EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO
INÉRCIA DAS PARTES
Sumário

I. A declaração da extinção da instância por deserção depende, nos termos previstos pelo n.º 1 do artigo 281º do CPC, do preenchimento dos seguintes pressupostos: um, de natureza objectiva, consistente na demora, superior a 6 meses, da realização do impulso processual legalmente necessário; e outro, de natureza subjectiva, traduzido no juízo imputação culposa da inércia processual às partes.
II. Para o preenchimento do pressuposto objectivo, é necessário que o prosseguimento da instância dependa de impulso da parte, decorrente de algum preceito legal, o que se verifica relativamente ao autor quando a instância é declarada suspensa por falecimento de réu.
III. É imputável ao autor, a título negligente, a paragem do processo durante mais de seis meses, depois de ter sido notificado da suspensão da instância por morte do réu e de que o processo aguarda a habilitação dos respectivos sucessores, sem que, durante esse lapso de tempo, deduza incidente de habilitação ou junte aos autos qualquer requerimento, nomeadamente solicitando a realização de outras diligências ou justificando a razão pela qual o não faz.
IV. A não intervenção do juiz desde o despacho que suspendeu a instância por óbito da ré até à prolação da decisão que julgou extinta a instância por deserção, não viola o dever de gestão processual ou o princípio da cooperação, previstos nos artigos 6º e 7º do CPC, respectivamente, pois não impende sobre o tribunal o dever terminar com a inércia da parte, impondo-lhe a dedução do incidente de habilitação.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Apelação 516/23.0T8ELV.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Local Cível de Elvas - Juiz 1

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SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…)


Acordam os Juízes na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, sendo
Relator: Ricardo Miranda Peixoto
1º Adjunto: Filipe César Osório
2º Adjunto: Susana Costa Cabral
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I. RELATÓRIO
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A.
Veio (…), na presente acção declarativa com processo comum proposta contra (…), (…) Seguros, Companhia de Seguros e (…), S.A., Sucursal de Portugal e (…), pedir a condenação solidária dos Réus a pagar à A.:
A) Uma compensação por danos biológicos sofridos, no valor mínimo de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida dos juros legais vincendos contados desde a data da citação até integral e efetivo pagamento;
B) Uma compensação por danos morais, no valor mínimo de € 25.000,00 (vinte cinco mil euros), acrescida de juros legais vincendos, contados desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.
Alegou para o efeito que o montante peticionado corresponde à indemnização de que a Autora é credora por danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência de acidente de viação provocado por culpa do condutor de veículo automóvel segurado pela Ré, responsabilidade por esta já assumida.
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B.
Contestaram separadamente os Réus “(…)”, por um lado, e (…) e (…), por outro.
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C.
Recebida nos autos a informação e o comprovativo do falecimento da Ré … (Ref.ª Citius 2468407), foi proferido despacho a 13.03.2024 (Ref.ª Citius 33312771), notificado às partes por expediente datado de 15.03.2024, declarando “…suspensa a presente instância, até à notificação da decisão que julgue habilitados os seus sucessores – [cfr. artigos 269.º n.º 1 e 270.º n.º 1 e 5 do Código de Processo Civil].”.
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D.
Foi proferida, a 19.09.2024 (referência Citius 33717933), a seguinte sentença:
“(…)
Nos presentes autos de acção de processo comum, por despacho datado de 13/03/2024 (referência n.º 33312771), foi declarada suspensa a presente instância, até à notificação da decisão que julgue habilitados os seus sucessores, cuja notificação à Ilustre Mandatária da Autora foi remetida em 15/03/2024.
Os presentes autos encontram-se assim, desde 18/03/2024 (data da notificação do despacho supra referido), suspensos a aguardar o impulso processual da Autora.
Nos termos do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a instância considera-se deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
A deserção constitui, nos termos previstos pelo artigo 277.º, alínea c), do citado diploma legal, uma das causas de extinção da instância, sendo que, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 4, do mesmo diploma legal, é julgada no tribunal onde se verifique a falta de impulso, por simples despacho do juiz.
Do exposto decorre que a deserção não se verifica automaticamente pelo decurso do prazo, sendo necessário, também, uma decisão judicial e um juízo acerca da existência de negligência da parte.
Há, pois, que aquilatar se a Autora incorreu em negligência por omissão determinante da extinção da instância por deserção.
A inércia processual das partes (seja por inépcia ou impreparação sua em termos técnico-processuais, seja intencionalmente em função de uma certa interpretação do direito aplicável) produz consequências negativas (desvantagens ou perda de vantagens) para elas, só havendo lugar à desvalorização do princípio da sua autorresponsabilização mediante a intervenção tutelar, assistencial ou correctiva do tribunal quando a lei o preveja, o que não é o caso.
Em decorrência do princípio da boa gestão processual e do dever de prevenção que dele emerge, o prazo de 6 (seis) meses conta-se, não a partir do dia em que a parte deixou de praticar o acto que deveria praticar, antes sim da data em que foi notificada para o efeito.
Volvendo ao caso em apreço, verifica-se que já decorreu o prazo de 6 (seis) meses desde a notificação remetida em 15/03/2024.
Acresce que, o prazo de deserção da instância, porque igual a 6 (seis) meses, não se suspende nas férias judiciais, conforme decorre do artigo 138.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (neste sentido, vide, v.g., o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 28/10/2015, processo n.º 2248/05.2TBSJM.P2, acessível in www.dgsi.pt).
Como já referido, para ser julgada deserta a instância, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é necessário não só que o processo esteja parado há mais de 6 (seis) meses a aguardar o impulso processual da parte, mas também que tal se verifique por negligência da mesma em promover o seu andamento.
Deixando a Autora de impulsionar o processo, por mais de 6 (seis) meses, não tendo apresentado dentro desse período de tempo qualquer razão impeditiva da não promoção, estamos perante uma omissão de impulso a qualificar necessária e automaticamente como negligente, e que implica a deserção da instância.
A negligência a que se refere o artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil não é uma negligência que tenha de ser aferida para além dos elementos que o processo revela, pelo contrário, trata-se da negligência objectiva e imediatamente espelhada (negligência processual ou aparente).
Se a parte não promove o andamento do processo, nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que inculque a ideia de que a inacção se deve a causas estranhas à vontade da parte, está apoditicamente constituída uma situação de desinteresse, logo de negligência.
No caso em apreço, atenta a data do despacho que ordenou que os autos ficassem a aguardar o impulso processual das partes, notificada a Autora a 15/03/2024, temos que se mostra decorrido o prazo de 6 (seis) meses, correndo, conforme supra referido, o respectivo prazo de deserção em férias judiciais.
Desta feita, temos que o processo se encontra a aguardar impulso da Autora há mais de 6 (seis) meses, por negligência desta, dado que nada requereu, pelo que, em obediência ao preceito legal ora transcrito, a presente instância terá que ser declarada deserta e, em consequência, extinta (cfr. artigo 277.º, alínea c), daquele diploma legal).
Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos disposto nos artigos 277.º, alínea c), e 281.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, declaro extinta, por deserção, a presente instância. (…)”
*
E.
Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso de apelação. Concluiu as suas alegações nos seguintes termos (transcrição):
“1- A Autora foi notificada da suspensão da instância, em 15 de março de 2024;
2- Por força da junção de certidão de óbito pelo Mandatário dos Réus;
3- Após o despacho de suspensão da instância não foram praticados quaisquer atos processuais;
4- Da notificação não constava a cominação de que a não realização da habilitação de herdeiros pela Autora teria a consequência prevista no art.º 281 do CPC, ou sequer menção de tal artigo;
5- A Autora litiga sob apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxas e encargos do processo, pelo que não possui os meios económicos, nem os conhecimentos necessários para realizar a Habilitação de Herdeiros da Ré;
6- Sempre foi parte interessada e diligente no decorrer do processo, não podendo da sua inação, ser retirada de forma automática e objetiva a conclusão do desinteresse na prossecução da causa;
7- A prática do acto ou do impulso processual não era exclusivo da Autora, pelo que a omissão não configura negligência da parte que tinha o ónus da sua prática, isto é, dever o acto ser praticado por si – e não pela parte contrária, pela secretaria, pelo juiz, ou por terceiro -, e ter a sua omissão um carácter censurável, pelo que;
8- O tribunal “a quo” não agiu como deveria no uso das faculdades que lhe são conferidas e como lhe era exigido em estreita observação dos princípios da boa gestão processual, (Artigo 6.º do CPC), da cooperação (artigo 7.º do CPC) e do dever de prevenção, fazendo uma análise casuística aferindo do comportamento da Autora, para aferir da negligência;
9- Não resultando provada a negligência objetiva e processualmente espelhada da Autora, não obstante;
10- A sentença “a quo” encontra-se ferida de nulidade por violação de um dos sete requisitos previstos no Art.º 281-1 do CPC, a que acresce;
11- A extinção da instância na ação declarativa não é automática, ao invés do preconizado na ação executiva;
12- A omissão de notificação da Autora para se pronunciar sobre a falta de dedução do incidente de habilitação e, portanto, de uma formalidade imposta por lei (artigo 3.º, n.º 3, do CPC), gera a nulidade da sentença, nos termos do art.º 195, nº 1 do CPC;
13- Mesmo ocorrendo os seis requisitos do artigo 281, n.º 1, a omissão de um ato que devia ser praticado antes dessa declaração, gera a nulidade da declaração de deserção da instância, pois;
14- A notificação da Autora era um pressuposto do ato jurisdicional de declaração de deserção da instância e pela sua natureza, à contrário dos demais porque implica a prática de um ato processual a sua omissão gera nulidade processual, nos termos do art.º 195, n. 1 do CPC e art.º 615, nº 1, alínea d); (…)”.
Pugna pela revogação da decisão recorrida e por que seja ordenada a notificação da Autora, prosseguindo a acção os demais termos até final.
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F.
A Ré “(…)” respondeu, concluindo as suas contra-alegações nos seguintes termos (transcrição parcial, sem negrito e sublinhados da origem):
“(…)
4- Ora, o artigo 281.º, n.º 1 do C.P.C., constitui como pressupostos da deserção da instância que o processo esteja estagnado há mais de seis meses, a aguardar impulso processual da parte com ele onerada e que a omissão se deva à sua negligência;
5- Isto posto, a aqui Recorrente não coloca em causa o preenchimento do critério objetivo temporal, pelo que a discussão foca-se na verificação do pressuposto da negligência da parte onerada;
6- Vem a Recorrente alegar que a sua conduta ao longo do processo não se coaduna com a sua inação, tendo a mesma sempre demonstrado interesse no seu prosseguimento;
7- Pois bem, acontece que tal alegação não tem relevância. Resulta do Acórdão do STA, Proc. n.º 0706/12.1BEAVR, de 09/02/2023, que a negligência “é fundamentada na inércia processual das partes pelo período temporal superior a seis meses, não reclamando um juízo autónomo sobre a conduta processual.”;
8- Deste modo, cai a pretensão da Recorrente a este título;
9- Vem, ainda, a Recorrente alegar que o ónus de impulsionamento processual não cabia exclusivamente à mesma, imputando tal ónus ao Réu viúvo;
10- Ora, salvo o devido respeito, tal entendimento não tem fundamento;
11- Vejamos, o ónus de impulsionamento processual cabe à parte interessada nos autos, sendo que o interesse em agir consiste “na verificação da necessidade ou utilidade da acção tal como configurada pelo Autor, sendo definido como «a necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção». Este pressuposto apenas tem sentido na parte activa da lide (…), uma vez que na parte passiva se confunde com a legitimidade enquanto interesse em contradizer – artigo 26.º, n.º 1.” (cfr. Acórdão do TRL, Proc. n.º 1712/17.5T8BRR-B.L1-6, de 26/09/2019;
12- Neste sentido, o ónus processual de impulsionamento cabia exclusivamente à parte interessada que, in casu, é apenas a Recorrente;
13- Tendo deixado a Recorrente de impulsionar o processo por mais de seis meses, não tendo apresentado qualquer fundamento impeditivo, estamos diante de uma omissão de impulso;
14- Neste seguimento, vem a Recorrente alegar que houve uma omissão do Tribunal a quo dos seus deveres de cooperação e gestão processual, uma vez que não advertiu a parte das consequências da sua inação;
15- Todavia, o Despacho em causa indicou que a instância se considerava suspensa até à notificação da decisão que julgue habilitados os seus sucessores, concluindo-se que a Recorrente ficou ciente de que impendia sobre si o ónus de impulso processual;
16- Vide o Acórdão do STJ, Proc. n.º 225/15.4T8VNG.P1-A.S1, de 08/03/2018: “Tendo sido notificado às partes, designadamente ao mandatário do autor, o despacho de suspensão da instância para efeitos de o autor proceder ao registo da acção, não impende sobre o Tribunal o dever de fazer constar desse despacho a advertência de que a inércia do autor, por mais de 6 meses, determinaria a deserção da instância, porquanto não só se tornou bem claro ser, exclusivo, ónus do autor providenciais pela feitura desse registo como o mesmo não podia deixar de saber, até porque está representado por advogado, que, em face da decretada suspensão da instância com o dito fundamento, teria que demonstrar a realização do referido registo dentro do prazo de seis meses estabelecido no art. 281º, n.º 1 do C.P.Civil, a fim de impulsionar o andamento dos autos antes de decorrido este mesmo prazo (…).”;
17- Deste modo, a alegação de falta de advertência não tem fundamento, uma vez que não se trata de um requisito autónomo do instituto da deserção da instância;
18- Pelo exposto, deve manter-se a douta sentença ora recorrida, mantendo-se deserção da instância, o que desde já se requer para os devidos e legais efeitos.
19- Efetivamente, salvo melhor opinião, entende a Recorrida que, atendendo aos factos invocados pela Recorrente e, bem assim, atenta a manifesta insustentabilidade dos mesmos, por falta de fundamentação legal, sempre terão de improceder as alegações de recurso por este interposta. (…)”
Solicitou seja negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.
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G.
Colheram-se os vistos dos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
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H.
Questão a decidir
É a seguinte a questão, exclusivamente jurídica, em apreciação no presente recurso: [1]
Se o Tribunal recorrido fez errada interpretação e aplicação do artigo 281.º do CPC.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
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A. De facto
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O recurso é exclusivamente de direito e os elementos relevantes para a decisão constam do relatório antecedente.
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B. De direito
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Vem o presente recurso interposto de decisão que julgou deserta e, consequentemente, extinta a instância, por inércia das partes.
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Da deserção da instância por negligência da parte
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De acordo com a previsão legal do n.º 1 do artigo 281º do CPC, “…considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”
Estamos perante uma forma de extinção da instância que opera quando esta fique paralisada por mais de 6 meses, em resultado de conduta imputável à parte, a título negligente.
Podemos, assim, dividir em dois, os principais elementos de que a lei faz depender a declaração da deserção da instância: [2] [3]
i. um, de natureza objectiva, consiste na ocorrência de demora, superior a 6 meses, no impulso processual legalmente necessário; e
ii. outro, consiste no juízo imputação subjectiva, ou culposo, daquela inércia às partes.
Com Paulo Ramos de Faria que, em artigo publicado na revista “Julgar” [4], dedica particular atenção ao tratamento da deserção da instância na actual previsão do CPC, devemos ter presente que “…após a ocorrência da deserção e antes de ser ela judicialmente reconhecida, os atos putativamente processuais espontaneamente praticados pelas partes são potencialmente desprovidos do seu efeito jurídico processual típico. Tais atos não são idóneos a impedir o julgamento de deserção da instância. (…).”
A declaração da deserção tem, assim, “…efeitos constitutivos ex tunc sobre o processo, reportando-se à data da ocorrência do facto jurídico extintivo (…).” [5]
Como resulta das anotações 3 e 4 ao artigo 181º do CPC, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, referem que “…na apreciação do condicionalismo da deserção da instância é importante que se ponderem globalmente as diversas circunstâncias, quer as de ordem legal, quer as que se ligam ao comportamento da parte onerada com a iniciativa de dinamizar a instância. (…) Daqui pode resultar que, antes de declarar o efeito extintivo da instância decorrente da deserção, se mostre necessário que o juiz sinalize, por despacho, ser aquela a consequência da omissão de algum ato processual (…), fazendo valer os princípios da gestão e da cooperação processual e o dever de prevenção deles emergente. (…)” [6]
Esta preocupação em encontrar um justo equilíbrio entre a celeridade processual que ao juiz, no âmbito dos seus deveres de gestão processual, incumbe promover, e o dever de prevenção à parte que também impende sobre o juiz como manifestação do princípio da cooperação, tem levado autores a sustentar que, verificados os necessários pressupostos previstos pelo n.º 1 do artigo 281º do CPC, deve o juiz advertir a parte para a possibilidade de vir a ser declarada a deserção da instância. [7] [8]
Todavia, nos casos de inércia das partes na promoção do incidente de habilitação de herdeiros subsequente à notificação da suspensão a instância por falecimento de parte da acção, a jurisprudência do nosso Supremo Tribunal de Justiça vem consistentemente considerando desnecessário tal despacho. Neste sentido, entre outros, se pronunciaram os acórdãos do S.T.J. de 31.01.2023, relatado pelo Juiz Conselheiro Jorge Dias no processo n.º 18932/16.2T8LSB.L3.S1, de 20.04.2021, relatado pelo Juiz Conselheiro Pedro Lima Gonçalves no processo 27911/18.4T8LSB.L1.S1, de 12.01.2021, relatado pelo Juiz Conselheiro Acácio Neves no processo n.º 3820/17.3T8SNT.L1.S1, ou de 20.09.2016, relatado pelo Juiz Conselheiro José Raínho no processo n.º 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1. [9] No mesmo sentido, também o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.10.2015, relatado pelo Desembargador José Eusébio de Almeida no proc. n.º 2248/05.2TBSJM.P2. [10]
Considera a citada jurisprudência, em termos que aqui se acompanham, que a não intervenção do Tribunal desde o despacho que suspende a instância por óbito de um interessado até à decisão que julga extinta a instância por deserção, não viola o princípio da cooperação previsto no artigo 7.º do Código de Processo Civil ou o dever de gestão processual previsto no artigo 6.º deste diploma legal, porquanto não cabe ao Tribunal terminar com a inércia das partes, impondo-lhes a prática de atos que as mesmas não pretendam praticar (devendo sofrer as consequências legais da sua omissão), pois a maior intervenção que o Código de Processo Civil confere ao Juiz para providenciar pelo andamento célere do processo e com vista à prevalência da justiça material em detrimento da justiça adjetiva, não afasta o princípio da autorresponsabilização das partes (sublinhados nossos).
Isto, naturalmente, sem prejuízo da necessária aferição, num juízo sobre a imputação subjectiva, da culpa da parte na inércia do processo.
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Com estas noções presentes, vejamos, agora, se a sentença recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação do artigo 281.º do CPC.
i.
Esta tarefa implica a apreciação do preenchimento dos pressupostos da deserção, nos termos supra identificados, o primeiro dos quais consiste, como vimos, na ocorrência de demora no impulso processual legalmente necessário, superior a 6 meses.
No caso vertente, por despacho proferido a 13.03.2024, foi declarada a suspensão da instância em virtude do falecimento da co-Ré (…).
Este despacho foi comunicado à Ré por expediente datado de 15.03.2024 que do mesmo se considera notificada a 18.03.2024 (cfr. n.º 1 do artigo 249.º do CPC).
Note-se que, por se tratar de um prazo longo, de seis meses, o prazo de deserção não se suspende em férias judiciais (cfr. n.º 1 do artigo 138º do CPC).
Desde a notificação, a 18.03.2024, da suspensão da instância, até à prolação, a 19.09.2024, da decisão que declarou deserta a instância, decorreram mais de seis meses, sem que a Autora tenha deduzido o incidente de habilitação de herdeiros ou dirigido ao tribunal requerimento, fosse para pedir a realização de diligências complementares, fosse para justificar as razões da sua omissão.
Conclui-se, assim, que o processo esteve parado por mais de 6 meses sem impulso processual da Autora que, não sendo a única com a faculdade processual de iniciar o incidente de habilitação (cfr. n.º 1 do artigo 351º do CPC) é, no entanto, a única com interesse activo no prosseguimento da demanda contra às Rés.
O impulso omitido era necessário ao prosseguimento dos autos, impendendo, assim, sobre a Autora o cumprimento desse ónus processual por força dos n.ºs 1 e 2 do artigo 351º do CPC.
Estamos, por isso, perante uma paragem processual por mais de seis meses, decorrente do incumprimento de um dever de impulso processual que impendia sobre a Autora.
ii.
Vejamos, agora, se e em que medida, a omissão de impulso da Autora lhe é imputável a título negligente ou de mera culpa.
Como vimos, conhecido nos autos o falecimento da co-Ré (…), foi a Autora notificada do despacho que declarou a instância suspensa até à notificação da decisão que julgue habilitados os seus sucessores (sublinhados nossos).
A Autora ficou, portanto, ciente que o processo aguardava a realização do incidente de habilitação dos sucessores da co-Ré.
Seguiu-se total silêncio e inactividade processual da Autora durante mais de seis meses.
Em tal contexto, deve entender-se que a omissão de impulso processual se deve apenas a negligência da Autora, pois que:
- se alguma razão houvesse, de índole subjectiva ou objectiva, que lhe dificultasse ou que a impedisse de tomar essa iniciativa, podia informar o tribunal da causa do retardamento e mesmo solicitar que este, no uso dos seus poderes de autoridade, realizasse diligências, nomeadamente na recolha de elementos junto de entidades públicas ou particulares que permitissem superar as putativas razões do retardamento na realização do pedido, o que teria também como consequência a interrupção do prazo da deserção em curso; e
- era-lhe exigível, no bom cumprimento dos princípios da colaboração e da celeridade processuais, o cumprimento de pelo menos uma das condutas omitidas, mencionadas no parágrafo anterior.
Em face do exposto, também se mostra preenchido o segundo elemento – de imputação subjectiva – de que depende a declaração de deserção da instância.
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Conclui-se, por isso, que estão preenchidos os pressupostos do decretamento da deserção da instância, não merecendo reparo a decisão recorrida.
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Custas
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Não havendo norma que preveja isenção (artigo 4.º, n.º 2, do RCP), o presente recurso está sujeito a custas (artigo 607.º, n.º 6, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC).
No critério definido pelos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6, ambos do CPC, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no vencimento ou decaimento na causa ou, não havendo vencimento, no proveito.
No caso vertente, apenas a Recorrente / Autora da acção recorreu, não tendo obtido vencimento no recurso.
Assim, deve suportar as custas do presente recurso.
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III. DECISÃO
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Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o colectivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em:
1. Julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
2. Condenar a Recorrente no pagamento das custas do presente recurso.
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Notifique.
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Évora, 30 de Janeiro de 2025
Relator: Ricardo Miranda Peixoto
1º Adjunto: Filipe César Osório
2º Adjunto: Susana Costa Cabral


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[1] O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, parte final, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC).
Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação.
[2] No mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.07.2018, relatado pelo Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes no processo n.º 105415/12.2.YIPRT.P1.S1.
Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9a99ec983c358269802582c2004945f0?OpenDocument
[3] Lebre de Freitas, identifica na redacção do artigo 281.º, n.º 1 do CPC, os seguintes sete pressupostos de aplicação:
“1. Que lei especial, ou o tribunal por despacho de adequação formal do processo, imponha à parte um ónus de impulso processual subsequente;
2. Que o ato que a parte deva praticar seja por ela omitido;
3. Que o processo fique parado em consequência dessa omissão;
4. Que a omissão se prolongue durante mais de seis meses;
5. Que o processo se mantenha, por isso, parado durante este período de tempo;
6. Que a omissão seja imputável à parte, por dolo ou negligência;
7. Que o juiz alerte a parte onerada para a deserção da instância que ocorrerá se o ato não for praticado (segundo a corrente mais exigente, só a partir da notificação deste despacho de advertência se contando os seis meses).” In “Da nulidade da declaração de deserção da instância sem precedência de advertência à Parte”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2018, pág. 198.
[4] “O julgamento da deserção da instância declarativa – breve roteiro jurisprudencial”, in Julgar on line, Abril 2015, pág. 14. Disponível na ligação:
http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESER%C3%87%C3%83O-DA-INST%C3%82NCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf
[5] Paulo Ramos Faria, in Op. Cit., pág. 15.
[6] In “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3ª edição, Almedina, 2024, pág. 257.
[7] Neste sentido, Lebre de Freitas, in Op. Cit., pág. 197.
[8] Também Paulo Ramos Faria, mantém que “sendo correto dizer-se que o novo Código veio responsabilizar mais o demandante pela sua inércia, não menos seguro é reconhecer-se que veio também, em maior grau, agravar os deveres do juiz na condução do processo. (…) Quando o juiz gere o processo fazendo-o aguardar um ato da parte, por entender que se está perante um caso em que o impulso apenas a esta cabe, tem a obrigação de o proclamar nos autos, ficando os contendores notificados plenamente conscientes de que a demanda aguarda o seu impulso pelo prazo de deserção.”, in Op. Cit., págs. 16 e 17.
[9] Disponíveis, respectivamente, nas ligações:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b521d6741fb1eff18025894a003d7918?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fcf704b50528980f802586d8003e2b6b?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/94669644dd76730580258671004985fb?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5f9b625e72cea7c38025803500356e2d?OpenDocument
[10] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/b75ed7e0266e8f0480257ef80056e1c7?OpenDocument