OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FUNDAMENTOS
FACTOS SUPERVENIENTES
Sumário

1 – Os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu, não constituindo instrumentos processuais para obter decisões novas.
2 – A necessidade de elencar os factos considerados provados (e não provados) é de geometria variável, sendo que, ao contrário do grau de exigência imposto nos saneadores-sentença e nas sentenças, em sede de indeferimento liminar aquele enunciado pode ser dispensado, desde que o despacho contenha as razões de facto suficientes à compreensão dos fundamentos negatórios da pretensão.
3 – Se a matéria que serve de fundamento à oposição for objectiva ou subjectivamente superveniente, o prazo da oposição conta-se consoante os casos, a partir do momento em que se tenha verificado o facto que serve de fundamento à oposição (superveniência objectiva) ou em que o executado teve conhecimento desse facto (superveniência subjectiva), atento o disposto no n.º 2 do artigo 728.º do Código de Processo Civil.
4 – Para além disso, mesmo que esteja em causa um facto superveniente, o executado só poderá invocá-lo em sede de oposição à execução desde que o mesmo se enquadre no âmbito dos respectivos fundamentos.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 2428/19.3T8STB-C.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Execução de Setúbal – J2
*
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
*
I – Relatório:
Na presente acção executiva proposta por “Caixa Geral de Depósitos, SA” contra (…), a executada veio deduzir oposição mediante embargos de executado. Proferido despacho de indeferimento liminar, a embargante interpôs recurso.
*
Ao ser notificada da penhora do seu quinhão hereditário na herança aberta por óbito de seu pai, a embargante veio deduzir embargos de executado.
Para tanto, a executada defendeu que a execução devia ser extinta, uma vez que se encontrava pago o crédito dado à execução e que a insuficiência do valor da venda ou da própria garantia para pagamento da totalidade dos créditos se deve exclusivamente à “Caixa Geral de Depósitos, SA”.
A executada pediu que se declarasse que a embargante abusa do seu direito ao exigir o prosseguimento da execução e, por isso, deve ser julgada extinta a instância executiva, com levantamento de qualquer penhora que subsista, incidente sobre património ou rendimentos da Embargante.
*
Em sede liminar foi proferido despacho com o seguinte conteúdo:
«A executada foi citada nos presentes autos no dia 27-05-2019.
Face ao exposto, não pode já deduzir embargos de executado, mas apenas oposição às penhoras que vão sendo realizadas ao longo do processo e desde que apresente a oposição dentro do prazo previsto na lei, que se conta, naturalmente, após a data da notificação da penhora.
Considerando que foram deduzidos embargos de executado e os fundamentos apresentados não se subsumem nos fundamentos específicos de oposição à penhora, e apenas relacionados com esta, previstos no artigo 784.º/1 do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente os presentes embargos de executado por terem sido apresentados fora do prazo (mais de 4 anos após o decurso do prazo para a sua apresentação): artigo 732.º/1-a) do Código de Processo Civil.
*
Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso de apelação e formulou as seguintes conclusões:
«A) A sentença recorrida não identifica os fundamentos concretos da decisão, remetendo para o prazo do nº 1 do art. 728º do C.P.C., quando os factos alegados respeitam a fundamento superveniente, a que é aplicável o nº 2 do mesmo artigo;
B) De igual modo, não refere quais os fundamentos de facto da não aplicação do nº 3 do art. 193º do C.P.C., que impõe a correção oficiosa da qualificação do meio processual utilizado;
C) A omissão dos fundamentos de facto da sentença e a contradição entre os factos e a decisão tornam-na nula, nos termos das alíneas b) e d) do art. 615º do C.P.C.;
D) Na eventualidade, que se admite por mera cautela de patrocínio, e sem conceder, de a sentença não ser declarada nula com tais fundamentos, a mesma deve ser revogada e proferido despacho de recebimento dos embargos, porquanto os fundamentos invocados são supervenientes e, por isso, sujeitos ao prazo do nº 2 do art. 728º, que foi respeitado;
E) De igual modo, remetendo os fundamentos dos embargos para circunstâncias abrangidas pelas alíneas a) e c) do art. 784º do C.P.C., a entender-se ser inadequado o meio processual utilizado, impunha-se (impõe-se) a aplicação do mecanismo imperativo do nº 3 do art. 193º e a correção oficiosa da qualificação do meio processual;
F) Termos em que deve a sentença ser declarada nula, por omissão da fundamentação concreta ou de contradição entre os fundamentos e a decisão,
recebendo-se os embargos ou;
G) Se julgada inadequada a qualificação do meio processual, ser este oficiosamente convertido em oposição à penhora, nos termos do nº 3 do art.
193º do C.P.C.;
H) Revogando-se a sentença recorrida e lavrado Acórdão de recebimento dos embargos ou, se assim não se entender, da oposição à penhora,
Assim se fazendo a costumada Justiça!».
*
O recurso não foi admitido e foi interposta reclamação, a qual foi julgada procedente.
*
II – Objecto do Recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação:
i) da nulidade por omissão de pronúncia e contradição entre factos e a decisão.
ii) do erro na apreciação dos pressupostos de indeferimento liminar.
*
III – Factos com interesse para a decisão do recurso:
Os factos com interesse para a decisão do recurso constam do relatório inicial.
*
IV – Fundamentação:
A acção executiva visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado e tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (artigos 2.º e 10.º, nºs 1, 4 e 5 do Código de Processo Civil).
Os embargos de executado são uma verdadeira acção declarativa e que visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da acção executiva[1].
Relativamente à questão da omissão da factualidade na decisão sob censura, importa sublinhar que «num despacho de indeferimento liminar, poderá mostrar-se desnecessária a elaboração de um enunciado de factos provados e não provados em termos idênticos àqueles que são exigidos num saneador-sentença ou numa sentença proferida na sequência da realização da audiência final. Desde que resultem claramente do despacho as razões de facto pelas quais a petição é liminarmente indeferida, aquele enunciado será dispensável»[2].
A decisão recorrida contém os fundamentos de facto (data da citação, não dedução inicial de oposição à penhora, impossibilidade de renovação sucessiva de fundamentos, falta de preenchimento dos pressupostos específicos dos embargos à execução e momento da apresentação dos presentes embargos) e conclui que temporalmente não era admissível a dedução da defesa apresentada.
Além disso, não existe qualquer contradição entre os factos e a decisão tomada. Desta sorte, a existir algum vício da decisão, o mesmo reporta-se ao mérito e não à nulidade da decisão.
*
Quanto à questão da existência de um eventual erro relacionado com a não transmutação da oposição mediante embargos numa oposição à penhora, a apreciação da questão pressupõe a improcedência do recurso apresentado e, assim, o conhecimento dessa matéria efectuado mais adiante.
*
O dissídio aqui em causa assenta basicamente na existência (ou não) de fundamento superveniente com eficácia extintiva.
Na realidade, o Tribunal «a quo» alocou a questão à matéria do n.º 1 do artigo 728.º[3] do Código de Processo Civil, enquanto o nº. 2 do artigo 728.º n.º2 aceita que possa haver oposição à execução deduzida depois daquele momento, quando ela se baseie em matéria da execução que seja superveniente.
Isto é, supõe factos que ocorreram ou foram conhecidos depois do prazo inicial, i.e., “os factos que sejam objectiva ou subjectivamente supervenientes”[4] e que sejam os permitidos pelos artigos 729.º a 731.º e artigo 857.º[5].
Se a matéria que serve de fundamento à oposição for objectiva ou subjectivamente superveniente, o prazo da oposição conta-se consoante os casos, a partir do momento em que se tenha verificado o facto que serve de fundamento à oposição (superveniência objectiva) ou em que o executado teve conhecimento desse facto (superveniência subjectiva), atento o disposto no art.º 728.º, n.º 2.[6]
Há, assim, a possibilidade de embargos supervenientes quando o facto que os fundamenta ocorra depois da citação do executado ou quando este tiver conhecimento do facto depois da sua citação[7] [8] [9].
Não basta ao executado embargante alegar e provar a superveniência do conhecimento do facto, sendo-lhe também necessário demonstrar que não lhe é imputável o seu desconhecimento até ao prazo de 20 dias para a oposição[10].
Para além disso, mesmo que esteja em causa um facto superveniente, o executado só poderá invocá-lo em sede de oposição à execução desde que o mesmo se enquadre no âmbito dos respectivos fundamentos.
Por outras palavras, cumpre apreciar se é admissível a apresentação de defesa com base no instituto do abuso de direito e se é temporalmente adequada a introdução desta oposição à execução, sendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, estando o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido.
Na verdade, Miguel Teixeira de Sousa ensina que no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o Tribunal não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas[11].
Torna-se evidente que a questão da superveniência não foi apreciada e tudo foi tratado como se estivéssemos perante um fundamento pré-existente, quando aquilo que a executada pretendia discutir correspondia a um aspecto superveniente relacionado com a venda efectuada e a existência de um cenário de abuso de direito por parte da exequente.
Neste campo, o juízo de tempestividade e de preenchimento dos fundamentos de oposição à execução tem de ser realizado não com referência à data do início da lide, mas antes de acordo com o alegado facto extintivo da execução.
Nestes termos, importa revogar a decisão recorrida e determinar a respectiva reapreciação à luz da natureza superveniente dos factos invocados e da admissibilidade dos respectivos fundamentos, sem prejuízo de, em caso de não preenchimento temporal e temático dos parâmetros legalmente exigidos, o incidente prosseguir eventualmente como incidente de oposição à penhora, se for o caso, nos termos requeridos pela executada.
*
V – Sumário: (…)
*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida.
Sem custas, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
Processei e revi.
*
Évora, 30/01/2025

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho

Eduarda Branquinho

Canelas Brás


__________________________________________________
[1] Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 143.
[2] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12/09/2024, publicitado em www.dgsi.pt.
[3] Artigo 728.º (Oposição mediante embargos):
1 - O executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação.
2 - Quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado.
3 - Não é aplicável à oposição o disposto no n.º 2 do artigo 569.º.
4 - A citação do executado é substituída por notificação quando, citado o executado para a execução de determinado título, se cumule depois, no mesmo processo, a execução de outro título, aplicando-se, neste caso, o disposto no artigo 227.º, devidamente adaptado, sem prejuízo de a notificação se fazer na pessoa do mandatário, quando constituído.
[4] Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/02/1991 e de 22/06/2006, pesquisáveis em www.dgsi.pt.
[5] Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, Lisboa, 2018, pág. 418.
[6] Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 198.
[7] José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7:ª edição, Gestlegal, Coimbra, 2017, pág. 226. [8] José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 453-454.
[9] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Código de Processo Civil Anotado, vol. II – Processos de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial – Artigos 703.º a 1139.º –, 2.ª edição. Almedina, Coimbra, 2022, pág. 83.
[10] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/05/2019, pesquisável em www.dgsi.pt.
[11] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., LEX, Lisboa 1997, pág. 395.