessária que o arguido AA tivesse efetivamente partilhado as fotografias que lhe foram enviadas pela menor GG em qualquer plataforma, ou com qualquer outra pessoa, designadamente com o arguido DD.
Assim, perante o quadro fático apurado, impõe-se absolver o arguido AA dos crimes de pornografia de menores que lhe vinham imputados na acusação pública.

Vejamos agora o comportamento apurado do arguido DD. Como vimos supra, o MP imputa a prática, em autoria material, sob a forma consumada e em concurso efetivo de, pelo menos, dois crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 5 e 177.º, n.º 1, al. c) do Código Penal e, um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 e 177.º, n.º 1, al. c) e n.º 7 do Código Penal.
Na verdade, da prova produzida, ficou a dúvida de que o DD alguma vez tivesse tido na sua posse alguma imagem das partes íntimas da menor GG, designadamente as que esta enviou para o AA, o que explica a decisão de absolvição do arguido, nessa parte quanto ao primeiro segmento que lhe vem imputado (pelo menos dois crimes de pornografia de menores agravado, p.p. pelos art.º 176.º, n.º 5 e 177.º, 1, c) e n.º 7 do CP.
No entanto, apurou-se que no decurso da chamada ... a que se alude nos fatos provados, e depois de ter sido pressionada pelo arguido DD, a menor terá despido (apenas as calças) e o arguido tirou um print desta imagem, circunstância que o próprio admitiu.
A menor despiu-se porque o arguido a ameaçou de que se não o fizesse partilharia “nudes” dela que tinha na sua posse. Trata-se de uma ameaça grave, nos termos previstos no n.º 3 do art.º 176.º do CP, porquanto a ameaça de divulgação [através da internet] de fotografias íntimas, provoca na pessoa visada grande receio da exposição pública e da censura social que sobre ela se abaterá.
Assim, estaria preenchido o requisito da ameaça grave previsto no n.º 3 do art.º 176.º do CP, entretanto ampliado com a revisão legislativa de 2024, acima referida, (não aplicável ao caso dos autos por ser concretamente desfavorável ao arguido).
A questão agora a dilucidar consiste em saber se tal factualidade integra alguma das alíneas ou números do art.º 176.º do CP, designadamente o n.º 1, al. b).  É certo que o arguido induziu a menor a despir-se – com recurso a tal ameaça grave - e aproveitando-se da circunstância em que esta estaria nua da cintura para baixo (nas palavras da menor, despiu as calças), tirou um print (registo) de tal imagem. Mais se provou que o arguido recebeu e deteve tal fotografia (print), não se tendo, ainda assim, provado que a tivesse partilhado com alguém.
Sendo assim, (e não excluindo que tal raciocínio também pudesse ser válido relativamente às imagens que estiveram na posse do AA) a questão pertinente que se coloca, é a de saber se tal imagem (print), que não chegou a ser apreendida, e que nunca foi visionada pelo Tribunal, teria conteúdo concretamente pornográfico.
Na verdade, e independentemente da agravação prevista no n.º 3 do art.º 176.º do CP, é elemento objetivo do tipo incriminador, que a fotografia, vídeo ou imagem tenham caraterísticas pornográficas.
É certo que o arguindo AA sabia que tinha induzido a menor a tirar as calças e que tirando o print dessa imagem, deteve uma fotografia de uma zona íntima do corpo da menor, sem qualquer vestuário. No entanto, não se afigura que tal baste para se considerar que tal foto tem cunho pornográfico, no sentido visado e tutelado pela incriminação legal. A visão dos órgãos genitais femininos pode ser fonte de excitação e, a sua visualização, num contexto de estímulo sexual, poderá, naturalmente, considerar-se de erótica.
Acontece que, o cariz pornográfico (relativo à pornografia de menores), tal como o definiu a Decisão-Quadro 2004/68/JAI, tem a ver com qualquer material que descreva as crianças ou as represente visualmente envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou entregando-se a tais comportamentos, incluindo a exibição lasciva dos seus órgãos genitais ou partes púbicas.
E, tendo sido densificado tal conceito no n.º 8 do artigo 176º do CP, relembra-se, para efeitos do presente artigo, considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais, ou de outra parte do seu corpo.
Ora, na ausência da imagem – que não foi possível visualizar no decurso da audiência de julgamento - o que temos, e foi admitido de modo uniforme, quer pelo arguido, quer pela ofendida é que esta, a pedido do arguido, despiu as calças e este, aproveitando-se essa circunstância temporária de nudez da mesma, tirou print a essa imagem que se encontrava a receber, no contexto da conversação via ... que mantinham. E não é crível que tal imagem, por si só, tenha exposto a menor GG em qualquer posição lasciva, que justifique o seu enquadramento numa imagem de cunho pornográfico, ou pelo menos, subsiste a dúvida a tal respeito.
A tal propósito, decidiu o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 24.04.2018, proferido no proc. n.º 364/12.3JALRA.C2, disponível no site www.dgsi.pt “A mera representação do corpo humano, ainda que fotográfica, só por si, pode ser erótica ou estética; só será pornográfica se acompanhada da prática de ato sexual, de um qualquer enredo dessa natureza ou, se se traduzir numa exposição lasciva dos órgãos sexuais.”

No mesmo sentido, veja-se o acórdão do STJ, de 22.02.2018, proc. n.º 351/16.2JAPRT.S1, in www.dgsi.pt, “A pornografia supõe uma representação grosseira da sexualidade, que faz das pessoas mero objeto despersonalizado para fins predominantemente sexuais, ou um desempenho de atividades sexuais explícitas, reais e simuladas, ou ainda a representação dos órgãos sexuais para fins predominantemente sexuais. A obtenção de fotografias ou imagens filmadas, em que se traduziu a troca de imagens do corpo desnudado da menor (e do arguido) através da aplicação facebook ou da videochamada em smartphone, porque se trata de mera exposição corporal, de cunho não pornográfico, atentatório do livre desenvolvimento da vida sexual da menor, não consubstancia a prática do crime de pornografia de menores.”
Também o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 11.11.2020, disponível no mesmo site, decidiu que “a obtenção, pelo arguido, de uma fotografia revelando os seios de uma menor, que esta, via internet, lhe enviou, e a posterior partilha, pelo mesmo, com uma amiga da menor, desse registo de imagem, não consubstanciam o tipo objetivo de crime previsto no artigo 176.º, n.º 1, als. b) e c), do CP., porque as situações descritas traduzem apenas uma mera exposição corporal, de cariz não pornográfica.”
Deste modo, é inequívoco que a conduta do arguido DD foi moral e socialmente reprovável, tanto mais que a assistente tinha apenas 12 anos de idade no momento em que a imagem foi por si captada. Mas, subsistindo dúvidas de que tal imagem, tirada quase de um modo sub-reptício, tivesse pendor pornográfico, a extração (não partilhada) desse registo de imagem (print) não preenche o elemento objetivo do crime de pornografia de menores de que vinha acusado o arguido DD, devendo, pois, também este arguido ser absolvido da sua prática (no segmento relativo à incriminação prevista nos art.º 176.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 e 177.º, n.º 1, al. c) e n.º 7 do Código Penal).

4.1.2 - Da prática de um crime de ameaça
Por fim sempre se dirá que a captação deste print foi o estratagema usado pelo arguido DD para exercer sobre a menor GG a ameaça grave que lhe permitiu perpetrar a violação.
Sendo assim, tal conduta – bem como a ameaça que lhe é inerente, estão consumidos pelo crime de violação previsto na al. a) do n.º 2 do artº 164.º do CP, não se justificando a incriminação autónoma quer da captação da imagem – desde logo porquanto não tendo cunho pornográfico, também não está preenchida a al. c) do art.º 176.º do CP, quer da ameaça grave usada para esse fim.
Assim, não se justificando incriminação autónoma, deve o arguido DD ser absolvido da prática desse crime.

4.1.3 – Da prática de um crime de um crime de violação agravada
Ao arguido DD vem, ainda, imputada, a prática de um crime de violação agravada.

Prevê o art.º 164.º do CP que: Quem constranger outra pessoa a:
a) Praticar consigo ou com outrem cópula, coito anal ou coito oral; ou
b) Praticar atos de introdução vaginal, anal ou oral de partes do corpo ou objetos;
é punido com pena de prisão de um a seis anos.

2 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa:
a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou
b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos;
é punido
com pena de prisão de três a dez anos.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, entende-se como constrangimento qualquer meio, não previsto no número anterior, empregue para a prática dos atos referidos nas respetivas alíneas a) e b) contra a vontade cognoscível da vítima. (na redação prevista pela Lei 101/2019, de 06/09, entretanto, revista pela Lei 45/2023, de 17/08)
Esta é a redação do preceito incriminador emergente da Lei nº 101/2019, de 6 de setembro, em vigor desde 1 de outubro de 2019, nos termos do disposto no respetivo artº 5º, sendo esta também a redação que já estava em vigor à data da prática dos fatos.
Note-se que o tipo legal de crime compreendia igualmente as duas modalidades (constrangimento “simples”, por um lado, e constrangimento através de violência, ameaça grave ou colocação em estado de inconsciência ou impossibilidade de resistir, por outro), estando previstas exatamente as mesmas molduras penais abstratas (pena de prisão de 1 a 6 anos no primeiro caso, pena de prisão de 3 a 10 anos no segundo caso), tendo-se apenas trocado a disposição dos números 1 e 2 do artº 164º e acrescentando-se na redação de 2019, no nº 3, o que deve ser entendido como constrangimento “qualquer meio, não previsto no número anterior, empregue para a prática dos atos referidos nas respetivas alíneas a) e b) contra a vontade cognoscível da vítima”.
Trata-se de um crime atentatório da liberdade sexual.
O crime de violação pode ser praticado através de cópula, coito anal ou coito oral, bem como através da introdução vaginal, anal ou oral de partes do corpo (tais como dedos, por exemplo) ou objetos.
Estamos perante um crime de resultado (por oposição a crime de mera atividade) e um crime de dano (por oposição a crime de perigo).
É este, particularmente na previsão do atual nº 2 (correspondente ao anterior nº 1) um crime de execução vinculada, pois o modo de praticar o crime, o iter criminis, é, ele próprio, elemento do tipo. Com efeito, a prática dos atos tipificados supõe, nesta sede, um determinado modo de execução, concretizado, consoante os casos, em violência, em ameaça grave, ou em colocação da vítima em estado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir.
O crime de violação supõe, assim, em qualquer das suas modalidades, o constrangimento.
Se esse constrangimento consistir em violência, ameaça grave ou colocação da vítima em estado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir, corresponde uma moldura penal abstrata mais elevada (3 a 10 anos de prisão).
Aproximando-nos do caso concreto, diremos que uma das modalidades do crime de violação radica na prática de cópula com constrangimento da vítima, por meio de ameaça grave.
A este respeito, é importante ter presente que, como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.06.2014, disponível no site www.dgsi.pt  “1. No crime de violação, a ameaça ou é tida como tal e é levada a serio e é ameaça grave, ou não é levada a serio e deixa de ser ameaça. Assim que a ameaça é levada a serio pela vítima é sempre ameaça grave.2. É pelo padrão da vítima, da pessoa a quem é dirigida a ameaça que se aferirá da sua gravidade.”

No caso dos autos, a questão que importa decidir é se a ameaça de divulgação de imagens íntimas na internet integra o conceito de ameaça grave do nº 2 do art. 164º do Código Penal.
A este propósito, veja-se o que foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03.02.2016, disponível no site www.dgsi.pt, que sublinha que “é fácil perceber o medo, mesmo pânico, que a ameaça de divulgação de fotografias íntimas, de imagens da prática de atos sexuais provoca na pessoa visada, desde logo porque numa sociedade profundamente preconceituosa e moralista, quer a vítima, quer o agente, sabem que a censura é, em regra, dirigida à pessoa ameaçada e não ao agente. E quando a vítima é mulher e o agente homem estão todos estes preconceitos se elevam a níveis superlativos, de tal maneira que muitas vezes os processos ficam pelo caminho por as vítimas saberem que a ocorrência de julgamento ainda lesará mais a sua imagem e bom nome”.
Mesmo no caso da prática de qualquer ato sexual entre adultos, a divulgação de imagens deste teor provoca na sociedade uma censura grande dirigida especialmente à mulher, que é ainda maior se esta previamente até colaborou, ou permitiu na recolha de imagens, ainda que tal tenha acontecido no âmbito de uma relação afetiva duradoura, o que justifica que, muitas vezes, cedam ao agente.
Decidiu, a este propósito, o S.T.J. –  em acórdão de 19-5-1999, proferido no processo 98B758 -, que é ameaça grave, integradora do art. 163º, nº 1, aquela que é causa adequada da prática do ato sexual, isto é, de a vítima suportar o delito em consequência da ameaça. Disse o mesmo acórdão, citando Beleza dos Santos, que a coação moral deve inspirar na vítima o receio de se expor a um mal considerável e imediato, receio que explica a falta de resistência da vítima. E concluiu que «houve ameaça grave quando o recorrente, depois de ter filmado atos sexuais que teve com a ofendida para que ela não opusesse resistência à continuação daqueles atos, a ameaçou de divulgar o filme.

No caso em apreço, é inequívoco que a ameaça efetuada pelo arguido AA integra o conceito de ameaça grave: o arguido ameaçou a vítima GG com a prática de um mal futuro – a divulgação, na internet, que tem especial potencialidade de propagação, de imagens em que aparecia nua - mal este adequado a conseguir que a vítima fizesse o que ele queria que ela fizesse, que era a prática de atos sexuais de relevo, que acabaram por traduzir-se em coito anal, vaginal e oral.
É certo que não sabemos que imagens eram essas que o arguido tinha em seu poder, uma vez que elas não constam do processo, mas aquilo que resulta, sem qualquer sombra de dúvida, das mensagens enviadas pelo arguido à ofendida é que as imagens eram de situações íntimas – sendo, que pelo menos uma, se traduziu na imagem que o próprio captou quando a menor ficou sem calças, a seu pedido.
Assim, com as mensagens de que divulgaria imagens de “nudes” suas, o arguido criou na GG, como era seu propósito e disso estava ciente, receio daquele divulgar a terceiros designadamente pela internet, quaisquer imagens relativas à intimidade corporal e/ou sexual da mesma, tendo o arguido agido desta forma para conseguir relacionar-se sexualmente com ela, conforme se deu como assente na matéria provada.
Desse modo, o arguido coagiu a vítima à prática de atos sexuais, a que cedeu, por força da ameaça grave de foi vítima e por isso, não lhe opôs qualquer resistência física. Na verdade, e como se sublinha no Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 12 de junho de 2019, salientou que “A ausência de resistência física por parte de uma vítima de um crime de violação não pode ser considerada como uma forma de aceitação ou consentimento da agressão, mas pelo contrário expressa apenas o desejo de sobreviver a uma situação cujo controle não detém e relativamente à qual experimenta um sentimento de completa impotência”. Adiantou-se nesse aresto: “A prática de um crime de violação não está relacionada com o desejo sexual nem resulta de qualquer impulso sexual irresistível, mas antes constitui apenas e tão só uma afirmação de poder do agressor sobre a sua vítima”.
Igualmente, em acórdão de dezembro de 2019, o Tribunal da Relação de Évora, expendeu as seguintes considerações: “A circunstância de a ofendida não ter denotado reação mais incisiva não desvirtua, antes corrobora, o medo que sofreu […], sem que se possa […] configurar algum pretexto para que tivesse denotado eventual consentimento e/ou colaboração. O conceito de violência há-de extrair-se dos meios utilizados e da idoneidade destes para lesar a liberdade sexual de outra pessoa, em razão de todas as circunstâncias que se apurem, atinentes, não só à natureza dos meios e como são usados, como também das condições pessoais e concretas em que a vítima seja colocada”.
Em termos similares, o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 1 de Junho de 2020, para além de recordar as soluções decorrentes do art.º 36º da Convenção de Istambul (criminalização, no que ora interessa, da prática de penetração vaginal, anal ou oral, de quaisquer partes do corpo ou objetos, sem consentimento), expôs o seguinte: “Não é necessário, nem exigível que a vítima adote comportamentos heroicos de oposição ou defesa à atuação do agressor, correndo riscos ainda maiores do que o de lesão da sua liberdade ou da sua autodeterminação sexual, para se considerar o crime como consumado […] é crucial ponderar que a paralisação ou inibição da vontade da vítima em resistir à agressão sexual não tem de ser feita através de violência irresistível ou invencível ou de gravidade extrema”.
Também no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07.06.2023, relatado por Paulo Guerra (processo n.º 793/21.1JALRA.C1, disponível no site www.dgsi.pt se salientou que “a inexistência de qualquer reação ou resistência de uma vítima de violência sexual radica no facto de estar a sentir a agressão como uma ofensa à sua integridade física, ou mesmo à sua vida, pelo que adota um comportamento orientado para a sua preservação, podendo optar por diferentes estratégias de sobrevivência.
Algumas das formas mais comuns de reação das vítimas de violência sexual são precisamente aquelas que o público muitas vezes tem dificuldade em compreender, assente que as mulheres que sofrem violência sexual nem sempre são capazes de tomarem decisões que as protejam.
Aqui, como em tantos outros aspetos, é mister da magistratura não se deixar levar por juízos de valor com base em apreciações pessoais ou mitos, que estão assentes em pura especulação e estereótipos.”
No plano subjetivo, exige-se a constatação de dolo, atenta a regra geral do artº 13º do Código Penal.
Feitas estas considerações, atentemos no caso sub judice.
Provou-se em audiência de julgamento, em suma, que o arguido praticou cópula com a ofendida, em concreto, coito vaginal, anal e oral, contra a sua vontade e mediante constrangimento, o qual, no caso concreto, consistiu no uso de ameaça grave.
Apurou-se que na data indicada na acusação, o arguido combinou encontrar-se com a ofendida, sob a ameaça grave de que se não o fizesse divulgaria nudes suas. Na sequência do encontro e na medida em que a ameaça grave condicionou a liberdade da ofendida, particularmente jovem, constrangeu a mesma à pratica de atos sexuais que consistiram em coito anal, vaginal e coito oral. Pelo que estão perfetibilizados os elementos típicos objetivos do crime de violação.
No que concerne aos elementos subjetivos, ficou assente que o arguido, ao atuar da forma atrás descrita, agiu de forma livre, deliberada e consciente.
Ao introduzir o pénis na vagina, no ânus e na boca da GG, sabia que a tinha constrangido a essas práticas, por meio da ameaça de partilha de fotos íntimas, pelo que agiu com o propósito, concretizado, de satisfazer os seus instintos sexuais, consumando cópula, indiferente à idade da menor e das consequências da sua atuação. Sabia que estava a afetar a liberdade sexual e os sentimentos de pudor da GG.
Provou-se ainda que o arguido tinha conhecimento de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Noutros termos, o arguido sabia o que estava a fazer, queria agir nos moldes descritos na acusação, praticando cópula contra a vontade e com constrangimento, por meio de ameaça grave, e tinha conhecimento da ilicitude da sua conduta.
Decorre do exposto que os factos que em julgamento ficaram provados preenchem os elementos objetivos e subjetivos do crime de violação, previsto e punido pelo artº 164º, nº 2, al. a), do Código Penal.

4.1.4 - Da agravação da moldura aplicável por força da idade da vítima
Acresce que o crime que o arguido praticou é sujeito à agravação prevista no artº 177º, nº 1, al. c), do Código Penal) – que remete para o conceito de vítima especialmente vulnerável e n.º 7 do Código Penal, que agrava a pena nos limites mínimo e máximo, se a vítima foi menor de 14 anos, o que significa que a pena aplicável ao caso dos autos passa a ser a pena de 4 anos e 6 meses de prisão (limite mínimo agravado) a 15 anos de prisão.
Importa ter presente que as circunstâncias previstas no n.º 1 do artigo 177.º do Código Penal constituem uma circunstância modificativa agravante, cuja verificação é automática e objetiva e, não está no critério do julgador fazer operar ou não a agravação da pena em função de tal circunstância, por esta não respeitar á culpa do agente. (cfr., neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25/03/2014, disponível no site www.dgsi.pt)
Sempre se dirá que, cotejada a factualidade provada, não resulta concretamente apurado que a ofendida fosse particularmente vulnerável; era vulnerável na medida em que era menor de idade (na altura, tinha 12 anos de idade), mas não vem alegado, nem ficou provado que fosse especialmente vulnerável (por doença ou por algum tipo de debilidade intelectual, por exemplo).
No entanto, o arguido deverá ser condenado pela prática de um crime de violação agravado, previsto e punido pelo art.º 164º, nº 2, al. a), do Código Penal com a agravação prevista no n.º 7 do art.º 177.º, porquanto é aí previsto um critério objetivo, que está preenchido, que se traduz na circunstância de a vítima ter apenas 12 anos, e, portanto, menos de 14 anos (sendo certo que deve ser ponderada a agravação mais relevante, como resulta do n.º 8 do mesmo normativo).

4.1.5 – Da prática de um crime de abuso sexual de crianças          
O arguido DD vem, ainda, acusado da prática de um crime de abuso sexual de criança, relativamente ao episódio, ocorrido numa sala de aula e que envolveu a menor HH, em concreto um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. c) e n.º 7 do Código Penal.

Prevê o artigo 171.º do Código Penal, na redação atual e em vigor à data dos factos preceitua:
1 - Quem praticar ato sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se o ato sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
3 - Quem:
a) Importunar menor de 14 anos, praticando ato previsto no artigo 170.º; ou
b) Atuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espetáculo ou objeto pornográficos;
c) Aliciar menor de 14 anos a assistir a abusos sexuais ou a atividades sexuais;
é punido com pena de prisão até três anos.
4 - Quem praticar os atos descritos no número anterior com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.
5 - A tentativa é punível.

O bem jurídico protegido pelas incriminações é a liberdade de autodeterminação sexual da criança, isto é, do menor de 14 anos de idade.
Com esta incriminação propõe-se o legislador proteger a autodeterminação sexual, enquanto manifestação da liberdade individual, mas de um modo muito particular, não pela presença da prática de atos sexuais a coberto da extorsão ou situação análoga, mas pela pouca idade da vítima, ainda que naquela prática consinta, por poder prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade da vítima, por lhe falhar a maturidade, o desenvolvimento intelectual capaz de poder determinar-se com liberdade, responsabilidade, com pleno conhecimento dos efeitos e seu alcance do acto sexual de relevo consentido.
A lei presume, presunção “de juris et de jure “que a criança não é livre para se decidir em termos de relacionamento sexual” (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal , I , pág. 541).
Trata-se de um crime de perigo abstrato (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de mera atividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção) – cfr., neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica.
Inscreve-se o crime nos crimes de perigo abstrato, pois praticado o ato sexual de relevo, está criado o risco, a possibilidade de lesão daquele valor a tutelar, portanto à margem da possibilidade de um perigo concreto para o desenvolvimento físico ou psíquico do menor ter lugar, sem que com isto a integração pela conduta do tipo objetivo de ilícito fique arredada (cfr. Figueiredo Dias, Comentário cit., pág. 543 ) .
Assim, o tipo objetivo consiste na prática, ainda que consensual, de ato sexual de relevo com criança (incluindo a cópula, o coito anal, o coito oral ou a introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos), de “importunação sexual” de criança ou de atuação sobre uma criança por meio de conversa, escrito, espetáculo ou objeto pornográficos.
Já a importunação sexual de criança inclui a prática de ato exibicionista diante da criança e o “constrangimento” a contacto de natureza sexual, uma vez que o tipo visa incluir os casos em que o menor de 14 anos consente no contacto sexual.
O tipo subjetivo admite qualquer forma de dolo.

Nas palavras de Teresa Pizarro Beleza - in O Conceito Legal de Violação, Revista do Ministério Público, ano 15º, nº59, pág. 56 - “há uma convicção legal (iuris et de iure, dir-se-ia) de que abaixo de uma certa idade ou privada de uma certa dose de auto determinação a pessoa não é livre de se decidir em termos de relacionamento sexual”.
Por sua vez, Costa Andrade, refere que “(...) até atingir um certo grau de desenvolvimento, indiciado por determinados limites etários, o menor deve ser preservado de certos perigos relacionados com o desenvolvimento prematuro em atividades sexuais”cfr. Consentimento e Acordo em Direito Penal, Coimbra Editora, 1993, pág. 391 e segs., citando Laufhute, LK.
Sénio Alves, em “Crimes Sexuais”, pág. 8 e segs. a propósito do que seja ato sexual de relevo refere o seguinte: “O acariciar dos seios é um ato sexual? E se sim, é de relevo? (…) Numa noção pouco rigorosa (diria sociológica) de ato sexual têm cabimento atos como os supra referidas (o acariciar dos seios e de outras partes do corpo, que não só dos órgãos genitais).
São aquilo que vulgarmente se designa como “preliminares da cópula” e, por isso, são atos de natureza sexual ou, se se preferir, atos com fim sexual”, pelo que “o ato sexual de relevo é, assim, todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais (ainda que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes) que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas”.
Finalmente, Paulo Pinto de Albuquerque - no seu Comentário do Código Penal em anotação ao artigo 163º (Universidade Católica Portuguesa), concretizando o que seja ato sexual de relevo, nele integra o toque com partes do corpo nos seios, nádegas, coxas e boca.
Sendo esta a posição da doutrina, verifica-se que na jurisprudência há também uma certa uniformidade (cfr. nomeadamente os acórdãos do TRC de 5.3.2000, 27.6.2007, 9.7.2008, 2.2.2011 e do TRP de 26.11.2003, 7.10.2009, 27.1.2012 e 28.11.2012) no sentido de considerar que será ato sexual de relevo todo aquele que tenha uma natureza objetiva estritamente relacionada com a atividade sexual, ou seja, que normalmente apenas seja praticado no domínio da sexualidade entre pessoas, como é manifestamente o caso de acariciar os seios/ mamas, atos preliminares do ato sexual final que conduz ao orgasmo.
A este respeito, refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02/02/2011, disponível no site www.dgsi.pt  "o ato sexual de relevo é ( .. .) todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais (ainda que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes) que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas e a relevância ou irrelevância de um ato sexual só lhe pode ser atribuída pelo sentir geral da comunidade (...) que considerará relevante ou irrelevante um determinado ato sexual consoante ofenda, com gravidade ou não, o sentimento de vergonha e timidez (relacionado com o instinto sexual) da generalidade das pessoas (in www.dgsi.pt. proc. n.º 889/09.8.TAPBL.C1).
No caso dos autos, porém, não se afigura que esteja preenchido o n.º 1 do art.º 171.º, mas apenas o n.º 3, que tutela a importunação sexual de menores de 14 anos.
Nos termos do art.º 40.º da Convenção de Istambul, aplicável aos Estados Membros e de que faz parte Portugal “as Partes deverão adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para assegurar que qualquer tipo de comportamento indesejado de natureza sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o intuito ou o efeito de violar a dignidade de uma pessoa, em particular quando cria um ambiente intimidante, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo, seja passível de sanções penais ou outras sanções legais.
Na legislação portuguesa, a criminalização da conduta de formulação de propostas de teor sexual dá-se pela L. 83/2015, de 05/08 que visou dar cumprimento ao art.º 40º da Convenção de Istambul, sob a epígrafe «assédio sexual», e rompe com um status quo de tolerância em relação a um certo estereótipo de comportamento essencialmente masculino culturalmente enraizado, que choca com os valores adotados pelas sociedades hodiernas da igualdade de género e da luta contra todas as formas de violência, em especial sobre as mulheres.
Efetivamente, embora tenha sido imputado ao arguido, no segmento relativo à factualidade que o envolve com a menor HH, a prática de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo art.º 171.º, n.º 1 e com a agravação do n.º 7 do art.º 177.º do CP, afigura-se ajustado e aplicável ao caso dos autos, o entendimento vertido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.12.2021, disponível no site www.dgsi.pt Considerando o crime p. e p. pelo artigo 170.º do Código Penal, o critério a utilizar para aferir do carácter atentatório da liberdade sexual das propostas de carácter sexual é o da sua gravidade, atento o disposto no art.º 18º da Constituição da República Portuguesa, e considerando as circunstâncias do caso concreto, a idade da vítima, os usos do lugar, as realidades sociais, as conceções dominantes e a própria evolução dos costumes, sempre tendo como matriz interpretativa o disposto no art.º 40 da Convenção de Istambul.
O cerne do crime abuso sexual de crianças não tem que ver com a existência de coação para a prática do ato sexual ou extorsão de contactos dessa natureza, mas com as consequências do ato sexual, o que chama à colação as consequências do crime, quer uma perspetiva objetiva de aptidão do ato para causar grave prejuízo ao livre desenvolvimento da personalidade do ofendido, quer na perspetiva subjetiva, da análise das concretas consequências daquele preciso ato.
Em sentido similar, veja-se o decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24.05.2022: “O comportamento do arguido com as suas alunas, que envolveu a introdução uma das suas mãos por dentro da roupa das menores e, em contacto com a pele destas, o toque, a carícia, a massagem no pescoço, peito/tronco, mamilos e barriga, é absolutamente desajustado em ambiente escolar, entre professor e aluna. E tem cariz sexual, pelas zonas que o arguido escolheu para tal “contacto”. (…)Mas não tem o relevo exigido pelo n.º 1 do artigo 171.º do Código Penal – (i) porque ocorreu apenas uma vez, com cada uma das referidas crianças, (ii) porque ocorreu em público e (ii) porque, como primeira abordagem do género, é suscetível de ter deixado dúvida, em meninas tão jovens, quanto ao seu propósito.
IV. Neste contexto, tais comportamentos não entravam de forma significativa a livre determinação sexual das vítimas. Pelo que fica apenas preenchida a previsão da alínea a) do n.º 3 do artigo 171.º do Código Penal”

- acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22.02.2023 “Comete o crime de importunação sexual p. e p. pelo artigo 170º do Código Penal o arguido que, com insistência e reiteração, sem qualquer justificação e sempre aproveitando a distração do pai da menor, toca com a sua mão nos ombros e nas costas de menor de 14 anos de idade, por configurar contactos de natureza sexual suscetíveis, de criar uma situação de constrangimento, de limitação ou anulação da vontade da vítima e contenderem com a liberdade de ação e decisão da mesma, tendo, aliás, sido essa a sua intenção”;

No caso dos autos, ponderando a diferença de idades entre arguido e vítima (que é reduzida), a atuação em ambiente escolar e na presença de outra colega, o toque rápido e fugaz, por cima da roupa, afigura-se estar em causa uma importunação, de natureza sexual, que é punida nos termos do n.º 3 do art.º 171.º, não o crime previsto no n.º 1 do mesmo normativo (não se justificando qualquer comunicação nos termos do art.º 358.º, 1 e 3 por se tratar de imputação de crime menos grave).
(...)”.
Ora, face ao trecho do acórdão acabado de transcrever, cujos fundamentos, por economia processual, genericamente se subscrevem, entendemos que o tribunal recorrido subsumiu correctamente os factos dados como provados ao direito aplicável, enquadrando a conduta do arguido DD nos ilícitos penais que lhe imputou, cujos elementos objectivos e subjectivos se mostram inteiramente preenchidos, nos termos ali consignados.
Não colhendo, salvo o devido respeito, a tese do recorrente DD, segundo a qual a matéria de facto dada como assente, designadamente no ponto nº 20., não integra o elemento objectivo do ilícito, ou seja, não configura a “ameaça grave” a que alude o Artº 164º, nº 2, al. a), do Código Penal.
Pois, como defende a doutrina mais avalizada, de que é exemplo o Prof. Figueiredo Dias, Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, págs. 471 e 454, para o preenchimento do conceito de “ameaça grave” para o crime de violação deve entender-se qualquer manifestação de um propósito de causar um mal ou um perigo se a pessoa ameaçada não consentir no acto sexual, entrando neste conceito a “violência psíquica”.
No mesmo sentido se pronunciando, também, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como assertivamente se dá nota no acórdão recorrido,  podendo acrescentar-se aos doutos arestos aí citados, v.g., o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/03/2024, proferido no âmbito do Proc. nº 72/23.0JAPDL.S1, disponível in www.dgsi.pt, no qual expressamente se aduz que a “ameaça grave” a que alude o citado preceito legal “é uma forma de violência psíquica, traduzida no propósito de causar um mal, com algum relevo, à vítima ou a terceiro.”.
Neste conspecto, e vista a matéria de facto dada como provada, não merece reparo a conclusão do tribunal colectivo segundo a qual a mesma integra aquele conceito de “ameaça grave” e, concomitantemente, a perfectibilização do crime de violação.
Improcede, pois, esta questão recursória suscitada pelo arguido DD, não tendo sustentação a pretensão a propósito formulada, no sentido de ser absolvido da prática desse ilícito criminal.
*
Defende a assistente e recorrente GG que, em face da matéria dada como provada nos pontos 20. a 25., o arguido DD também deve ser condenado pela prática de um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos Artºs. 176º, nºs 1, al. b) e 3, e 177º, nºs. 1, al. c), e 7, ambos do Código Penal.
Porém, salvo o devido respeito, também não lhe assiste razão.
Na verdade, da factualidade em causa, descrita nos pontos 20. a 25., dados como provados, não resulta de forma explícita, com a necessária concretização e densificação, a “utilização da menor em fotografia” tal como é configurado pelo citado Artº 176º, nºs 1, al. b), do Código Penal, ou seja, numa situação caracterizada como pornográfica, considerando o enquadramento do conceito “material pornográfico” descrito na decisão recorrida.

Concordando-se com a afirmação do tribunal a quo quando a este propósito aduz:
“(...) na ausência da imagem – que não foi possível visualizar no decurso da audiência de julgamento - o que temos, e foi admitido de modo uniforme, quer pelo arguido, quer pela ofendida é que esta, a pedido do arguido, despiu as calças e este, aproveitando-se essa circunstância temporária de nudez da mesma, tirou print a essa imagem que se encontrava a receber, no contexto da conversação via ... que mantinham. E não é crível que tal imagem, por si só, tenha exposto a menor GG em qualquer posição lasciva, que justifique o seu enquadramento numa imagem de cunho pornográfico, ou pelo menos, subsiste a dúvida a tal respeito.”.
Ademais, convém não olvidar que parte da materialidade atinente ao elemento subjectivo do ilícito criminal em causa se consignou nos factos não provados, mais concretamente no seu ponto viii), matéria essa que, aliás, não foi minimamente posta em causa pela assistente, através da pertinente impugnação, nos moldes anteriormente assinalados.
Pelo que, evidentemente, sempre a condenação do arguido DD pela prática desse ilícito criminal estaria votada ao insucesso.
*
Preconiza ainda a recorrente GG que, em face dos factos dados como provados nos pontos 23. a 25., 47., 97. e 98., e contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, o arguido também deve ser condenado pela prática do crime de ameaça agravado, do qual foi absolvido, havendo concurso efectivo entre esse ilícito e o crime de violação agravada.
Tese que quer o arguido DD, quer o Ministério Público, rejeitam, defendendo ambos a bondade da decisão recorrida, quanto a esse aspecto.
Uma vez mais, afigura-se-nos não merecer reparo a decisão recorrida, relativamente à problemática em causa.

Vejamos.

Como ensina o Prof. Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, Volume II, Reimpressão, Almedina, 2004, pág. 202, quando diversas condutas violam o mesmo tipo de crime, o número de crimes define-se pelo número de resoluções, sendo o critério temporal fundamental para se apurar se existiu uma ou mais resoluções a presidir aos vários actos.

Ora, esta doutrina foi consagrada no anteprojecto elaborado pelo mencionado Autor e foi transposta para o Artº 30º, do Código Penal:
“1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.”.
Em face deste enunciado, e das suas fontes históricas, pode-se afirmar com segurança que o concurso efectivo de crimes pode abranger várias acções ou omissões distintas (concurso real) ou uma única acção ou omissão que lesa bens jurídicos eminentemente pessoais de vários ofendidos (concurso ideal).
Resultando ainda da letra do preceito que o concurso efectivo (real ou ideal) tanto pode envolver a aplicação de uma única norma incriminadora (concurso homogéneo) como a aplicação de várias normas incriminadoras (concurso heterogéneo).
Como esclarecem os Exmos. Conselheiros Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, in “Código Penal Anotado, Vol. I, 4ª Edição, Rei dos Livros, 2014, pág. 436/439, no concurso legal, aparente, ou impuro, a conduta do agente apenas formalmente  preenche vários tipos de crime, mas, por via de interpretação, conclui-se que o conteúdo dessa conduta é exclusiva e totalmente abrangido ou absorvido por um só dos tipos violados, pelo que os outros tipos devem recuar, não sendo aplicados, distinguindo-se, neste âmbito, três situações:
- A especialidade, em que um dois tipos aplicáveis (tipo espacial) incorpora os elementos essenciais de um outro tipo também aplicável (tipo fundamental), acrescendo elementos suplementares ou especiais referentes ao facto ou ao próprio agente, sendo que por força do princípio lex speciallis derogat legi generali só se deve aplicar o tipo especializado (como acontece, v.g., com o homicídio – Artº 131º; com o homicídio qualificado - Artº 132º; e com o homicídio privilegiado – Artº 133º);
- A consumpção, em que o preenchimento de um tipo legal (mais grave) incluiu o preenchimento de outro tipo legal (menos grave) – devendo a maior ou menor gravidade ser encontrada na especificidade do caso concreto (como acontece, v.g., com o furto  qualificado – Artº 204º, nº 1, al. f) e  com a violação de domicílio – Artº 190º); e
- A subsidiariedade, em que certas normas só se aplicam subsidiariamente, ou seja, quando o facto não é punido por outra norma mais grave (como acontece, v.g., com o lançamento de projéctil contra veículo – Artº 293º; com a apologia pública de um crime – Artº 298º, e  com a usurpação de coisa imóvel – Artº 215º); e
- O facto posterior não punível – que ocorre nos crimes que visam garantir ou aproveitar a impunidade de outros crimes (crimes de garantia ou aproveitamento), que não são punidos em concurso efectivo com o crime de fim lucrativo ou de apropriação, salvo se ocasionam um novo dano ao ofendido ou se dirigem contra um novo bem jurídico (como acontece, v.g., com o furto e destruição de coisa para afastar as suspeitas, em que só o primeiro é punível).

Na situação em apreço, estão e causa o crime de violação agravada, p. e p. pelos Artºs. 164º, nº 2, al. a) e 177º, nº 7, do Código Penal, e o crime de ameaça agravado, p. e p. Artºs. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, als. a) e b), sendo certo que o bem jurídico protegido pelo primeiro é a liberdade sexual de outra pessoa, ao passo que com a incriminação da ameaça visa proteger-se é a liberdade de decisão e de acção de outra pessoa.
Ora, mau grado a conduta do recorrente DD, formalmente, preencher os dois aludidos tipos de crime, interpretando e concatenando correctamente a globalidade dos factos a esse propósito dados como assentes, temos de concluir, como o fez o tribunal a quo, que a captação do print aludido no ponto 22. foi o estratagema usado pelo arguido DD para exercer sobre a menor GG a ameaça grave que lhe permitiu perpetrar a violação.
Pelo que, também em nosso entender, tal conduta, bem como a ameaça que lhe é inerente, estão consumidos pelo crime de violação, p. e p. pelo Artº 164º, nº 2, al. a), do Código Penal, não se justificando, assim, a incriminação autónoma quer da captação da imagem, quer da ameaça grave usada para esse fim.
Subscrevendo-se, ademais, as doutas considerações do Exmo. Procurador da República segundo as quais “(...) o entendimento do tribunal a quo não é mais que o eco da doutrina e jurisprudência, se não unânime mas seguramente maioritárias, que sustenta que para se afirmar a pluralidade criminosa é necessário que se deixe afirmar em relação ao agente mais do que um juízo de censura referida a uma pluralidade de processos resolutivos e onde há que acrescentar à pluralidade de bens jurídicos violados uma pluralidade de processos volitivos merecedores de distintos juízos de censura, e com isso se justificando a unidade ou pluralidade  desses juízos de censura, levado depois para aquilo que se tem entendido como uma valoração mais global que corresponde ao significado social do facto que inspira a própria formulação dos tipos legais de crime, ou seja aquilo que os doutrinadores designam por sentido social da ilicitude material.”.
Sendo certo que, “(...) em face da matéria dada como provada, diversamente do entendimento da assistente recorrente, não pode suscitar quaisquer dúvidas de que a actuação do arguido na utilização daquele “nude”, para além de não se afastar, é parte integrante e indissociável do propósito formulado de ter relações sexuais com a ofendida, onde não se pode de facto afirmar que tenha obedecido a uma autónoma resolução perfeitamente cindível da conduta integradora do crime de violação agravado pelo qual foi condenado, agravação essa que resulta precisamente daquela ameaça a considerar como grave.
Por isso, até no lapso de tempo que intercorreu entre os dois momentos, se pode afirmar que aquela “ameaça grave” radica no mesmo processo volitivo presente naquela violação agravada.”
Pelo que, estando claramente verificada uma situação de consumpção de crimes, não tem fundamento bastante a pretensão da assistente GG no sentido de o arguido DD ser também condenado, para além do crime de violação agravada lhe foi imputado, pelo crime de ameaça agravado.
Soçobram, pois, os recursos, nestes segmentos.
*
3.4. Da(s) pena(s) aplicada(s)

Nesta sede, defende a recorrente GG, em síntese, que:
- Deveria ter sido afastada a aplicação do regime penal especial para jovens regulado pelo Dec.-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro;
- As penas parcelares e única aplicadas ao arguido DD devem ser superiores;

Mesmo que assim se não entenda
- Deve ser afastada a decretada suspensão da execução da pena de prisão.
Já o recorrente DD preconiza que deve ser alterada a injunção estipulada como condição para a decretada suspensão da execução da pena de prisão.

Vejamos se lhes assiste razão.
Começando pela questão atinente ao regime especial para jovens, regulado pelo Dec.-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, que o tribunal a quo decidiu aplicar ao arguido DD, e contra o qual se insurge a assistente.
Efectivamente, sobre esta matéria, escreveu-se na decisão recorrida (transcrição):
“Sucede que, à data dos factos, o arguido tinha apenas 17 anos de idade.
Como é sabido, a aplicação do regime penal especial relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos de idade - regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária -, não constitui uma faculdade do juiz, antes um poder-dever vinculado que deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos, o que significa que a sua aplicação é, em tais circunstâncias, tanto obrigatória, como oficiosa.
Para decidir sobre a aplicação do regime em causa o tribunal, independentemente do pedido ou da colaboração probatória dos interessados, tem de proceder, oficiosa e autonomamente, às diligências e à recolha de elementos que repute necessários (e que numa leitura objetiva, possam ser razoavelmente considerados necessários) para avaliar da verificação dos respetivos pressupostos.
Verifica-se, contudo, uma circunstância modificativa da moldura penal abstrata acima referida: a idade do arguido à data da prática dos factos.
Preceitua o art. 4º do DL nº 401/82, de 23 de setembro que: “Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos arts. 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
Ao regime especial dos jovens imputáveis constantes desse diploma subjazem objetivos de interesse público de justiça e de política criminal.
Efetivamente, conforme resulta expressamente do preâmbulo de tal diploma, esses objetivos traduzem-se no intuito de, sempre que possível e adequado às exigências concretas de prevenção especial e geral, se optar, relativamente aos jovens imputáveis, por medidas ou sanções que, tendo em conta o processo real de desenvolvimento do jovem, promovam a sua responsabilização e socialização ou ressocialização, sem os riscos evitáveis de efeitos de estigmatização e de marginalização (sempre empobrecedores para o indivíduo e a comunidade) frequentemente ligados às medidas institucionais, designadamente às penas de prisão.
Tudo em harmonia com os instrumentos e recomendações do Conselho da Europa, os nossos valores e princípios constitucionais e os dados mais significativos da criminologia relativa à delinquência juvenil, que inspira a filosofia do nosso sistema.
É que há muito que se vem acentuando a ideia de que o jovem delinquente é merecedor de um tratamento penal especializado, o que vai também ao encontro das mais recentes pesquisas no domínio das ciências humanas e da política criminal, e entronca, ainda, na constatação de que a capacidade de ressocialização do homem mais facilmente se obtém quando ele se encontra no limiar da sua maturidade.
O recurso a tal regime não é, contudo, de aplicação automática.
Na verdade, como vem expressamente consignado no item 7 do preâmbulo de tal Decreto Lei as medidas ali propostas não afastam a aplicação - como ultima ratio - da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade.
Aplicando tais princípios ao caso dos autos, diremos que, além do arguido ter à data dos factos apenas 17 anos de idade, também a ausência de antecedentes criminais do mesmo aponta para que seja formulado um juízo de prognose positiva de que, da aplicação de tal regime, resultarão vantagens para a sua reinserção, inculcando a ideia de que a aplicação das medidas consignadas no referido regime resulte um efeito simultâneo de responsabilização essencial à sua indispensável preparação, para não voltar a praticar atos lesivos de importantes valores com proteção criminal, ou seja, à reinserção social do arguido.
Assim, entendemos que deverá beneficiar o arguido DD do regime especial para jovens delinquentes estabelecido pelo Decreto Lei 401/82, de 23 de Setembro, de forma que, em atenção ao disposto no art.º 4.º de tal regime, e por se verificarem os requisitos aí previstos, deverá a pena a aplicar ao arguido ser especialmente atenuada nos termos do disposto nos artigos 73.º e 74.º, ambos do Código Penal.

Nos termos do art. 73º, nº 1º do Código Penal: “Sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável:
a) o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço;
b) o limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior”.

Assim e aplicando a teoria ao caso concreto temos que a moldura penal abstrata para o crime de violação agravado passa a ser a seguinte: 10 meses e 8 dias a 10 anos; e para o crime de abuso sexual por importunação, a pena de 1 mês a 2 anos de prisão.”.
Salvo o devido respeito pela posição da recorrente e assistente GG, cremos que, em face das circunstâncias do caso, bem andou o tribunal a quo em aplicar o regime especial em causa, cujos pressupostos teve por verificados.
Como vendo sendo entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, a ponderação da aplicação deste regime não constitui uma faculdade do tribunal, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos; a aplicação é, em tais circunstâncias, tanto obrigatória, como oficiosa – cfr., neste sentido, o acórdão daquele Alto Tribunal de 03/03/2005, proferido no âmbito do Proc. nº 04P4706, disponível in www.dgsi.pt
Acresce que, como também salientou o mesmo Alto Tribunal no acórdão de 31/03/2016, proferido no âmbito do Proc. nº 499/14.8PWLSB.L1.S1, também acessível in www.dgsi.pt, não podemos simplesmente retirar da gravidade do crime praticado a impossibilidade de reintegração do agente, sendo certo que não é a culpa do arguido, consubstanciada no facto concreto que praticou, que nos poderá limitar a aplicação do regime especial de jovens adultos, e que a única coisa que a lei impõe como limite à aplicação desta atenuação especial é a consideração de que o arguido não tirará quaisquer vantagens para a sua reintegração social daquela diminuição.
Ora, tendo presentes estes princípios, não cremos que da matéria de facto provada se extraiam elementos que nos permitam considerar que a aplicação do regime especial de jovens adultos não deva ser aplicado ao arguido DD.
Pelo contrário.
Com efeito, como emerge da matéria de facto provada, constata-se que estamos perante um jovem delinquente, pois que, tendo nascido em ../../2023, contava com 17 anos de idade à data da prática dos factos.
Mais se constata que o arguido DD se encontra familiar, social e laboralmente integrado, sendo certo que no seu meio laboral é considerado cordato e revela um comportamento normativo.
Que confessou parcialmente os factos e verbalizou arrependimento.
Que beneficia de apoio por parte dos familiares, designadamente dos avós e tia materna.
E que se apresentou em Juízo sem qualquer condenação penal, sendo, pois, primário.
Perante este circunstancialismo, e sem embargo de reconhecemos a gravidade dos crimes perpetrados pelo arguido, com especial relevo para a violação agravada, consideramos que existem “razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
Consequentemente, mostrando-se ser viável formular um juízo de prognose favorável à atenuação especial prevista no Artº 4º do Dec.-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, sendo que não vislumbramos prementes razões de necessidade de defesa do ordenamento jurídico que obstem à aplicação dessa medida legal de benevolência, nada há a apontar para a decisão do tribunal a quo, quanto a esse aspecto, dessa forma improcedendo esta questão recursória suscitada pela assistente GG.
Passemos, pois, à apreciação das demais questões supra enunciadas, relacionadas com as penas concretas aplicadas ao arguido DD.
Recordando-se, antes de mais, as molduras abstractas das penas de prisão aplicáveis relativamente aos crimes efectivamente cometidos pelo arguido, nos termos consignados no acórdão recorrido, e ora confirmados, tendo já em conta a atenuação especial prevista no Artº 4º do citado Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, de que o tribunal a quo lançou mão:
- Crime de violação agravada, p. e p. pelos Artºs. 164º, nº 2, al. a) e 177º, nº 7, do Código Penal: 10 meses e 8 dias a 10 anos de prisão; e
- Crime de abuso sexual por importunação, p. e p. pelo Artº 171º, nº 3, do Código Penal: 1 mês a 2 anos de prisão.
As finalidades das penas estão enunciadas no Artº 40º, do Código Penal, preceito que consagra o pensamento do Prof. Figueiredo Dias [in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, pág. 71 e sgts.], que defende decorrer do princípio da congruência entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal a ideia de que só finalidades de prevenção geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal a conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas.
Como é sabido, a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena, não como prevenção negativa de intimidação, mas como prevenção positiva de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma, enquanto estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida.
Sabemos, também, que a prevenção especial visa satisfazer as exigências de ressocialização do agente, com vista à sua recuperação e integração na comunidade.
É princípio basilar do Código Penal vigente que toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta - não há pena sem culpa e esta decide da medida daquela, afirmando-se como seu limite máximo, o que é aceite mesmo pelos autores que colocam a tónica na prevenção geral quanto aos fins das penas - sendo que na determinação da pena concreta o tribunal deverá atender, nos termos do disposto no Artº 71º, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor dos arguidos ou contra eles.
Dentre aquelas circunstâncias aludidas no Artº 71º, nº 2, do Código Penal, perfilam-se o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo ou da negligência (quando esta baste como forma de vontade criminosa), os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente, a sua situação económica, a conduta anterior e posterior ao facto.
A medida concreta da pena, segundo o citado Mestre [14], é encontrada dentro da moldura da prevenção.
Tal moldura - diz -, comporta um ponto óptimo da tutela dos bens jurídicos, ponto esse que nunca poderá ultrapassar a medida da culpa, e um ponto mínimo comunitariamente suportável de tutelados bens jurídicos, sendo que entre os pontos máximo e mínimo devem actuar os factores de prevenção especial, visando a ressocialização e recuperação do delinquente para a sociedade, devendo ter-se em conta que a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa e que esta é também o suporte da pena.
Ora, no caso vertente, na determinação de cada uma das penas parcelares e da pena única a cominar ao arguido, ponderou o tribunal a quo o seguinte, no que ora interessa relevar (transcrição):
“(...)
Importa, agora, ponderar todas as circunstâncias que, não integrando o tipo legal de crime em análise, se revelem suscetíveis de evidenciar as exigências concretas da culpa e da prevenção, em conformidade com o estatuído no n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal, tendo presente a sua natureza ambivalente, bem como a necessidade de ponderação global e valoração concreta de todas as circunstâncias apuradas.

Neste contexto, e começando pelas razões de prevenção especial, o Tribunal ponderou os seguintes aspetos:
- Tratou-se da prática de cópula completa (mas integrando coito vaginal, anal e oral), tendo a ofendida sido constrangida por meio de ameaça grave, que consistiu no facto de o arguido a ter ameaçado que divulgaria imagens em que aparecia desnudada, circunstâncias expressivas de um grau médio de ilicitude;
- O arguido executou o crime depois de ter combinado com a ofendida encontro no dia anterior e depois de várias insistências durante a tarde que antecedeu os fatos, o que mostra algum planeamento e uma conduta pré-orientada por parte do arguido;
- O arguido agiu com dolo direto e intenso, prosseguindo os seus intentos mesmo perante a oposição por parte da ofendida;
- A ofendida tinha, à data dos factos, 12 (doze) anos de idade, circunstância que eleva a gravidade dos factos;
- Ao nível da prevenção especial, as exigências são reduzidas, tendo em conta que não se conhecem quaisquer condenações criminais ao arguido e que este se encontra inserido na sociedade e trabalha, tendo, entretanto, integrado o Exército, há cerca de dois anos;
- O arguido tinha à data dos fatos 17 anos, o que poderá explicar alguma imaturidade da sua parte;
- Confessou parcialmente os fatos e verbalizou arrependimento;
- No seu meio laboral, o arguido é considerado cordato e revela um comportamento normativo;
- Beneficia de apoio por parte dos familiares, designadamente dos avós e tia materna;
- Já do ponto de vista das razões de prevenção geral, as mesmas são consabidamente elevadas. Parafraseando o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 14/06/2018, disponível no site www.dgsi.pt “são manifestas as necessidades de prevenção geral positiva decorrentes da grande danosidade dos factos para as crianças vítimas de abusos sexuais e da frequência com que vêm sendo praticados crimes desta natureza, nomeadamente no seu meio familiar, que apelam a respostas contrafácticas capazes de afastar outros potenciais delinquentes da prática de atos desta natureza e de gerar na generalidade dos cidadãos a convicção de que é efetiva a tutela penal dos bens jurídicos violados.”
- Também não é despiciendo ter presente que tal criminalidade, ligada à utilização de meios informáticos, mormente via internet e redes sociais, assume uma dimensão cada vez mais alarmante em termos comunitários, atenta a proliferação do acesso a tais meios por jovens e crianças, que tantas vezes se veem expostos à manipulação por terceiros, e envolvidos assim em situações de exploração sexual, chantagem e devassa da vida privada, que tem um efeito psicológico devastador sobre as vítimas.

Ponderando todos estes fatores, considera-se necessária, suficiente, adequada e proporcional:
-  uma pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão pelo crime de violação agravada;
- uma pena de 4 (quatro) meses de prisão pelo crime de abuso sexual de menor, na vertente de importunação sexual;

4.2.b - Do cúmulo jurídico
Determinadas as penas concretas de multa que cabem a cada crime praticado pelo arguido, proceder‑se‑á à determinação da pena única do concurso de acordo com o art.º 77.º do CP.
Tal pena deverá ser determinada dentro de uma moldura calculada nos termos do art.º 77.º, n.º 2: o máximo correspondendo à soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e o mínimo fixando‑se na mais alta das penas concretamente aplicadas. No caso sub judice, essa moldura será então de um mínimo de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão a um máximo de 4 (quatro) anos e 12 (doze) meses, ou seja, 5 (cinco) anos de prisão.
Dentro das molduras assim determinadas, a pena única fixar-se-á tendo em conta, em conjunto, os factos e a personalidade do agente – art.º 77.º, n.º 1, in fine.
Esta avaliação deve centrar-se na ideia de “gravidade do ilícito global” que os factos analisados no seu conjunto nos ofereçam, bem como na resposta que os mesmos deem “à questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade” – Figueiredo Dias, Direito Penal Português..., cit., pág. 291, §421.
Não se trata aqui de valorar novamente os elementos já tidos em conta na determinação de cada pena concreta, mas antes extrair consequências de uma “visão de conjunto” de toda a factualidade.
De acordo com estes critérios, e por se afigurar que os factos no seu conjunto não indiciam qualquer “tendência criminosa”, afigura-se-nos adequado fixar a pena única do concurso em 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.”.
Concordamos genericamente com as considerações expendidas pelo tribunal recorrido sobre esta matéria.
Efectivamente, começando pelo grau de culpa, o mesmo foi, de facto, bastante elevado, tendo o arguido agido com dolo directo, forma mais grave da culpa, em relação a todas as condutas que lhe vêm imputadas.
Com efeito, o arguido agiu, em ambas as situações, com dolo intenso e persistente, revelador de acentuada energia criminosa, demonstrando uma particular resistência à força de apelo dos valores jurídico-penalmente tutelados, tendo actuado sempre com o propósito único de satisfazer os seus instintos libidinosos, com total indiferença pelas consequências dos seus actos ao nível de um saudável e harmonioso desenvolvimento da esfera afectivo-sexual das ofendidas.
No que concerne à ilicitude, entendida como um juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, a mesma é muito acentuada, no que tange às concretas actuações, atento o tipo de actos praticados, especialmente no que concerne ao crime de violação agravada, evidenciadores de uma personalidade deformada, consubstanciando actos altamente censuráveis.
Há que ponderar, também, a motivação da prática dos factos pelo arguido, que mais não visou do que a satisfação dos seus institutos libidinosos, da sua lascívia, instintos esses reveladores de uma defeituosa personalidade, dominada por desígnios sexuais primários e insensibilidade moral, com consequente perturbação da autodeterminação sexual das ofendidas, especialmente da GG, condutas estas que ofendem, em elevado grau, os sentimentos gerais de pudor sexual.
As necessidades de prevenção geral são extremamente prementes, considerando o elevado número de situações atinentes a crimes desta natureza que ao longo dos anos vêm sendo assídua e constantemente relatados na comunicação social, gerando justificado alarme social nos mais diversos estratos populacionais, sendo que, a este propósito, já em 2005 o Supremo Tribunal de Justiça observava, no seu acórdão de 15/06/2005, in CJ AcSTJ XIII-II-216 que “Falar de sentidas e acrescidas necessidades a interferir, com firmeza, pela via penal, atenta a prática reiterada a que se assiste, ao nível dos delitos sexuais contra crianças – e não só – é uma realidade incontornável, inserta na prevenção geral”.
Na verdade, a comunidade rejeita veementemente a prática deste tipo de actos, como os perpetrados pelo arguido, “exigindo” que os respectivos agentes sejam punidos com penas que os façam sentir a enorme dimensão da censura social de tais condutas, e que simultaneamente os intimide suficientemente para futuros comportamentos idênticos.
As exigências de prevenção especial não são acentuadas, dado que, como se sublinhou no acórdão recorrido, não se conhecem quaisquer condenações criminais ao arguido, e que este se encontra inserido na sociedade e trabalha, tendo, entretanto, integrado o Exército, há cerca de dois anos, sendo certo, também, que confessou parcialmente os factos e verbalizou arrependimento.
Relevando, ainda, a favor do arguido, o facto de, no seu meio laboral, ser considerado cordato e revelar um comportamento normativo, e bem assim a circunstância de beneficiar de apoio por parte dos familiares, designadamente dos avós e tia materna.
Pelo que, ponderadas todos as aludidas circunstâncias, em especial as atinentes à intensidade da culpa e, sobretudo, à necessidade da pena, e vistas as penas abstractas aplicáveis aos crimes perpetrados pelo arguido, entendemos que as penas concretas parcelares aplicadas pelo tribunal de primeira instância são adequadas, justas e correctas, conseguindo satisfazer as sentidas necessidades de afirmação dos bens jurídicos violados, bem como a de procurar que o arguido não volte a delinquir, não padecendo, pois, da exiguidade que lhes assaca a recorrente e assistente GG.
Igualmente devendo manter-se a pena única de 4 (quatro) e 10 (dez) meses de prisão aplicada ao arguido DD, resultante do cúmulo jurídico [numa moldura legal balizada entre os 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão e os 5 (cinco) anos de prisão].
Na verdade, considerando o número e a natureza das infracções, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto os factos e personalidade do arguido, tendo em conta a gravidade dos factos, a personalidade do arguido projectada nos factos e perspectivada por eles, as exigências de prevenção geral sentidas a nível de crimes contra a autodeterminação sexual, as exigências de prevenção especial de forma a dissuadir a reincidência, os efeitos previsíveis da pena a aplicar no comportamento futuro do arguido e, sem prejuízo do limite da culpa que é intensa, tendo em conta os aludidos limites da pena aplicável, julgamos inteiramente justa, certa e adequada a pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão aplicada pela 1ª instância.
*
Como se alcança do acórdão recorrido, entendeu o tribunal a quo suspender a execução daquele pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão aplicada ao arguido DD, pelo mesmo período de tempo, suspensão essa que, no entanto, sujeitou ao regime de prova, e ao cumprimento de determinados deveres e regras de conduta a serem fiscalizados pela DGRSP, e ainda à obrigação de o mesmo, até ao termo do período da duração da suspensão – quatro anos e dez meses – pagar à ofendida e assistente GG a quantia de € 5.000,00 (cinco mil Euros), correspondente a parte da quantia indemnizatória que lhe foi arbitrada a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos.
Porém, a assistente e recorrente GG não se conforma com essa decisão, aduzindo, em síntese [mas sem adiantar qualquer argumentação que objectivamente sustente a sua tese], não se possível concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem, no caso concreto, de forma aquedada e suficiente as finalidades da punição.
Decisão essa que também merece a crítica do arguido DD, que a propósito aduz ser de revogar a supra aludida condição de suspensão da execução da pena de prisão relacionada com a obrigação de, até ao termo do período da duração da suspensão, pagar à ofendida e assistente a quantia de € 5.000,00 (cinco mil Euros), dado que, em face da sua situação económica e financeira, é-lhe muito difícil ou quase impossível  cumprir com o determinado.
Vejamos.

Relativamente aos pressupostos e duração da suspensão da execução da pena de prisão, prescreve o Artº 50º do Código Penal:
“1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.”.

Estatuindo, por seu turno, o Artº 51º, do mesmo diploma legal, sob a epígrafe, “Deveres”:
“1 - A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente:
a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea;
b) Dar ao lesado satisfação moral adequada;
c) Entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente.
2 - Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.
3 - Os deveres impostos podem ser modificados até ao termo do período de suspensão sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.
4 - O tribunal pode determinar que os serviços de reinserção social apoiem e fiscalizem o condenado no cumprimento dos deveres impostos.”.
Como resulta do supra transcrito Artº 50º, a suspensão da execução da pena de prisão depende da verificação de dois pressupostos: um formal, que exige que a pena aplicada não seja superior a cinco anos de prisão; e um pressuposto material.
A este propósito, ensina o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, págs. 341 e sgts.: “pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente. (...). Para formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto”.
Acrescentando, assertivamente, o mesmo Autor:
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime ..., uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».
Por isso, um prognóstico favorável fundante da suspensão não está excluído - embora se devam colocar-lhe exigências acrescidas - mesmo relativamente a agentes por convicção ou por decisão de consciência (...). Mas já o está decerto naqueles outros casos em que o comportamento posterior ao crime, mas anterior à condenação, conduziria obrigatoriamente, se ocorresse durante o período de suspensão, à revogação desta (...).
E termina a sua lição, neste particular aspecto, dizendo:
“Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime» (...). Já determinámos (...) que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.”.
Há que referir, também, na esteira da posição do Exmo. Conselheiro Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal” Anotado e Comentado, 14ª edição, Almedina, 2001, pág. 191, que a suspensão da execução da pena de prisão não se traduz numa faculdade jurídica, consubstanciando, antes, um verdadeiro poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a medida em causa, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos.
Ora, no caso sub-judice, como se viu, para fundamentar  a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, o tribunal a quo teve basicamente em consideração os seguintes aspectos:
- A idade do arguido, que à data contava apenas com 17 anos, pelo que não tinha a sua personalidade ainda definitivamente formada;
- A ausência de antecedentes criminais;
- A inserção social e familiar; e
- A atual integração profissional, com uma estabilidade de mais de 2 anos”.

Logo complementando e justificando a sua opção, nos seguintes termos (transcrição):
“Na verdade, e apesar da aplicação de uma pena de prisão, e não obstante a moldura abstrata aplicável ao caso sub júdice, entendo poder ser aplicável o mecanismo contemplado no art.º 50.º do Código Penal, ou seja, a suspensão da execução da pena de prisão, visto que se encontram preenchidos os pressupostos aí consagrados.
Encontra-se preenchido o pressuposto formal, consistente na não aplicação ao arguido de uma pena de prisão superior a cinco anos.
No que respeita ao pressuposto material, reconduzível a um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do delinquente, considerando o que foi dito quanto às necessidades de prevenção especial, e ponderada a personalidade do arguido, e sobretudo a sua idade, bem como a sua inserção familiar e profissional, afigura-se-nos que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam já, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
É certo que o arguido, precocemente, revelou problemas de ajustamento comportamental, o que se veio a refletir negativamente, em especial em contexto escolar.
No entanto, não tem registo de aplicação de medidas tutelares educativas.
Por outro lado, atualmente integrou o Exército e tem demonstrado responsabilidade no exercício da sua profissão.
Efetivamente, conforme resulta do relatório social da DGRSP, DD cresceu num contexto familiar que mostrou dificuldade em responder assertivamente às suas necessidades educativas e aos comportamentos de desafio por si apresentados, em particular durante a adolescência. Não concluiu a escolaridade obrigatória, tendo abandonado o percurso académico após a maioridade e várias retenções. Neste contexto foram registadas dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento, designadamente dificuldade em acatar regras e normas.
Também desenvolveu a maior parte das suas relações sociais com pares que apresentavam alguns comportamentos de risco/desvio, dos quais se encontra atualmente afastado.
No entanto, o arguido revelou-se capaz de se afastar desse grupo de pares e atualmente adota globalmente um comportamento socio relacional ajustado, ainda que seja referida alguma impulsividade e imaturidade. Integra o Exército há cerca de dois anos, tendo fixado residência no quartel em .... Dispõe do apoio/suporte por parte do núcleo familiar materno, em particular por parte dos avós e tios, no processo de transição para a autonomia de vida. Mantém um relacionamento afetivo que projeta no futuro. Não apresenta antecedentes de natureza tutelar educativa ou penal e mostrou compreender e aceitar o papel/intervenção do sistema legal.
Face ao exposto, decide-se suspender, no caso vertente, a execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
O n.º 5 do art.º 50.º do Código Penal dispõe que “o período de suspensão tem duração igual à pena de prisão, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Pelo que se fixa o período de suspensão em 4(quatro) anos e 10 (dez) meses.
(...)”.
Adiantando a nossa resposta para a problemática em causa, afigura-se-nos correcta a opção do tribunal colectivo quando concluiu por um juízo de prognose favorável ao arguido DD.
Com efeito, subscrevendo-se aquelas considerações, também entendemos que, no sobredito contexto, realçando-se as necessidades de consolidação pelo condenado do desvalor e interiorização da sua conduta, e não estando em causa, de forma decisiva, exigências de prevenção geral atinentes à validade do ordenamento jurídico, o tribunal recorrido poderia e deveria ter efetuado tal juízo de prognose favorável à reinserção social do arguido em liberdade.
Pelo que, nada havendo a opor à decretada suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido DD, pelo período determinado, que se afigura adequado e proporcional, soçobra mais esta questão suscitada pela assistente e recorrente GG.
E quanto à condição imposta, de o arguido DD, até ao termo do período da duração da suspensão – quatro anos e dez meses – pagar à ofendida e assistente GG a quantia de € 5.000,00 (cinco mil Euros), correspondente a parte da quantia indemnizatória que lhe foi arbitrada a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos?
Como lapidarmente expendem os Exmos. Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques, in “Código Penal Anotado”, Vol. I, 4ª Edição, Rei dos Livros, 2014, pág. 775, “Através dos deveres e regras de conduta que são impostas para reparar o mal do crime e facilitar a reintegração do condenado na sociedade contribui-se para que ele observe uma conduta correcta durante o período de suspensão, evitando-se, ao mesmo tempo, os danos causados pelo cumprimento de uma pena privativa da liberdade” e, “Por outro lado, com a imposição de certas obrigações que servem para reparar o mal do crime pode compensar-se a situação de favor em que se traduz a não execução da pena privativa da liberdade”.
Ora, na situação em apreço, como correctamente ponderou o tribunal a quo, encontra-se amplamente justificada a medida em causa, sobretudo por razões de prevenção especial, contribuindo para a reinserção social do arguido DD, que assim se reabilita colmatando, na medida do possível, os efeitos dos seus actos ilícitos.
Por outro lado, dúvidas não há de que tal medida facilita a reposição da situação que a ofendida/lesada GG tinha antes do cometimento do crime.
Aliás, como esclarece o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, pág. 339, a obrigação de reparação do mal do crime permite potenciar largamente as virtualidades do instituto da suspensão da execução da pena, que não se limita assim a descansar na “ideia da ameaça da pena e do seu efeito intimidativo”, sendo antes integrado pela imposição ao agente de deveres e regras de conduta que reforçam tanto a socialização do delinquente como a reparação das consequências do crime.
Sublinhando, ainda, o mesmo Autor, na pág. 353, que "a obrigação” do arguido entregar ao ofendido a quantia (parcial ou total) fixada para efeitos de reparação dos danos decorrentes da sua actuação, não deixa de ter natureza penal, na medida em que se integra no instituto da suspensão da execução da pena, no quadro do qual esta obrigação, destinada a reparar o mal do crime, assume também uma função adjuvante da realização das finalidades da punição.
Porém, há que notar que, para que se alcancem estes objectivos, o condenado deve encontrar-se em condições de poder cumprir a obrigação pecuniária, na quantidade e no tempo determinados na sentença.
Para o efeito, impõe-se que o tribunal averigue as possibilidades do cumprimento, fixando a obrigação ou o dever de modo quantitativa e temporalmente compatível com as condições do arguido, só assim se prosseguindo o direito deste a uma pena justa e equitativa.
O que claramente decorre do supra transcrito Artº 51º, nº 2, do Código Penal, segundo o qual “Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”. Prevendo-se, até, no nº 3 do mesmo preceito legal, a possibilidade de modificação dos deveres por ocorrência de circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.
            No entanto, como é jurisprudencialmente pacífico, convém não olvidar que a sanção penal só cumpre a sua finalidade, se efectivamente for sentida pelo condenado, sob pena de - como sugestivamente se escreve no acórdão da Relação de Coimbra, de 03/07/2013, proferido no âmbito do Proc. nº 734/11.4PBFIG.C1, in www.dgsi.pt - se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei.

Concordando-se também inteiramente com o que a propósito se escreveu no acórdão do mesmo TRC, de 19/10/2011, proferido no âmbito do Proc. nº 107/05.8TATBU.C1, disponível in www.dgsi.pt:
“1.- A suspensão da execução da pena não pode ficar dependente de uma condição fisicamente impossível, tal como não pode ficar dependente de uma condição irrazoável, assim como a obrigação que for fixada deve responder à ideia da exigibilidade e ao princípio da propor­cionalidade.
2.- Porém tal não significa que a condição tenha que se restringir ao que for confortável ao agente, isto é, àquilo que ele puder cumprir sem sacrifício, sob pena de não se poder impor como condição de suspensão da execução da pena o pagamento de indemnização ao lesado quando o agente seja pobre.
3.- É que a pena, qualquer pena, para ser eficaz, deve ser sentida pelo agente e no caso de pena suspensa muitas vezes a única coisa que o agente sente é, precisamente, a condição fixada.”.

Ora, no caso sub-judice, na esteira da decisão recorrida, tendo em conta as condições pessoais e de vida do arguido DD, também se nos afigura necessário, conveniente e adequado à realização das finalidades da punição ser de subordinar a suspensão da referida pena de prisão à obrigação de o mesmo entregar à assistente o montante de € 5.000,00 (cinco mil Euros) fixado pela 1ª instância, sendo certo que o período de que dispõe o recorrente para proceder ao pagamento em causa respeita os parâmetros de exigibilidade impostos pelo citado preceito legal, tendo em conta as suas condições pessoais e vida.
É certo que, face à concreta situação económico-financeira do arguido, a condição imposta não deixa objectivamente de acarretar para ele algum sacrifício.
Porém, não se trata de uma condição “quase impossível” de cumprir por banda do arguido DD, como o mesmo sustenta na conclusão 35ª.
Concordando-se inteiramente com as observações que a este propósito o Exmo. Procurador da República sagazmente aduziu na sua douta resposta, que se transcrevem:
“Olhando para a argumentação atrevemo-nos a afirmar que, com a peticionada revogação daquela condição/injunção para a decretada suspensão da pena de prisão, o que o ora recorrente pretende mais não é que obter nesta parte “uma absolvição em pena suspensa”.
Com efeito, para quem aufere um salário mensal próximo do SMN, que integra 14 salários por ano, e está obrigado a entregar €5.000 em 4 anos e 10 meses (58 meses), este valor traduz-se, em números redondos em cálculos aritméticos fáceis de realizar, de um alocar de 10% do seu salário anual (5 000 : 58 = €86)
Nessa mesma aritmética simples, chega-se a resultado similar considerando que sendo o salário anual auferido pelo arguido de 11 620 (830x14), nestes 4 anos e 10 meses o arguido irá auferir um valor de aproximadamente 55610, pelo que o esforço que está a ser pedido ao arguido é de apenas alocar cerca de 9% (5000/55.610) do seu salário para ressarcir a vítima daquele crime, num valor diário próximo de €2,5.
Acresce ainda que na argumentação que aduz olvida o arguido o facto dado como provado n.º 55 – “DD integra o Exército e, durante a semana, permanece no quartel do Regimento de Cavalaria n.º 6, em ..., ou em casa de um amigo” – em razão do qual se pode afirmar que as suas despesas são bem inferiores àquelas que normalmente envolvem quem tem habitação própria ou arrendada ou tem obrigações para com outros que compõem o seu agregado familiar.
Por isso se terá de afirmar que, diversamente do argumentado, aquela concreta condição imposta ao arguido afirma-se consentânea com o estipulado no artigo 51.º, n.º1, alínea a) do Código Penal e até inequivocamente benevolente naquilo que se verifica ser um grau de esforço reduzido que está a ser pedido ao arguido de, como condição para a decretada suspensão, pagar apenas uma parte (menos de 1/3) do valor fixado de indemnização (€18.000).”.
Nestas circunstâncias, considerando-se adequado, proporcional e justo o montante  fixado na decisão recorrida, que condicionou a suspensão da execução da pena única de quatro anos e dez meses de prisão cominada ao arguido DD, bem como o prazo para que o mesmo o satisfaça, cuja determinação obedeceu aos parâmetros legais, jurisprudenciais e doutrinários supra explanados, apenas nos resta concluir pela falência de mais esta questão recursória.
*
3.5. Do valor do montante indemnizatório fixado
Neste âmbito, sustenta o recorrente DD, em síntese, que os danos dados como provados pelo tribunal a quo não justificam nem são suficientes para sua condenação no pagamento de uma indemnização no valor de € 18.000,00 (dezoito mil Euros), pecando esta por manifesta excessividade, visto que o valor peticionado não respeita os princípios da proporcionalidade, equidade e adequação, devendo, assim, a indemnização atribuída à assistente ser reduzida para um valor nunca superior a € 5.000,00 (cinco mil Euros).
Por seu turno, a recorrente GG sustenta que o valor em causa, de € 18.000,00 (dezoito mil Euros), que o arguido foi condenado a pagar-lhe a título de danos não patrimoniais, é injusto e inadequado aos factos que estão em causa nos presentes autos, e às consequências absolutamente funestas e devastadoras que os mesmos tiveram, têm e terão na sua vida, devendo o valor da indemnização em causa ser fixado em € 40.000,00 (quarenta mil Euros), o qual até poderá ser considerado como modesto face às consequências que o evento traumático teve na sua vida.
Vejamos, pois, ainda que de modo sintético, face à simplicidade da questão.
Sendo certo que se tem por definitivamente estabilizada a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida, que não vêm questionados os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, ou extracontratual, tal como vêm definidos no Artº 483º do Código Civil, correctamente apreciados pela primeira instância [o facto voluntário do agente; a ilicitude; a culpa (imputação do facto ao agente a título de dolo ou mera culpa); o dano; o nexo de causalidade entre o facto e o dano], que claramente estão preenchidos, face aos factos perpetrados pelo arguido, e que apenas estão em causa danos de índole não patrimonial, e não o ressarcimento de quaisquer danos patrimoniais.
Dispõe o Artº 496º, nº 1, do Código Civil que, na fixação da indemnização, se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Os danos de natureza não patrimonial reportam-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral, o que os toma insusceptíveis de avaliação pecuniária, visando, por isso, o seu ressarcimento uma compensação das dores físicas ou morais sofridas pelo lesado, bem como sancionar, em alguma medida, a conduta do lesante - cfr. acórdão da Relação do Porto, de 07/04/1997, in CJXXII-II-204.
Ou, como ensina o Prof. Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 6ª Edição, Coimbra Editora, 1989, pág. 375 e sgts., são os “prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo”, neles se integrando, v.g., as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação e os complexos de ordem estética.
Acresce que, como critério de determinação equitativa para se determinar o quantum indemnizatório nesta sede, há que atender também, conforme o disposto nos Artºs. 496º, nº 4 e 494º, do Código Civil, à natureza e intensidade do dano, ao grau de culpa (dolo ou mera culpa) do agente, à situação económica do lesado e do agente, bem como ao valor actual da moeda e aos padrões jurisprudenciais.
Devendo ainda considerar-se que, como de há bastantes anos a este parte vem afirmando a nossa jurisprudência, de forma constante, há que pôr termo a valores ridículos ou meramente simbólicos como compensação pelos danos não patrimoniais, tentando-se uma aproximação aos valores por que se regem as sociedades mais evoluídas da Europa (cfr., a este propósito, v.g.. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06/03/1991, in CJ XVI-II-6, o Acórdão do mesmo Alto Tribunal, de 21/04/2010, proferido no âmbito do Proc. nº 54/07.9PTOER.L1.S1, e o acórdão deste TRG de 30/05/2019, proferido no âmbito do Proc. nº 1760/16.2T8VCT.G1, estes disponíveis in www.dgsi.pt), não devendo, pois, ser miserabilista, sob pena da própria dignidade humana ser desvalorizada.
Neste conspecto, no caso vertente, dúvidas não há de que as dores físicas e psicológicas que a demandante GG padeceu, e bem assim as sequelas que lhe advieram dos actos perpetrados pelo arguido DD, assumem claramente aquela gravidade a que alude o Artº 496º, nº 1, do Código Civil.
O que encontra plena sustentação e respaldo na abundante factualidade a esse propósito dada como assente na decisão recorrida, e que pela sua pertinência ora se relembra.
Na verdade, ficou provado que a ofendida GG nasceu em ../../2008, estando registada como filha de LL e de MM.
Mais se provou que tal ofendida frequentou, pelo menos entre ../../2020 e ../../2021, os 6.º e 7.º anos na Escola ... 2/ 3 de ..., sita na Rua ..., ..., ..., em ....
Que a mesma ofendida conheceu, através de um jogo virtual, designado como “...”, o arguido AA, que se apresentou como sendo de ... e tendo 17 anos, e a quem aquela disse ter 11 anos e identificou a escola que frequentava.
Que ambos mantiveram contactos através do jogo e das redes sociais Instagram e WhatsApp, para o que o arguido AA utilizava o número ...13, e iniciaram uma relação de namoro “virtual”, sempre à distância e sem que nunca se tenham encontrado presencialmente.
Que decorridos alguns meses, em data não concretamente apurada, em Junho de 2020, o arguido AA solicitou à ofendida GG que lhe enviasse fotografias e vídeos em que esta se exibisse despida, o que, inicialmente, recusou, vindo, uns dias mais tarde, a anuir àquela solicitação.
Que, então, no decurso daquele mês, e por mais do que uma vez, a ofendida GG fotografou-se (pelo menos, uma vez) e filmou-se despida (pelo menos, uma vez), com o seu telemóvel, e enviou ao arguido AA essas mesmas imagens.
Que, em virtude de os progenitores terem descoberto que se comunicava com o arguido AA, a ofendida GG ficou sem acesso ao telemóvel, deixando, por conseguinte, de interagir temporariamente com aquele, o que o determinou, por várias vezes, a tentar contactá-la através de chamadas telefónicas, utilizando o supra identificado número.
Que, em data não concretamente apurada do ano de 2019, a ofendida GG tinha sido assediada, por um grupo de pessoas, cuja identidade e idades não se apuraram, através do Whatsapp, e que a chantagearam alegando ter na sua posse, fotografias suas, em que se encontrava totalmente despida.
Que o arguido DD frequentava a mesma escola EB 2/3 ... e conhecia a ofendida, como aluna do 7º ano da mesma escola e, concretamente, a sua idade.
Que, no dia ../../2021, pelas 13h15, a ofendida GG, acompanhada de uma amiga, NN, encontrou o arguido AA, junto ao quiosque, sito em frente à Escola.
Que o arguido AA travou conversa com a amiga NN, dizendo-lhe que “era linda” e “que até a comia”(sic) e pediu-lhe o número de telefone, o que a mesma recusou.
Que a ofendida GG interpelou o arguido AA e disse-lhe que parasse de assediar a amiga, dizendo-lhe que “era um porco”(sic).
Que este colocou as suas mãos à volta do pescoço daquela, como que simulando que lhe apertava o pescoço, o que, porém, não chegou a fazer.
Que, chegada a casa, a ofendida GG enviou mensagem ao arguido AA, através do Instagram, pedindo que se afastasse da amiga NN, sob pena de o denunciar à Direção da Escola e à PSP.
Que o arguido AA brincou com a situação e respondeu que não tinha medo nenhum e que “tinha nudes suas”, referindo-se a imagens da ofendida GG em que surgia despida, após o que lhe disse que falassem através da aplicação ..., dialogando por escrito, no chat, mas com as câmaras de ambos ligadas.
Que iniciaram, então, uma videochamada, sucedendo que, cada vez que a ofendida GG abria o chat, a câmara se desligava, o que provocava a ira do arguido que logo lhe dizia que “ia mandar as nudes a toda a gente”, e insistiu que dispunha de fotografias, tendo a menor GG intuído que se tratavam das fotografias (“nudes”) que a própria enviara, meses antes, ao arguido AA.
Que, ainda nessa videochamada, o arguido AA disse à ofendida GG que “se não tivessem cenas“(sic), o que a menor interpretou “se não fizesse sexo consigo, o beijasse e namorasse com o mesmo”, divulgaria as referidas imagens.
Que, em seguida, o arguido AA solicitou à ofendida GG que lhe exibisse a sua zona genital, vindo a mesma, após muita insistência, por receio, após ser, uma vez mais, advertida que “se o não fizesse partilharia as suas nudes”, a despir as calças e a exibir-se em frente à câmara, tendo aquele captado a imagem (feito um “print”) que, em seguida, lhe mostrou.
Que, durante toda a tarde, o arguido AA foi dizendo à ofendida GG que, caso não mantivesse consigo relações sexuais, exibiria aquelas fotografias, “nudes”.
Que, ao final da tarde, perante as sucessivas recusas da ofendida, o arguido partilhou consigo, pelo menos, um print que tinha uma “nude” sua.
Que, assustada, com receio da exposição pública, a ofendida GG concordou encontrar-se com o mesmo, no dia seguinte, no final das aulas, pelas 13h15, em frente ao portão da escola.
Que, no dia ../../2021, à hora combinada, à saída da escola, a ofendida GG encontrou-se com o arguido AA e caminharam, pela estrada, em direção a uns prédios.
Que, a certa altura, pararam e o arguido AA beijou-a nos lábios e introduziu os seus dedos na vagina da ofendida GG.
Que, como passavam pessoas, prosseguiram o caminho até às traseiras de um prédio, numa zona mais isolada, e aí, o arguido AA voltou a beijá-la na boca.
Que, de seguida, o arguido desapertou e baixou as calças e as cuecas que a ofendida vestia, após o que baixou as suas calças e cuecas e colocou um preservativo no pénis.
Que, logo após, encontrando-se ambos de pé, o arguido disse à ofendida que se virasse de costas e introduziu-lhe o pénis ereto no ânus, passando a fazer movimentos de vaivém.
Que, uns minutos depois, ainda com o preservativo colocado, o arguido disse-lhe que se tornasse a virar e, desta feita, introduziu-lhe o pénis na vagina, tornando a fazer movimentos de vaivém, enquanto a beijava na boca.
Que, alguns minutos depois, o arguido retirou o preservativo, ordenou à ofendida que se baixasse e colocou o pénis na sua boca, mais uma vez fazendo movimento de vaivém, até ejacular.
Que, após, o arguido deitou o preservativo ao chão e vestiu-se, ordenou à ofendida que se vestisse e regressaram até à escola, onde a ofendida recuperou a mochila e seguiu para casa.
E que, até ao dia ../../2021, nunca a ofendida GG, à data com 12 anos de idade, mantivera qualquer relação íntima, de natureza sexual.
Tendo ainda ficado demonstrado que o arguido DD agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Que o arguido AA conhecia a especial vulnerabilidade da ofendida GG, atenta a sua idade – 12 anos – que não lhe permitia ter a capacidade e o discernimento necessários a uma livre decisão.
Que agiu o arguido DD, ao comportar-se nos termos supra descritos, com o propósito concretizado de anunciar mal futuro contra a liberdade e autodeterminação sexual da ofendida GG, sabendo que o fazia de forma adequada a provocar-lhe medo e inquietação, assim a constrangendo a encontrar-se consigo.
Que agiu o arguido DD com o propósito concretizado de constranger a ofendida GG a submeter-se a relações sexuais de cópula, coito anal e oral, após a ter colocado na impossibilidade de resistir, perante a ameaça da exibição pública das suas imagens íntimas, para satisfação dos seus instintos libidinosos, sabendo que punha em causa o livre desenvolvimento da sua personalidade, na esfera sexual.
Que o demandado DD coagiu a demandante GG, chantageando-a, alegando que tinha na sua posse fotos em que esta estava despida, de forma a satisfazer os seus instintos libidinosos.
Que a demandante sofreu, com receio que o demandante concretizasse as suas ameaças e divulgasse as suas imagens.
Que, durante a prática dos atos sexuais descritos na acusação, a demandante sentiu dor física, humilhação e repúdio por ver o seu corpo agredido.
Que, após, a demandante sentiu-se profundamente perturbada emocionalmente, envergonhada, humilhada, até porque os acontecimentos descritos na acusação foram amplamente divulgados na Escola que então frequentava, junto dos seus professores, amigos e conhecidos.
Que a demandante sofreu choque psicológico inapropriado à sua idade.
Que, em consequência, a demandante não mais frequentou a Escola nesse ano letivo e, no ano seguinte, passou a frequentar uma outra Escola.
Que a demandante não mais quis relacionar-se com os amigos e colegas da escola que frequentava quando dos factos descritos na acusação.
Que, ainda em consequência dos factos em questão, a demandante passou a ter muitas dificuldades em fazer amigos.
Que a demandante, após o acontecimento dos factos, passou várias noites sem dormir.
Que a mesma tinha pesadelos, acordando muitas vezes transtornada.
Que não queria conversar com quem quer que fosse sobre o sucedido, isolando-se.
Que passou por vários distúrbios de personalidade.
Que andava revoltada, ansiosa e discutia e gritava com toda a gente que a rodeava.
Que fazia queixas somáticas, nomeadamente de várias irritações na pele.
Que o perfil comportamental da demandante variou, com elevações de níveis de "borderline" nas escalas de ansiedade e depressão.
Que, em consequência, durante cerca de um ano, a demandante teve a necessidade de frequentar sessões de acompanhamento psicológico e pedopsiquiátrico e de ser medicada para a ansiedade e controlo do sono.
Que a demandante sofreu e continua a sofrer por ter iniciado a sua vida sexual daquele forma.
Que o trauma sofrido poderá repercutir-se negativamente nas futuras relações de intimidade da demandante.
Que, apesar do tempo decorrido, a demandante não tem alegria de viver, sente-se prisioneira dos seus medos, dos seus receios e fobias,
Que o sentimento de baixa autoestima acentuou-se depois da ocorrência dos fatos.
Que a demandante continua a sentir-se vexada sempre que é obrigada a relatar estes factos perante várias pessoas.
Que o demandado sabia que a sua conduta iria colocar a demandante em situação de exposição, desproteção e fragilidade, perturbando o seu normal desenvolvimento.
E que o demandado expôs a ofendida aos seus intentos lascivos e libidinosos, revelando uma indiferença pelo desenvolvimento psicológico daquela.
Ora, sopesando devidamente este abundante quadro fáctico, que assume gravidade muito relevante e evidencia uma culpa muita intensa por banda do demandado, e considerando, ainda, a sua situação sócio-económica, espelhada nos factos dados como assentes, os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, e reiterando-se que há que pôr termo a valores ridículos ou meramente simbólicos como compensação pelos danos não patrimoniais, entendemos mais justo, certo e equilibrado, ou seja, mais equitativo, fixar em € 40.00,00 (quarenta mil Euros) o valor da indemnização global pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante, em detrimento da quantia de € 18.000,00 (dezoito mil Euros) arbitrada na primeira instância, manifestamente exígua, face aos contornos da situação concreta, a que acrescem os juros de mora nos termos consignados no acórdão recorrido.
Pelo que, neste concreto segmento, procede o recurso da assistente GG e soçobra o recurso do arguido DD.
*
III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em:        
A) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido DD;
B) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela assistente GG e, consequentemente, revogando em parte o acórdão recorrido, fixam em € 40.000,00 (quarenta mil Euros) o valor do capital indemnizatório que ao arguido e demandado DD incumbe pagar àquela a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais pela mesma sofridos; e
C)  Manter a decisão recorrida quanto ao demais.

Custas pelo arguido DD e pela assistente GG, fixando-se em 4 (quatro) a taxa de justiça a suportar pelo primeiro, e em 3 (três) UC a taxa de justiça a suportar pela segunda, em consonância com as disposições conjugadas dos Artºs. 513º, 514º e 515º, nº 1, al, b), do C.P.Penal, e Artºs. 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo.

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos, contendo na primeira página as assinaturas electrónicas certificadas dos signatários – Artºs. 94º, nº 2, do C.P.Penal, e 19º, da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto).
*
Guimarães, 14 de Janeiro de 2025

Os Juízes Desembargadores:
António Teixeira (Relator)
Carlos da Cunha Coutinho (1º Adjunto)
Fátima Furtado (2ª Adjunta)


[1] Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
[2] Atendemos à ordem pela qual deram entrada nos autos.
[3] Diploma ao qual pertencem todas as disposições legais a seguir citadas, sem menção da respectiva origem.
[4] Cfr., neste sentido, o Prof. Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade.
[5] A propósito da desconsideração, na enunciação da matéria de facto, de afirmações conclusivas, juízos valorativos e, se for o caso, conceitos jurídicos sem o suporte fáctico correspondente alegado, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2015 e de 1 de Outubro de 2019, acessíveis em www.dgsi.pt.
[6] Importa recordar que o Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão (AUJ) nº 8/2017 (publicado no Diário da República, 1ª série, nº 224, de 21 de Novembro de 2017), fixou a seguinte jurisprudência: “As declarações para memória futura, prestadas nos termos do art.º 271º do Código de Processo Penal, não têm de ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas em conta e constituir prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 355º e 356º, nº 2, al. a), do mesmo Código”.
[7] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.04.2010Em matéria de “crimes sexuais” as declarações do ofendido têm um especial valor, dado o ambiente de secretismo que rodeia o seu cometimento, em privado, sem testemunhas presenciais e, por vezes, sem vestígios que permitam uma perícia determinante, pelo que não aceitar a validade do depoimento da vítima poderia até conduzir à impunidade de muitos ilícitos perpetrados de forma clandestina, secreta ou encoberta como são os crimes sexuais.
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25/2/2008, Processo n.º 557/07-1:«Ao contrário do sustentado pela recorrente, nada obsta que o tribunal alicerce a sua convicção no depoimento de uma única pessoa, no caso as declarações do assistente, desde que tais declarações se lhe afigurem pertinentes e credíveis, uma vez que há muito deixou de vigorar a velha regra do unus testis, testis nullius, ultrapassado que está o regime da prova legal ou tarifada, substituído pelo princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do Código de Processo Penal).
[8] Como relembra o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, primeiro volume, reimpressão, Coimbra Editora, 1984, a págs. 229 e sgts., a oralidade e a imediação são dois princípios gerais do processo penal, sendo considerados como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual português. Acrescentando que o processo é dominado pelo princípio da oralidade quando o juiz profere a decisão com base em uma audiência de discussão oral da matéria a considerar, e consistindo a imediação como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão.
[9] Ibidem, pág. 201 e sgts..
[10] Sobre estas questões, cfr., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23/05/2007, proferido no âmbito do Proc. nº  07P1498 (Rel. Cons. Henriques Gaspar), disponível in www.dgsi.pt.
[11] É certo que, na respectiva motivação, os recorrentes referem ser “(...)  bem patente a insuficiência para a decisão da matéria de fato provada (...) e que subsistem “(...) uma vez mais os erros notórios na apreciação da prova, de acordo com o artigo 410.º, n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal.”.
Porém, e salvo o devido respeito, trata-se da mera invocação de dois vícios e de uma norma legal sem qualquer substrato ou suporte argumentativo. Pois, perscrutando quer a motivação do recurso, quer as respectivas conclusões, em momento algum os recorrentes concretizam ou indicam as razões pelas quais se verificam os vícios da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” e/ou do “erro notório na apreciação da prova”.
[12] Neste sentido, também, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como o atestam, v.g., o acórdão de 25/03/2010, proferido no âmbito do Proc. nº 427/08.OTBSTB.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt, quando, a propósito da possibilidade de sindicância da matéria de facto pelos tribunais da Relação, afirma: “- há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento integral, mas antes um reexame necessariamente segmentado, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo;
- e a reapreciação só pode determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.” (sublinhado nosso).
[13] De acordo com o n.º 4 do artigo 8º da CRP “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
[14]  Ibidem, pág. 232 e sgts..