Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM SEDE DE RECURSO
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
Sumário
I. Não é admissível a junção de documentos em fase de recurso se ab initio os documentos já eram potencialmente úteis à decisão da causa e a recorrente não alegou, nem provou, que não os podia ter junto com a contestação. II. Não há que alterar a matéria de facto da sentença quando o tribunal a quo procedeu a uma análise crítica e conjugada de toda a prova produzida e inexiste qualquer elemento no processo que determine uma decisão diversa. III. Em ação de reivindicação, o reconhecimento do direito de propriedade dos AA em relação à parcela do prédio em discussão, determina, nos termos peticionados, a condenação da Ré a desocupar e a restituir aos AA a referida parcela de terreno, se a Ré não provar ser titular de um direito que lhe permita essa ocupação. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…)
*
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: 1. Relatório:
(…) e (…) propuseram a presente ação de reivindicação contra (…), pedindo que:
a) Seja reconhecido e declarado que os Autores são legítimos proprietários do prédio urbano sito na Rua da (…), n.º 3, em Évora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da União de Freguesias de Bacelo e Senhora da Saúde e descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…), da Freguesia de Évora (Sé), com a área total de 433,44m²;
b) Seja a Ré condenada a restituir aos Autores a parcela de terreno, com cerca de 100m2, que ocupou;
c) Seja a Ré condenada a demolir o muro que edificou no prédio dos Autores, e a repor o muro que delimita os prédios, no seu local original;
d) Seja a Ré condenada a pagar aos Autores, a quantia de 286,62 Euros (duzentos e oitenta e seis euros e sessenta e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, desde a citação até ao efetivo e integral pagamento;
e) Seja a Ré condenada a pagar aos Autores uma indemnização pela privação do uso de parte do prédio dos Autores, na quantia que se vier a liquidar, acrescido de juros de mora, à taxa legal civil, desde a citação até ao efetivo e integral pagamento;
Alegaram, em breve síntese, que Autores a Ré são proprietários de prédios contíguos, desde respetivamente 2014 e 2018, que tinha como separação um muro meeiro, com mais de cinquenta anos de edificação, e existindo também a delimitar a propriedade da Ré a parede lateral da habitação existente no prédio desta; Sucede que, em 1 de Outubro de 2018, o companheiro da Ré, invocando ser proprietário do prédio da Ré partiu o referido muro meeiro, com fundamento na circunstância de que faltava no prédio da Ré uma área de 60 m2, que entendia estarem a ser ocupados pelo prédio dos Autores.;
*
A Ré contestou, por impugnação e por exceção, invocando que o referido muro nunca foi meeiro, porque erigido dentro do terreno propriedade da Ré, daí a sua demolição e a construção de um outro muro no limite do seu terreno, ou seja, no limite dos 260 m2, que adquiriu e que, pelo menos, desde 2018 que tem a posse da parcela, posse esta titulada.
Terminou, pedindo a condenação dos RR como litigantes de má-fé.
*
Em virtude do falecimento da Autora, foram julgados habilitados, como sucessores da falecida, (…) e (…).
*
Após a audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência:
- declarou os Autores (…), (…) e (…) proprietários do prédio urbano, sito na Rua da Liberdade, n.º 3, em Évora, (….) com a área total de 433,44 m2;
- condenou a Ré (…) a reconhecer a propriedade dos Autores sobre o prédio urbano referido em 7.1. e, em consequência:
- condenou a Ré a desocupar e a restituir aos Autores a parcela de terreno com a área aproximada de 80 m2, através da demolição do muro que edificou no prédio dos Autores, e da consequente edificação de um novo muro no local onde anteriormente existia aquele que foi demolido;
- condenou a Ré a pagar aos Autores a quantia de € 15,01 (quinze euros e um cêntimo), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
- absolveu a Ré da demais quantia peticionada a título de danos patrimoniais, inclusive da quantia peticionada a título de prejuízos causados pela privação do uso;
- absolveu os Autores do pedido de condenação por litigância de má-fé; e
- condenou ambas as Partes no pagamento das custas processuais, na proporção do respetivo decaimento, isto é, na proporção de 5% pelos Autores e na proporção de 95% pela Ré.
*
A Ré inconformada com o assim decidido interpôs o presente recurso, com reapreciação da prova gravada, finalizando as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões, em síntese:
1. A decisão mostra-se desajustada, desproporcionada, subjetiva e manifestamente iníqua e viola o disposto nos artigos 489.º e 490.º e 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC.
2. Não resultou provado quer a área de 433,44m2 pertencente aos autores, quer a posse, declarada pela meritíssima Juíza a quo em benefício da esfera patrimonial dos autores.
3. A recorrente criou a convicção que a decisão final lhe seria favorável pelo que foi uma total surpresa a decisão desfavorável, razão pela qual, para reforçar a sua posição e o relatório pericial, junta 4 documentos referidos no capítulo III do corpo do recurso, ao abrigo do disposto nos artigos 425.º e 651.º do CPC, cuja consulta e análise é essencial à descoberta da verdade material e boa decisão da causa
4. Da consulta e análise do registo do prédio adquirido pela RR, ora recorrente, confirma a área de 260 m2 do prédio da RR, no inventário obrigatório a que se procedeu por óbito de (…).
5. A decisão ora proferida e impugnada, contraria a sentença que homologou a partilha que foi proferida em 7 de Janeiro de 1966, transitada em julgado em 27 de Janeiro de 1966 – cfr. capítulo IV do recurso – doc. n.º 1.
6. Estamos perante uma contradição de julgados, devendo prevalecer a decisão proferida em primeiro lugar.
7. No tocante ao registo predial do prédio dos autores – cfr doc. n.º 15 da p. i. e doc. n.º 2 e capítulo V do corpo do recurso – consta a desanexação de uma área 392 m2, com o n.º (…), que terá estado na génese do prédio dos autores, contudo, a fls. (…) do Livro (…) da Conservatória do Registo Predial de Évora, está registado o prédio n.º (…), como urbano, com a superfície coberta de 57,50 m2 e a área descoberta de 275 m2, num total de 332,50 m2.
8. Os autores sabem e têm consciência que adquiriram um prédio urbano no ano de 2014 com a área total 332,70 m2 – cfr. doc. n.º 3 aludido nesse capítulo, documentos em poder da parte contrária e que, deliberada, livre e conscientemente omitiram
9. Para dissipar as dúvidas sobre a área do prédio da recorrente, de 260 m2, tal como consta da Caderneta Predial e do Registo Predial, que antecede, e complementar o Relatório Pericial tal como descrito na Capítulo VII, do corpo do recurso, aqui dada por integralmente reproduzido, a recorrente junta Levantamento Topográfico, devidamente assinado e legalmente certificado, por se reputar essencial à descoberta da verdade material e boa decisão da causa .
10. Da análise dos documentos docs. n.ºs 1, 2, 3 e 4, resulta um cenário bem diverso daquele que foi dado por provado nos autos de que agora se recorre, pelo que, devem ser admitidos, apreciados e devidamente valorados em sede decisão final os documentos ora juntos.
11. No tocante aos factos dados como provados, designadamente os factos 4.1.1.1, 4.1.1.2, 4.1.2, 4.1.3 conjugado com o facto 4.1.28, após a admissão dos documentos ora juntos e da sua análise e valoração e reavaliada a prova produzida em julgamento, designadamente as declarações prestadas pela A. (…) e o depoimento da testemunha (…), os quais, conforme explanado no capítulo (Hipervaloração Dos Depoimentos Das Testemunhas Apresentadas Pelos Autores), do recurso, aqui dado por integralmente reproduzido, cujas declarações e depoimento são incompatíveis com a prova documental ora junta, devendo, por isso, serem remetidos para o elenco de factos não provados, por manifesta e inequívoca contradição, com a prova documental ora junta – cfr. declarações encontram-se registadas na aplicação informática em uso no Tribunal, no período das 10:12 às 10:27 (…),declarações encontram-se registadas na aplicação informática em uso no Tribunal, no período das 10:29 às 10:55 (…).
12. No que tange ao FACTO 4.1.4 conjugado com os factos 4.1.20, 4.1.21,4.1.22, apenas provado que os prédios são contíguos, porém não são divididos por um muro nem pela parte lateral da habitação existente no prédio da RR, o que é contrariado pela sentença homologatória da partilha, com força obrigatória geral, e vinculativa para todas as partes e da área da caderneta e do registo predial 260 m2, conforme melhor se explica no ITEM FACTO 4.1.4 conjugado com os factos 4.1.20, 4.1.21,4.1.22, do corpo do recurso, aqui dado por integralmente reproduzido.
13. No que concerne aos factos 4.1.5, 4.1.6, 4.1.7, 4.1.9, 4.1.11, 4.1.12, 4.1.13, 4.1.26, 4.1.31, face às razões e fundamentos aduzidos no ITEM Subvaloração (Valoração Negativa) Dos Depoimentos Das Testemunhas Da Ré, aqui dado por integralmente reproduzido, deverão ser reapreciados e dados por não provados – cfr. declarações encontram-se registadas na aplicação informática em uso no Tribunal, no período das 11:00 às 11:32 (…) – cfr. declarações encontram-se registadas na aplicação informática em uso no Tribunal, no período das 09:48 às 10:11 (…) – cfr. declarações encontram-se registadas na aplicação informática em uso no Tribunal, no período das 11:33 às 11:38 (…).
14. No que diz respeito ao FACTO 4.1.16, alicerçado no depoimento da testemunha (…) foi hipervalorado pela Mma. Juíza, em primeira instância, como se pode verificar da análise das razões e fundamentos expendidos no ITEM Hipervaloração (Valoração Positiva) Do Depoimento Da Testemunha Dos Autores (…) que se dá aqui por integralmente reproduzido, deverá, ser reapreciado e considerado não provado.
15. Os autores, em união de esforços com as testemunhas, maliciosa e astuciosamente urdiram uma trama, ficcionaram uma divergência que nunca se existiu, para se apoderarem de 60 m2 de terreno.
16. Tendo em conta a decisão judicial do inventário obrigatório, a escritura pública e caderneta mencionada em doc. n.º 3 e o levantamento topográfico mencionado em doc. n. 4,a decisão tem que ser necessariamente diversa.
17. Razão pela qual requer a reapreciação de toda a prova e dar como não provados os factos dados como provados na douta sentença e dar como provados os factos não provados, designadamente o facto 4.2.3
18. Tendo por base o descrito no Capítulo IX do corpo de recurso e, face às razões e fundamentos ali aduzidas e aqui dados por integralmente reproduzidos, deverá o relatório pericial ser reapreciado e devidamente valorado para efeitos de decisão final.
19. Pese embora o relatório pericial seja de livre apreciação pelo julgador, sempre terá que ter algum vínculo.
20. Arrasar e pulverizar o relatório pericial, na parte que beneficia a RR, afigura-se à recorrente a violação dos artigos 487.º e 489.º do CPC, razão pela qual deverá ser devidamente reapreciado e valorado em sede de decisão em segunda instância.
21. Termos em que se requer a sua reapreciação e valoração para a decisão final.
22. Deverá o processo baixar à 1ª instância, ser a audiência de discussão e julgamento reaberta e ser realizada a Inspecção Judicial, por se reputar essencial à descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
23. Considerando os fundamentos, de facto e de direito, constantes do Capítulo XI, do corpo do recurso, resulta que os AA há muito que perderam a posse, face à posse titulada da RR, aqui recorrente, desde o ano de 2018, o que significa que falecem os fundamentos de facto e de direito da meritíssima juíza, de primeira instância, devendo, por isso, a douta sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a RR, aqui recorrente e lhe devolva a plenitude do direito de propriedade do seu prédio, como é de lei e de direito.
*
Os AA apresentaram contra-alegações, com as seguintes conclusões, em síntese:
A) No caso concreto, a recorrente não apresenta quaisquer conclusões, pelo que, as alegações apresentadas não cumprem as exigências legais impostas.
B) As alegações de recurso devem ser rejeitadas e o recurso indeferido, conforme prevê o artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do Código Processo Civil.
C) Resulta do articulado apresentado pela recorrente, a junção aos autos de documentos, invocando o disposto nos artigos 425.º e 651.º do CPCivil.
D) Existindo a regra de que os documentos que façam prova dos fundamentos de defesa devem ser apresentados com o articulado de defesa (artigo 423.º, n.º 1, do CPC), está ainda prevista a possibilidade de apresentação de documentos após o encerramento da audiência de discussão e julgamento, ou seja, em fase de recurso, quando a junção dos documentos não tenha sido possível em momento anterior (artigo 425.º, do CPC).
E) Por outro lado, o artigo 651.º do Código de Processo Civil estabelece a possibilidade de junção de documentos ser necessária atendendo ao julgamento da 1.ª instância.
F) No caso do artigo 425.º do Código de Processo Civil – invocado pela recorrente -, é necessário existir uma impossibilidade de apresentação do documento em causa, por duas ordens de razão: a) o documento traduzir um facto que cronologicamente ocorreu em momento posterior à apresentação do articulado de defesa; b) o documento traduzir um facto que só foi conhecimento posteriormente.
G) Neste último caso, a jurisprudência tem entendido que o documento só poderá ser admitido, se forem apresentadas as razões e/ou justificações para que o conhecimento tenha ocorrido em momento posterior. Veja-se a este propósito, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do processo n.º 3966/17.8T8GMR.G1, datado de 24/04/2019, em que foi Relator o Desembargador António José Barroca Penha, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
H) Os documentos que a recorrente junta, sem qualquer justificação, correspondem a certidões de teor das descrições e inscrições dos prédios – as quais estão datadas de 7 de dezembro de 2023 bem como, certidões do registo, escritura e caderneta predial do prédio propriedade dos aqui recorridos, os quais têm uma natureza pública, podendo a recorrente tê-los junto aos autos aquando da apresentação do articulado de defesa.
I) Já quanto ao levantamento topográfico junto, a recorrente invoca “surpresa” na decisão do tribunal a quo, como prevê o artigo 651.º do Código de Processo Civil, e refere que pretende provar a sua propriedade sobre 260 m2 (como poderá ser surpresa que lhe competia efetuar esta prova?).
J) No entanto, como tem sido entendimento dos tribunais superiores (v., por todos, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, supramencionado), tem que ocorrer a prova de factos que não se previam, razoavelmente, que fossem relevantes para decisão ou que o Tribunal se tenha socorrido de meios probatórios inesperados.
K) No requerimento inicial, a recorrente atribui às suas alegações de recurso, um efeito suspensivo, nos termos do artigo 647.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Civil, contudo, tal entendimento não poderá proceder, pois a mencionada norma atribui efeito suspensivo aos litígios que tenham por objeto a discussão da posse ou propriedade de casa de habitação.
L) Todavia, no caso concreto, não só resultou provado que o que se discute é a propriedade e posse de uma parcela de terreno (de um quintal) que em nada afeta as casas de habitação dos prédios dos Autores e da Ré, mas também resultou provado que no prédio da recorrente quem habita é o seu filho e não a própria, pelo que, o escopo da norma não está pensado para estas situações, nem visa acautelar interesses de terceiros.
M) Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, resultou provado que os recorridos são proprietários de um prédio com uma área de terreno de 433,44m², na qual está edificada uma habitação que ocupa uma área de 107,85m² e um anexo com 14,06m².
N) Assim, resulta inequívoco que a conduta adotada pela recorrente e pelo seu companheiro … (testemunha nos autos), é manifestamente violadora do direito de propriedade dos recorridos em, pelo menos, 100m² – que se encontram ilicitamente na posse da recorrente, sendo por esta ocupada contra a vontade dos recorridos.
O) Para mais, a recorrente por seu intermédio e, através da testemunha (…), tinha conhecimento da dimensão do prédio que adquiriu, bem como, a configuração do mesmo, como é possível verificar pelas declarações da testemunha … (depoimento de 12:39 a 14:31 e 24:20 a 24:39).
P) Os Tribunais superiores, nomeadamente, Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 611/13.4TBFLG.P1, datado de 23/01/2017, em que foi Relator o Exmo. Sr. Desembargador Jorge Seabra, disponível para consulta em www.dgsi.pt , têm entendido que: “Invocando o autor a propriedade sobre uma determinada parcela ou faixade terreno, alegadamente parte integrante do seu prédio (inscrito a seufavor no respetivo registo), compete-lhe, assim o ónus de provar os factosque possam conduzir à sua aquisição originária, por usucapião, ocupaçãoou acessão.”
Q) O que ocorreu através das declarações da testemunha (…), as quais foram prestadas de forma livre, esclarecida e isenta, no dia 29/09/2023, entre as 10:28 e as 10:55 (cfr. depoimento de 05:46 a 6:26).
R) Tendo aliás o Tribunal a quo valorado as declarações prestadas mencionando que: “Para a formação da convicção do Tribunal sobre a veracidade dafactualidade que se teve por provada foi ainda determinante odepoimento prestado pela testemunha (…), com 55 anos, o qual informou o Tribunal que morava na casa que posteriormente foi adquirida pelos autores. Tratava-se da casa dos pais da testemunha. Sendo que, anteriormente, pertencia aos avós da testemunha, desde 1952. Mais acrescentou que conhece a Ré desde a infância, dado que, a mãe da Ré chegou a trabalhar na casa dos pais da testemunha.”
S) Assim os recorridos beneficiam da presunção registral e de inscrição matricial (que resultam dos documentos juntos aos autos) e bem assim da posse que tiveram por si desde a aquisição do prédio e da posse dos ante possuidores (neste caso, provada pelas declarações da testemunha …), sendo, por isso, à recorrente a quem incumbia provar que a parcela que ocupou era sua propriedade, o que não logrou fazer.
T) Ao ser reconhecido o direito de propriedade dos Autores sobre a coisa reivindicada, esta só não lhe será restituída, se a Ré alegar e provar que é titular de um direito real conflituante que extinga, modifique ou impeça o direito do reivindicante em ver-lhe restituída a coisa, o que não aconteceu no caso concreto.
U) Pelo que, contrariamente ao afirmado pela recorrente, a douta decisão do tribunal a quo não é “desajustada, desproporcionada, subjetiva emanifestamente iníqua”.
*
Por despacho de 12-03-2024, o Tribunal a quo admitiu a retificação do lapso invocada pela Ré/Recorrente, com o envio das alegações completas (contendo já as conclusões).
Por despacho de 28-05-2024, o Tribunal a quo admitiu o recurso interposto pela Ré, com efeito devolutivo e a resposta apresentada pelos AA.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
2. Âmbito do Recurso:
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC), são as seguintes as questões a apreciar:
i. Se o processo deve ser devolvido à 1ª instância para reabertura da audiência de julgamento, com vista à realização da inspeção judicial, requerida e não realizada.
ii. Da admissão e valoração dos documentos juntos com o requerimento de interposição do recurso;
iii. Da alteração da matéria de facto
iv. Se a decisão que declarou os AA proprietários do prédio urbano identificado nos autos com a área de 434,44 m2 e condenou os RR a desocupar e restituir aos AA a parcela de terreno com a área aproximada de 80 m2, através da demolição do muro edificado no prédio dos AA e numa indemnização por danos patrimoniais é desajustada, desproporcionada e viola o disposto nos artigos 489.º, 490.º e 615.º, n.º 1, do CPC, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que absolva a Ré e lhe devolva a plenitude do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em discussão.
*
3. Fundamentação: 3.1. São os seguintes os factos considerados provados na sentença:
1) Os Autores são donos e legítimos possuidores, desde 19/03/2014, do prédio urbano sito na Rua da (…), n.º 3, em Évora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da União de Freguesias de Bacelo e Senhora da Saúde e descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…), da Freguesia de Évora (Sé); (4.1.1)
2) A descrição do prédio na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…), da Freguesia de Évora (Sé), menciona a área total de 433,44 m2; (4.1.1.1)
3) A área real do prédio, antes da situação que deu origem aos presentes autos, contabilizava-se em 437,66 m2; e após, foi reduzida para 356,86 m2; (4.1.1.2)
4) Desde então (19/03/2014) o Autor tem usado e fruído do supramencionado prédio, tendo inclusive cedido, à sua filha (…), o prédio para habitação desta e do seu agregado familiar; (4.1.2)
5) A Ré é dona e legítima possuidora, desde 08/02/2018, do prédio urbano sito na Rua da (…), lote 18, em Évora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da União das Freguesias de Bacelo e Senhora da Saúde e descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…), da Freguesia de Évora (Sé); (4.1.3)
6) Os prédios referidos em 4.1.1. e 4.1.3. são contíguos, divididos por um muro e pela parede lateral da habitação existente no prédio da Ré (referido em 4.1.3.); (4.1.4)
7) Em 1 de Outubro de 2018, (…), companheiro da Ré, invocando ser proprietário do prédio identificado em 4.1.3., partiu o muro que dividia os dois prédios; muro esse com cerca de cinquenta anos de edificação; (4.1.5)
8) (…) fê-lo, invocando que faltava no prédio identificado em 4.1.3. uma área de 60 m2, que entendia estar a ser ocupada pelo prédio dos Autores (identificado em 4.1.1.); (4.1.6)
9) (…) invadiu o quintal do prédio dos Autores (4.1.1.), e colocou no mesmo umas chapas metálicas, construindo algo semelhante a uma edificação; (4.1.7)
10) (…) ampliou, em cerca de 80 m2, a área de ocupação do prédio identificado em 4.1.3. (propriedade da Ré); sendo que esses cerca de 80 m2 correspondiam a área anteriormente ocupada pelo prédio identificado em 4.1.1.; (4.1.8)
11) (…) mudou a fechadura de um portão de garagem que dá acesso ao imóvel identificado em 4.1.1.; (4.1.9)
12) (…) actuou com o conhecimento e consentimento da Ré; (4.1.10)
13) Durante o mês de Outubro de 2018, (…) voltou a entrar no prédio identificado em 4.1.1. para dar continuidade à construção do novo muro, substituindo algumas chapas metálicas que havia anteriormente colocado, por um muro de alvenaria; (4.1.11)
14) Ainda durante os meses de Outubro e Dezembro de 2018, sem que existisse qualquer licenciamento camarário, a Ré e o seu companheiro (…) terminaram a construção do novo muro de alvenaria, que se mantém até à presente data; (4.1.12)
15) Foi chamada ao local a Polícia de Segurança Pública de Évora, tendo registado ocorrências; (4.1.13)
16) Os Autores apresentaram Queixa-Crime, que deu origem ao proc. n.º 392/19.8T9EVR, que correu os seus termos no DIAP de Évora 1.ª Secção, tendo o mesmo sido arquivado, em Maio de 2020; (4.1.14)
17) Os Autores tentaram, por diversas vezes, alcançar a sua pretensão extrajudicialmente, o que não foi possível; (4.1.15)
18) Os Autores solicitaram o levantamento topográfico do seu prédio; (4.1.16)
19) Os prédios identificados em 4.1.1. e 4.1.3., tiveram origem, tal como os demais daquela zona, num único prédio: o prédio descrito sob o n.º (…), descrição extraída do livro B-29; (4.1.17)
20) Em 23 de Março de 1956, foi desanexada uma área de 396 m2, que deu origem ao prédio identificado em 4.1.1., com o n.º 13577; (4.1.18)
21) Em 21 de Agosto de 1962, foi desanexada uma área de 260 m2, que deu origem ao prédio da Ré (4.1.3.) com o n.º 15293; (4.1.19)
22) Os anteriores proprietários dos prédios identificados em 4.1.1. e 4.1.3., nunca reclamaram entre si o que quer que fosse relativamente à configuração e dimensão das áreas dos prédios; inclusive, o anterior proprietário do prédio da Ré (4.1.3.) era quem procedia a obras, quando eram necessárias, no prédio identificado em 4.1.1.; (4.1.20)
23) Na confrontação norte do prédio identificado em 4.1.1., à data da constituição do respectivo lote (1956), não havia um muro, aí existindo uma vala; vala essa que foi eliminada e, desde então, passou a fazer parte integrante do prédio; (4.1.21)
24) Até 2018, no prédio identificado em 4.1.1. não se registaram quaisquer alterações a nascente, ou seja, na extrema com o prédio da Ré (4.1.3.); (4.1.22)
25) Os Autores informaram a Câmara Municipal de Évora, nomeadamente, a Divisão de Gestão Urbanística / Obras Particulares, logo em Outubro de 2018, da existência das obras ilegais no prédio contíguo; (4.1.23)
26) Nesse seguimento, pelo supramencionado Departamento foram realizadas diligências inspetivas que resultaram no Embargo de Obra e, na notificação da Ré para apresentação do Projeto para licenciamento da mesma; (4.1.24)
27) A Ré nunca juntou qualquer projeto, sendo que, em 10 de Março de 2019, foi pelo Sr. Arq. (…) emitido um parecer no sentido da demolição da ampliação feita pela Ré no seu prédio (4.1.3.); (4.1.25)
28) Todavia, até ao momento, a edificação mantém-se, sem que tenha ocorrido qualquer demolição, nomeadamente, do novo muro implantado; (4.1.26)
29) A fechadura do portão, que fora substituída por (…), contabiliza-se em € 15,01; (4.1.27)
30) O prédio da Ré (identificado em 4.1.3.) está descrito na Conservatória e inscrito na respectiva matriz predial como tendo a área de 260 m2; (4.1.28)
31) Antes da demolição do muro divisório existente, por parte de (…), o prédio mencionado em 4.1.3. tinha cerca de 206 m2 de área; (4.1.29)
32) A Ré adquiriu o prédio identificado em 4.1.3., em 05-02-2018, com recurso a crédito bancário; (4.1.30)
33) (…), companheiro da Ré, conhecia a configuração dos prédios em causa, divididos pelo muro anteriormente existente, desde a sua infância. (4.1.31)
*
3.2. E os seguintes, os factos dados como Não Provados:
A) Relativamente ao prédio identificado em 4.1.1., em 1975, ocorreu um erro declarativo matricial junto do serviço de Finanças, que levou à fixação da área total do prédio em 332,5 m2;
B) Os Autores sofreram os seguintes danos: perda de uma chapa da cobertura existente junto ao portão e área do prédio, quantificada em 148,58 Euros; perda de um andaime que se encontrava no quintal, quantificado em 97,05 Euros; perda de 3 árvores de fruto, quantificadas em 25,98 Euros;
C) O Autor consentiu/aceitou a construção de um novo muro;
D) Os anteriores proprietários alertaram a Ré que, para além do muro existente, existia uma área de 60 m2, objeto do negócio;
E) A Ré efetuou um levantamento topográfico.
*
4. Apreciação do Recurso:
Importa, em primeiro lugar, referir que em sede de contra-alegações, os recorridos pugnam pela rejeição do recurso interposto pela Ré em virtude de não conter conclusões.
A recorrente respondeu às contra-alegações invocando ter-se tratado de um lapso no envio do ficheiro, tendo, de imediato, apresentado o requerimento de recurso completo, o que foi admitido, conforme resulta do relatório supra exposto. Não tendo havido qualquer oposição da parte dos recorridos a este despacho, considera-se a situação sanada.
Inexiste, por isso, razão para não admitir o recurso com fundamento na falta de alegações, nos termos do disposto no artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC.
*
4.1. Da devolução do processo à 1.ª instância para reabertura da audiência de julgamento, com vista à realização da inspeção judicial, requerida e não realizada.
Invoca a recorrente que, em sede de contestação, requereu a realização de inspeção ao local e que, no final do Julgamento, a Mma. Juíza decidiu não ser necessária a realização da diligência, sem qualquer fundamentação de facto, suficientemente válida e consistente, com violação do disposto no artigo 490.º do CPC.
Analisado o processo, verifica-se que:
1) Na ata da audiência final de 18-10-2023, consta que: “Seguidamente, a Mm.ª Juiz de Direito proferiu despacho no qual indeferiu a requerida inspeção judicial ao local. O despacho encontra-se registado na aplicação informática em uso neste Tribunal, no período das 14:36 às 14:37.”
2) Ouvida a gravação, constata-se que o Tribunal a quo considerou que atenta a prova produzida, não vislumbrava a necessidade de visualização in loco dos prédios em causa para o esclarecimento de qualquer circunstância, pelo que indeferiu a requerida inspeção ao abrigo do disposto no artigo 490.º do CPC, a contrario.
3) A ré não impugnou a decisão, fazendo-o apenas agora em sede de recurso da sentença.
*
Conforme resulta do requerimento de interposição do recurso, o mesmo foi apresentado por a Ré não se conformar com a sentença.
Ora, a sentença nada refere quanto à inspeção ao local.
De facto, a decisão proferida em ata, durante o julgamento, que indeferiu a requerida inspeção ao local consubstancia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC, uma decisão que não admitiu um meio de prova, decisão suscetível de apelação autónoma, no prazo de 15 dias, atento o disposto no artigo 638.º, n.º 1, do CPC.
Tendo a decisão de indeferimento sido proferida oralmente a 18-10-2024 e, encontrando-se a Ré presente na audiência, o referido prazo de 15 dias terminou a 4 de novembro de 2024, data a partir da qual já não é possível interpor recurso da mesma. Porque já não é suscetível de ser reapreciada a decisão transitou em julgado, atento o disposto no artigo 628.º do CPC.
Pelo exposto, não há que determinar a devolução do processo à primeira instância para reabertura da audiência de julgamento, com vista à realização da inspeção judicial, requerida e não realizada, por a mesma ter sido indeferida por decisão já transitada em julgado.
*
4.2. Da admissão e valoração dos documentos juntos com o requerimento de interposição do recurso;
Com o requerimento de interposição de recurso, a Ré/Recorrente juntou 4 documentos e requer que os mesmos sejam admitidos, apreciados e valorados, invocando o disposto nos artigos 425.º e 651.º do CPC.
Os recorridos defendem que os documentos não devem ser admitidos, por extemporaneidade.
Cumpre apreciar e decidir:
O invocado artigo 651.º do CPC, prevê a possibilidade excecional de as partes juntarem documentos às alegações, atendendo ao facto de como regra e conforme estabelecido no artigo 423.º, n.º 1, do CPCivil, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da defesa deverem ser apresentados com o articulado de defesa.
Assim, são duas as situações em que as partes podem juntar documentos às alegações:
a) Desde que a junção dos documentos não tenha sido possível até ao encerramento da audiência (artigo 425.º do Código de Processo Civil);
b) Ou no caso da junção de documentos se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Vejamos se alguma das situações ocorreu:
A impossibilidade de apresentação do documento em causa é suscetível de ocorrer (i) por o documento traduzir um facto que cronologicamente ocorreu em momento posterior à apresentação do articulado de defesa – superveniência objetiva; (ii) ou o documento traduzir um facto que só foi conhecido posteriormente – superveniência subjetiva. Neste último caso, a jurisprudência tem entendido que o documento só poderá ser admitido, se forem apresentadas as razões e/ou justificações para que o conhecimento tenha ocorrido em momento posterior (Cfr. o douto acórdão da Relação de Guimarães de 24-04-2019 - Processo n.º 3966/17.8T8GMR.G1, publicado in www.dgsi.pt).
No que se refere à situação exposta em b) não podem estar em causa factos que a parte sabia estarem sujeitos a prova, desde o início.
Importa considerar que:
- A contestação foi apresentada em 02-11-2021;
- A última sessão da audiência final teve lugar a 18 de outubro de 2023;
- As alegações de recurso foram introduzidas no citius no dia 13 de dezembro de 2023.
Dito isto, analisemos os documentos que a recorrente junta e o invocado para a junção tardia: Os documentos n.º 1 e 2 consubstanciam certidões de teor das descrições e inscrições dos prédios. - As certidões foram emitidas 7 de dezembro de 2023 e dizem respeito: (a) à descrição predial do prédio nº (…) e todas as inscrições em vigor, sendo a última de 1984; (b) à descrição predial do prédio nº (…) e todas as inscrições em vigor, sendo a última de 1983; O documento n.º 3 é uma certidão emitida a 7 de dezembro de 2023 que reproduz: UmaRequisição de registo datada de 19-03-2014, escritura pública de compra e venda de 18 de março de 2014, e caderneta predial urbana do prédio descrito sob o n.º (…), com última avaliação em 2013/02/04. O documento n.º 4 corresponde a um levantamento topográfico de 06 de dezembro de 2023, efetuado a requerimento da Ré.
Para fundamentar a junção tardia dos documentos, a Ré alega que com os documentos carreados para os autos “a Ré criou a convicção que a decisão lhe seria favorável, pelo que foi uma completa surpresa a Mma. Juíza a quo pôr em causa a área do seu prédio e proferir uma decisão que lhe é desfavorável.” E a seguir diz também que junta os documentos com as alegações “por só agora terem chegado ao conhecimento dos RR”.
Ora, as 3 primeiras certidões embora datadas de 7 de dezembro dizem respeito a documentos públicos, acessíveis a todos e a qualquer tempo, que a Recorrente podia e devia, caso pretendesse que os mesmos fossem considerados na sentença, ter solicitado e junto com o articulado de defesa, ou seja, com a contestação que apresentou nos autos.
Já o documento n.º 4 diz respeito a levantamento topográfico que a Ré também podia e devia, caso o pretendesse utilizar no processo, ter requerido a sua realização e junção aquando da contestação.
Finalmente, não foi invocado, nem demonstrado que os documentos se tenham tornado necessários em virtude da decisão proferida. A alegada “surpresa” invocada pela Ré não justifica a junção fora do tempo. Explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, In Código de Processo Civil Anotado, em anotação ao artigo 651.º do CPC que: “A jurisprudência tem entendido, de modo uniforme, que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.” (…) tem-se entendido que a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.”
Nesta linha interpretativa, é categórico o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-04-2019 (Proc. n.º 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2) quando afirma que «(…) não é admissível a junção de documentos quando tal junção se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas». (STJ 26-9-12, 174/08, RP 8-3-18, 4208/16 e RL 8-2\4-18, 176/14).3.2.”.
No caso concreto, a Ré sabia exatamente que o que estava em causa no processo eram as áreas dos prédios contíguos e a propriedade da faixa de terreno onde se encontrava o muro destruído. Aliás, tal resulta manifesto dos temas de prova que foram enunciados em sede de despacho saneador, onde é elencado o seguinte sob o n.º 3.2.2: "3.2.2. Da área do prédio identificado em 3.2.1. e da área do prédio confinante, do qual a Ré é proprietária”.
Por outro lado, tendo sido pedida a condenação da ré no pedido, e sendo ação procedente, não se vislumbra qualquer surpresa na decisão, sendo a mesma um dos possíveis desfechos da ação. Inexiste, assim, qualquer imprevisibilidade na sentença proferida que originasse a necessidade de junção dos documentos, cuja junção agora se pretende, pois que, na verdade, os documentos em causa eram potencialmente úteis à decisão da causa ab initio.
Importa ainda referir que a recorrente justifica a junção do documento para evitar uma situação de contradição de julgados, já que a certidão comprova que os RR têm registado a seu favor um prédio de 260 m2, que foi partilhado no âmbito do inventário obrigatório, por sentença homologatória da partilha, com essa área.
Ora, resulta dos factos provados – cfr. o facto 4.1.19 que “Em 21 de agosto de 1962 foi desanexada uma área de 260 m2 que deu origem ao prédio da Ré (4.1.3.), com o n.º 15293.” E que “O prédio da Ré (identificado em 4.1.3 ) esta descrito na Conservatória e inscrito na respetiva matriz predial como tendo a área de 260 m2.”, pelo que é manifesto que não existe qualquer potencial contraditoriedade entre julgados, que exija a junção dos documentos.
Por todo o exposto, e atento o preceituado nos artigos 423.º, n.º 1 e 3, 425.º e 651.º do CPC, não admito a junção dos documentos apresentados com as alegações de recurso.
Condena-se a Ré, pelo incidente a que deu causa, no valor de uma UC, nos termos do artigo 7.º, n.º 4 e n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa), o que será ordenado a final.
*
4.3. Da alteração da matéria de facto:
Pretende a recorrente a alteração da decisão relativa à matéria de facto fixada na sentença.
O artigo 640.º do CPC estabelece os requisitos que o recorrente tem que cumprir para que o Tribunal Superior reaprecie a decisão quanto à matéria de facto. Assim, sob pena de rejeição, “por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina – 7.ª ed., pág. 198)”, importa que o recorrente:
a) Especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Indique os meios probatórios que imponham decisão diversa e no caso de prova gravada a indicação exata das passagens da gravação relevantes.
c) Deixar expressa a decisão que deve ser proferida.
Analisado o teor do recurso, verificamos, que a recorrente especificou os seguintes concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados:
4.1.1.1, 4.1.1.2, 4.1.2, 4.1.3, 4.1.28, 4.1.4, 4.1.5, 4.1.6, 4.1.7, 4.1.9, 4.1.12, 4.1.13, 4.1.16, 4.1.20, 4.1.21, 4.1.22, 4.1.26 , 4.1.31 e todos os factos dados como não provados.
- Expressa a decisão que deve ser proferida:
- Propugna que os factos dados como provados sejam dados como não provados e que os não provados sejam dados como provados.
- Quanto aos meios probatórios indica os documentos juntos, quer os que já constavam do processo, quer os que junta com as alegações e que não foram admitidos e por isso não serão valorados, quer as declarações prestadas em sede de audiência final.
Vejamos:
Os recorrentes alegam que deve ser dado como não provado que o prédio dos AA tenha as áreas mencionadas em 4.1.1.1, 4.1.1.2. Porém, os documentos invocados pela recorrente não o demonstram e como bem refere a Mma Juíza na motivação da decisão de facto: “A factualidade vertida em 4.1.1., 4.1.3., 4.1.17. e 4.1.19. resultou demonstrada pelo acordo das Partes sobre a sua veracidade. Resultando ainda a factualidade descrita em 4.1.1. e 4.1.3. do teor das respectivas certidões do registo predial juntas aos presentes autos. E, bem assim, daí resulta a demonstração do facto 4.1.1.1. Resultando o facto 4.1.1.2. do teor do relatório pericial junto aos presentes autos.”
Quanto ao facto 4.1.2.: Diz-se na sentença: “O facto vertido em 4.1.2. foi considerado demonstrado, atendendo às declarações de parte prestadas pela Autora (…), as quais se revelaram credíveis a esse propósito. Inexistindo qualquer outro elemento de prova que abale a veracidade de tal circunstancialismo fáctico”.
Ora, os elementos invocados pela recorrente não implicam qualquer alteração da decisão, considerando-se que bem andou o Tribunal a quo em dar como provado este facto, atento os fundamentos invocados.
Facto 4.1.3 conjugado com 4.1.28:
Pretende a Ré que a alusão à área de 260 m2 passe a constar do facto 4.1.3 e se elimine o facto 4.1.28, em consequência por inútil. Não assiste razão à Ré, já que o que resulta da prova produzida como bem explica a Mma. Juíza é o que ficou dado como provado em ambos os factos, designadamente dos documentos juntos, nada havendo a alterar.
Facto 4.1.4. conjugado com os factos 4.1.20 , 4.1.21 e 4.1.22:
Não assiste razão á Ré, a prova produzida vai de encontro ao que foi dado como demonstrado e não ao que a ré pretende, conforme resulta da motivação da decisão de facto.
Factos 4.1.5, 4.1.6 , 4.1.7, 4.1.9, 4.1.111, 4.1.112 , 4.1.13, 4.1.26, 4.1.31:
A recorrente pretende a alteração da decisão quanto a estes factos, designadamente com o apoio do documento que junta com as alegações: levantamento topográfico. Porém, tal documento não pode ser valorado, conforme supra se referiu. Ainda assim, sempre se dirá que bem andou a Sra. Juíza em responder aos factos como o fez, de acordo com a análise dos documentos juntos e depoimentos prestados em audiência, devidamente analisados. Sendo que ouvido os depoimentos de (…) e (…), muito bem andou a Sra. Juíza fundamentadamente considerar que os seus depoimentos não eram credíveis.
Facto 4.1.16:
Analisados os argumentos invocados pela recorrente e os documentos juntos aos autos, inexiste qualquer reparo a fazer à decisão da Sra. Juíza que fez uma análise crítica e conjugada de toda a prova produzida.
Por todo o exposto, inexiste motivo para proceder a qualquer alteração da decisão de facto, sendo que sempre se dirá que também não existe qualquer contradição, como já supra se referiu, entre o invocado de que: “(…) conforme a área de 260 m2 do prédio da Ré, no inventário obrigatório a que se procedeu por óbito (…)”, pois foi dado como provado em 4.1.28 que “O prédio da Ré (identificado em 4.1.3) está descrito na Conservatória e inscrito na respetiva matriz predial como tendo a área de 260 m2”. . Aliás, logo na resposta à contestação os AA referem que não põem em causa que o prédio da Ré desde que foi desanexado do prédio mãe tem cerca de 260 m2 …. Questão diversa é saber quais os limites reais dessa área de 260 m2 do prédio da Ré (…)”.
Assim, também não procede o argumento de que a matéria de facto tinha que ser alterada com o objetivo de evitar uma contradição de julgados.
Quanto aos factos dados como não provados a Mma. Juíza fundamentou a decisão e não existe qualquer elemento seja documental seja testemunhal que milite em sentido divergente. Por conseguinte, os factos em causa não podiam ter sido dados como demonstrados.
Improcede, pelo exposto, totalmente, o recurso sobre a matéria de facto.
*
4.4. Se a decisão que declarou os AA proprietários do prédio urbano identificado nos autos com a área de 434,44 m2 e condenou os RR a desocupar e restituir aos AA a parcela de terreno com a área aproximada de 80 m2, através da demolição do muro edificado no prédio dos AA e numa indemnização por danos patrimoniais é desajustada, desproporcionada, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que absolva a Ré e lhe devolva a plenitude do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em discussão.
A pretensão primeira da recorrente era a devolução do processo à primeira instância para reabrir a audiência e com a realização da inspeção ao local e análise da nova documentação com a que já havia sido junta, dar como não provados os factos que foram dados como provados e dar como provados os que resultaram não provados.
Conforme supra já se decidiu, inexiste qualquer fundamento para devolver os autos à primeira instância e a decisão de facto está corretamente elaborada, sem necessidade de se proceder a qualquer alteração.
É assim, com fundamento nos factos dados como provados e não provados, que importa apreciar se a sentença deve ser mantida ou, pelo contrário, revogada como defende a Recorrente, invocando que a decisão é desajustada e desproporcionada.
Analisada a sentença, importa desde logo adiantar que bem andou a Mma. Juíza em julgar procedente a ação de reivindicação e:
- declarar os AA proprietários do prédio identificado nos autos, com a área total de 433,44 m2 e em consequência, em
- condenar a Ré a, além do mais, desocupar e restituir aos AA a parcela de terreno com a área aproximada de 80 m2, através da demolição do muro que edificou no prédio dos AA e edificação de um novo muro no local onde existia aquela que foi destruído.
Com efeito, a ação de reivindicação que constitui um meio de defesa da propriedade, encontra-se prevista no artigo 1311.º do Código Civil, onde se estatui que:
«1. O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence. 2. Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei».
A procedência da ação exige, nos termos do artigo 342.º do Código Civil conjugado com o referido artigo 1311.º, que o reivindicante alegue e prove:
- que é proprietário do prédio, neste caso concretamente da faixa de terreno de cerca de 80 m2 situada entre o muro que foi demolido e o muro que foi construído, que é o que está em discussão.
- que essa faixa de terreno se encontra sob o uso material da Ré.
Para impedir a restituição, a Ré tem que alegar e provar que detém a faixa de terreno por título legítimo (facto impeditivo do efeito resultante da propriedade: a restituição).
Vejamos.
Considerou-se na sentença que os Autores lograram demonstrar ser proprietários do prédio identificado em 1 dos factos provados, com a área total de 433,44 m2, onde se inclui uma área de 80 m2, que a Ré vem ocupando, contra a vontade dos AA, desde outubro de 2018.
A factualidade provada assim o demonstra:
- Os AA provaram que o prédio identificado em 1 registado em seu nome está descrito na Conservatória do Registo Predial com a área de 433,34 m2.
- Do relatório pericial junto aos autos resulta que a área do dito prédio, antes da situação que deu origem aos presentes autos, se contabilizava em 437,66 m2.
- Os AA lograram demonstrar, também, nos termos e para os efeitos do artigo 1268.º do Código Civil, a posse sobre a área em disputa pelas partes (cerca de 80 m2), por si e pelos antepossuidores do prédio, há pelo menos, cerca de 50 anos (data em que muro meeiro destruído pela Ré foi edificado).
Ficou assim demonstrado que a parcela de terreno controvertida integra a propriedade dos Autores, por a terem adquirido por compra e venda (facto registado) e pela posse de longa duração ( usucapião).
Como já se referiu, para evitar a restituição, incumbia à Ré demonstrar que é titular de um direito que lhe permite ocupar, como o fez a parcela de terreno.
A requerida invocou o direito de propriedade sobre a referida faixa de terreno.
Vejamos, então se o demonstrou:
Está provado que a Ré é dona e legítima possuidora de um prédio contíguo ao dos AA, prédio este que adquiriu por compra e venda em 2014. Este prédio está descrito na Conservatória como tendo a área de 260 m2.
Antes da demolição do muro divisório o prédio tinha cerca de 206 m2.
Ora, estes factos são insuficientes para demonstrar que a parcela de terreno em disputa pertença à Ré.
Em primeiro lugar, porque a presunção resultante do registo (cfr. artigo 7.º do Código de Registo Predial) não abrange a presunção dos elementos de identificação do prédio constantes da descrição, tais como a área. Em segundo lugar, porque, conforme se refere na sentença a divergência de áreas não pode ditar sem mais, que a parte alegadamente em falta no prédio da Ré se encontra situada para além da estrema do seu prédio com a confrontação do prédio dos AA, em ofensa do direito de propriedade destes últimos, que demonstraram a existência de um muro com cerca de 50 anos de edificação que delimita ambos os prédios na mencionada confrontação e a posse durante 50 anos dessa faixa de terreno.
Assim, importa concluir que a Ré não logrou provar qualquer título que lhes permita ocupar como fez a faixa de terreno de cerca de 80 m2 situada entre o muro que destruiu e o muro que edificou.
Em consequência do reconhecimento da propriedade dos AA, da parcela de terreno em causa, bem andou também a sentença em condenar a Ré a desocupar e restituir aos AA a referida parcela de terreno e numa indemnização pelos prejuízos causados, nos termos do artigo 483.º do Código Civil, decisão esta que não é assim, ao contrário do alegado pela Ré, desajustada e desproporcionada.
Improcede, assim, in totum o recurso apresentado, devendo ser confirmada a douta sentença impugnada.
*
5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação de Évora em:
1) Não admitir os documentos apresentados com as alegações e condenar a apresentante / recorrente em 1 (uma) UC pelo incidente processual.
2) Julgar improcedente o presente recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Ré/Recorrente (artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC).
*
Évora, 30 de janeiro de 2025
Susana Ferrão da Costa Cabral
Francisco Xavier
António Fernando Marques da Silva
(documento com assinaturas eletrónicas)