PRAZO DE PRESCRIÇÃO
MÚTUO BANCÁRIO LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES
JUROS BANCÁRIOS
Sumário

O prazo de prescrição dos créditos emergentes de contratos de mútuo bancário em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respetivos juros é de cinco anos, por aplicação do regime inserto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, sendo irrelevante, para o caso, o vencimento mensal de cada prestação ou o vencimento global antecipado das prestações vincendas.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Embargada: (…) – STC, S.A.
Recorridos / Embargantes: (…), (…), (…)

Os Embargantes deduziram oposição à execução instaurada com base no contrato de mútuo com hipoteca e fiança por via do qual foi disponibilizada a quantia monetária de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).
Mediante os presentes embargos de executado, pugnando pela extinção da execução, foram invocados os seguintes fundamentos:
- a prescrição da dívida exequenda, fazendo apelo ao regime inserto no art. 310.º als. d) e e) do CC, à luz da jurisprudência inserta no Ac. Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2022, de 22 de setembro;
- a ilegitimidade da exequente e inexigibilidade da dívida em razão da ineficácia da cessão de créditos que invocou;
- o incumprimento do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI);
- a errada contabilização de juros; e
- a prescrição dos juros.
A oposição foi liminarmente admitida.
A Embargada apresentou-se a contestá-la, pugnando pela respetiva improcedência.
Relativamente à prescrição, sustentou que ao crédito exequendo é aplicável o prazo ordinário de 20 anos previsto no art. 309.º do CC.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferido saneador - sentença julgando verificada a exceção perentória de prescrição do crédito exequendo relativamente aos Embargantes e, em consequência, procedente a oposição à execução por estes deduzida, determinando a extinção da execução relativamente aos Embargantes.
Inconformada, a Embargada apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«i. Não pode a Recorrente concordar com a posição assumida pelo Tribunal a quo, quanto à verificação da prescrição prevista na al. e) do art. 310.º, do Código Civil.
ii. Considere-se para o efeito que dispõe o artigo 781.º, do CC, que “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.”
iii. E no contrato de mútuo aqui em causa, junto com o requerimento inicial executivo, foi acordado o pagamento do capital mutuado em prestações.
iv. Do sinalagma contratual resulta para o mutuário uma obrigação composta, de vencimento periódico, que compreende capital e juros remuneratórios e, em caso de incumprimento e subsequente vencimento imediato da globalidade do empréstimo, nos termos do preceituado pelo artigo 781.º do CC, uma singela obrigação de restituição do valor de capital em dívida, acrescido dos juros remuneratórios e dos juros moratórios.
v. Ora, atendendo ao caso em concreto, apenas foi efetuado o pagamento das prestações vencidas no contrato de mútuo, não obstante as diligências efetuadas pelo Banco Cedente e pelo ora Recorrente no sentido do pagamento, o que determinou o vencimento e exigibilidade de toda a dívida.
vi. Tal facto determina, como determinou, por aplicação da norma contida no já referido art. 781.º do Código Civil, o imediato vencimento da totalidade do capital mutuado ainda em falta, acrescido dos juros remuneratórios e moratórios, contados à taxa convencional em vigor, acrescida da sobretaxa de mora, desde a data do incumprimento e até efetivo e integral pagamento.
vii. Ou seja, deixam de existir as cumulativas obrigações, de vencimento mensal, de restituição de parte do capital e juros remuneratórios e passa a existir uma só obrigação, com génese no incumprimento do contrato, de restituição em bloco.
viii. Trata-se de uma obrigação já não decorrente do contrato, mas sim do incumprimento deste.
ix. Assim, é inaplicável o regime disposto nas referidas alíneas do art. 310.º, do Código Civil, o que desde já se alega e argui para todos os devidos e legais efeitos.
x. Isto porque, o vencimento da totalidade do capital em dívida, nos termos do disposto no art. 781.º do CC, dá origem a uma nova dívida, não fracionada nem periodicamente renovável, com génese no momento e por causa do incumprimento.
xi. Assim, e considerando o exposto, em caso de incumprimento do mutuário que deixa de pagar as prestações, tendo o mutuante considerado vencidas todas as prestações e devido o pagamento do valor total remanescente, fica sem efeito o plano de pagamento acordado, e nessa medida o montante em dívida retoma a sua natureza original de capital (e juros), sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309.º, do Código Civil.
xii. Por outro lado, nos termos da cláusula 8.º do documento complementar anexo à escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e dela parte integrante, no qual foram estabelecidas as cláusulas que regulavam o empréstimo concedido, encontra-se disposto o seguinte: “As importâncias em dívida cujo pagamento seja obrigação emergente deste contrato tornar-se-ão imediatamente exigíveis em caso de arresto, penhora ou alienação do bem dado em hipoteca, assim como em caso de incumprimento por parte dos mutuários de qualquer das obrigações dele decorrentes, iniciando-se a contagem dos juros à taxa máxima em vigor para as operações ativas de igual prazo, acrescida de sobretaxa por mora de dois por cento ao ano.”
xiii. Pelo que e sem prejuízo do supra exposto, o incumprimento definitivo por parte da executada, implicou a imediata exigibilidade das prestações vincendas e, como tal, a resolução antecipada no contrato.
xiv. Do exposto resulta que, o direito de crédito do Recorrente, no que concerne ao contrato de financiamento, não se encontra prescrito, porque acionado judicialmente, ou seja, por força da execução intentada, sendo certo que o prazo de prescrição do mesmo corresponde ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos (art. 309.º do Código Civil).
xv. Sem prejuízo do exposto, sempre se diga que se considera verificada inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, e, bem assim, dos princípios da confiança e da proporcionalidade ou da proibição do excesso (cfr. artigos 2.º, 12.º, n.º 2, 18.º, nºs 1, 2 e 3 e 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), que desde já expressamente se invoca.
xvi. Considera-se desnecessária a interpretação da norma aventada pelo Tribunal a quo, na medida em que no confronto dos direitos de credor e devedor, este último beneficia já de um prazo de prescrição de juros de cinco anos, ao abrigo do artigo 310.º, alínea d), do Código Civil, pelo que inexiste fundamento que justifique o “duplo benefício” concedido pela interpretação em crise.
xvii. Neste enquadramento, apenas o entendimento de que o capital está sujeito ao prazo de prescrição ordinário de vinte anos, conforme resulta do artigo 309.º do Código Civil, seria proporcional na ponderação entre direito do credor vs. direito do devedor.
xviii. Afigura-se ainda inadequada, pois tenta resolver diferentemente duas realidades idênticas: o mútuo gratuito, sem juros, e o mútuo antecipadamente vencido (em que também deixam de poder ser cobrados juros remuneratórios).
xix. De acordo com a interpretação feita na douta sentença recorrida, o interesse protegido – o direito do devedor a não ver a sua dívida acumulada desmesuradamente, que já se encontra garantido pela prescrição de juros – é substituído por um benefício excessivo, tornando inexigíveis valores que recebeu e de que se apropriou a título de capital, em prejuízo direto do credor.
xx. De outra forma, a certeza e a segurança jurídica do crédito são irreparavelmente desconsideradas, com isso se violando também o princípio constitucional da confiança consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
xxi. Determina a sentença recorrida que “(…) terminou em 22-07-2022, pelo que, quando a exequente/embargada propôs a execução em 02-05-2023, já se havia esgotado de forma indelével.”, contudo, desconsiderou tal decisório que se encontra em curso desde 2016 o Processo de Execução Fiscal n.º 1988201301009249, no qual o Recorrente reclamou créditos, pelo que tal processo interrompe o prazo prescricional referente ao crédito invocado.
xxii. Destarte, ainda que se admita a aplicabilidade do prazo de 5 anos, sempre o mesmo se encontra interrompido pelo Processo de Execução Fiscal identificado.
xxiii. Por tudo quanto foi alegado, deve o recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se, na integra, a sentença proferida pela Meritíssima Juiz a quo.»
Os Recorridos apresentaram contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, invocando que se impõe a aplicação da jurisprudência uniformizadora citada na decisão, que não é concretizado qualquer fundamento inerente à inconstitucionalidade da aplicação da al. e) do art. 310.º do CC e que a existência de execução fiscal, como fundamento da interrupção do prazo de prescrição, é questão nova, não debatida em sede de articulados, e que não está demonstrada nos autos.

Cumpre apreciar o desacerto da declaração da prescrição do crédito dado à execução contra os Embargantes.

III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância
1. Em 02-05-2023 a sociedade “(…) – STC, S.A.” instaurou contra (…), (…), (…) e (…) execução para pagamento da quantia global de € 46.425,34 (quarenta e seis mil quatrocentos e vinte e cinco euros e trinta e quatro cêntimos), oferecendo para valer como título executivo uma escritura pública outorgada em 11-03-2005 e denominada de «Mútuo com Hipoteca e Fiança» e respetivo Documento Complementar.
2. No requerimento executivo alegou, para além do mais, o seguinte:
«(…)
1.º Por deliberação extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, tomada em reunião extraordinária, no dia 03 de Agosto de 2014, (…) foi aplicada uma medida de resolução ao Banco (…), S.A. e, nessa sequência, constituído o (…) Banco, S.A.
2.º Nos termos daquela mesma deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, os créditos que eram da titularidade do Banco (…), S.A., foram transferidas para a titularidade do (…) Banco, S.A., com efeitos à data daquela deliberação.
(…)
4.º Mediante contrato de cessão de créditos celebrado em 07 de junho de 2019, o (…) Banco, SA, cedeu à (…) – STC SA, um conjunto de créditos vencidos de que era titular (…).
(…)
6.º A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes ao(s) crédito(s) cedido(s), designadamente da(s) hipoteca(s) constituída(s) sobre o(s) prédio(s) em causa, nos termos do disposto no art.º 582.º do Código Civil.
7.º O que faz com que, nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei 42/2019, de 28 de março, a Exequente seja a atual titular dos créditos sub judice e ora peticionados.
(…)
A) Contrato n.º (…)
8.º No exercício da sua atividade creditícia, o “Banco (…), S.A. (à data),” celebrou em 11/03/2005, com os ora executados (…), (…) e (…), um Contrato de Mútuo com Hipoteca e Fiança, destinado a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente e à aquisição de equipamento para a sua residência, por via do qual foi mutuado pelo primeiro aos segundos, a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) (…).
9.º Para caução e garantia das obrigações assumidas foi constituída hipoteca voluntária sobre o imóvel melhor identificado infra:
Prédio urbano, destinado a habitação com logradouro, sito na Rua do (…), freguesia de (…), concelho do Cartaxo, descrito na CRP do Cartaxo sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … (docs. 3 e 4).
10.º (…) e (…) confessaram e constituíram solidariamente fiadores e principais pagadores por tudo o que fosse devido no âmbito do presente contrato, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia (…).
11.º A referida hipoteca foi registada a favor do “Banco (…), S.A.”, pela inscrição Ap. … de 2005/02/14 (…).
12.º Clausulou-se que o capital mutuado venceria juros à taxa de juro contratual nominal e inicial de 4,85%, revista e atualizável com a periodicidade semestral, com base na média aritmética simples das Taxas Euribor a seis meses, dos dias úteis do mês civil anterior, com arredondamento para o oitavo superior (…).
13.º Ademais fora plasmado que em caso de incumprimento de qualquer obrigação contratual, iniciar-se-ia a contagem dos juros à taxa máxima em vigor para as operações ativas de igual prazo, acrescida de sobretaxa por mora de 2%, cfr. cláusula 8.ª do “Documento Complementar” do contrato (…).
14.º Destarte (…), obrigaram-se os aqui Executados, durante um período de 288 (duzentos e oitenta e oito) meses, a reembolsar a quantia mutuada em prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros.
15.º Em 30/06/2008, mediante acordo entre os intervenientes, foi celebrado acordo em prorrogar o prazo de reembolso para 420 (quatrocentos e vinte) prestações mensais (…).
16.º Sucede, todavia, que tal não aconteceu, pois que os aqui Executados deixaram de proceder ao pontual pagamento das prestações a que estava obrigado, nomeadamente as que se venceram após 24/11/2016, apesar de várias vezes ter sido interpelado para o respetivo pagamento.
17.º O pagamento não se presume e a falta de pagamento de qualquer das prestações implica o vencimento de toda a dívida – cfr. artigos 781.º e 817.º do Código Civil.
18.º Não obstante tais diligências encontram-se em dívida as seguintes quantias:
Operação n.º (…):
A) Capital vencido na sequência do incumprimento – 24/11/2016: € 31.994,17
B) Juros à taxa de à taxa contratual de 4,85%, acrescida da sobretaxa de 2%: € 13.876,13
C) Imposto do Selo: € 555,04
Total: € 46.425,34
19.º Pelo que à data de 24/03/2023 o valor em dívida relativo ao mencionado contrato ascende a € 46.425,34 (quarenta e seis mil e quatrocentos e vinte e cinco euros e trinta e quatro cêntimos).
20.º A este valor, acrescem os juros de mora vincendos desde 24/03/2023 até efetivo e integral pagamento, calculados sobre o capital em dívida, à taxa de 4,85%, acrescida da sobretaxa de 2%.
(…)».
3. A susodita escritura pública exequenda foi celebrada por (…) e (…), enquanto primeiros outorgantes, pelo “Banco (…), S.A.”, enquanto segundo outorgante e por (…) e (…), enquanto terceiros outorgantes, sendo que pela mesma os primeiros outorgantes confessaram-se «devedores ao Banco (…), S.A. da importância de cinquenta mil euros, por empréstimo que o mesmo banco lhes concede a liquidar em vinte e quatro anos, em duzentos e oitenta e oito prestações mensais constantes e sucessivas de capital e juros, vencendo-se as mesmas no dia vinte e cinco de cada mês, com a respetiva regularização de juros».
4. Mais declararam os primeiros outorgantes «que o referido empréstimo se destina a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente pelo primeiro outorgante e a aquisição de equipamento para a sua residência».
5. Ficou ainda estipulado que «a taxa de juro inicial do empréstimo será de quatro vírgula setenta e cinco por cento, correspondente à taxa anual efetiva de quatro vírgula oitenta e cinco por cento», sendo «revista com a periodicidade semestral e correspondente à Euribor de referência, acrescida de dois vírgula cinco por cento».
6. Do mesmo instrumento resulta de igual modo «que, em garantia do bom pagamento da quantia mutuada, acrescida dos juros que forem devidos e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais que o banco mutuante tenha de fazer no caso de ir a juízo para manter e assegurar o seu crédito e acessórios, (…) ele primeiro outorgante varão por esta mesma escritura, constitui hipoteca sobre o referido prédio a favor do Banco (…), S.A. (…)».
7. Pelos terceiros outorgantes foi dito «que se constituem fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco (…), S.A. em consequência do empréstimo que os mutuários contraíram junto do Banco (…), S.A.”, aqui titulado, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando já o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e, bem assim, às alterações de prazo que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e os devedores».
8. Mais declararam que «[a] fiança ora constituída manter-se-á plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, de juros ou de despesas, constituída por qualquer forma, imputável aos indicados devedores».
9. Do correspondente Documento Complementar, cujo teor se tem por integralmente reproduzido, emergem as seguintes cláusulas ora relevantes:
«(…)
1.ª – O capital mutuado vencerá inicialmente juros à taxa ora fixada, que poderá ser ajustada pelo Banco no início de cada período de contagem, sendo o reembolso das prestações, a que os mutuários se obrigam pelo presente contrato, efetuado, nos respetivos vencimentos, por débitos na sua conta à ordem, a qual se obrigam a manter com provisão para o efeito.
2.ª – Para efeitos do presente contrato, considera-se “período de juros” cada um dos períodos sucessivos contados a partir da presente data com a periodicidade definida para o pagamento de prestações.
O pagamento dos juros será efetuado postecipadamente no último dia de cada período de juros, coincidindo as datas das prestações de juros com as das prestações de capital.
(…)
8.ª – As importâncias em dívida cujo pagamento seja obrigação emergente deste contrato tornar-se-ão imediatamente exigíveis em caso de arresto, penhora ou alienação dos bem dado em hipoteca, assim como em caso de incumprimento por parte dos mutuários de qualquer das obrigações dele decorrentes, iniciando-se a contagem de juros à taxa máxima em vigor para as operações ativas de igual prazo, acrescida de sobretaxa por mora de dois por cento ao ano.
(…)».
10. Em 30-06-2008 foi celebrada (…) e (…), enquanto primeiros outorgantes e pelo “Banco (…), S.A.”, enquanto segundo outorgante, uma denominada «Alteração de Contrato de Mútuo – Alteração de Prazo» nos termos da qual declararam «os outorgantes que alteram o contrato de mútuo celebrado por escritura pública lavrada (…) em onze de Março de dois mil e cinco (…) apenas no sentido de passar a constar que o empréstimo será amortizado em 35 anos, em 420 prestações mensais, e não em 30 anos, em 360 prestações mensais, como consta da mencionada escritura».
11. Em 14-02-2017 foi emitida a seguinte carta tendo como destinatário o aqui executado / embargante (…):
«(…)
ASSUNTO: CONTRATO N.º (…), PROCESSO N.º (…)
(…)
Vimos per este meio confirmar que o contrato de CH – Regime Geral de que V. Exa. é Titular, encontra-se já em fase de Contencioso.
O GNB RECUPERAÇÃO DE CRÉDITO, ACE tentou dialogar com V. Exa. para que esta situação de incumprimento fosse resolvida de forma vantajosa para ambas as partes. No entanto, a falta de pagamento continua a verificar-se.
Deste modo, informamos que o contrato acima referido foi Denunciado tendo paralelamente já sido dadas instruções para se proceder à cobrança da dívida, através do recurso a uma ação judicial, com a consequente execução das garantias associadas ao crédito em crise.
De acordo com as cláusulas contratuais, é agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo este o montante dos valores em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do contrato, acrescido das despesas extrajudiciais incorridas.
Estamos igualmente a notificar todos os intervenientes do presente contrato.
(…)».
12. Também em 14-02-2017 foi emitida a seguinte carta tendo como destinatário o aqui executado/embargante (…):
«(…)
ASSUNTO: CONTRATO N.º (…), PROCESSO N.º (…)
(…)
Vimos per este meio confirmar que o contrato de CH – Regime Geral de que V. Exa. é Fiador, encontra-se já em fase de Contencioso.
O GNB RECUPERAÇÃO DE CRÉDITO, ACE tentou dialogar com V. Exa. para que esta situação de incumprimento fosse resolvida de forma vantajosa para ambas as partes. No entanto, a falta de pagamento continua a verificar-se.
Deste modo, informamos que o contrato acima referido foi Denunciado tendo paralelamente já sido dadas instruções para se proceder à cobrança da dívida, através do recurso a uma ação judicial, com a consequente execução das garantias associadas ao crédito em crise.
De acordo com as cláusulas contratuais, é agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo este o montante dos valores em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do contrato, acrescido das despesas extrajudiciais incorridas.
Estamos igualmente a notificar todos os intervenientes do presente contrato.
(…)».
13. Ainda em 14-02-2017 foi emitida a seguinte carta tendo como destinatária o aqui executada/embargante (…):
«(…)
ASSUNTO: CONTRATO N.º (…), PROCESSO N.º (…)
(…)
Vimos per este meio confirmar que o contrato de CH – Regime Geral de que V. Exa. é Fiador, encontra-se já em fase de Contencioso.
O GNB RECUPERAÇÃO DE CRÉDITO, ACE tentou dialogar com V. Exa. para que esta situação de incumprimento fosse resolvida de forma vantajosa para ambas as partes. No entanto, a falta de pagamento continua a verificar-se.
Deste modo, informamos que o contrato acima referido foi Denunciado tendo paralelamente já sido dadas instruções para se proceder à cobrança da dívida, através do recurso a uma ação judicial, com a consequente execução das garantias associadas ao crédito em crise.
De acordo com as cláusulas contratuais, é agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo este o montante dos valores em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do contrato, acrescido das despesas extrajudiciais incorridas.
Estamos igualmente a notificar todos os intervenientes do presente contrato.
(…)».

B – A questão do Recurso
Estão sujeitos a prescrição os direitos que não sejam indisponíveis ou aqueles que a lei não declare isentos de prescrição (art. 298.º n.º 1 do CC), em regra, os direitos de crédito. Uma vez completada a prescrição, o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito, não podendo, no entanto, ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita (art. 304.º n.ºs 1 e 2 do CC), que assume as características de uma obrigação natural.
Nos termos do disposto no art. 310.º al. e) do CC, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
Estará sujeito a tal regime a dívida decorrente da falta de pagamento pontual de prestação de amortização de mútuo bancário e respetivos juros? Caso o crédito se vença antecipadamente na sua totalidade, passará a estar sujeito ao prazo de prescrição ordinária de 20 anos? Ou, ainda assim, a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida? E se o credor optar por aguardar pelo decurso temporal convencionado no contrato celebrado, procedendo então à cobrança da integralidade das prestações em dívida, resulta o crédito sujeito ao prazo de prescrição de 5 anos?
No requerimento executivo foi, desde logo, alegado ter ocorrido a falta de pagamento das prestações que se venceram a 24/11/2016, o que implicou no vencimento de todo a dívida, conforme decorre do regime inserto no art. 781.º do CC, do qual consta que, se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.
A jurisprudência emanada pelo STJ vinha apontado que «em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fraciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fraciona é uma quota de amortização; em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do CC; a circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.»[1] Entendia-se que «o contrato de mútuo bancário em que a obrigação de restituição do capital mutuado se mostra fracionada (prestações) consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas frações: uma de capital e outra de juros), sendo, por isso, aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil; não releva para efeitos de enquadramento em termos de prescrição a circunstância de, em consequência da perda do benefício do prazo, o direito de crédito se vencer na sua totalidade com o vencimento imediato de todas as frações.»[2] Linearmente se afirma no acórdão de 09/02/2021[3] que «os créditos emergentes de contratos de mútuo bancário em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respetivos juros estão sujeitos ao prazo de prescrição quinquenal previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil; o vencimento antecipado da totalidade das prestações não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.»
No que diz respeito ao regime inserto no art. 781.º do CC a jurisprudência do STJ evidencia que se aplica «às prestações fracionadas ou repartidas, isto é, aquelas em que o objeto global está previamente determinado, mas o seu cumprimento se divide no tempo por várias e sucessivas prestações instantâneas, nelas se incluindo a prestação de reembolso do mútuo, quando é dividida em amortizações parcelares que devem ocorrer periodicamente; apesar da redação equívoca do referido artigo 781.º, a mesma deve ser interpretada no sentido de que o vencimento antecipado das demais prestações, tendo por causa a falta de pagamento de uma delas, não ocorre automaticamente, sendo apenas concedida ao credor a faculdade de exigir, antecipadamente, o cumprimento de todas as prestações; as prescrições de curto prazo das alíneas d) e e) do artigo 310.º do Código Civil abrangem as obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas, englobando o pagamento de juros convencionais e a amortização de capital mutuado, com origem na celebração de um contrato de mútuo.[4]
No pólo oposto, propugnava-se que o prazo de reduzido de prescrição de 5 anos não era de aplicar nem às quantias resultantes da soma de todas as prestações de capital e juros nem à quantia global decorrente da perda do benefício do prazo nos termos do art. 781.º do CC, pelo que ficariam sujeitas ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos, nos termos do art. 309.º do CC.
Ora, pelo Ac. do STJ de 30/6/2022, foi fixada a seguinte Uniformização de Jurisprudência:
I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.”
“II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”
Como é sabido, ainda que destituída da força obrigatória geral que era atribuída aos Assentos no art. 2.º do CC (preceito revogado por ter sido declarado inconstitucional, na medida em que os equiparava a outras fontes normativas), a jurisprudência uniformizada impõe-se aos Tribunais, incluindo ao STJ em recursos posteriores, desde que se mantenham os pressupostos que a determinaram, as circunstâncias em que se baseou a tese propugnada. Os Tribunais Judiciais devem acatá-la, na medida em que, não o fazendo, além de esse não acatamento poder representar uma quebra injustificada do valor da segurança jurídica e das legítimas expectativas dos interessados, podem ser provocados graves danos na celeridade processual e na eficácia dos tribunais, considerando a previsível derrogação da decisão em caso de interposição de recurso. A jurisprudência uniformizada emanada do Supremo Tribunal de Justiça deve merecer da parte de todos os juízes uma atenção especial, de tal modo que só razões muito ponderosas poderão justificar desvios à concreta resolução da questão de direito.[5]
A jurisprudência uniformizada relativamente à questão que constitui o objeto do presente recurso foi, e bem, acolhida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Nenhum fundamento foi esgrimido pela Recorrente que não tivesse sido ponderado aquando a prolação do citado acórdão uniformizador (todas as referências jurisprudenciais citadas nas alegações são anteriores ao acórdão uniformizador), nem sequer a alusão a inconstitucionalidade permite qualquer apreciação, já que não se alicerça em fundamentos concretos que contenda com os mencionados princípios da confiança, da proporcionalidade ou da proibição do excesso.
É de concluir, portanto, que a perda de benefício do prazo para o mutuário, dado o não pagamento de uma das prestações do capital mutuado, confere ao credor o direito de exigir de imediato a totalidade do capital cujo reembolso estava previsto ser fracionado em prestações. Vencendo-se o crédito na totalidade, o prazo prescricional é de cinco anos, por aplicação do regime inserto no art. 310.º al. e) do CC, começando a contar-se na data do respetivo vencimento.
A Recorrente invoca a interrupção do prazo de prescrição por força da pendência do processo de execução fiscal 1988201301009249, no qual reclamou créditos.
Trata-se, contudo, de fundamento novo que, não tendo sido alegado, nem provado, em 1.ª Instância, não pode ser considerado em sede de recurso.
Na verdade, o recurso constitui o meio processual de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Tem em vista a reapreciação ou a reponderação das questões submetidas a litígio, já apreciadas e decididas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões diversas. Em regra, o tribunal não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas[6], destinam-se a apreciar a decisão recorrida nos mesmos parâmetros de facto e de direito em que foi produzida.
Donde, não cabe invocar em sede de recurso questões que não tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido, conforme resulta do regime inserto nos arts. 627.º n.º 1 e 635.º n.º 3 do CPC, salvo se a lei expressamente determinar o contrário (art. 665.º n.º 2 do CPC) ou nas situações em que a matéria é de conhecimento oficioso (art. 608.º n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º n.º 2 do CPC).

Termos em que se conclui não merecer reparo a sentença proferida em 1.ª Instância ao considerar prescrito o crédito exequendo relativamente aos Embargantes.

Sumário: (…)


IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
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Évora, 30 de janeiro de 2025
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
Eduarda Branquinho


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[1] Acs. STJ de 04/05/2021 (Pedro Lima Gonçalves) e de 06/07/2021 (Fátima Gomes).
[2] Ac. STJ de 28/04/2021 (Graça Amaral).
[3] Relatado por Fernando Samões.
[4] Ac. STJ de 29/04/2021 (Cura Mariano).
[5] Cfr. Ac. STJ de 12/05/2016 (Abrantes Geraldes).
[6] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., LEX, Lisboa 1997, pág. 395.