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TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE
PEDIDO
Sumário
Nada se dizendo, na lei, sobre o timing do respectivo pedido, é intempestivo esse pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça requerido depois de proferida e transitada em julgado a sentença final do processo, elaborada a respectiva conta de custas e até estas já pagas.
Texto Integral
RECURSO N.º 673/22.3T8OLH.E1 – (JUÍZO DE COMÉRCIO DE OLHÃO)
Acordam os juízes nesta Relação:
A Digna Magistrada do Ministério Público – na presente insolvência que fora requerida por “(...) Company”, com sede na Irlanda, 28 (...) Place, Dublin 2, no Juízo de Comércio de Olhão - Juiz 1, contra (...), residente no Sítio do (...), na Rua (...), n.º 5, Almancil, Loulé – vem interpor recurso do douto despacho que foi proferido em 04 de Novembro de 2024 (ora a fls. 168), o qual veio a deferir o pedido formulado pela Requerente da insolvência de dispensa do pagamento pela massa insolvente do remanescente da taxa de justiça – com o fundamento aí aduzido para tal deferimento de que “considerando que se trata de um processo de normal complexidade e, por outro lado, atendendo à conduta adequada das partes, sendo, por isso, o valor da ação o único referente para que seja devida taxa de justiça remanescente, entende-se existir fundamento para se deferir a requerida dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça para além do valor de € 275.000,00 na conta a final” –, intentando a revogação do que assim vem decidido e que venha a ser revertida essa decisão, para o que apresenta alegações que remata com a formulação das seguintes Conclusões:
a) Após o encerramento da liquidação e a elaboração da conta de custas foi junto aos autos requerimento da credora (...) Company a solicitar, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em que fora condenada a massa insolvente. b) Tal requerimento foi deferido, tendo o tribunal dispensado a massa insolvente do pagamento do referido remanescente da taxa de justiça, para além do valor de € 275.000,00 na conta final. c) O requerimento foi apresentado após a conta de custas ter sido elaborada. d) Não especificando o artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais até que momento deve ser requerida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tem sido entendimento maioritário na jurisprudência que deve ser antes da elaboração da conta. e) Tendo sido o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado pela requerente após elaboração da conta, não podia o Tribunal deferir o pedido, uma vez que já estava precludido o direito de o fazer. f) Antes de decidir de mérito devia o Mm.º Juiz, oficiosamente, ter conhecido do pressuposto processual da tempestividade do requerimento, incorrendo, assim, em erro de interpretação/aplicação do estatuído no art.º 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida, não seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça previsto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Vossas Excelências decidirão, porém, como for de JUSTIÇA.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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A matéria de facto pertinente para a decisão é a que consta do relatório supra, para que se remete. Ainda que: 1. A 27 de Outubro de 2022 foi declarada a insolvência de (...), que fora requerida pela ora Apelante “(...) Company” (vide fls. 85 a 88 dos autos). 2. Em 06 de Setembro de 2024 foi elaborada a conta final de custas (vide fls. 159 verso dos autos). 3. Tendo sido aí apurado um valor em dívida pela massa insolvente de € 5.211,01 (cindo mil e duzentos e onze euros e um cêntimo) – (idem). 4. Em 18 de Setembro de 2024 foi tal valor pago pelo sr. administrador da insolvência (vide fls. 163 dos autos). 5. Em 25 de Outubro de 2024 a “(...) Company” veio requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça [vide o douto requerimento de fls. 167 dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido (a data de entrada está certificada no citius)]. 6. A 04 de Novembro de 2024 foi proferido o douto despacho ora objecto do recurso, a deferir tal pretensão, conforme fls. 168 dos autos, como segue:
«Veio a credora (...) Company, requerer [cfr. requerimento com a referência citius n.º 12999466] a dispensa do pagamento da taxa de justiça, alegando, em síntese, que, tendo sido agora apurado o valor da causa de € 442.119,35 [quatrocentos e quarenta e dois mil e cento e dezanove euros e trinta e cinco cêntimos – no âmbito da sentença proferida a 18/10/2024, no apenso D (referência citius n.º 133650328)] e considerando a conduta das partes, nomeadamente da Requerente, nada teve de anormal e, bem assim, a tramitação do processo que foi regular, se acham preenchidos os requisitos para que haja lugar à referida dispensa de pagamento.
Neste sentido, cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processais, “nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa, e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Neste conspecto, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que contenham articulados ou alegações prolixas; digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso, ou impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas – neste sentido, cfr. artigo 530.º, n.º 7, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Civil.
Assim, considerando que se trata de um processo de normal complexidade e, por outro lado, atendendo à conduta adequada das partes, sendo, por isso, o valor da ação o único referente para que seja devida taxa de justiça remanescente, entende-se existir fundamento para se deferir a requerida dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça para além do valor de € 275.000,00 [duzentos e setenta e cinco mil euros] na conta a final.
Notifique.» 7. Em 26 de Novembro de 2024 o Ministério Público interpôs recurso de tal douto despacho e apresentou as respectivas alegações, dizendo: “O Ministério Público na Secção de Comércio, não se conformando com o despacho proferido em 4-11-2024, nos autos em epígrafe, com a referência 134122488, por estar em tempo (beneficiando do prazo previsto no artigo 139.º, n.º 5, do CPC) e ter legitimidade, vem do mesmo interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 2, 5 e 6-a), do CIRE e no artigo 638.º, n.º 1, do CPC” [vide o douto requerimento e articulado de fls. 172 a 175 dos autos, aqui igualmente dado por reproduzido na íntegra (a sua data de entrada está certificada no citius)]. 8. A 13 de Janeiro de 2025 foi admitido o recurso para subir nos autos, de imediato e com efeito meramente devolutivo, conforme fls. 179 dos autos.
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Vejamos, então, a questão que demanda a apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem, e que passa por saber se o Tribunal a quo apreciou bem o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça – rectius se a decisão recorrida da 1ª instância foi bem ou mal feita, de acordo ou ao arrepio dos factos e das normas legais que a deveriam ter informado. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado e que supra já se deixaram transcritas na íntegra para facilidade de percepção da própria questão solvenda.
[O que a Apelante resume na seguinte conclusão do seu recurso: “e) Tendo sido o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado pela requerente após elaboração da conta, não podia o Tribunal deferir o pedido, uma vez que já estava precludido o direito de o fazer”.]
Recorde-se ter o douto despacho julgado assim a questão: entende-se existir fundamento para se deferir a requerida dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça para além do valor de € 275.000,00 na conta a final.
Pois, como é sobejamente conhecido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC), naturalmente sem prejuízo das questões cujo conhecimento ex officio se imponha (vide artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, desse Código).
Mas, adiantando razões, e salva melhor opinião, cremos bem que o douto despacho recorrido não apreciou correctamente a problemática com que se viu confrontado, havendo, assim, motivo válido para o Ministério Público impugnar a solução por ele prolatada e introduzida na ordem jurídica.
Na previsão do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro – e sucessivamente alterado a partir daí –, “7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Nada se dizendo, no entanto, na lei, sobre o timing do respectivo pedido, quid juris quando o interessado o vem requerer depois de proferida e transitada em julgado a sentença final do processo e elaborada a respectiva conta de custas – como veio justamente a ocorrer no caso sub judicio?
Chamamos à colação o Acórdão Uniformizador da Jurisprudência do STJ n.º 1/2022, de 3 de Janeiro, segundo o qual “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do RCP, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo” [nele se exarando, com efeito, que “são várias as razões que suportam e justificam a posição que aqui sustentamos, de que o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ter lugar (aí vingando o respectivo efeito preclusivo) até ao trânsito em julgado da decisão final do processo (nunca após a elaboração da conta – nem, sequer, entre o trânsito e a feitura da conta)”].
A Requerente ainda vem dizer que o valor da causa (de € 442.119,35) só agora foi apurado, em sentença proferida a 18-10-2024, no Apenso D (no qual foram julgadas correcta e legalmente apresentadas as contas pelo administrador da insolvência, nos termos do artigo 62.º do CIRE).
Mas isso é irrelevante para a discussão aqui em causa, já que no processo principal já tinha sido elaborada a conta final a 06 de Setembro de 2024 e pagas até as custas contadas logo no dia 18 de Setembro seguinte pelo administrador da insolvência.
E, repare-se que a elaboração dessa conta já foi feita tendo subjacente tal base tributável de € 442.119,35, como dela mesma consta, não sendo, assim, verdade, como aduz a requerente, que o valor da causa só posteriormente tenha sido apurado, justamente na referida sentença de 18 de Outubro de 2024.
[Vide, no sentido aqui propugnado e por ordem de antiguidade, os doutos Acórdãos desta Relação de 05-12-2024, no proc. n.º 3631/22.4T8LLE-D.E1, de 12-09-2024, no proc. n.º 68/20.3T8RDD.E1, de 08-02-2024, no proc. n.º 208/16.7T8OLH-Y.E1, de 28-04-2022, no proc. n.º 145/17.8T8SLV-D.E1, de 23-04-2020, no proc. n.º 664/14.8TVLSB-B.E2 e de 12-09-2019, no proc. n.º 2503/11.2TBABF-H.E1, todos consultáveis na Base de Dados do ITIJ.]
Razões pelas quais, nesse enquadramento fáctico e jurídico, ora se tenha que retirar da ordem jurídica a douta decisão da 1ª instância que assim não veio a optar e procedendo o presente recurso de Apelação.
* Decidindo.
Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em conceder provimento ao recurso e revogar o douto despacho recorrido.
Sem custas.
Registe e notifique.
Évora, 30 de Janeiro de 2025
Mário João Canelas Brás (Relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (1ª Adjunta)
José Manuel Tomé de Carvalho (2º Adjunto)