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EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL
FALTA DE ENTREGA
Sumário
Findo o período da cessão do rendimento disponível, perante a falta de fornecimento pelo devedor no prazo que lhe foi fixado, sem apresentação de justificação, de informações que lhe foram solicitadas com o objetivo de aferir do cumprimento da obrigação de entrega ao fiduciário da parte dos seus rendimentos objeto de cessão, é de recusar a concessão da exoneração do passivo restante. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 2549/20.0T8STR.E1
Juízo de Comércio de Santarém
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
Por sentença de 03-11-2020, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de (…), melhor identificado nos autos.
Por despacho de 21-01-2021, foi admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante pelo mesmo formulado, tendo-se determinado a entrega ao fiduciário nomeado do rendimento disponível que o devedor venha a auferir nos cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, com exclusão da quantia mensal equivalente à remuneração mínima mensal garantida; por despacho proferido na mesma data, foi declarado encerrado o processo de insolvência, unicamente para efeito do início do período de cessão do rendimento disponível
Por despacho de 11-06-2021, foi declarado encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente.
Por despacho de 22-10-2021, foi alterado o montante a excluir do rendimento disponível, com fundamento na alteração da situação económica do devedor decorrente do nascimento de um filho, tendo-se fixado o valor correspondente a 1,6 vezes a remuneração mínima mensal garantida.
O fiduciário nomeado apresentou, em 05-04-2024, relatório no qual informou o seguinte: O Fiduciário junta Relatório Anual Final, ao abrigo do disposto no artigo 240.º, n.º 2, do CIRE. De acordo com o relatório que ora se junta, dando cumprimento ao disposto no artigo 244.º, n.º 1, do CIRE, verifica-se que existem diversos documentos em falta, nomeadamente: - Comprovativos do rendimento auferido pelo devedor nos meses de outubro de 2021 a fevereiro de 2022; - Comprovativo do rendimento auferido pelo devedor nos meses de fevereiro de 2023; - Comprovativos do rendimento auferido pelo devedor nos meses de abril de 2023 a dezembro de 2023; - Demonstração da Liquidação do IRS de 2022 (comprovativos de entrega da declaração de rendimentos e respetiva nota de liquidação). o devedor deverá juntar o extrato de remunerações auferidas nos meses supra identificados. Este documento pode ser obtido no site da segurança social direta. Pelo exposto, não tendo o ora signatário sido informado corretamente pelo devedor da situação económica durante o período concedido com vista à exoneração do passivo restante, o Fiduciário desconhece se o mesmo cumpriu ou não as obrigações legais a que estava obrigado no período da cessão, nomeadamente, se auferiu ou não rendimentos de valor superior ao montante fixado para o seu sustento. Somente após a receção dos documentos em falta poderá o Administrador Judicial / Fiduciário apurar se existe uma dívida à fidúcia. Pelo exposto, salvo melhor opinião, o Administrador Judicial / Fiduciário é do entendimento que o devedor deverá entregar os documentos em falta. Caso tal situação não se verifique, deverá ser recusada a exoneração do passivo restante. Junta ainda comunicação remetida pelo Fiduciário à insolvente e demais credores, a dar conhecimento do relatório elaborado.
O Ministério Público, em 09-04-2024, requereu seja recusada a exoneração do passivo restante, caso o devedor, uma vez notificado para o efeito, não cumpra, entretanto, as obrigações em falta.
O credor Banco de (…) Internacional, S.A., em 23-04-2024, requereu se ordene a notificação do devedor para juntar aos autos os elementos em falta, sob a cominação da recusa da exoneração do passivo restante.
Notificados para o efeito, os demais credores e o devedor não se pronunciaram sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante.
Por despacho de 22-05-2024, foi determinado o seguinte: Tomei conhecimento da informação prestada pelo Sr. fiduciário, nos termos do art. 240.º, n.º 2, do CIRE. Com cópia da informação prestada pelo Sr. fiduciário, e bem assim dos requerimentos de 09-04-2024 e de 23-04-2024, notifique o insolvente, pessoalmente e na pessoa do Ilustre Mandatário, para, no prazo de 10 dias, informar o Tribunal e o fiduciário da sua situação laboral e dos seus rendimentos, com a advertência de que a falta de resposta é suscetível de determinar a cessação antecipada do procedimento de exoneração, com a consequente recusa da exoneração (artigo 243.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
Notificado, o devedor não veio aos autos emitir pronúncia, juntar qualquer elemento ou justificar tal omissão.
Por decisão de 08-11-2024, foi considerado findo o período da cessão do rendimento disponível e recusada a exoneração do passivo restante, nos termos seguintes: Pelo exposto, nos termos dos artigos 239.º, n.º 4, alínea a), 243.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 e 244.º, n.º 2, do CIRE, recuso a exoneração do passivo restante do devedor (…). Custas a atender em sede de processo de insolvência – artigo 303.º do CIRE. Registe e notifique, incluindo aos credores, procedendo-se ainda à publicitação e registo, tudo nos termos dos artigos 37.º e 38.º do CIRE – artigo 230.º, n.º 2, ex vi do artigo 247.º do CIRE.
***
Remeta certidão à Conservatória do Registo Civil competente, no prazo de 5 dias, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 38.º n.º 2, al. b) e n.º 8 do CIRE – artigo 230.º n.º 2, ex vi do artigo 247.º do CIRE.
Inconformado, o devedor interpôs recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e substituída por decisão que lhe conceda a exoneração do passivo restante, terminando as alegações com as conclusões que se transcrevem:
«A) O presente recurso vem interposto do despacho proferido em 08.11.2024 que recusou a exoneração do passivo restante do devedor (…),
B) Entendeu o Tribunal “a quo” que “o insolvente não forneceu no prazo que lhe foi fixado as informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações. Também não apresentou qualquer justificação para não ter prestado essas informações”
C) Recusando a exoneração do passivo restante nos termos do art.º 239º n.º 4 alínea a), art.º 243º n.º 1º alínea a) e n.º 3 e art.º 244º n.º 2 do CIRE.
D) Através do relatório apresentado pelo Sr. Fiduciário quanto ao último ano de cessão (05-04-2024), este informou que existiam diversos documentos em falta, nomeadamente: Comprovativos do rendimento auferido pelo devedor nos meses de outubro de 2021 a fevereiro de 2022; fevereiro de 2023; de abril de 2023 a dezembro de 2023; Demonstração da Liquidação do IRS de 2022; extrato de remunerações auferidas nos meses supra identificados:
E) Afirmando o Sr. Fiduciário que desconhece se o insolvente cumpriu ou não as obrigações legais a que estava obrigado no período da cessão, nomeadamente, se auferiu ou não rendimentos de valor superior ao montante fixado para o seu sustento.
F) Este relatório foi notificado ao insolvente, para se pronunciar nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 244.º, do CIRE, o insolvente foi notificado para informar da sua situação laboral e dos seus rendimentos, com a advertência de que a falta de resposta é suscetível de determinar a recusa da exoneração.
G) Porém, o insolvente entregou ao Sr. Fiduciário os comprovativos dos rendimentos auferidos, inclusivamente, o insolvente apresentou, também, o IRS de 2022 e a respetiva nota de liquidação, apenas não entregando relativamente aos meses em que esteve desempregado. - Cfr. Doc.º 1, 2, 3, 4 (email’s)
H) Não correspondendo, assim, à verdade que não tenha fornecido “as informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações. Também não apresentou qualquer justificação para não ter prestado essas informações”
I) O insolvente forneceu as informações necessárias para apurar se havia rendimentos a ceder à fidúcia e não prejudicou a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
J) A recusa da exoneração para efeitos do previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 243º está dependente da verificação de pressupostos objectivos – incumprimento pelo devedor de alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º e prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência em razão desse incumprimento – e subjectivos – dolo ou negligência grave do devedor.
K) A alínea a) do n.º 1 do artigo 243.º do CIRE prevê a situação de “O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;”
L) Não podemos olvidar que da decisão recorrida resulta que “Não se apurou assim se da violação da referida obrigação resultou prejuízo para a satisfação dos credores”
M) Não tendo o devedor prejudicado a satisfação dos créditos sobre a insolvência, não se verificam os requisitos cumulativos previstos no art.º 243º nº 1 al. a) do CIRE;
N) O Tribunal não dispõe de um poder discricionário de conceder, ou não, a exoneração, apenas podendo recusá-la nos casos em que se prove a verificação de uma das situações taxativamente elencadas no n.º 1 do artigo 243.º e que constituam fundamento para a cessação antecipada do procedimento.
O) Nem toda e qualquer violação das obrigações impostas ao insolvente como corolário da admissão liminar do pedido exoneração releva como causa de recusa do benefício: o artigo 243.º, n.º 1, al. a),
P) E no caso em apreço, como a se reconhece na decisão em crise “Não se apurou assim se da violação da referida obrigação resultou prejuízo para a satisfação dos credores”.
Q) Por outro lado, há que se atender ao princípio constitucional da proporcionalidade ou razoabilidade, afigurando-se excessivo recusar a exoneração do passivo.
R) A decisão recorrida violou os artigos 243º n.º 1 alínea a) e 244º n.º 2 do CIRE, o princípio constitucional da proporcionalidade ou razoabilidade
S) Deve, assim, o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido e substituindo-o por outro, a conceder ao insolvente (…) a exoneração do passivo restante, com as limitações legais decorrentes do consagrado no artigo 245.º do CIRE.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre decidir se é de conceder ou não a exoneração do passivo restante.
A título de questão prévia, cumpre ainda aferir da admissibilidade da junção dos documentos apresentados pelo apelante com as alegações de recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir
2. Fundamentos
2.1. Fundamentos de facto
A 1.ª instância considerou assentes os elementos seguintes:
1 - Em 05-02-2021 foi afixado na porta da morada fixada na sentença edital referente ao despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante, de onde consta designadamente: Sob pena de não lhe ser concedido, a final, o pedido de exoneração do passivo restante, durante este período de cinco anos, o devedor fica obrigado a (artigo 239.º, n.º 4, do CIRE): a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património, na forma e no prazo em que isso lhes seja requisitado; b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto; c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão; d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respetiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego; e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.
2 – Através do relatório [respeitante ao relatório] apresentado pelo Fiduciário quanto ao último ano de cessão (05-04-2024), este informou que existem diversos documentos em falta, nomeadamente: - Comprovativos do rendimento auferido pelo devedor nos meses de outubro de 2021 a fevereiro de 2022; - Comprovativo do rendimento auferido pelo devedor nos meses de fevereiro de 2023; - Comprovativos do rendimento auferido pelo devedor nos meses de abril de 2023 a dezembro de 2023; - Demonstração da Liquidação do IRS de 2022 (comprovativos de entrega da declaração de rendimentos e respetiva nota de liquidação); - extrato de remunerações auferidas nos meses supra identificados, pelo que o Fiduciário desconhece se o mesmo cumpriu ou não as obrigações legais a que estava obrigado no período da cessão, nomeadamente, se auferiu ou não rendimentos de valor superior ao montante fixado para o seu sustento.
3- O relatório acima referido foi notificado ao insolvente através do seu mandatário-
4- O devedor foi notificado em 08-04-2024 para se pronunciar nos termos e para os efeitos do disposto no art. 244.º, do CIRE.
5- Por despacho de 22-05-2024, notificado em 23-05-2024, pessoalmente e através do seu mandatário, o insolvente foi notificado para informar o Tribunal e o fiduciário da sua situação laboral e dos seus rendimentos, com a advertência de que a falta de resposta é suscetível de determinar a recusa da exoneração.
6 - Até à presente data, o insolvente nada disse ou requereu, nem comunicou a alteração da sua morada.
2.2. Admissibilidade da junção dos documentos apresentados com as alegações de recurso
Previamente à apreciação do objeto do recurso, importa decidir a questão da admissibilidade da junção de quatro documentos apresentados pelo apelante com as alegações de recurso.
No que respeita à junção de documentos em sede de recurso, dispõe o artigo 651.º, n.º 1, do CPC, que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. O mencionado artigo 425.º do mesmo Código, por seu turno, dispõe que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Da análise conjugada destes preceitos decorre que a junção de documentos em sede de recurso assume natureza excecional, só sendo admissível em duas situações: quando se trate de documentos cuja apresentação não tenha sido possível em momento anterior ou quando a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido. Tal regime impõe, à parte que pretenda proceder à junção de documentos na fase de recurso, o ónus de demonstrar que se verifica uma das situações em que a lei o permite.
O recorrente não apresenta fundamentação autónoma, destinada a justificar e legitimar a junção dos aludidos documentos, limitando-se a apresentá-los.
Não demonstrando o recorrente que se verifica qualquer das situações excecionais em que a lei permite a junção de documentos em fase de recurso, inexiste fundamento legal para admitir tal junção.
Nesta conformidade, cumpre rejeitar a junção dos documentos apresentados pelo apelante com as alegações de recurso.
2.3. Apreciação do objeto do recurso
Declarada a insolvência do recorrente (…), foi admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante pelo mesmo formulado, tendo-se determinado a entrega ao fiduciário nomeado do rendimento disponível que o devedor venha a auferir nos cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, com exclusão da quantia mensal equivalente à remuneração mínima mensal garantida – o que veio a ser alterado, fixando-se o valor correspondente a 1,6 vezes a remuneração mínima mensal garantida –, após o que se proferiu decisão de encerramento do processo para efeito do início do período de cessão do rendimento disponível, vindo posteriormente o processo a ser declarado encerrado por insuficiência da massa insolvente.
Considerado findo o período da cessão do rendimento disponível, o fiduciário apresentou relatório, comunicando a falta de entrega de diversos elementos pelo devedor – a saber: comprovativos dos rendimentos auferidos nos meses de outubro de 2021 a fevereiro de 2022, fevereiro de 2023 e abril de 2023 a dezembro de 2023, bem como demonstração da liquidação do IRS de 2022 – e informando que tal o impedia de apurar a existência de quantias em dívida à fidúcia, sustentando que deve ser recusada a exoneração do passivo restante caso o devedor não entregue os elementos em falta.
O Ministério Público e o credor Banco de (…) Internacional, S.A. requereram seja determinada a notificação do devedor para juntar aos autos os elementos em falta, sob a cominação de ser recusada a exoneração do passivo restante.
Por despacho de 22-05-2024, foi ordenada a notificação do devedor para, no prazo de 10 dias, informar o Tribunal e o fiduciário da sua situação laboral e dos seus rendimentos, com a advertência de que a falta de resposta é suscetível de determinar a cessação antecipada do procedimento de exoneração, com a consequente recusa da exoneração.
Notificado, o devedor não veio aos autos emitir pronúncia, juntar qualquer elemento ou justificar tal omissão.
Por decisão de 08-11-2024, foi recusada a exoneração do passivo restante, com fundamento na previsão dos artigos 244.º, n.º 2, 243.º, n.ºs 1, al. a), e 3, e 239.º, n.º 4, al. a), do CIRE, decisão cuja revogação vem peticionada na presente apelação.
Extrai-se da decisão recorrida, além do mais, o seguinte: Compulsada a factualidade apurada, verifica-se que o insolvente, notificado das obrigações decorrentes da admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante, não forneceu as informações solicitadas pelo Fiduciário, necessárias para apurar se haveria rendimentos a ceder à fidúcia, sendo que, notificado para esclarecer o que tivesse por conveniente ou proceder à junção dos indicados, nada disse. Também não o fez após notificação expressa do Tribunal. Acresce que, notificado pelo tribunal para se pronunciar quanto à recusa de exoneração, o insolvente nada disse. Em face do exposto é manifesto que o insolvente incumpriu, com grave negligência senão mesmo de forma dolosa, o dever de informar o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado, previsto na alínea a) do n.º 4 do artigo 239.º do CIRE. Apurada a violação de uma das obrigações previstas no artigo 239.º, importa aferir se por esse facto ficou prejudicada a satisfação dos créditos sobre a insolvência. Sucede que, devido à falta de colaboração do insolvente, não foi possível apurar se este teve rendimentos que permitiriam a entrega da quantia em falta, quantia que seria utilizada para o pagamento das dívidas da massa e dos credores. Não se apurou assim se da violação da referida obrigação resultou prejuízo para a satisfação dos credores. De modo a ultrapassar a dificuldade decorrente da falta de colaboração do insolvente, o legislador previu expressamente que “a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las” (artigo 243.º, n.º 3, 2.ª parte, do CIRE). Ora, apesar de expressamente notificado, o insolvente não forneceu no prazo que lhe foi fixado as informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações. Também não apresentou qualquer justificação para não ter prestado essas informações. Deste modo, mais não resta do que recusar a exoneração do passivo restante.
Discordando deste entendimento, o apelante sustenta que deve ser-lhe concedida a exoneração do passivo restante; alega, para o efeito, que, salvo quanto aos meses em que esteve desempregado, entregou ao fiduciário os comprovativos dos rendimentos auferidos, bem como a nota de liquidação do IRS de 2022; acrescenta que, constando da decisão recorrida que não se apurou ter o devedor, em resultado da violação das obrigações que lhe foram impostas, prejudicado a satisfação dos créditos sobre a insolvência, não se verificam os requisitos cumulativos previstos no artigo 243.º, n.º 1, al. a), do CIRE; concluiu que inexistem razões para não lhe ser concedida a exoneração do passivo restante.
Vejamos se lhe assiste razão.
No âmbito da insolvência de pessoas singulares, o CIRE estabeleceu a possibilidade de ser concedida ao devedor a exoneração dos créditos que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos – presentemente três anos, em resultado da alteração introduzida pela Lei 9/2022, de 11-01 – posteriores ao encerramento deste, de forma a permitir a sua reabilitação económica.
Com este regime da exoneração do passivo restante, o CIRE acolheu, conforme decorre do preâmbulo do diploma que o aprovou (DL n.º 53/2004, de 18-03), o princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência. No entanto, esta possibilidade de os devedores insolventes, verificados determinados requisitos e decorrido o período temporal fixado, se libertarem de algumas das suas dívidas, de forma a reiniciarem a sua vida económica, é conjugada com o princípio fundamental do ressarcimento dos credores, o qual impõe que o devedor permaneça, durante o período da cessão, adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos.
Encontrando-se, no caso presente, findo o período da cessão, cumpre apreciar se é de recusar a exoneração do passivo restante, como decidido pela 1.ª instância, ou se deverá ser concedida tal exoneração, conforme defende o apelante.
Relativamente à decisão final da exoneração, o artigo 244.º do citado código dispõe o seguinte:
1 - Não tendo havido lugar a cessação antecipada, ouvido o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência, o juiz decide, nos 10 dias subsequentes ao termo do período da cessão, sobre a respetiva prorrogação, nos termos previstos no artigo 242.º-A, ou sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor.
2 - A exoneração é recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente, nos termos do artigo anterior.
3 - Findo o prazo da prorrogação do período de cessão, se aplicável, o juiz decide sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante nos termos dos números anteriores.
Face ao estatuído no n.º 2 do citado preceito, cumpre atender ao artigo 243.º do CIRE, preceito que dispõe, além do mais, o seguinte: 1 - Antes ainda de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando: a) O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência; b) Se apure a existência de alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 238.º, se apenas tiver sido conhecida pelo requerente após o despacho inicial ou for de verificação superveniente; c) A decisão do incidente de qualificação da insolvência tiver concluído pela existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência. 2 – (…) 3 - Quando o requerimento se baseie nas alíneas a) e b) do n.º 1, o juiz deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de decidir a questão; a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las. (…).
Baseando-se a recusa da exoneração do passivo restante na previsão da alínea a) do n.º 4 do artigo 239.º, cumpre atender à redação do invocado preceito: 4 - Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a: a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado; (…).
Estando em causa a prolação da decisão final da exoneração após o termo do período da cessão, prevê o n.º 1 do artigo 244.º que sejam previamente ouvidos o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência, estabelecendo o n.º 2 do preceito que a exoneração é recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente, nos termos do artigo anterior.
O artigo 243.º, por seu turno, prevendo a possibilidade de cessação antecipada do procedimento de exoneração, sem que se mostrem satisfeitos os créditos sobre a insolvência, elenca nas alíneas a) a c) do n.º 1 as causas de recusa antecipada da exoneração e estabelece no n.º 3, segunda parte, que a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações.
Luís A. Carvalho Fernandes/João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 3.ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2015, págs. 869-870), em anotação ao citado artigo 244.º, explicam: «Preenchido o período de cessão, por não ter havido cessação antecipada do correspondente procedimento, o juiz, nos dez dias subsequentes, deve proferir um despacho decidindo pela concessão, ou não, da exoneração do passivo restante. (…) Antes de o emitir, o juiz tem de ouvir sobre o conteúdo dessa decisão o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência. (…) É este o regime contido no n.º 1. (…) O n.º 2 determina que o juiz decidirá no sentido de recusar a exoneração, pelos mesmos fundamentos e nos mesmos termos em que podia determinar a cessação antecipada do procedimento».
Em anotação ao artigo 243.º e reportando-se à segunda parte do n.º 3, os aludidos autores (ob. cit., pág. 868) afirmam: «A recusa da exoneração constitui, quando se verifiquem estas situações, uma sanção para o comportamento indevido do devedor».
É o que está em causa no caso presente, em que o devedor, não obstante notificado para o efeito, não juntou aos autos elementos considerados em falta e tidos por essenciais pelo fiduciário para apreciação do cumprimento da obrigação de entrega do rendimento disponível auferido durante o período da cessão.
No caso presente, por despacho de 21-01-2021, conforme decorre do respetivo segmento decisório transcrito no edital a que alude o ponto 1 de 2.1.1., o devedor ficou obrigado, durante o período da cessão, além do mais, a entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão, bem como a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património, na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado.
Assente que o devedor não cumpriu a obrigação prevista do artigo 239.º, n.º 4, al. a), 2.ª parte, do CIRE [Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a: a) (…) informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado], e encontrando-se findo o período da cessão, cumpre apreciar se é de recusar a exoneração do passivo restante, nos termos decididos pela 1.ª instância.
Conforme decorre do regime supra exposto, em sede de decisão final da exoneração, face ao estatuído no n.º 2 do artigo 244.º, deverá a exoneração ser recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente, nos termos do artigo 243.º, sendo que está em causa, no caso presente, a título principal, o fundamento de cessação antecipada do procedimento de exoneração previsto na segunda parte do n.º 3 deste preceito, na parte em que dispõe que a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações.
Nas alegações de recurso, o apelante baseia a solução que defende em factualidade que não se encontra provada, ao invocar a entrega ao fiduciário de parte dos elementos considerados em falta, sendo certo, porém, que não põe em causa a falta de cumprimento do despacho de 22-05-2024, que lhe fixou o prazo de 10 dias para informar o Tribunal e o fiduciário da sua situação laboral e dos seus rendimentos, o que não fez, designadamente quanto ao Tribunal, não justificando tal omissão.
Mais alega que, não se tendo apurado que, em resultado da violação das obrigações que lhe foram impostas, o devedor prejudicou a satisfação dos créditos sobre a insolvência, não se verificam os requisitos cumulativos previstos no artigo 243.º, n.º 1, al. a), do CIRE.
Quanto à causa de cessação antecipada do procedimento prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 243.º – o devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência –, esclarecem Luís A. Carvalho Fernandes/João Labareda (ob. cit., pág. 867) que se refere «a comportamentos do devedor, ocorridos no período de cessão, que envolvem violação dolosa ou com grave negligência das obrigações que lhe são impostas pelas alíneas do n.º 4 do art.º 239.º, desde que daí resulte prejuízo para a realização dos créditos sobre a insolvência».
Estando em causa o incumprimento pelo devedor das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º do CIRE, são dois os requisitos exigidos para a cessação antecipada do procedimento de exoneração, bem como para a recusa da exoneração do passivo restante, a saber: i) que a violação de tais obrigações ocorra dolosamente ou com grave negligência; ii) que esse facto prejudique a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
No caso presente, porém, o que está em causa é o não fornecimento pelo devedor, sem motivo razoável, no prazo que lhe foi fixado, de informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, comportamento que o n.º 3 do artigo 243.º sanciona sempre com a recusa da exoneração, conforme decidiu a 1.ª instância.
Em conclusão, mostram-se preenchidos os requisitos exigidos para a recusa da exoneração do passivo restante, pelo que cumpre julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Em conclusão: (…)
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
Évora, 30-01-2025 (Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Maria Domingas Simões (declaração de voto) (1.ª Adjunta)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (2.ª Adjunta)
Declaração de voto
Subscrevi como adjunta o acórdão proferido em 14/9/2023 (processo 213/16.3 T8STR.E1, acessível em www.dgsi.pt), no qual, tal como aqui, se questionava se a violação da obrigação de colaboração “funciona de forma automática e dispensa os requisitos de culpa e prejuízo exigidos para os demais institutos relacionados com o indeferimento liminar, cessação antecipada ou recusa de exoneração do passivo”.
Ponderou-se naquele aresto que, verificado embora o incumprimento pela devedora recorrente do dever de informação que sobre ela impendia, a recusa da exoneração do passivo restante naquela precisa situação dependia ainda da verificação dos mesmos fundamentos e encontrava-se subordinada aos mesmos requisitos previstos no artigo 243.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas pelos quais poderia ter cessado antecipadamente, exigindo pois, o preenchimento do elemento subjectivo do tipo, ou seja, que o devedor insolvente tivesse actuado com dolo ou culpa grave, prejudicando por esse facto os credores.
Acrescentou-se então que “a gravidade das consequências para o devedor da revogação ou da recusa da exoneração – com a consequente vinculação à satisfação integral de todos os créditos sobre a insolvência – impõe, por aplicação do princípio de proporcionalidade ou razoabilidade, que aquela extinção só possa fundamentar-se numa conduta dolosa ou com culpa grave do devedor que seja causa de um dano para os seus credores, objectivamente imputável àquela conduta, mesmo quando o fundamento jurídico da decisão esteja indexado à violação do dever de colaboração devido” (é meu o destaque em itálico).
Pois bem, considerando que é de exigir que a conduta do devedor insolvente que viola o seu dever de colaboração/informação seja qualificada pela verificação de dolo ou negligência grave, afigura-se-me, na linha do entendimento perfilhado no presente acórdão, que não constitui já requisito da recusa o apuramento de um efectivo prejuízo para os credores que tenha naquela conduta a sua causa.
Melhor ponderada a questão, não posso deixar de ser sensível ao argumento, adoptado no acórdão do TRL de 23/02/2021 (processo 911/15.9T8BRR.L1-6) e reiterado no acórdão do mesmo TRL de 18/4/2023 (processo 2417/20.5T8BRR.L1-1), no sentido de que, a não ser dispensada a demonstração do prejuízo económico para os credores, a omissão de informações redundaria num benefício para os insolventes: “bastava nada dizer ou informar e, já agora, nenhum rendimento entregar, para que não se pudesse concluir pela verificação de todos os requisitos para a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante, uma vez que não seria possível averiguar do concreto prejuízo para os credores.”
Estando em causa um dever decorrente da mais elementar boa fé -boa fé do devedor, a impor a adopção por este de uma conduta proba e transparente, que é pressuposto inalienável da concessão do considerável benefício que representa a exoneração do passivo restante- entendo, revendo anterior posição, que “a conduta dolosa ou gravemente negligente apenas terá que ser aferida em relação à própria recusa de colaboração do exonerando, cometendo a este o ónus de alegar um motivo razoável para o não fornecimento das informações ou para o não comparecimento. Porque, na verdade é esta conduta omissiva do devedor que impede que se averigue, sequer, a existência de [outros] incumprimentos.”.
Porque os factos apurados evidenciam que o apelante não prestou a colaboração devida ao Sr. AI, negando a prestação de informação que lhe foi solicitada mesmo quando interpelado pelo tribunal e advertido das previsíveis consequências para a omissão, assim impedindo que se apurasse o prejuízo decorrente de eventual violação do dever de entrega, está em causa uma conduta, se não dolosa, pelo menos grosseiramente negligente. Deste modo, não exigindo a previsão do artigo 243.º, n.os 1, alínea a) e 3, do CIRE a demonstração de um efectivo prejuízo para os credores, a decisão recorrida só podia ser, como foi, confirmada.