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PRESCRIÇÃO
ÓNUS DA PROVA
FACTO EXTINTIVO
Sumário
I – Estando em causa um facto extintivo do direito invocado pela autora, o qual foi alegado pelo réu no âmbito da exceção de prescrição que arguiu na contestação, cabe-lhe o ónus da respetiva prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do CC, sendo certo que a dúvida sobre a realidade de um facto se resolve contra a parte a quem o facto aproveita, conforme princípio estatuído no artigo 414.º do CPC; II – A improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto importa se considere prejudicada a apreciação da questão de direito suscitada na apelação, se a solução que o recorrente defende para o litígio assenta na rejeitada alteração da factualidade provada. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 426/22.9T8CTX.E1
Juízo de Competência Genérica do Cartaxo
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
Zurich Europe AG – Sucursal em Portugal intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra (…), pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 5.376,57, acrescida de juros de mora à taxa legal, contabilizados desde a citação até integral pagamento.
A autora peticiona a aludida quantia como reembolso do montante que alega ter pago, a título de indemnização pelos danos resultantes de acidente de viação que descreve, ocorrido no dia 09-07-2019, pelas 17h08, na Estrada Nacional n.º 3, em (…), no qual o veículo de matrícula (…) – relativamente ao qual havia assumido, por contrato de seguro, a responsabilidade civil emergente de danos causados a terceiros –, conduzido pelo réu, embateu no veículo de matrícula (…), no contexto que descreve, causando-lhe danos, cabendo ao réu a culpa exclusiva na produção do embate; mais alega que, aquando da ocorrência do embate, o réu apresentava uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,205 g/l; acrescenta que, à data do embate, o veículo de matrícula (…) se encontrava segurado pela seguradora que identifica que, na sequência de participação do acidente, procedeu diretamente à indemnização dos danos dele decorrentes, em cumprimento de protocolo existente entre ambas as seguradoras, tendo a autora reembolsando em 10-02-2022 a respetiva congénere dos custos por esta suportados, como tudo melhor consta da petição inicial.
O réu contestou, defendendo-se por exceção – sustentando que o pagamento invocado pela autora ocorreu em 22-08-2019 e arguindo a prescrição do direito a exigir o reembolso do montante pago – e por impugnação.
Convidada a exercer o contraditório quanto à matéria de exceção deduzida na contestação, a autora apresentou articulado de resposta.
Notificada para o efeito, a autora alterou a numeração de documentos apresentados com a petição inicial, na sequência do que corrigiu a data que indicara como sendo a do pagamento que alega ter efetuado, invocando lapso e sustentando que procedeu a tal pagamento no dia 11-12-2019, retificação que foi admitida por despacho de 06-03-2024.
Dispensada a realização de audiência prévia, foi fixado o valor à causa e proferido despacho saneador, após o que se identificou o objeto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual se considerou não verificada a exceção de prescrição e se julgou procedente a ação, decidindo-se o seguinte: Pelo exposto, julgo a presente ação procedente, por provada, e, em consequência, decido: a) Julgar não verificada a exceção de prescrição do direito da Autora; b) Condenar o Réu (…) a pagar à Autora Zurich Public Limited Company - Sucursal em Portugal a quantia de € 5.376,57 (cinco mil, trezentos e setenta e seis euros e cinquenta e sete cêntimos), quantia a que acrescem juros de mora à taxa legal desde citação até ao pagamento efetivo e integral. c) Condenar o Réu no pagamento das custas processuais. Registe e notifique.
Inconformado, o réu interpôs recurso da sentença, pugnando pela respetiva revogação e substituição por decisão que considere verificada a exceção de prescrição e o absolva do pedido formulado, terminando as alegações com a dedução das conclusões que a seguir se transcrevem:
«I- A Acção declarativa de condenação, foi instaurada em 21-09-2022 pela Autora Zurich Public Limited Company - Sucursal em Portugal, peticionando que o R, e ora Recorrente, seja condenado no pagamento da quantia de pagamento de € 5.376,57 (cinco mil e trezentos e setenta e seis euros e cinquenta e sete cêntimos), acrescido de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.
II- O Réu, ora Recorrente, apresentou contestação, na qual se defende por exceção, invocando a prescrição do direito da Autora.
III- Foi fixado como objeto do litígio:
a) o direito da Autora se encontra prescrito;
b) o Réu deve ser condenado a reembolsar àquela a quantia peticionada.
IV- Produzida a prova o tribunal a quo deu como provado o seguinte facto:
14 – A 11.12.2019 a Autora procedeu ao reembolso à Fidelidade da quantia de € 5.363,57.
V- Salvo o devido respeito, foi dado como provado o facto 14, com fundamentos contraditórios que prejudicaram a apreciação e decisão quanto à exceção da prescrição invocada pelo R na sua contestação.
VI- Ora, o tribunal a quo firmou a sua convicção quanto ao facto provado em 14 em função da prova documental junto aos autos: “pagamento da Autora à Fidelidade, no âmbito do protocolo CIDS existente entre seguradoras, encontra-se demonstrado por documento (documento n.º 6 junto pela Autora - com melhor visualização no requerimento de 20.02.2024), bem como pela testemunha (…), profissional de seguros que exerce funções na Autora, no departamento de reembolsos” – cfr. douta sentença, mais concretamente página 8, último parágrafo“.
VII- Acrescenta ainda que: ”Ora, in casu, do documento interno da Autora resulta que foi feito um reembolso à Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., a 11.12.2019, pelo valor de € 5.363,57 (respeitando € 5.000,00 à reparação, € 363,57 à imobilização e € 15,00 a custos de gestão)” – vide douta sentença, pág. 9, 2º parágrafo.
VIII- Mais, refere: “que a testemunha indicou que o pagamento se processou em Agosto de 2019. Não ficamos realmente convictos que assim teria sido, parecendo-nos na verdade que a testemunha estava a indicar tal data por referência ao pagamento efetuado pela Fidelidade à oficina, sendo o recibo de tal pagamento datado de 22.08.2024, não sendo sequer crível que a congénere tenha remetido todos os documentos relativos ao reembolso (que não passa apenas pela reparação, mas também pelas despesas decorrentes da disponibilização de veículo de substituição – o que consta do documento da Autora e foi confirmado por José Oliveira Conceição) e tenha sido efetuado o pagamento por acerto nesse mesmo mês”, vide sentença, página 9, 4º parágrafo.
IX- E desta análise, considera o tribunal a quo que o pagamento ocorreu em 11/12/2019, e não em Agosto de 2019, conforme declarações prestadas pela testemunha (…), testemunha indicada pela Autora.
X- Ora, salvo o devido respeito, não parece que merece acolhimento o resultado da análise da prova documental e da testemunhal, simplesmente pelo fato de ambas se encontrarem em contradição, e a valorização dada pelo tribunal dado à prova documental em detrimento da prova testemunhal não tem cabimento.
XI- O doc. 6 que sustenta o fato 14 como provado, é um documento interno do banco, podendo facilmente, nele ser inserido informações e datas que não correspondem à realidade.
XII- Aliás, se analisarmos o dito doc. 6, o mesmo só foi criado (produzido) em sistema em 6/6/2022, mais de 6 meses, após a data indicada pela Autora como tendo sido a data do pagamento à Seguradora Fidelidade.
XIII- Da análise do doc. 6, verifica-se que à frente da data 11/12/2009, tem uma referência (PTZURPIS; PTZURACO) que se pressuponha que seja o número do documento emitido.
XIV- Um print de um programa interno de faturação da A, não é um documento idóneo, que com toda a segurança se possa aferir da sua veracidade.
XV- A Autora podia juntar comparativo de pagamento, fosse transferência ou cheque e não o fez.
XVI- Optou por indicar este print como comprovante da data da realização do pagamento.
XVII- O ora Recorrente, sem sede de contestação, impugnou a sua autenticidade e idoneidade, pois não ser documento autêntico ou autenticado.
XVIII- Não se compreende, é como o tribunal a quo ao ouvir as declarações prestadas pelo técnico de seguro (…), e reconhecimento que o mesmo menciona que por este foi declarado que o pagamento realizado foi em Agosto de 2019, ainda assim, pretende fazer crer, que o que a testemunha referiu foi um lapso e que confundiu a data do reembolso /pagamento à outra companhia de seguros.
XIX- Em sede de declarações, mais do que uma vez, foi perguntado à testemunha (…), quando foi feito o pagamento à seguradora, e referido que “o pagamento foi feita pela Zurich à Fidelidade em Agosto de 2019 (cfr. declarações gravadas via habilus – 36:45 a 37:30 – Alerta-se que as declarações da testemunha … encontram-se apensadas às declarações da testemunha anterior … - pelo menos foi desta forma que as gravações foram disponibilizadas na plataforma citius, INICIO: 11:13H TERMO:12:01H).
XX- Na continuação das suas declarações prestadas foi novamente reforçada pelo Recorrente, em que data efetivamente ocorreu o pagamento, e em que valores e pelo mesmo voltou a ser declarado a data de Agosto de 2019, pela testemunha … (cfr. declarações gravadas via habilus – 46:50 a 47:28 – Alerta-se que as declarações da testemunha … encontram-se apensadas às declarações da testemunha anterior … – pelo menos foi desta forma que as gravações foram disponibilizadas na plataforma citius, INICIO: 11:13H TERMO:12:01H).
XXI- Ora, não parece que o lapso de interpretação invocado pelo douto tribunal para considerar como provado que o pagamento realizado pela Autora à Fidelidade tenha ocorrido em 11/12/2019, tal lapso ocorrer-se mais do que uma vez, até porque estamos a falar de declarações prestadas por técnico de seguros, que tem conhecimentos sólidos sobre as perguntas que lhe estavam a ser feitas a margem de má interpretação é praticamente nulo.
XXII- Desta forma andou mal o tribunal a quo ao considerar como provado que o pagamento realizado pela Autora à Fidelidade ocorreu eu 11/12/2019, quando na realidade ocorreu sem margem de dúvida em Agosto de 2019.
XXIII- Tendo o pagamento ocorrido em Agosto de 2019, significa isto, que também decidiu mal ao considerar não verificada a exceção da perentória da prescrição invocada pela pelo ora Recorrente, e a qual não colheu provimento por o douto tribunal entender que o pagamento ocorrera em 11/12/2019.
XXIV- O prazo de prescrição para o exercício do direito de regresso da seguradora ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto é de 3 anos, contados a partir do cumprimento da obrigação, nos termos do artigo 498.º, n.º 2, do Código Civil.
XXV- Assim, a referida ação ao ser instaurada em 21/9/2022, quando o cumprimento da obrigação ocorreu em Agosto de 2019, a Autora teria se invocar o seu direito de regresso até 31/08/2022, o que não aconteceu.
XXVI- Desta forma e salvo melhor entendimento, parece ao Recorrente, que o direito da A já se encontra prescrito, e consequentemente qualquer direito referente a tal obrigação, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 402.º e 404.º do Código Civil).
XXVII- Verificada a prescrição, o seu beneficiário, neste caso o Recorrente, tem a faculdade de, licitamente, recusar a prestação a que estava adstrito, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 304.º, n.º 1, do Código Civil.
XXVIII- Verificando-se a exceção perentória de prescrição, que determina a absolvição do pedido, nos termos do artigo 576.º, n.º 3, do CPC.
XXIX- E Esta tem sido a posição da jurisprudência: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra – processo n.º 644/10.2TBCBR-A.C; Relator: Henrique Antunes, in https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/30164ffc25ccea18802579990053ccfe?OpenDocument: “VII - Por sua vez, o direito de regresso deve ser exercido em prazo igual ao previsto para o exercício do direito de indemnização, com uma diferença sensível: o prazo conta-se, agora, da data do cumprimento da obrigação (artigo 498.º, n.º 2, do Código Civil). VIII - O direito de regresso do segurador que tiver satisfeito a indemnização ao lesado não beneficia do maior prazo disponibilizado ou assinado na lei para a prescrição do procedimento criminal. IX - Aquele prazo de prescrição é, portanto, e sempre, de apenas 3 anos, contados do cumprimento da obrigação de indemnização que, por força do contrato de seguro, vincula o segurador. X - No tocante ao direito de regresso entre responsáveis, é nítida a orientação pelo sistema objectivo: o prazo prescricional conta-se do cumprimento da obrigação de indemnização (artigo 498.º, n.º 2, do Código Civil).”
XXX- Assim, a prescrição consubstancia uma exceção perentória, nos termos do artigo 571.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, que implica a absolvição do pedido, nem tendo a Autora direito de regresso sobre o valor peticionado de € 5.363.57.»
A autora apresentou contra-alegações, pronunciando-se no sentido da manutenção do decidido.
Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- do decurso do prazo de prescrição.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
2. Fundamentos
2.1. Decisão de facto
2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1 – A Autora exerce a atividade de seguros.
2 – No exercício da sua atividade comercial, a Autora celebrou com o Réu um contrato de seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º (…),
3 – (…) através do qual foi transferida a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo automóvel com a matrícula (…).
4 – No dia 09.07.2019, pelas 17:08 horas, o veículo referido em 3 circulava na Estrada Nacional n.º 3, em (…), no sentido … /Cartaxo.
5 – (…) à sua frente, no mesmo sentido, circulava o veículo da marca Mercedes, com a matrícula (…).
6 – Ao chegar ao entroncamento existente no Km 26,100, um veículo que circulava à frente do veículo referido em 5, sinalizou a intenção de virar à esquerda e imobilizou o veículo junto ao eixo da via.
7 – (…) tendo o condutor do veículo referido em 5 travado e imobilizado o seu veículo, enquanto aguardava que o veículo terceiro virasse à esquerda.
8 – Momentos depois foi embatido, na traseira, pelo veículo referido em 3, conduzido nesse momento pelo Réu, que era portador de uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,205 g/l, correspondente à TAS de 1,31 g/l deduzido o valor do erro máximo admissível.
9 – O Réu apenas se apercebeu que o veículo referido em 5 estava imobilizado, já perto deste, não conseguindo travar.
10 – A Estrada Nacional n.º 3 é naquele local constituída por uma via de trânsito em cada sentido, sendo uma reta, com boa visibilidade.
11 – Nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas, estava bom tempo.
12 – O veículo referido em 5, ficou com danos na traseira.
13 – O veículo referido em 5, encontrava-se, à data do embate, seguro na Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., que procedeu à peritagem dos danos e à sua reparação pelo valor de € 8.361,13, no âmbito do protocolo/convenção CIDS – Condições Especiais de Indemnização Direta ao Segurado.
14 – A 11.12.2019 a Autora procedeu ao reembolso à Fidelidade da quantia de e 5.363,57.
15 – A Autora interpelou o Réu para que procedesse ao pagamento da quantia referida em 14, mas este nada pagou.
2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
a) O veículo identificado em 5 ficou com danos na parte frontal.
2.2. Apreciação do objeto do recurso
2.2.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
O recorrente põe em causa a decisão sobre a matéria de facto incluída na sentença recorrida, defendendo a modificação da redação do facto julgado provado sob o ponto 14.
Sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, dispõe o artigo 662.º do Código de Processo Civil, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Esta reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve, de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição, ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado na 1.ª instância, o que importa a apreciação da prova produzida, com vista a permitir à Relação formar a sua própria convicção.
No caso presente, cumpre reapreciar a decisão proferida pela 1.ª instância, no que respeita ao ponto da matéria de facto impugnado pelo recorrente, com vista a apurar se, face à prova produzida, deve ser modificada a respetiva redação.
O facto julgado provado sob o ponto 14 tem a redação seguinte: A 11.12.2019 a Autora procedeu ao reembolso à Fidelidade da quantia de € 5.363,57.
O apelante defende se modifique tal redação, no que respeita à data em que a autora procedeu ao reembolso em causa, fazendo-se constar que tal ocorreu em Agosto de 2019.
Extrai-se da fundamentação da decisão de facto constante da sentença recorrida que o indicado ponto foi julgado provado pelos motivos seguintes: (…) resta esclarecer que o pagamento da Autora à Fidelidade, no âmbito do protocolo CIDS existente entre seguradoras, encontra-se demonstrado por documento (documento n.º 6 junto pela Autora - com melhor visualização no requerimento de 20.02.2024), bem como pela testemunha (…), profissional de seguros que exerce funções na Autora, no departamento de reembolsos. Esta testemunha explicou que sendo o sinistro regularizado no âmbito do IDS ou CIDS, é a própria seguradora do veículo não culpado pelo sinistro que regulariza tais danos, sendo depois reembolsada pela seguradora do veículo que deu causa ao sinistro (sendo certo que tal reembolso se faz por um valor decorrente de uma tabela que vai sendo alterada, não correspondendo exatamente ao valor despendido pela seguradora que regularizou o sinistro). Ora, in casu, do documento interno da Autora resulta que foi feito um reembolso à Fidelidade- Companhia de Seguros, S.A., a 11.12.2019, pelo valor de € 5.363,57 (respeitando € 5.000,00 à reparação, € 363,57 à imobilização e € 15,00 a custos de gestão). É certo que a testemunha indicou que o pagamento se processou em Agosto de 2019. Não ficamos realmente convictos que assim teria sido, parecendo-nos na verdade que a testemunha estava a indicar tal data por referência ao pagamento efetuado pela Fidelidade à oficina, sendo o recibo de tal pagamento datado de 22.08.2024, não sendo sequer crível que a congénere tenha remetido todos os documentos relativos ao reembolso (que não passa apenas pela reparação, mas também pelas despesas decorrentes da disponibilização de veículo de substituição – o que consta do documento da Autora e foi confirmado por …) e tenha sido efetuado o pagamento por acerto nesse mesmo mês. Assim, deu-se como provado que o pagamento ocorreu na data indicada no doc. 6 junto pela Autora.
Discordando deste entendimento, o apelante sustenta que os dois elementos probatórios tidos em conta pela 1.ª instância – o documento junto aos autos com a petição inicial como doc. 6 e o depoimento prestado pela testemunha (…) – se encontram em contradição entre si, no que respeita à data do pagamento efetuado pela autora à seguradora Fidelidade.
Afirma o apelante que o documento tido em conta pela 1.ª instância configura uma impressão extraída de um programa interno de faturação da autora, o qual só foi criado em sistema no dia 06-06-2022, mais de seis meses após a data indicada pela autora como sendo a do pagamento à seguradora Fidelidade, não consistindo num documento idóneo para efeitos da demonstração da data da realização de tal pagamento; mais alega que decorre do depoimento da testemunha (…) que tal pagamento foi efetuado em Agosto de 2019, depoimento que assume credibilidade, dado que a testemunha é técnico de seguros e tem conhecimentos sólidos sobre a matéria relativamente à qual depôs.
Defende o apelante que a autora podia ter procedido à junção aos autos do comprovativo do pagamento que efetuou, fosse transferência bancária ou cheque, o que não fez, apesar de se encontrar impugnada a data da realização de tal pagamento, bem como a autenticidade e a idoneidade para o efeito do doc. 6 junto aos autos com a petição inicial.
Foram reapreciados os elementos probatórios tidos em conta pela 1ª instância na decisão do ponto de facto impugnado, conforme requerido pelo apelante, não se vislumbrando que os mesmos imponham decisão diversa da proferida.
A testemunha (…), funcionário da seguradora autora, com funções designadamente na área de reembolsos, esclareceu que os reembolsos entre seguradoras são habitualmente efetuados através de uma câmara de compensação, afirmando que o reembolso em causa foi efetuado em Agosto de 2019; no entanto, não decorre do respetivo depoimento a razão de ciência que baseia tal afirmação, a qual não se mostra apoiada em qualquer outro elemento probatório.
O documento junto aos autos pela autora como doc. 6, por seu turno, configura, efetivamente, um documento elaborado por um programa interno da autora, do qual consta que o reembolso foi efetuado em 11-12-2019, elemento que se mostra desacompanhado de qualquer outro meio de prova relativo à data de tal pagamento.
A análise conjugada destes elementos não permite aferir, com segurança, se o pagamento foi efetuado em data anterior a 11-12-2019, nomeadamente em Agosto de 2019, conforme alegado pelo apelante, não impondo a prolação de decisão diversa da proferida.
Perante a ausência de prova bastante da realidade do aludido facto – que o pagamento tenha sido efetuado em Agosto de 2019 –, verifica-se que a apreciação da questão suscitada na apelação importa se determine a quem cabe, de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, provar o facto em causa, bem como as consequências decorrentes da falta de prova bastante pela parte a tal onerada.
O facto em causa integra-se na matéria alegada pelo réu no âmbito da exceção de prescrição que arguiu na contestação. Analisando o aludido articulado, verifica-se que o facto em apreciação constitui um elemento integrador da exceção de prescrição arguida pelo réu, assim se tratando de um facto extintivo do direito invocado pela autora nos presentes autos.
Tratando-se de um facto extintivo do direito invocado pela autora, cabe ao réu, contra quem tal invocação é feita, o ónus da respetiva prova, conforme regra constante do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil – a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita –, sendo certo que a dúvida sobre a realidade de um facto se resolve contra a parte a quem o facto aproveita, conforme princípio estatuído no artigo 414.º do Código de Processo Civil.
Em anotação ao artigo 342.º do Código Civil, explica José Lebre de Freitas (CÓDIGO CIVIL: Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 421) o seguinte: “A dúvida insanável sobre a realidade dos factos resolve-se mediante regras de distribuição do ónus da prova entre os sujeitos de direito civil com interesse na decisão, das quais resulta a imputação a um deles das consequências negativas da falta de prova (v. 414.º do CPC)”. Em anotação ao artigo 414.º do CPCivil, esclarecem José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 215) que “a dúvida do julgador sobre a ocorrência de um facto equivale à falta de prova desse facto, pelo que resulta em desvantagem para a parte que tinha o ónus de o provar”.
No caso presente, não estando em causa qualquer situação em que ocorra a inversão do ónus da prova, nem tal tendo sido invocado pelo apelante, competindo-lhe o ónus da prova do facto em apreciação e não tendo sido produzida prova suficiente da realidade do mesmo, tal impede se considere provado que o pagamento foi efetuado em Agosto de 2019, devendo considerar-se que a mera dúvida sobre a verificação do facto deverá ser decidida contra a parte onerada com a respetiva prova, no caso, contra o réu.
Improcede, assim, a impugnação da decisão de facto deduzida pelo apelante.
2.2.2. Decurso do prazo de prescrição
Está em causa, no presente recurso, a prescrição do direito de ser a autora reembolsada pelo réu do montante que despendeu com o pagamento à Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. dos custos por esta suportados com a indemnização dos danos decorrentes do embate descrito nos pontos 4 a 11.
O apelante discorda da decisão proferida pela 1.ª instância, na parte em que foi considerada não verificada a exceção de prescrição deduzida na contestação, pugnando na presente apelação no sentido da procedência da exceção arguida e da consequente improcedência do pedido formulado pela autora.
Verifica-se, porém, que a solução que o recorrente defende para o litígio assenta, exclusivamente, na modificação da decisão de facto, no sentido da alteração da data do pagamento a que alude o ponto 14, consignando-se que ocorreu em Agosto de 2019.
A improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto deduzida pelo réu, com a consequente não modificação do ponto 14 da factualidade julgada provada, importa se considere prejudicada a apreciação da questão de direito pelo mesmo suscitada, dado que a solução que preconiza se baseia na indicada modificação da factualidade assente.
Verificando que o apelante não defende qualquer alteração da decisão proferida a apreciar no pressuposto da não modificação desta matéria de facto, cumpre concluir que a improcedência da impugnação da decisão de facto prejudica a apreciação da questão de direito suscitada pelo réu na apelação.
Nesta conformidade, improcede totalmente a apelação.
Em conclusão: (…)
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
Évora, 30-01-2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
José Manuel Tomé de Carvalho (1.º Adjunto)
José Saruga Martins (2.º Adjunto)