Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM SEDE DE RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA
ÓNUS DA PROVA
Sumário
- a resolução operado pelo AI em benefício da massa insolvente pode ser foi impugnada por meio de ação judicial, que consiste numa ação de simples apreciação negativa; - por conseguinte, sobre a Massa Insolvente recai o ónus de alegação e prova de que o direito à resolução foi devidamente exercido pelo Administrador da Insolvência (que se verificam os factos invocados na carta de resolução e que tais factos implicam na resolução do ato, nos termos do disposto nos arts. 120.º e 121.º do CIRE, referidos nessa carta); - afirmado que está que teve lugar a celebração do negócio dentro do período de dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, do qual resultou a diminuição da possibilidade de satisfação dos credores da insolvência (correspondente à diferença entre o valor constante da escritura e o valor de mercado, superior a € 300.000,00, atribuído ao imóvel), no qual interveio pessoa especialmente relacionada com o Devedor, presumindo-se a má-fé da mesma (que não resultou ilidida), cabe concluir ter sido exercido de forma legítima o direito de resolução. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
I – As Partes e o Litígio
Recorrente / Autora: (…)
Recorrida / Ré: Massa Insolvente de (…)
Trata-se de uma ação declarativa de condenação no âmbito da qual a A peticionou seja anulada a resolução do negócio de compra e venda do imóvel devidamente identificado.
Para tanto, invocou a nulidade do ato de resolução, por não conter suficientes informações sobre os motivos da mesma e por não indicar os meios de defesa que podiam ser esgrimidos contra a resolução.
Mais invocou que sempre viveu no imóvel em causa, juntamente com o insolvente e o filho de ambos; que, uma vez que se encontrava em situação de insolvência e não tinha possibilidades económicas, a habitação foi adquirida por (…), mas foi sempre considerada por ambos como sendo propriedade dos dois; que, após a separação de facto do casal, mantiveram-se a viver na habitação; que, uma vez que o insolvente manifestava dificuldades para liquidar as prestações mensais, tentou vender a casa, o que não conseguiu; foi então que chegaram ambos a acordo para a venda do imóvel pelo valor de €183 000, o que, efetivamente, correspondia à aquisição da metade que era de (…), pois já se considerava detentora da outra metade; desconhecia que (…) pudesse estar em situação de pré insolvência, sendo certo que o negócio não implicou qualquer prejuízo para os credores.
Em sede de contestação, a R pugnou pela improcedência da ação, sustentando que a celebração do negócio, efetuada com pessoa especialmente relacionada com o Insolvente, prejudicou os credores, na medida em que o imóvel foi vendido por um valor inferior ao valor de mercado.
II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferida sentença julgando a ação totalmente improcedente, absolvendo a R do pedido.
Inconformada, a A apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que revogue a resolução do negócio. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«1º. A sentença recorrida incorreu em erro na apreciação da matéria de facto e de direito, ao não considerar provados os factos 1., 2. e 3., apesar da prova testemunhal e documental produzida nos autos corroborar, inequivocamente, a versão da Autora.
2º. A decisão recorrida considerou, erradamente, como provado o facto 16., desconsiderando que a aquisição formal do imóvel em nome do insolvente foi, na verdade, fruto de uma decisão prática imposta pelas limitações legais e financeiras da Autora à data.
3º. O Tribunal a quo não apreciou o disposto no art.º 15 da petição inicial, o que devia ter feito dando-o como provado.
4º. Os depoimentos da Autora e do insolvente, bem como os elementos documentais juntos aos autos, confirmam que o imóvel foi adquirido com recursos financeiros próprios da Autora e da sua mãe, sendo, portanto, uma compropriedade de facto.
5º. Nos termos do artigo 120.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), apenas poderão ser resolvidos atos que tragam um benefício concreto e efetivo para a massa insolvente, o que não se verifica no caso em apreço.
6º. A resolução do ato não gerou qualquer incremento patrimonial para a massa insolvente, uma vez que o valor envolvido reflete o preço de mercado do imóvel, não resultando em qualquer vantagem económica real para os credores.
7º. A jurisprudência tem reiterado que o conceito de “benefício” para a massa insolvente deve traduzir-se num aumento efetivo dos bens disponíveis para os credores, e não apenas numa reposição formal do status quo patrimonial, o que não foi observado pela decisão recorrida.
8º. A sentença recorrida violou o princípio da proporcionalidade ao não avaliar se existiam alternativas menos gravosas para os interesses da massa insolvente, ignorando as consequências jurídicas de litígios futuros decorrentes da compropriedade do imóvel.
9º. Em face da matéria de facto e das provas apresentadas, o ato resolvido não corresponde a um verdadeiro benefício para a massa insolvente, sendo nula a resolução operada, nos termos do artigo 120.º do CIRE.
10º. Deverão, assim, os factos 1., 2. e 3. ser dados como provados e o facto 16. Reformulado para refletir a verdadeira realidade factual e jurídica do caso; assim como deverá ser apreciado por provado o alegado em 15 da petição inicial.
11º. Violou, a sentença recorrida, o disposto no art.º 120 e 121 do CIRE.»
A Recorrida apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, já que não incorreu na violação do regime inserto nos arts. 120.º e 121.º do CIRE, a Recorrente não era, nem nunca foi, comproprietária do imóvel, o negócio teve lugar por preço abaixo do preço de mercado, em prejuízo da massa insolvente, não tendo a Recorrente logrado provar a sua boa-fé.
Cumpre conhecer das seguintes questões:
i) da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
ii) do fundamento para impugnação da resolução do negócio. Embora a Recorrente tenha anunciado, no início da alegação, pretender recorrer da decisão proferida em sede de despacho saneador julgando improcedente a nulidade da comunicação da resolução, certo é que tal matéria não consta das conclusões, as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso.[1]
III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância
1. Mostra-se descrita na CRP de Silves a fração designada pela letra C, destinada a habitação - tipo T 3, telheiro com 20,90 m2 e no interior do lote 2 lugares de estacionamento, sob o n.º (…).
2. Por averbamento que corresponde à apresentação … de 2019/10/07 mostra-se registada a compra a favor de (…).
3. Por averbamento que corresponde à apresentação … de 2019/10/07 mostra-se registada hipoteca a favor do Banco (…), S.A..
4. Por apresentação … de 2021/09/17 mostra-se registada promessa de aquisição sobre a fração, constando como promitente comprador a Autora (…) e promitente vendedor (…).
5. Por acordo intitulado “Contrato de compra e venda com mútuo e hipoteca”, (…) acordou que “vende à Segunda Outorgante” (…) “que aceita, a fração autónoma designada pela letra C, correspondente à fração C – destinada a habitação – tipo T3, telheiro e no interior do lote 2 lugares de estacionamento, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal pela inscrição Ap. … de 2019/06/21, sito em Vales do (…)”.
6. Mais acordou que o preço de venda era de €183 000 (cento e oitenta e três mil euros).
7. Por apresentação 5578 de 2022/06/06 mostra-se registada a aquisição da fração pela Autora (…).
8. Pela apresentação 5579 de 2022/06/06 mostra-se registada hipoteca constituída a favor do Banco (…), S.A., com o capital de € 143.000,00.
9. Por carta registada com aviso de receção, que é o documento 4 junto com a contestação e cujo teor damos por integralmente reproduzido, o Administrador da Insolvência comunicou à Autora que “(…) se procede imediatamente, por este meio à resolução, em benefício da massa insolvente, do ato consubstanciado na escritura de compra e venda de 6 de Junho de 2022, da qual resultou a aquisição por parte de V. Exa. do imóvel, a saber, Fração C do Prédio Urbano sito em Vales do (…), na freguesia de (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz predial urbana com o art.º (…) da União de Freguesias de (…)”.
10. (…) foi declarado insolvente por sentença proferida no dia 9 de maio de 2023.
11. Autora e Insolvente, desde o facto referido em 2, sempre viveram na habitação, mantendo-se a viver na mesma, ao dia de hoje.
12. Autora e insolvente têm um filho em comum.
13. Por decisão proferida em 5 de fevereiro de 2013, a Autora (…) foi declarada insolvente nos autos n.º 2876/12.TBABF que correram seus termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira.
14. Por notificação datada de 30/10/2018 foi comunicado à Autora que, no seu processo de insolvência, havia sido proferido despacho final de exoneração do passivo restante.
15. Em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior à celebração do acordo referido no facto 4, o Insolvente tentou vender o referido imóvel através da intervenção de mediação imobiliária, a (…) Group, sendo na altura o responsável pela venda o Sr. (…) e o preço acordado foi de € 349.000,00.
16. A Autora sempre residiu no imóvel aquando da sua aquisição por parte do insolvente, comparticipando em todas as despesas mensais e na manutenção do mesmo.
17. Também o filho do casal ali sempre residiu.
18. O imóvel foi avaliado pelo Banco (…), aquando do processo de contratação do empréstimo habitação para a finalidade de habitação própria permanente, no dia 17 de maio e com relatório final a 20 de maio de 2022, no valor de € 305.400,00 (trezentos e cinco mil e quatrocentos euros).
19. Nos autos principais foi junta avaliação, no dia 2 de novembro de 2023, segundo a qual o imóvel tem o valor de mercado de € 399.400,00 (trezentos e noventa e nove mil e quatrocentos euros).
20. A Autora sabia que o insolvente tinha dificuldade em liquidar as prestações bancárias devidas ao Banco (…), S.A. relativas ao crédito à habitação.
B – As questões do Recurso Questão prévia
Da junção de documento pela Recorrente
A Recorrente apresenta-se a juntar, em sede de alegações de recurso, documentos atinentes à Central de Responsabilidades de Crédito do banco de Portugal referentes a maio de 2021 e a março de 2022. Afirma bem saber que não pode agora alegar factos novos nem produzir nova prova, mas tem em vista a defesa da honra.
Nos termos do disposto no art. 651.º n.º 1 do CPC, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância. O art. 425.º do CPC, por sua vez, determina que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
A apresentação da prova documental encontra-se regulada desde logo no art. 423.º do CPC, nos seguintes termos: 1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Consagra-se, assim, o ónus de provar os factos alegados em fundamento da ação e da defesa e o dever de apresentar ab initio os documentos que os provem com o articulado em que a alegação seja feita. Não sendo junto o documento a par da alegação do facto probando, a admissão dele em momento posterior está condicionada ao regime legal citado.
Conforme vem sendo unanimemente apontado[2], da concatenação destas normas decorre que a junção de documentos em sede de recurso (junção que é positivamente considerada apenas a título excecional) depende da alegação e da prova, pelo interessado nessa junção, de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, alicerçada na remissão do art. 651.º n.º 1 para o art. 425.º; (2) ter o julgamento da primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí, ao julgamento em primeira instância, se mostrava desfasada do objeto da ação ou inútil relativamente a este.
Ora, a superveniência dos documentos, que o apresentante tem de invocar e demonstrar, pode ser objetiva, nos casos em que o documento só foi produzido em momento posterior ao do encerramento da discussão, ou subjetiva, quando o documento, apesar de já existir, só chegou ao conhecimento da parte depois desse momento. Estão, assim, em causa, documentos objetiva ou subjetivamente supervenientes, pelo que resulta afastada a admissibilidade da junção de documento que a podia e devia ter sido junto na 1.ª instância.
Não se verifica, nem sequer foi invocada, a superveniência dos documentos.
Termos em que se conclui ser de indeferir a requerida junção dos documentos, pelo que se determina o respetivo desentranhamento, condenando-se a apresentante Recorrente em multa que se fixa no mínimo legal de ½ (meia) UC – arts. 443.º do CPC e 27.º n.º 1 do RCP.
i) Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
A Recorrente sustenta que o facto provado sob o n.º 16 deverá ser substituído por formulação que preveja que a aquisição pelo insolvente foi uma aquisição formal, quando, na verdade, quem adquiriu o imóvel foi o casal.
Nos termos do n.º 1 do art. 640.º do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O Ac. STJ 12/2023, de 17/10, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido:
Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.
Uma vez que a Recorrente não fez constar, nem sequer na motivação das alegações, a decisão alternativa que deve ser conferida ao mencionado n.º 16 dos factos provados, de forma especificada, tal como impõe o n.º 1 do art. 640.º do CPC, vai rejeitado o recurso no que respeita a tal matéria.
Segue a Recorrente invocando que os factos dados como não provados devem passar a constar como factos provados. Está em causa o seguinte:
1. A Autora, com ajuda da sua mãe, pagou o sinal relativo à aquisição referida em 2 dos factos provados.
2. A Autora sempre teve intenção e vontade de adquirir o imóvel, mas devido ao facto de estar a ultrapassar as consequências e efeitos decorrentes do processo de insolvência, não o conseguiu fazer na data em que primeiramente foi formalmente adquirida pelo insolvente (…).
3. A Autora desconhecia que estava a prejudicar a cobrança de créditos devidos pelo insolvente.
Vem alegado que a factualidade em causa foi afirmada quer pela A, Recorrente, quer pelo seu companheiro, o Insolvente, tendo ambos que referido que casa foi comprada pelos dois, que ficou em nome do Insolvente porque a A estava numa situação que a impedia de fazer tal coisa, e por isso ficou só no nome dele; o sinal foi dado pela mãe dela.
Ora, a factualidade inserta no n.º 1 não pode ser conduzida ao rol dos factos provados (tal como não deveria constar dos factos não provados) porquanto não foi sequer alegada; não integra o elenco dos factos submetidos a contraditório pela parte contrária nem a instrução.
É que, nos termos do disposto no art. 607.º n.º 3 do CPC, os fundamentos da sentença devem incluir o rol dos factos que são julgados provados e o dos que são julgados não provados. Os factos a enunciar como provados hão de ser colhidos entre os factos essenciais que as partes alegaram[3], conforme determinado pelo art. 552.º n.º 1 al. d) do CPC. São esses os factos de que é lícito ao juiz conhecer (art. 411.º do CPC), e é sobre esses que se impõe profira juízo de provado ou de não provado. O juiz atenderá ainda à prova tabelada produzida nos autos, atento o disposto na 2.ª parte do n.º 4 do art. 607.º do CPC, podendo lançar mão de algum facto demonstrado por documento que repute relevante para a matéria em discussão – sendo certo, porém, que a junção de documento não é apta a suprir a lacuna de alegação do facto.
Para além desses, cabe ao juiz conhecer de factos que não dependem de alegação pelas partes: são os factos que não carecem de alegação ou de prova, conforme estatui o art. 412.º do CPC, e ainda aqueles que não carecem de alegação por via do art. 5.º n.º 2 als. a) e b) do CPC.
Por via do Princípio do Dispositivo consagrado no art. 5.º do CPC, só há que atender aos factos alegados pelas partes, a quem cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas, sem prejuízo dos factos enunciados no n.º 2 de tal normativo (factos instrumentais que resultem da instrução da causa e factos complementares ou concretizadores de factos essenciais alegados que resultem da instrução da causa desde que sobre eles as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar, factos notórios ou aqueles de que o tribunal tenha conhecimento por virtude das suas funções). O Princípio do Contraditório, por sua vez, determina que não é lícito decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem – cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
O que determina que factos essenciais não alegados não possam ser incluídos no rol dos factos julgados provados, sob pena de excesso de pronúncia; tais factos não podem ser considerados, sob pena de implicar, nessa parte, na nulidade da decisão[4] – artigos 195.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Ainda que assim não fosse, sempre seria de desatender a pretensão da Recorrente.
As declarações prestadas por si e pelo seu companheiro não constituem meio de prova bastante para que o Tribunal resulte convencido, de forma séria e segura, que o versado nos n.ºs 1 a 3 corresponde à realidade.
Acresce que tais depoimentos resultam ainda abalados pelas seguintes circunstâncias:
- o despacho final da exoneração do passivo restante proferido no processo de insolvência da A foi-lhe notificado a 30/10/2018;
- a A afirma (art. 6.º da p.i.) que não adquiriu o imóvel juntamente com o seu companheiro, que não tinha condições de o fazer;
- a A afirma que era o insolvente que pagava as prestações;
- a A afirma que o insolvente deixou de conseguir pagar as prestações mensais do crédito de habitação, que o insolvente tentou vender o imóvel por € 349.000,00, o que não conseguiu.
Daqui resulta que a A não estava impedida, por via do processo de insolvência, de intervir no negócio; a A reconhece que não adquiriu, o que é diverso de ter participado no negócio mas o ter sido formalizado apenas em nome do seu companheiro; a A reconhece que a decisão de vender o imóvel foi do companheiro, que concretizou a intenção de venda junto de imobiliária, daqui resultando infirmado que o imóvel lhe pertencesse também.
Mais se constata não ter sido demonstrado, de forma firme e segura, que desconhecesse que estava a prejudicar os credores do seu companheiro, até porque tinha já ela própria sido declarada insolvente noutro processo. A Recorrente pretende ainda seja dado como provado o que consta do art. 15.º da p.i., a saber: 15. A Autora é uma pessoa singular e quando comprou o imóvel, diga-se a sua meação, foi no hiato temporal em que tinha condições para o fazer e com aprovação da instituição bancária para contrair empréstimo habitação. É sabido que a A é pessoa singular, facto que não carece de alegação nem de prova, sendo dispensável a respetiva inclusão no rol dos factos provados. Que a escritura foi outorgada só quando a A o pôde fazer, por não ter impedimentos e por só nessa altura ter obtido aprovação de empréstimo, é circunstância que não resultou provada. Antes consta dos autos ter-lhe sido comunicado o despacho final da exoneração do passivo restante a 30/10/2018, inexistindo elementos de prova de que, antes de junho de 2022, foi recusado financiamento bancário.
Termos em que se mantém a decisão relativa à matéria de facto nos seus precisos termos.
ii) Do fundamento para impugnação da resolução do negócio
A Recorrente considera ter sido violado o regime inserto nos arts. 120.º e 121.º do CIRE, que a ação deve ser julgada procedente porquanto o ato de resolução não trouxe nenhum benefício para a massa insolvente.
Está em causa a declaração de resolução, pelo Administrador da Insolvência, do ato a que se reporta a escritura pública outorgada a 6 de junho de 2022, através da qual a A declarou adquirir ao Insolvente o imóvel, fazendo-se nela menção de que o ato foi praticado dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, que existe uma relação especial entre o Insolvente e a adquirente, e que o ato consubstancia um prejuízo para a massa insolvente, na medida em que diminui, dificulta e retarda a satisfação dos credores da insolvência, em montante equivalente à diferença entre o valor do imóvel (€ 399.400,00) e o montante escriturado (€ 183.000,00) – cfr. doc. referido no n.º 4 dos factos provados.
A resolução foi impugnada por meio desta ação judicial.
Esta ação judicial consiste numa ação de simples apreciação negativa.[5]
Por conseguinte, compete ao réu a prova dos factos constitutivos de que se arroga – cfr. art. 343.º/1 do CC. Sobre a Massa Insolvente recai o ónus de alegação e prova de que o direito à resolução foi devidamente exercido pelo Administrador da Insolvência.
Em face do teor da carta de resolução, cabia à Recorrida alegar e provar que o negócio praticado pelo Devedor com pessoa com ele especialmente relacionada, dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, é prejudicial para a massa insolvente, na medida em que diminui, dificulta e retarda a satisfação dos credores da insolvência.
Importa, pois, apurar se estão provados os factos invocados na carta de resolução e se tais factos implicam na resolução do contrato de compra e venda outorgado a 6 de junho de 2021, nos termos do disposto nos arts. 120.º e 121.º do CIRE, referidos nessa carta.
No âmbito do art. 120.º do CIRE, estão em causa atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, ou seja, os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
Nos casos que se enquadrem no art. 120.º, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data. Entende-se por má fé o conhecimento, à data do ato, de que o devedor se encontrava em situação de insolvência, ou o conhecimento do carácter prejudicial do ato e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente, ou o conhecimento do início do processo de insolvência – cfr. artigo 120.º, n.ºs 1 a 5, do CIRE. Pessoas especialmente relacionada com o devedor são as enunciadas no artigo 49.º do CIRE, conforme segue: 1 - São exclusivamente considerados especialmente relacionados com o devedor pessoa singular: a) O seu cônjuge e as pessoas de quem se tenha divorciado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; b) Os ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor ou de qualquer das pessoas referidas na alínea anterior;
c) Os cônjuges dos ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor; d) As pessoas que tenham vivido habitualmente com o devedor em economia comum em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.
Já nos termos do art. 121.º/1 do CIRE, são resolúveis em benefício da massa insolvente os atos (…) indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos (…), ali devidamente elencados, e que nos dispensamos de reproduzir porquanto não relevam para a situação em apreço.
Ora, alcança-se dos factos provados que:
- a A declarou adquirir ao Insolvente, (…), o imóvel devidamente identificado a 6 de junho de 2022 pelo preço de €183 000 (cento e oitenta e três mil euros);
- (…) foi declarado Insolvente por sentença proferida no dia 9 de maio de 2023;
- Autora e insolvente, desde outubro de 2019, sempre viveram na habitação, mantendo-se a viver na mesma, ao dia de hoje;
- anteriormente à celebração do negócio entre a A e o Insolvente, este tentou vender o referido imóvel através da intervenção de mediação imobiliária, a (…) Group, tendo sido acordado o preço foi de € 349.000,00;
- o imóvel foi avaliado pelo Banco (…), aquando do processo de contratação do empréstimo habitação para a finalidade de habitação própria permanente, no dia 17 de maio e com relatório final a 20 de maio de 2022, no valor de € 305.400,00 (trezentos e cinco mil e quatrocentos euros);
- no dia 2 de novembro de 2023, ao imóvel foi atribuído o valor de mercado de € 399.400,00 (trezentos e noventa e nove mil, quatrocentos euros).
Afirmado está que teve lugar a celebração do negócio dentro do período de dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, do qual resultou a diminuição da possibilidade de satisfação dos credores da insolvência (correspondente à diferença entre o valor constante da escritura e o valor de mercado, superior a € 300.000,00, atribuído ao imóvel), no qual interveio pessoa especialmente relacionada com o Devedor (cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 49.º do CIRE), presumindo-se a má-fé da A, que não resultou ilidida, cabe concluir inexistir fundamento para atender à impugnação do ato de resolução, exercido que foi de forma legítima, no quadro do regime inserto no artigo 120.º do CIRE.
Improcedem as conclusões da alegação do presente recurso, inexistindo fundamento para revogação da decisão recorrida.
As custas recaem sobre a Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.
Sumário: (…)
IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
*
Évora, 30 de janeiro de 2025
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
José Francisco Saruga Martins
Mário João Canelas Brás
__________________________________________________
[1] Cfr. arts. 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, do CPC.
[2] Cfr. Acs. TRC de 18/11/2014 (Teles Pereira); TRP de 21/11/2016 (Manuel Domingos Fernandes), entre outros.
[3] V. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, I vol. pág. 541.
[4] Cfr. Acs. TRC de 19/06/2001, de 14/01/2014.
[5] Ac. STJ de 25/02/2014 (Ana Paula Boularot); José Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. 1.º, pag. 19; Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, 1993, pág. 15; Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, vol. 1.º, pág. 207.