A citação é nula quando a nota de citação vá para além do pedido formulado, podendo diminuir a defesa do citado.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra
Proc.º n.º 251/24.2T8SRE-A.C1
Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil (…).
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1.- Relatório
1.1. – Nos presentes autos a a exequente - Freguesia de ... – intentou a presente execução para prestação de facto, contra o executado -
AA.
Citado, apresentou requerimento, entrado em 26/2/2024, que dominou de Oposição à execução mediante embargos.
Assenta a mesma fundamentalmente na nulidade da citação, pretendendo, ainda, que a instância seja suspensa, com prestação de caução, nos termos do n.º 5, do art.º 704.º, do C.P.C.
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1.2. – Em 13/5/2024 foi proferida decisão, que nos termos do n.º 1, do art.º 732.º, do C.P.C., indeferiu liminarmente os embargos, referindo, para tanto, que apesar das vicissitudes da citação, o embargante, ainda assim, não prejudicado de se defender, pelo que, apesar das desconformidades surpreendidas na citação, não declarou a nulidade da mesma, face ao n.º 3, do art.º 191.º, do C.P.C.
Mais referiu que face ao indeferimento liminar da oposição mediante embargos de executado, ficou prejudicada a suspensão da execução sem prestação de caução, que, de resto, sempre seria improcedente por não subsumível a qualquer das demais alíneas do m.º 1, do art.º 733.º, do C.P.C.
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1.3. Inconformado com tal decisão, o executado, em 17/6/2024, apresentou recurso, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:
““A. A douta sentença recorrida padece dos vícios de nulidade por contradição insanável, erro notório de julgamento, demissão probatória e ajuizativa/omissão de pronúncia, insuficiência de fundamentação e errónea subsunção jurídica, redundando numa decisão injusta e ao arrepio do Direito, pretendendo-se obter a sanação dos vícios de que padece com a alteração da decisão face a substancial diferenças e características da execução para prestação de facto, como ocorre in casu, face a outras execuções que contendem com objeto fungível e facilmente substituível, constituindo a postura e posição da recorrida cristalino abuso de direito;
B. Está em causa o âmbito do exercício dos direitos legais inerentes à fruição de propriedade e posse de habitação [alínea b) in fine do n.º 3 do artigo 647.º do Código de Processo Civil] bem como demais razões para o efeito suspensivo do recurso dado que a fruição pública, pela demolição dos limites objetivos existentes no prédio, impedi-lo-ia de entrar, aceder e fruir na sua máxima expressão tal habitação e prédio, ficando totalmente impossibilitado de usar e fruir aquilo que é seu e constitui a habitação, tratando-se notoriamente (artigo 412.º do Código de processo Civil) de um prejuízo considerável e sério;
C. Sob a veste de pretensão de propriedade e posse pública do alegado caminho aquilo que a recorrida quer (e que o Tribunal a quo erroneamente concedeu!) é privar o réu da sua propriedade e agradar aos fregueses, não sendo tal alegado caminho tão necessário, nem histórico que não possa aguardar o trânsito em julgado do decidido, dado que, a não ser conferido efeito suspensivo e poder ser executada de imediato tal decisão condenatória, a mesma acarretará dispêndios e prejuízos consideráveis com a destruição de algo novo e sua completa inutilização, importando ainda a criação de perigo acrescido para o recorrente, familiares e amigos que se desloquem ao local pois permitirá a circulação rodoviária/de trânsito junto à sua porta e janelas, podendo ocorrer algum acidente ou tragédia com atropelamentos;
D. E a haver ganho de causa recursória, como se espera e acredita, depois muito dificilmente haverá cabal reparação, julgando-se verificados e preenchidos os requisitos para que seja conferido efeito suspensivo ao presente recurso sendo que, em último caso, sempre o recorrente se oferece para prestar caução, nos termos e condições a fixar pelo Tribunal pois estando firmemente convencido da necessária procedência do recurso, tratar-se-á de adiantamento que lhe será devolvido a final;
E. O presente processo enferma de várias inverdades, sendo umas materiais e outras processuais, contendendo igualmente com o alegado título executivo e nota de citação recebida, mostrando-se a configuração da exequente apta a causar prejuízo sério ao recorrente, que se vê em vias de ser lesado patrimonialmente sem que verdadeiramente exista (pelo menos ainda!) fundamento sólido para tal, mostrando-se o valor dos autos eivado de majoração que apenas tem o condão de prejudicar o recorrente que terá de pagar o dobro da taxa de justiça que consideraria devida (como é que a prestação de facto, a contender com algo que a própria exequente refere durar dois dias pode ter um valor de € 30.000,01?!);
F. A citação mostra-se eivada de vícios ao nível da alegada pretensão da exequente e cumprimento devido à sentença pois o teor do que foi remetido ao recorrente e consta da citação postal junta aos autos, a conter tal ordem para cumprimento de sentença, não se mostra verdadeira pois toma por base o doutamente decidido em primeira instância sem atentar (e tendo por inexistente!) na alteração preconizada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, pelo que verdadeiramente inexiste qualquer citação com a ordem ou com a prestação de facto correta!;
G. Não é apenas uma mera nulidade mas sim verdadeiramente inexistência dado que nunca e em momento algum a citação contendeu com a prestação de facto devida, certa e exigível, sendo manifestamente contrária aos fundamentos vertidos no requerimento executivo, estando assim o processado cristalinamente eivado de um pecado original que o inquina decisivamente e nulidade dada a ausência de conformidade e contradição insanável face ao próprio pedido da exequente vertido no ponto 2 dos factos feitos constar no douto requerimento executivo;
H. Mais do que aferir da adequação ou subsunção dos embargos de executado aos fundamentos elencados no artigo 729.º do Código de Processo Civil impõe-se primeiramente valorar as especificidades dos presentes autos, não se estando ainda perante a execução de qualquer sentença/decisão judicial já transitada em julgado e não se trata de qualquer sentença para pagamento de quantia certa mas sim para prestação de facto ainda não líquido, nem 100% exigível, não sendo tal facto depois facilmente recolocável sem danos para o executado/recorrente dado que não se trata de algo que seja totalmente fungível, sendo de compreender as garantias que todo e qualquer cidadão médio colocado na posição do concreto executado e vítima do presente circunstancialismo nefasto, pretende ver salvaguardadas;
I. Se a douta decisão judicial vier a ser revogada ou alterada importa saber se ele será indemnizado pelos danos que venha a sofrer ou será recolocado na situação inicial antes de qualquer ação ou execução para prestação de facto, havendo de indagar da adequação processual, maxime em sede dos vícios processuais invocados para que, caso se conclua pela sua existência, primeiramente haja a sua expurgação dado que pretender unicamente subsunção dos fundamentos no artigo 729.º do Código de processo Civil será dar um passo maior que a perna e concluir ab initio pela adequação e conformidade processual, o que inexiste in casu;
J. Alegou-se a não conformidade a contender com majoração do valor, não conformidades ao nível da alegada pretensão da exequente e cumprimento devido à sentença e divergência daquilo em que houve condenação pelo Tribunal superior face ao que foi feito constar na citação remetida, pelo que se invocou expressamente que (a citação!) padece de nulidade dada a ausência de conformidade e contradição insanável face ao próprio pedido da exequente vertido no ponto 2 dos factos feitos constar no douto requerimento executivo;
K. Apenas após uma solução decisória definitiva a tais questões, nas quais continua-se a manter interesse na sua apreciação, é que se poderá passar para o passo seguinte e indagar de tal subsunção, momento a levar a cabo a posteriori e não ex ante, buscando-se a reposição quer da verdade verdadeira dos factos quer da válida subsunção jurídica aos mesmos, por entender que ambos os vetores não deixarão de abonar a sua posição e obstar ao prejuízo patrimonial considerável que a pretensão da exequente se mostra apta a provocar, sem garantia de que caso tal condenação seja revertida haja a reposição do circunstancialismo agora existente;
L. De momento inexiste qualquer certeza ou segurança jurídicas que lhe imponha e lhe seja juridicamente exigível, num quadro de um Estado de Direito que se queira materialmente justo e processualmente conforme à legalidade vigente pelo que a adoção da prestação de facto requerida (a vertida no requerimento executivo, que não a feita constar na citação!), por faltar a condição objetiva plena de exequibilidade/ressarcibilidade, atenta a pendência de recurso e ausência de definitividade decisória, impondo-se saber da disponibilidade e compromisso da exequente para reposição da situação atual em caso de revogação de tal condenação ou possibilidade de se obter suspensão da instância executiva mediante prestação de caução;
M. Inexiste presentemente (e a fortiori à data de instauração do requerimento executivo!) qualquer decisão judicial transitada em julgado a condenar o recorrente, mostrando-se os autos de ação declarativa a serem tramitados em “Tribunal: Supremo Tribunal de Justiça Processo: 45/22...., ... Secção, Estado: Pendente Espécie: Revista Valor: 30000,01 € Data Autuação: 11/12/2023” conforme capa extraída via CITIUS e que se juntou como doc. n.º 1 com a oposição, sem qualquer prolação decisória finitiva, tendo havido revogação e provimento parciais ao nível do Tribunal da Relação;
N. Constata-se cristalinamente que aquilo em que houve condenação pelo Tribunal superior é substancialmente diverso do que foi feito constar na citação remetida pelo que a mesma padece de nulidade dada a ausência de conformidade e contradição insanável face ao próprio pedido da exequente vertido no ponto 2 dos Factos feitos constar no douto requerimento executivo pois o muro deixou de ser para demolir pelo que não pode o recorrente ser citado para levar a cabo tal demolição, tendo havido revogação parcial de douta decisão de primeira instância, o que foi olvidado no teor de tal citação;
O. E daí que também por essa razão o valor da execução não devesse ser o da ação declarativa, havendo ainda aspetos que não contendem com qualquer ação do recorrente pois não é ele que vai declarar natureza pública de caminho vicinal, tendo-se assim a citação por deveras inquinada e eivada de tais vícios que não deixarão de ter reflexo na regularidade da instância, não havendo definitividade decisória pelo que importa saber se a exequente estará na disponibilidade de assumir a responsabilidade no caso de tal decisão vir a ser revogada ou alterada, reservando-se o recorrente no direito de, nos termos e para efeitos do artigo 704.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, requerer a suspensão da instância com prestação de caução, propósito que expõe;
P. Normas jurídicas violadas: maxime artigos 191.º n.ºs 3 e 4, 192.º, 412.º, 607.º n.ºs 4 e 5, 615.º n.º 1 b), c) e e), 729.º, 732.º, n.º1 b) e 733.º n.º1 do Código de Processo Civil; artigos 202.º, n.º 2, 334.º, 369.º a 371.º a contrario, 373º, 376.º, 377.º a contrario, 1302.º, 1304.º, 1305.º, 1311.º, 1383.º e 1384.º do Código Civil; artigo 7.º C do Código de Registo Predial; artigo 4.º h) DL 477/80; artigos 6.º e 7.º DL 34593 de 1945; artigos 1.º, 2.º, 12.º, 13.º e 18.º, 25.º, 26.º, 27.º, 62.º, 64.º, 65.º, 66.º e 205.º da Constituição da Republica Portuguesa.
Princípios jurídicos violados: da legalidade, da dignidade da pessoa humana, do respeito e garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais, da universalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, do acesso à tutela jurisdicional efetiva, da segurança e da confiança jurídicas e da metódica de concordância prática entre direitos.
Nestes Termos, contando com o douto e imprescindível suprimento de V. Exas., deve, o douto Tribunal da Relação de Coimbra, dar provimento ao presente recurso.
E, consequentemente, revogar a douta decisão proferida em razão de nulidade e errónea subsunção jurídica, com reflexo nefasto na apreciação do mérito da posição/embargos bem como prejuízo sério, significativo e injustificado para o recorrente/embargante e sem respaldo nos factos e na legislação aplicável atento o abuso de direito por parte da recorrida e inexistência de trânsito em julgado da douta decisão condenatória, num quadro de prestação de facto e não de entrega de coisa certa ou pagamento de quantia pecuniária, devendo assim ser observada a (des)igualdade em função da não fungibilidade.
Destarte V/ Exas. pensarão necessariamente de forma justa por ser impossível alcançar a costumada e almejada Justiça sem sabedoria, pelo que, decidindo, farão, como sempre, na esteira de Cícero, Justiça”
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1.4. – Notificada veio a exequente - Junta de Freguesia ... – apresentar resposta, não tendo terminado a sua motivação com conclusões, referindo, no entanto, que, requer o indeferimento do efeito suspensivo ao recurso de apelação solicitado, por carecer totalmente de fundamento legal e a fixação do prazo de dois dias, sugerido pela senhora Agente de execução, a fim de ser cumprida a prestação de facto antes das férias judiciais, por forma a possibilitar o acesso às propriedades agrícolas pelos normais utilizadores, de acordo com a sentença proferida e confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra e Supremo Tribunal de Justiça.
Juntado documento emanado do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12/6/2024, onde se refere:
I
“… Pelo que foi dito, conclui-se, como na Relação, pela existência de dupla conforme, impeditiva de recurso normal de revista, nos termos do citado art.º 671.º, n.º 3, do C.P.C., sem prejuízo de pronunciamento de revista excecional, igualmente solicitada pelo recorrente”
II
“…O R. recorreu ainda de revista excecional, atenta a relevância jurídica, interesses de particular relevância social bem como decisões jurídicas do Tribunal Superior, que vislumbram in causa o art.º 672, n.º 1, a), b) e c), do C.P.C.
A secção prestou a necessária informação sobre a tempestividade do recurso e pagamento da taxa de justiça.
À formação para apreciação dos invocados fundamentos de revista excecional art.º 672.º, n.º 3, do C.P.C.”
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1.5. – Foi proferido despacho a receber o recurso, fixando ao mesmo efeito devolutivo, tendo ainda sido referido:
“Notifique o embargado nos termos e para os efeitos previstos no art. 641.º, n.º 7 CPC - para os termos dos embargos de executado (art. 732.º, n.º 2 CPC) e para os termos do recurso (art. 638.º, n.º 5 CPC), com a advertência de que, em caso de revogação do despacho de indeferimento liminar dos embargos de executado, por aplicação do art. 569.º n.º 1 CPC, o prazo para a eventual contestação apenas se inicia com a notificação pelo Tribunal de 1.ª Instância da decisão de revogação proferida pelo Tribunal Superior”.
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1.6. – Este Tribunal em 9/12/2024 proferiu despacho a manter o efeito devolutivo fixado em 1.ª instância, referindo, ainda, assentando os embargos de executado fundamentalmente da invocação da nulidade da citação, e no pedido de suspensão da instância, podendo este Tribunal, entender estar-se perante um erro no meio processual, e corrigir oficiosamente, nos termos do n.º 3, do art.º 193.º, do C.P.C., para a forma correta, como sendo requerimento de nulidade de citação e de pedido de suspensão da instância, e, tirar as consequências jurídicas.
Assim, notifique as partes para querendo se pronunciarem sobre tal matéria, para evitar que se possa vir invocar decisão surpresa (cfr. n.º 3, do art.º 3, do C.P.C.)
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1.7. – Feitas as notificações do decidido em 1.6. o recorrente em 7/1/2025, fez entrar requerimento, onde refere no mais, que confia que serão devidamente decididas em conformidade com o que seja um processo materialmente justo e processualmente conforme, seja pelo meio processual de primeira instância ou pela pretendida e aventada alteração ora comunicada, com correção oficiosa.
Na verdade, importa é que face a tais questões haja sindicância judicial bem como defesa e salvaguarda dos direitos do executado, e conformidade com os princípios da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, o que se requer.
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1.8. – Com dispensa de vistos cumpre decidir.
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2 – Questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da Recorrente (arts. 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2 e 639.º, n.os 1 e 2, do CPC), não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, do CPC).
Estão em causa as questões de saber:
A) – Saber se a citação é nula;
B– Saber se decisão é nula por violação das alíneas b), c) e e), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.
C) Saber se foram violados os art.ºs 1.º, 2.º, 12.º, 13.º e 18.º, 25.º, 26.º, 27.º, 62.º, 64.º, 65.º, 66.º e 205.º da Constituição da Republica Portuguesa.
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3.- Fundamentação
A)- De facto
3.1. -Os factos a ter presente são os referidos no relatório e ainda os aditados (art.º 662.º, do C.P.C), que resultam dos autos, pertinentes para analise da questão.
3.1.1. Da citação postal enviada ao recorrente consta:
“Fica V. Exa notificado, nos termos do artigo 868º do Código Processo Civil (CPC), ex-vi artigo 626º do CPC para, no prazo de 20 (vinte) dias deduzir oposição à penhora e à execução, mediante embargos, podendo o fundamento da oposição consistir, ainda que a execução se funde em sentença, no cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio.
Deve assim cumprir a sentença do tribunal, designadamente:
i.DECLARAR a natureza pública do caminho vicinal descrito em 5., 6. e 7. em conformidade,
ii. DETERMINAR a alteração na matriz predial urbana e rústica e no registo predial da confrontação nascente do prédio identificado em 1. de «caminho-de-ferro» para «caminho vicinal público»;
iii. DETERMINAR a alteração na matriz predial urbana e no registo predial da área descoberta do prédio identificado em 1. para «7.247 m2», da área coberta para «833 m2» e da área total para «8.080 m2», bem como, a alteração na matriz predial rústica da área total do prédio identificado em 1. para «7.247 m2».
iv. CONDENAR o réu na demolição/remoção: do muro de blocos com pilares situado a nascente do prédio descrito em 1., com a altura de 1,20 m e 51 m de comprimento, no sentido sul/norte, com início na estrada camarária Lemede/Cadima (Rua ...) e do pilar de suporte do portão frontal existente a sul/nascente, com a largura de 32 cm e altura de 1,25 m; do portão com 4,40 m de largura, sito a sul, à face da Rua ..., no sentido poente/nascente; • das barras de ferro e respetiva estrutura de suporte, colocadas a norte no sentido poente/nascente após o prédio identificado em 1.
Mais fica notificado nos termos e para os efeitos do artigo 874º do CPC de a exequente reporta por suficiente o prazo de 2 dias para o cumprimento da prestação. Podendo V. Exa. oferecer o que tiver por conveniente acerca do prazo ora definido, porquanto, se nada disser o mesmo é fixado judicialmente, cfr. artigo 874º nº 1 e 875º nº 1 CPC.”.
3.1.2. - Decisão proferida pelo acórdão datado de 30/5/2023, deste Tribunal, onde assentou a pretensão da exequente.
Julga-se parcialmente procedente o recurso e, em consequência:
1. Revoga-se a sentença na parte em que julgou procedente o pedido no sentido de ser determinada a alteração na matriz predial urbana e rústica e no registo predial da confrontação nascente do prédio identificado em 1. de «caminho de ferro» para «caminho vicinal público»;
2. Revoga-se a sentença na parte em que em que julgou procedente o pedido no sentido de determinar a alteração na matriz predial urbana e no registo predial da área descoberta do prédio identificado em 1. para «7.247 m2», da área coberta para «833 m2» e da área total para «8.080 m2», bem como, a alteração na matriz predial rústica da área total do prédio identificado em 1. para «7.247 m2»;
3. Revoga-se a sentença na parte em que julgou procedente o pedido no sentido de ser ordenada a demolição do muro de blocos e do pilar referidos no ponto n.º 14,
4. Substituem-se estes segmentos da sentença por decisão a julgar improcedentes tais pedidos e a absolver o réu dos mesmos;
5. Mantém-se a parte restante da decisão recorrida, com a seguinte alteração no que diz respeito à descrição do caminho público: “caminho com 220 metros comprimento e uma largura não apurada, mas não inferior a 2,5 metros e que permite a passagem de tractores e respectivos reboques, que se desenvolve paralelamente à linha de caminho de ferro, que se inicia na Estrada Municipal Lemede/Cadima (Rua ...) e que, após o prédio descrito em 1), no sentido sul/norte, entronca com outros caminhos, a poente, na direcção da localidade de Cadima e a nascente, em direcção à localidade de Lemede”.”
Posteriormente, na sequência de arguição de nulidade suscitada pelo agora recorrente, por douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 07-11-2023, foi decidido o seguinte:
“Assim, em face de tudo o exposto, decide-se:
1. Rectificar o acórdão no seguinte sentido: a. A fls. 28, penúltimo parágrafo, onde se lê “Lemde” deve ler-se “Lemede”; b. A fls. 33 linha 26, onde se lê “Lemde” deve ler-se “Lemede”; c. A fls. 49, ponto 8, na segunda linha, onde se lê “Leede” deve lerse “Lemede”; d. No segmento do acórdão “revoga-se a sentença na parte em que julgou procedente o pedido no sentido de ser ordenada a demolição do muro de blocos e do pilar referidos no ponto n.º 14”, onde se lê “muro de blocos …. referido no ponto n.º 14” deve ler-se “muro de blocos … referido no ponto n.º 13”.
2. Indeferir a arguição de nulidade do acórdão com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
3. Deferir a arguição de nulidade do acórdão com fundamento na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, decidindo-se, em suprimento dessa nulidade, não conhecer da questão de saber se o artigo 1305.º do Código Civil, com os sentidos que lhe foram dados na alegação de recurso, viola os artigos da Constituição da República Portuguesa indicados pelo Recorrente;
4. Indeferir o pedido de reforma do acórdão ao abrigo do artigo 616.º, n.º 2, do CPC.”
3.1.3. – Pedido do exequente.
O mesmo assenta no Ac. desta Rel. datado de 30/5/2023, que revogou parcialmente a sentença proferida em 1.ª instância, sendo que, no art.º 6.º do requerimento inicial, refere:
“6- A exequente pretende efetuar a referida remoção, sob sua orientação e vigilância, mediante a utilização dos seus funcionários e veículo, sendo o referido portão, barras de ferro e suporte removidos para o estaleiro da exequente (Junta de Freguesia ...), onde serão entregues ao executado, dispensando-se, assim, a avaliação do custo da prestação e da prestação de contas relativa à mesma.
7- Os trabalhos serão realizados no âmbito das funções da autarquia local em assegurar a circulação de pessoas e veículos em caminho vicinal público.
8- O prazo para a prestação de facto solicitada no presente requerimento, deverá ser fixado em dois dias, sendo tempo mais que suficiente para retirar e remover um portão com 4,40 metros de largura e duas barras de ferro, com respetivo suporte”.
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B) De Direito
Tendo presente que são várias as questões a decidir, por uma questão de método iremos analisar cada uma das questões supra de per si.
Assim,
Bi)- Saber se a citação é nula.
Este Tribunal proferiu o despacho aludido em 1.6., mormente questão da convolação oficiosa, por erro na qualificação processual, para poder ficar com todas as situações para decidir de direito, evitando que optando pela convolação pudesse vir a ser invocada decisão surpresa, por violação do n.º 3, do art.º 3.º, do C.P.C..
No caso em apreço, o Tribunal à “quo” tomou posição sobre a questão da nulidade da citação, entendendo, que apesar das vicissitudes da mesma, o recorrente não viu diminuídas as suas possibilidades de defesa e como tal não considerou a mesma nula, face ao n.º 3.º, do art.º 191.º, do C.P.C., tendo inferido liminarmente a pretensão do recorrente, por o titulo executivo ser uma sentença e os motivos invocados não se enquadrarem no art.º 729.º do C.P.C.
Tendo o Tribunal “a quo” tomado conhecimento da mesma, este Tribunal, apesar do despacho aludido em 1.6., irá conhecer da questão, no campo que o Tribunal “a quo” conheceu, tomando posição se a razão esta do lado da decisão recorrida ou do pretendido pelo recorrente.
Dito isto, passemos analisar a questão que nos é colocada, saber se a citação é nula.
A decisão recorrida, apesar de recorrer várias vicissitudes à citação, entendeu que o recorrente não ficou diminuído de exercer a sua defesa e como tal, por força, do n.º 3, do art.º 191.º, do C.P.C. não julgou a mesma nula.
Por sua vez o recorrente, insurge-se contra tal entendimento, por, em sua opinião, tais vicissitudes, colidirem entre si, desde logo, por o teor da citação lhe pedir, que faça algo, que vai para lá do pedido no título executivo, o que lhe traz uma insegurança jurídica.
Que dizer?
É consabido que a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa. É um acto processual essencial que visa assegurar o direito do demandado a defender-se, de molde a evitar ser surpreendido por uma decisão judicial não esperada, constituindo tal o corolário lógico do princípio do contraditório, (cfr. art.ºs 219.º, n.º 1 e 3.º n.º 1 do C.P.Civil).
A citação é nula quando não observe na sua realização as formalidades prescritas na lei (artigo 191º, nº1), sendo que, só é atendida se a falta puder prejudicar a defesa do citado (cfr. n.º 4, do art.º citado).
Na verdade, como referem A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, pag. 243.- a citação destina-se a dar ao réu conhecimento da ação contra si proposta e conceder-lhe oportunidade de defesa, só serão tidos como geradores de nulidade os vícios que prejudiquem realmente a defesa. O que aqui temos é a salvaguarda em termos substanciais e não meramente formais, do princípio do contraditório.
A par do conhecimento que é dado ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação, é o réu chamado ao processo para se defender.
Como ensina Antunes Varela, in In Manual de Processo Civil, pág. 266, a citação é “o ato processual essencial que visa assegurar o direito do demandado a defender-se, de molde a evitar ser surpreendido por uma decisão judicial não esperada, constituindo tal o corolário lógico do princípio do contraditório”.
No caso em apreço a questão é saber se o recorrente ficou privado ou viu diminuída a sua possibilidade de defesa.
Compreendemos o entendimento da decisão recorrida, quando refere, que a citação não é nula, por força, do n.º 3, do art.º 191.º, do C.P.C., por apesar das vicissitudes da mesma, não ficou prejudicado em poder defender-se.
Porém, não advogamos tal entendimento.
Na verdade, proceder à citação de alguém, referindo-lhe, que tem de contestar algo superior ao que é pedido, pode gerar uma incerteza afinal do que se tem de defender, do que é pedido pelo A., ou defender-se do que lhe é comunicado na citação.
É verdade que o tribunal não pode condenar para lá do pedido, sob pena de cometer uma nulidade (cfr. art.º 615.º n.º 1, al,ª e), do C.P.C.). Por isso, poderia afirmar-se que o recorrente estava em condições de saber do que se deveria defender, por o tribunal não poder condenar além do pedido, o certo é que foi citado, para se defender do além peticionado, o que no mínimo poderia levantar-lhe dúvidas do que se defender.
Ora, se a citação consiste em dar a conhecer ao citado de que corre contra ele determinada ação, para poder exercer o contraditório, este só pode ser exercido devidamente, se o citado não ficar com dúvidas do que se tem de defender.
Assim, pelo exposto, temos para nós, que a citação está ferida de nulidade, na medida em que as vicissitudes da mesma podem prejudicar a defesa do citado, o que se declara.
Declarada a nulidade do ato de citação, anulam-se subsequentemente todos os atos praticados depois dele, por dele dependerem absolutamente, incluindo a sentença proferida, procedendo-se a nova citação com observância da formalidade legal.
Em face do ora decidido, ficam prejudicadas as demais questões suscitadas no recurso.
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3. Decisão
Face ao exposto decide-se:
a)- Julgar procedente o recurso e por consequência declarar nulo o ato da citação, anulando todos os atos depois dele, por dele dependerem absolutamente, incluindo a sentença proferida, devendo proceder-se a nova citação, com observância do formalismo legal.
b) Atendendo ao decidido em a) as demais questões suscitadas no recurso ficam prejudicadas.
Sem custas.
Coimbra, 28/1/2024.
Pires Robalo (relator)
Luís Manuel Carvalho Ricardo (adjunto)
Francisco Costeira da Rocha (adjunto)