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ORGÃO SOCIAL
SUSPENSÃO DOS CORPOS GERENTES
DESTITUIÇÃO DE GERENTE DE SOCIEDADE COMERCIAL
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
Sumário
I. A ação de suspensão ou destituição de titulares de órgãos sociais, prevista no artigo 1055.º do Código de Processo Civil (CPC), segue uma forma de processo especial em que é possível pedir, em simultâneo, a suspensão cautelar e a destituição definitiva do cargo. II. De acordo com o n.º 2 do referido artigo 1055.º, o pedido de suspensão do cargo, que consubstancia uma medida cautelar, deve ser decidido imediatamente, após a realização das diligências necessárias, ou seja, sem aguardar a decisão sobre a pretensão principal (a destituição de titular de cargo, que será apreciada a final) e como regime-regra, sem audição prévia do requerido,. III. No entanto, porque se trata de um processo de jurisdição voluntária, sujeito a critérios de conveniência e oportunidade, não está excluída a possibilidade de o Tribunal determinar a citação prévia do requerido (à decisão cautelar), caso entenda conveniente considerando as particularidades do caso. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo Local Cível de Évora – Juiz 1
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SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…)
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório:
(…) e (…) intentaram ação especial de suspensão e destituição de titular de órgão social contra (…), Agricultura e Pecuária, Unipessoal, Lda., pedindo, para além do além do mais, que, a título cautelar e sem audição da requerida, seja o gerente (…) suspenso de funções e nomeado gerente provisório daquela sociedade (…).
Para o efeito e, em suma, alegam que:
- A sociedade requerida foi constituída no dia 10.08.2009, com o capital social de € 5.000,00, tendo por objeto comercial a “produção agrícola animal e florestal” (ovinos) e como sócia única (…).
- Esta sócia faleceu no dia 13.09.2022.
- Por testamento outorgado no dia 19.02.2016, a sócia (…) instituiu únicos e universais herdeiros de todos os bens e direitos que integrassem o remanescente da sua herança, incluindo a sua quota na referida sociedade:
- … - 51%;
- … (sobrinha-neta), ora autora - 20%;
- … (sobrinho-neto), ora autor - 20%;
- … - 4,5%;
- … - 4,5%.
- No dia 03.01.2023, foi registada a transmissão da quota da sócia (…), no valor de € 5.000,00, correspondente a 100% do capital social da sociedade (…), Agricultura e Pecuária, Unipessoal, Lda., a favor dos seus únicos e universais herdeiros acima indicados (em comum e sem determinação de parte ou direito).
- As funções de gerente da sociedade (…), Agricultura e Pecuária, Unipessoal, Lda. foram exercidas, desde a data da sua constituição, de facto e de direito, por (…) e (apenas de direito) pela sócia (…).
- No dia 08.09.2017, (…), porque havia pedido, em 2016 (com 54 anos), a reforma por invalidez, renunciou às suas funções de gerente da sociedade.
- Nesse mesmo dia, (…), filho de (…), foi designado gerente desta sociedade.
- Desta forma,(…) continuou a controlar, por intermédio do seu filho, a gestão de facto desta sociedade.
- (…) tem (a mando do pai) vindo a dispor do património da ré como se fosse próprio, sem prosseguir o interesse social ou benéfico para a sociedade; confundindo os destinos e fins da ré com os seus próprios interesses (e com os do seu pai), logrou obter um incremento patrimonial ilícito à custa da sociedade, ao qual sabia não ter direito, tendo enriquecido (inexplicavelmente) o seu património, de modo incompatível com os rendimentos que auferia (ou seja, do trabalho dependente e, no caso de …, da reforma).
- Com as suas condutas, causou deliberadamente prejuízos aos interesses patrimoniais da ré, os quais, somente nos anos de 2019, 2020 e 2021, correspondem a, pelo menos, € 79.245,72.
- (…), passados quatro meses do prazo que dispunha para o efeito, ainda não convocou, como lhe competia (à luz do disposto nos artigos 65.º e seguintes do CSC), a assembleia geral de sócios para aprovação anual das contas da ré de 2023.
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Na sequência do despacho de 21-10-2024, em que foi determinada a notificação dos Requerentes para, no prazo de 10 dias, deduzirem o incidente de intervenção nos autos, como associado da requerida sociedade, do gerente (…), sob pena de extinção da instância por preterição do litisconsórcio necessário, os requerentes pediram a intervenção principal provocada do referido gerente da Ré, para, ao abrigo do disposto nos artigos 316.º e seguintes do CPC, intervir no presente processo como associado da Ré.
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Após, foi proferida decisão que:
a) Indeferiu a requerida dispensa de audição prévia dos ora requeridos;
b) Determinou que, após trânsito do decidido em a), se procedesse à citação dos requeridos (…), Agricultura e Pecuária, Unipessoal, Lda. e (…), este na qualidade de gerente daquela sociedade, para, no prazo legal, deduzirem oposição, quer quanto à ação quer quanto ao deduzido incidente de intervenção.
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Os requerentes inconformados com o assim decidido interpuseram o presente recurso, finalizando as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões:
A. Constitui objeto do recurso a Decisão que (i) indeferiu a dispensa de audição prévia dos Requeridos e (ii) determinou que, após o trânsito em julgado daquela decisão, se proceda à citação dos mesmos para deduzirem oposição (quer quanto à ação, quer quanto ao incidente de intervenção principal provocada).
B. Entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo não apreciou corretamente a matéria de facto alegada, nem tão-pouco valorou devidamente a prova documental junta aos autos.
C. A suspensão judicial do cargo de gerente não depende da demonstração do periculum in mora, sendo suficiente, para o efeito, a alegação de factos que revelem a existência de justa causa para a destituição (vide, neste sentido, entre outros, o Ac. da Relação de Coimbra (Maria Catarina Gonçalves), de 12.07.2022, proc. n.º 1634/22.8T8VIS.C1); e a matéria de facto alegada, conjugada com a prova documental junta aos autos, impunha ao Tribunal a quo decidir favorável e cautelarmente (imediatamente) o pedido de suspensão.
D. As condutas praticadas pelo gerente (…) em representação da sociedade, descritas com detalhe na petição inicial, além de suscetíveis de constituir o mesmo em responsabilidade, inclusive criminal, revelam, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 64.º, n.º 1 e 257.º, n.ºs 4 e 6, do CSC, uma grave violação dos deveres de gerente (deveres de cuidado e de lealdade) e, no mínimo, a sua manifesta incapacidade para o exercício normal das respetivas funções.
E. O Tribunal a quo desconsiderou diversos factos alegados pelos Recorrentes, designadamente o facto de o gerente (…), passados seis meses do prazo que dispunha para o efeito, não ter convocado, como lhe competia (à luz do disposto nos artigos 65.º e seguintes do CSC), a Assembleia Geral de sócios para aprovação anual das contas da Ré de 2023.
F. Esta omissão configura, por si só (pela sua gravidade), justa causa para efeitos de destituição e, assim, de suspensão de (…) do cargo de gerente da sociedade (vide neste sentido, entre outros, o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra (Moreira do Carmo), de 06.07.2016, proc. n.º 2315/13.9TBLRA.C1).
G. Não se compreende como pode o Tribunal a quo ter considerado que os AA. Recorreram a juízos meramente especulativos, uma vez que foram alegados factos concretos (constitutivos do direito) e juntos aos autos diversos documentos que os suportam, ao que acresce o facto de os Recorrentes terem arrolado diversas testemunhas (com conhecimentos de produção e gestão agrícola/pecuária) e requerido a notificação de diversas entidades para juntarem aos autos documentos relevantes para o processo.
H. Acresce que, o Tribunal a quo, ao indeferir a dispensa de audição prévia dos Requeridos, violou, por errónea interpretação, o disposto no artigo 1055.º, n.ºs 2 e 3, do CPC.
I. Ainda que se entenda que a matéria de facto alegada pelos Recorrentes (conjugada com a prova documental junta aos autos) é insuficiente para a imediata suspensão de (…) do cargo de gerente da sociedade – o que não se concebe, nem concede, mas por mero dever de patrocínio se equaciona – sempre terá de se concluir que a audição e/ou citação dos Requeridos não pode ser admitida nesta fase (cautelar) do processo (vide neste sentido, entre outros, o Ac. do TRP (M. Pinto dos Santos), de 30.10.2012, proc. n.º 1965/12.5TBVFR.P1 e o Ac. do TRE (José Barata), de 16-03-2023, Proc. n.º 446/22.3T8TVR-A.E1).
J. O pedido de suspensão deve, pois, ser decidido imediatamente, ainda que depois de efetuadas as diligências que se afigurem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1055.º, n.º 2, do CPC, necessárias (entre as quais as requeridas pelos Recorrentes na sua petição inicial), mas sem que os Requeridos sejam previamente ouvidos e/ou citados.
K. Sem prejuízo, ainda que se entenda que o Tribunal pode ouvir os Requeridos antes de decidir do mérito do pedido de suspensão, tal não significa que possa facultar aos Requeridos o exercício do contraditório (citando-os para, querendo, contestarem o pedido de suspensão e, simultaneamente, a ação de destituição).
L. Admitindo a possibilidade de o Tribunal ouvir os Requeridos nesta fase cautelar, sempre, então, teria de se configurar essa audição como uma mera diligência necessária para efeitos do disposto no artigo 1055.º, n.º 2, do CPC, i.e. na qualidade de depoimento de parte (cfr. artigo 452.º, n.º 1, do CPC) e não enquanto pleno exercício do contraditório.
M. O advérbio “imediatamente” utilizado no artigo 1055.º, n.º 2, do CPC teve o propósito, manifesto, de atribuir a este procedimento cautelar um caráter mais célere e urgente do que o da ação principal (e, inclusivamente, dos procedimentos cautelares comuns) e tal natureza não se coaduna com a possibilidade de os Requeridos exerceram o contraditório, atenta a morosidade que acarretaria para esta fase do processo e sob pena de se sujeitar ao mesmo regime/tramitação dois procedimentos que são, por natureza, autónomos e independentes entre si.
N. Sem prejuízo, ainda que se entenda que o Tribunal pode citar os Requeridos antes de decidir do mérito do pedido de suspensão – o que não se concebe, nem concede, mas por mero dever de patrocínio se equaciona –, sempre terá de se concluir que, atentas as especificidades deste procedimento cautelar, tal assume natureza excecional (vide neste sentido, entre outros, os Ac. do TRG (Rosália Cunha), de 21.04.2022, proc. n.º 4509/21.4T8GMR-A.G1).
O. Entendeu o Tribunal a quo que se afigura necessário proceder à citação dos Requeridos para que se possa apurar a real situação económica e financeira do gerente e do seu pai, (…). Contudo, ainda que tal assuma alguma relevância para o processo, não configura um facto constitutivo do direito de os Recorrentes peticionarem a suspensão do cargo de gerente, ou seja, não configura, por si, um facto que revele a existência de justa causa para a destituição, pelo que não carece, nesta fase, de prova (ainda que sumária).
P. Mas, ainda que assim não fosse, o Tribunal a quo sempre teria a possibilidade de realizar outras diligências que permitem apurar a real situação económica e financeira dos mesmos, entre as quais as requeridas pelos Recorrentes na sua petição inicial, i.e. notificação da Autoridade Tributária e da Segurança Social.
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Após as conclusões, os recorrentes terminam pedindo que seja concedido provimento ao recurso e, em conformidade:
1) Seja decretada a imediata suspensão de (…) do cargo de gerente da sociedade (…), Agricultura e Pecuária, Unipessoal, Lda..
2) Assim não se entendendo, (i) seja revogada a decisão que indeferiu a dispensa de audição prévia dos Requeridos ou, subsidiariamente, (ii) seja revogada a decisão que determinou a citação dos Requeridos para deduzirem oposição, determinando-se o prosseguimento dos autos com decisão imediata sobre o pedido de suspensão.
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Os requeridos não foram citados para os termos do recurso nem da ação.
Por despacho de 16-12-2024, o Tribunal a quo admitiu o recurso, com efeito suspensivo e subida imediata nos próprios autos.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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2. Âmbito do Recurso:
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC) e considerando que não podem manter-se, no mesmo processo, duas decisões distintas no sobre a mesma questão, e ainda que apenas havendo revogação da decisão é que se impõe apurar se deve ser decretada a providência cautelar requerida de imediato, importa conhecer das questões suscitadas, na seguinte ordem:
1.º - Se a decisão que indeferiu a dispensa de audição prévia dos requeridos e determinou a citação dos requeridos para deduzirem oposição, viola o disposto no artigo 1055.º do CPC e, por isso, deve ser revogada;
2.º - Em caso afirmativo, se deve ser decretada a imediata suspensão de (…) do cargo de gerente da Sociedade (…), Agricultura e Pecuária, Unipessoal, Lda..
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3. Fundamentação
Os factos relevantes para apreciação do recurso são os que constam do relatório supra.
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Da dispensa de audição prévia dos requeridos e violação do disposto no artigo 1055.º do CPC
No despacho recorrido, o Mmo Juiz consigna que “Nos presentes autos com processo especial, os requerentes (….) pretendendo, designadamente, que a título cautelar e sem audição dos requeridos seja decidida a suspensão de funções do gerente (…) e ainda que seja nomeado gerente provisório daquela sociedade (…). (…) se for requerida a suspensão do cargo, o juiz decide imediatamente o pedido de suspensão, após realização das diligências necessárias”. Porém, termina, determinando a citação dos requeridos para deduzirem oposição.
Para fundamentar o indeferimento da requerida dispensa de audição prévia dos requeridos, o Tribunal invocou que:
a) A regra processual do contraditório prévio, prevista no artigo 366.º, n.º 1, do CPC, deve ser ponderada, sendo que a exceção - de não audição do requerido - só deve ser atendida nos casos em que a audição do requerido possa colocar em risco sério o fim ou a eficácia da providência. b) Nos termos do artigo 1055.º, n.º 2, do CPC, ainda que a regra seja a de estar excluída a audiência prévia, mantém-se a possibilidade de o Tribunal, reputar essa audiência como uma diligência necessária para a decisão a proferir e poder determinar a citação prévia do requerido.
c) No caso concreto o tribunal considera necessária a prévia audição quer da sociedade ré quer do seu gerente … para esclarecimento dos factos invocados pelos requerentes.
Os recorrentes consideram que o Tribunal não apreciou corretamente a matéria de facto alegada e que violou por errónea interpretação o disposto no artigo 1055.º, n.º 2 e 3, do CPC, com fundamento, além do mais, em que a citação dos requeridos não pode ser admitida nesta fase (cautelar) do processo.
Vejamos: Dispõe o artigo 1055.º do CPC (Suspensão ou destituição de titulares de órgãos sociais) que:
1 - O interessado que pretenda a destituição judicial de titulares de órgãos sociais, (…) nos casos em que a lei o admite, indica no requerimento os factos que justificam o pedido.
2 - Se for requerida a suspensão do cargo, o juiz decide imediatamente o pedido de suspensão, após realização das diligências necessárias.
3 - O requerido é citado para contestar, devendo o juiz ouvir, sempre que possível, os restantes sócios ou os administradores da sociedade.
4 – (…)
Este artigo prevê o Processo Especial de suspensão ou destituição de titulares de órgãos sociais em que é possível, simultaneamente, formular um pedido cautelar de suspensão e um pedido definitivo de destituição do cargo de órgão social.
O n.º 2 deste artigo, que regulamenta a medida cautelar de suspensão, tem gerado interpretações divergentes, quer na jurisprudência, quer na doutrina, designadamente quanto à possibilidade de citação prévia dos requeridos antes de decidir do mérito do pedido de suspensão.
Assim, propugnam a interpretação de que o n.º 2 do artigo 1055.º do CPC, ao dispor que “o juiz decide imediatamente o pedido de suspensão”, não admite a citação do requerido, nesta fase cautelar do processo, entre outros, os acórdãos da Relação de Coimbra de 28-11-2018 (Processo n.º 4039/17.9T8LRA-A.C1) e de 26-04-2022 (Processo n.º 568/22.0T8ACB.C1).
Sustentam que no procedimento cautelar de suspensão de funções dos titulares de órgãos sociais é aplicável a regra geral do procedimento cautelar comum prevista no artigo 366.º, n.º 1, do CPC, que impõe que o requerido deve ser ouvido previamente à decisão cautelar do procedimento, salvo se a sua audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência, entre outros:
· os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto proferidos em 26-10-2017, no processo n.º 2894/16.9T8STS-A e em 10-01-2022, no processo n.º 6159/21.6T8VNG.P1, publicados em www.dgsi.pt.
· o acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 23-03-2017, no processo n.º 837/16.9T8OLH.E1, e
Em abono desta última posição invoca-se que a expressão “imediatamente” não traduz uma vontade inequívoca de exclusão da audiência prévia do requerido em procedimento de suspensão de funções de gerente, antes pretendendo enfatizar o caracter urgente do procedimento e a circunstância de o mesmo ser decidido autonomamente e em momento anterior à decisão do pedido principal de destituição:
Na doutrina, Joaquim Taveira da Fonseca, argumenta in “Suspensão e destituição dos membros dos órgãos de administração das sociedades por quotas e anónimas” texto publicado em Direito das Sociedades em Revista, V Congresso, Almedina (Novembro 2018), que “Imediatamente não é sinónimo de dispensa de contraditório independentemente de quaisquer circunstâncias e mesmo que nada justifique a sua não observância.” Em sentido contrário, ou seja, que “Quando, cautelarmente, seja requerida a suspensão do cargo ocupado, o tribunal, efetuadas as diligências necessárias, decidirá sem prévia audição do visado, que só depois terá oportunidade de se pronunciar” pronunciou-se João Labareda (Notícias sobre os processos destinados ao Exercício de direitos sociais - Revista de Direito e Justiça, ano 1999, Tomo I, pág. 79 - file:///C:/Users/MJ02118/Downloads/11058-Texto-19760-1-10-20220211.pdf ).
Ponderando os argumentos esgrimidos nos diversos acórdãos, supra citados e pelos referidos autores, consideramos que bem andou o Tribunal a quo em indeferir o pedido de dispensa de contraditório, com fundamento na necessidade de prévia audição quer da sociedade requerida, quer do seu gerente (…) para esclarecimento dos factos alegados e atendendo a que não foram invocados factos de onde resulte que a audiência dos requeridos possa pôr em risco sério o fim ou a eficácia da decisão.
Com efeito, esta ação especial de suspensão ou destituição de titulares de órgãos sociais segue uma forma de processo especial e tem a natureza de jurisdição voluntária. Por conseguinte, aplicam-se-lhe as regras processuais previstas nos artigos 986.º, 292.º a 295.º, 987.º e 988.º, todos do CPC, de onde ressaltam as seguintes especificidades:
- Acentuação do princípio do inquisitório traduzido no poder de o tribunal investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar oficiosamente diligências e obter e recolher informações que entenda convenientes – artigo 986.º, n.º 2, do CPC;
- Não vinculação do tribunal a critérios de legalidade estrita na decisão, devendo antes ser adotadas as soluções mais convenientes à justa composição do litígio – artigo 987.º do CPC;
- Flexibilidade da tramitação processual, sendo lícito ao juiz realizar atos ou formalidades não especificamente previstos;
- a observância do contraditório é imposta pelas regras estabelecidas nos arts. 292.º a 295.º do CPC, salvo se se verificarem os pressupostos que justificam a sua dispensa.
Acresce como refere o já citado autor Joaquim Taveira da Fonseca, in op. Cit., que: “A intervenção dos tribunais nas sociedades não deve, deste modo, deixar de se pautar pela cautela que decorre da preservação de todos os interesses que a mesma serve e que não são apenas os dos sócios.
A associação do princípio do contraditório ao princípio da adequação formal (artigos 3.º, n.º 3 e 547.º do CPC) conjugado com a não sujeição ao critério de legalidade estrita inerente à circunstância de o processo ser de jurisdição voluntária, conferem, hoje mais do que nunca, ao julgador poderes para tomar a decisão mais adequada ao caso concreto.
E essa decisão deve ser prudente para evitar que o incidente da suspensão não seja desvirtuado e se torne um instrumento ilegítimo de tomada do poder dentro da sociedade em flagrante violação do dever de lealdade para com os outros sócios, o que, no caso das sociedades por quotas, não é tão pouco comum quanto isso.
O contraditório prévio à decisão de suspensão constitui essa garantia ”.
Do exposto resulta que, embora como regra, atento o preceituado no n.º 2 do art. 1055.º do CPC, o requerido não tenha que ser ouvido antes do decretamento da suspensão do cargo, não se encontra, ao contrário do que pretende o recorrente, excluída a possibilidade de o Tribunal entender conveniente não dispensar a audiência prévia do requerido, ao abrigo do citado artigo 1055.º, n.º 2 conjugado com o artigo 986.º, n.º 1 e 2, do CPC.
Aderimos , assim, a uma posição intermédia espelhada no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-04-2022, Processo n.º 4509/21.4T8GMR-A.G1, segundo o qual: “O artigo 1055.º, n.º 2 do CPC deve ser interpretado no sentido de, como regra, estar excluída a audição prévia do requerido quanto ao incidente de suspensão do cargo, mantendo-se, porém, em aberto a possibilidade de o tribunal, reputar essa audição como uma diligência necessária para a decisão a proferir, determinar a citação prévia do requerido”.
Ora, no caso concreto, foi precisamente o que sucedeu. Analisada a matéria alegada e os documentos juntos, o Tribunal a quo entendeu oportuno, antes de decidir imediatamente a suspensão, que necessariamente terá que ser apreciada de forma mais perfunctória e decidida, antes mesmo da apreciação do pedido de destituição, ouvir os requeridos e por isso não dispensou a audiência prévia dos mesmos.
Em conclusão, inexiste violação do disposto nos artigos 1055.º, n.º 2 e 3, do CPC, motivo pelo qual não procede o recurso e se mantém a decisão proferida.
Devendo ser ouvidos os requeridos, fica prejudicada a segunda questão qual seja a de saber se deve ser decretada a imediata suspensão de (…) do cargo de gerente da Sociedade (…), Agricultura e Pecuária, Unipessoal, Lda. questão que o Tribunal terá que oportunamente, de forma cautelar, apreciar antes mesmo de decidir o pedido final de destituição do gerente.
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4. Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes (artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC).
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Évora, 30 de janeiro de 2024
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
Maria Adelaide Domingos
Ana Pessoa