I – As indemnizações decorrentes de acidente de viação e laboral não são cumuláveis, mas antes complementares, não sendo de deduzir, na indemnização cível, a indemnização devida por acidente de trabalho paga ao sinistrado no processo laboral, assumindo carácter subsidiário em relação ao responsável civil por facto ilícito.
II – O facto de uma seguradora ter sido condenada, no foro laboral, ao “fornecimento de apoio de psicoterapia complementar” à sinistrada não produz caso julgado relativamente ao pedido, no foro cível, de condenação solidária daquela seguradora e de uma outra a “pagar ou reembolsar” a autora “de todas as despesas com apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria, de que a autora careça, que se remete para liquidação”, sendo tal pedido perfeitamente legal.
III – O dano biológico consiste numa lesão na integridade físico psíquica de um individuo, limitativa da sua capacidade de viver a vida como a vivia antes do evento lesivo, devendo a situação ser apreciada casuisticamente, verificando, em especial, se a lesão originará, no futuro, durante o período de vida do lesado, uma perda da capacidade de ganho ou se traduzirá, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, e tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano não patrimonial.
IV – A perda relevante de capacidades funcionais, mesmo que não tenha reflexos imediatos no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado, constitui uma verdadeira capitis deminutio condicionando, de forma relevante e substancial, as possibilidades do seu exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a sua carreira profissional expectável e o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo um dano futuro de ordem patrimonial, que, sendo previsível, merece ser ressarcido autonomamente.
V – Para as operações de cálculo da indemnização da componente patrimonial do dano biológico, releva, em especial, a equidade, havendo que ponderar os seguintes factores: (i) a idade do lesado; (ii) a ponderação da esperança média de vida à data do sinistro; (iii) o grau de incapacidade geral permanente do lesado; (iv) as potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; (v) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas.
VI – Para a compensação do dano biológico, na vertente não patrimonial, deve atender-se ao grau de culpabilidade do agente, à sua situação económica e à do lesado, e às demais circunstâncias do caso, sendo consensual o entendimento de que os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas, devendo essa compensação ser significativa e não meramente simbólica, o que não quer dizer que a indemnização seja arbitrária, estando ultrapassada a época das indemnizações reduzidas para compensar essa tipologia de danos.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra[1],
AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma do processo comum, contra A..., S.A., e B..., S.A., pedindo a condenação solidária das rés a pagarem-lhe a quantia global de € 240 102,00 (duzentos e quarenta mil e cento e dois euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, bem como a suportarem todas as despesas com apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria, de que a autora careça ou a efectuar o seu reembolso, quantia a apurar em sede de liquidação.
“1. Julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência,
2. Condenam-se solidariamente a 1.ª Ré – A..., S.A. e a 2.ª Ré – B..., S.A., a pagar à Autora AA, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 55 000,00 (cinquenta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a sentença, até efectivo e integral pagamento.
3. Condenam-se solidariamente a 1.ª Ré – A..., S.A. e a 2.ª Ré – B..., S.A., a pagar à Autora AA, a título de danos patrimoniais, a quantia de, € 98 000,00 (noventa e oito mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, até efectivo e integral pagamento, desta quantia têm ainda de ser descontadas as quantias já pagas a nível laboral.
4. Condenam-se solidariamente a 1.ª Ré – A..., S.A. e a 2.ª Ré – B..., S.A., a pagar à Autora AA, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 102,00 (cento e dois euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, até efectivo e integral pagamento.
Condenam-se solidariamente a 1.ª Ré – A..., S.A. e a 2.ª Ré – B..., S.A., a pagar ou reembolsar a Autora AA, a título de danos patrimoniais de todas as despesas com apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria, de que a Autora careça, que se remete para liquidação.[2]
5. Absolvem-se as Rés do restante pedido.
6. Custas da Autora e das Rés na proporção do decaimento. (sic).
(…).
(I) Impugnação da matéria de facto:
a) utilização de expressões conclusivas – item 40/Factos Provados (“tal foi a gravidade e complexidade”), no item 48 (as fraturas vêm qualificadas de extensas e graves), no item 53 [as dores vêm adjetivadas de intensas (quando no item 54, aí sim, vêm dimensionadas no grau 5/7)] e no item 72 que contém afirmação conclusiva quando exara que “a Autora na sequência do acidente não mais foi a mesma mulher”;
b) incorrecto julgamento do ponto n.º 61 dos factos provados – deve considerar-se não provado o “agravamento da sintomatologia psiquiátrica e agravamento da sintomatologia ao nível da coluna, com previsibilidade de dano futuro quantificado em 10 pontos” (conclusões 1.ª a 6.ª).
(II) Ilegalidade do pedido de pagamento e ou reembolso a cargo das rés de custos/despesas com psicoterapias complementares, nomeadamente consultas de psiquiatria de que ela careça – em especial, erro subsuntivo da sentença, nulidade por falta de fundamentação, ambiguidade e conhecimento de questão que lhe estava vedada, com desrespeito das als. b), c) e d) do art. 615.º, n.º 1, do CPC, e caso julgado decorrente da condenação da ré A..., S.A., no foro laboral (conclusões 7.ª a 14.ª).
(III) Cálculo do Dano Biológico – componente patrimonial: redução da indemnização a € 60 000,00, a título de indemnização por danos futuros (conclusões 15.ª a 22.ª) e componente não patrimonial: redução a € 30 000,00 (conclusões 23.ª a 25.ª).
Na sentença ficou consignado o seguinte [assinalam-se a itálico com travessão as expressões conclusivas dos pontos de facto – cf. n.ºs 40, 48, 53 e 72 – que são retiradas do elenco da factualidade provada, bem como os factos aditados n.ºs 83 e 84, na sequência deste Acórdão]:
“A. Factos Provados
Resultaram provados os seguintes factos, com relevo para decidir, excluindo factos conclusivos e conceitos jurídicos
Factos relativos ao acidente:
1. No dia 06 de Janeiro de 2018, entre as 07h10h e as 07h30, na EN ...42, ao km 13.300, em ..., ocorreu um embate entre os seguintes veículos:
- O ligeiro de mercadorias da marca “Citroen”, modelo Berlingo, com a matrícula ..-DF-.., de cor branca, que adiante se denominará por DF ou ligeiro, conduzido pela A., sendo o veículo propriedade de BB;
- O pesado trator da marca “Scania”, com a matrícula ..-..-OC, a que se encontrava atrelado o semir-reboque com a matrícula VI...., composto apenas pela plataforma de carga, vazia, com ferros verticais de cor escura, formando um único conjunto circulante de veículos e que, por razões de simplicidade, se passará a designar apenas por OC ou pesado, conduzido por CC, sendo o veículo propriedade da sociedade C..., Lda.
2. No dia e local do acidente (06/01/2018) o sol nasceu às 08:57 horas.
3. No dia e local do acidente a temperatura atmosférica era de 3.º/4.º graus celsius, a humidade relativa era 93% a 100% e havia algumas nuvens.
4. No dia e local do acidente estava nevoeiro e a luminosidade era lusco-fusco.
5. À data do acidente o piso no local era em alcatrão, encontrava-se em bom estado de conservação e apresentava duas faixas de rodagem destinadas, cada uma, a um sentido de trânsito.
6. O local do acidente não tinha qualquer iluminação pública.
7. A EN ...42 era ladeada em toda a sua extensão pelos terrenos que integram a Mata Nacional de Leiria.
8. O reboque de matrícula VI.... à hora em que ocorreu o acidente, não possuía Inspeção Periódica Válida, sendo que a mesma apenas foi feita nesse dia, mas em hora posterior (13.08 horas).
9. O citado reboque não cumpria as obrigações legais de caracter técnico, relativamente ao estado e segurança do veículo, na medida em que o mesmo não apresentava qualquer tipo de iluminação ou refletores laterais.
10. A via no local configura uma recta com cerca de 500 metros.
11. O piso era asfaltado, em bom estado de conservação, inserido em zona de mata florestal e as espécies arbóreas que ladeavam a via estavam queimadas e já derrubadas/abatidas.
12. A via tinha, no local uma largura de 7,30 metros, era servida por bermas com 1,40 metros de largura.
13. O trânsito, processava-se em ambos os sentidos de marcha e as respetivas faixas de rodagem, ali, eram separadas por sinalização horizontal, e com linha longitudinal descontínua (M2).
14. O limite de velocidade geral permitido naquele lanço de via, à data, era de 50 Km/hora.
15. O piso naquele lanço de via era betuminoso, estava em bom estado, seco e limpo.
16. O veículo DF, tripulado pela A., circulava na EN ...42, no sentido Marinha Grande – Vieira de Leiria (Sul – Norte) e circulava pela sua mão de trânsito, ou seja, na via de trânsito da direita.
17. O veículo OC circulava no sentido Vieira – Marinha e encostou à berma direita tendo em vista entrar para um caminho florestal do lado esquerdo (sentido Vieira - Marinha), em manobra de marcha atrás.
18. A meio da manobra, e quando o veículo estava atravessado na via, movimentou-o de marcha atrás para entrar no referido caminho florestal.
19. O veículo pesado tencionava fazer carregamento de material lenhoso na referida Mata Nacional.
20. Ao efectuar aquela manobra, o pesado ficou completamente atravessado ocupando a duas faixas de rodagem.
21. Atenta a data e hora a que ocorreu o acidente, a luminosidade lusco-fusco, o nevoeiro e as características do veículo pesado, acima descritas, a Autora não conseguiu avistar o pesado que ocupava toda a via, acabando por nele embater.
22. Por esses motivos, à condutora do DF que circulava a velocidade não apurada, mas não superior a 50/60 Km/h, não foi possível avistar o OC por forma a evitar o embate.
23. Porque o OC se encontrava atravessado na EN ...42, ocupando as duas faixas, foi impossível à condutora do DF contorná-lo por forma a evitar o embate.
24. O condutor do veículo OC, estava a manobrá-lo ocupando as duas faixas de rodagem, impedindo a passagem de todo e qualquer trânsito.
25. O OC realizou a manobra para entrar no aceiro florestal pretendido, em marcha muito lenta e sem qualquer tipo de sinalização.
26. Apesar da falta de luminosidade, o condutor do OC, iniciou tal manobra, tendo para o efeito ocupado a totalidade da faixa de rodagem, sem ter feito uso de qualquer tipo de sinalização.
27. O DF embateu com a parte frontal no eixo do reboque do veículo pesado OC.
28. A manobra então realizada pelo OC não era visível, pelo que condutora do DF não chegou, sequer, a travar.
29. O OC e semi-reboque não dispunha de qualquer iluminação na sua lateral esquerda que permitisse ser avistado.
30. E era a primeira vez que o condutor do OC manobrava aquele veículo para realizar tal tarefa naquele local e não era a sua actividade normal conduzir aquele veículo.
31. O veículo articulado registou danos na lateral esquerda da galera, mais exatamente no pneumático do eixo da frente desta.
32. Local onde o ligeiro veio embater.
33. O ligeiro apresentava avultados danos em toda a sua parte frontal, incluindo o parabrisas.
34. O veículo pesado era conduzido por CC por conta e no interesse da sociedade C..., Lda.
35. O referido CC conduzia o veículo pesado ao serviço da mencionada sociedade de quem era trabalhador.
36. E executava a tarefa de condução na recolha e transporte de material lenhoso sob as ordens e direcção daquela sociedade que havia adquirido lotes de lenha na Mata Nacional.
Factos relativos ao Seguro:
37. A responsabilidade que pudesse advir da condução e circulação do OC (veículo tractor) encontrava-se transferida para a seguradora A..., ora 1.ª Ré, através da apólice nº ...10.
38. A responsabilidade civil relativa ao veículo semi-reboque encontrava-se, à data do acidente, transferida para a seguradora Companhia de Seguros D..., S.A. que após fusão com outras seguradoras passou a designa-se E..., S.A. e, mais recentemente (10/2020), por nova fusão, agora 2.ª Ré, através da apólice nº ...60.
Factos relativos aos danos:
39. Na sequência do acidente, a A. foi transportada de ambulância, para o Centro Hospitalar de Leiria.
40. [Tal foi a gravidade e complexidade das lesões resultantes da colisão], que a A. veio a ser assistida, até ao momento da alta, para além do Centro Hospitalar de Leiria, pelos serviços clínicos contratados pela 1.ª R., no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra.
41. Em consequência do acidente resultaram para a A. “traumatismo de TCE e da face e torax com fractura da 5ª à 10ª costela e fractura dos ossos próprios do nariz e da orbita esquerda sujeita a tratamento cirúrgico” (doc. n.º 3).
42. Seguiram-se meses de repouso, sem que a A. pudesse efectuar esforços ou realizar a sua vida diária normal.
43. Em virtude da incapacidade de que a ficou a padecer, a A. necessitou de ajuda de uma terceira pessoa, o seu marido, na realização de todas as actividades diárias, incluindo a sua própria higiene.
44. Careceu deste auxílio durante quase 3 meses, estando totalmente dependente de terceiros.
45. A. durante meses foi seguida em consultas, realizou exames radiográficos, tac´s, ressonâncias, entre outros.
46. As lesões decorrentes do acidente em que a A. foi interveniente provocaram, também, perturbações do sono e da memória, dor frequente da grelha costal direita, e perturbação da visão do olho esquerdo.
47. A Autora sofreu:
a) Traumatismo crânio-encefálico e da face com fractura da pirâmide e septo nasal;
b) Fractura da órbita esquerda;
c) Traumatismo torácico com fractura de 6 arcos costais;
d) Traumatismo cervical.
48. Em virtude [da extensão e gravidade] das fracturas apresentadas ao nível da face, veio a A., a ser submetida a intervenções cirúrgicas.
49. Foi então a A. operada para septoplastia e turbinectomia unilateral (cfr. doc n.º3).
50. A A. ficou totalmente incapacitada para o trabalho durante 178 dias e, parcialmente, até 24 de Setembro de 2018, altura em que lhe foi dada alta, com incapacidade permanente parcial, pelos serviços clínicos da 1.ª R.
51. O acidente condicionou a vida da A. que viu limitada a sua autonomia na realização dos actos inerentes à sua actividade pessoal e profissional.
52. As sequelas que a A. ficou a padecer não são incompatíveis com exercício da sua actividade profissional, mas implicam esforços suplementares.
53. A A. sofreu [intensas] dores, quer no momento do acidente, quer nos meses posteriores.
54. O quantum doloris (corresponde à evolução de sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, isto é, desde o acidente até à data de consolidação das lesões), é fixável no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo sofrido, as cirurgias efectuadas bem como sofrimento psicológico induzido.
55. A A. ficou a padecer de dano estético permanente de 2 numa escala até 7 graus.
56. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica da A. é fixável em 27 pontos, atento o modo de afectação da integridade física e/ou psíquica da A.:
57. a) Perturbação da visão por hemianopsia esquerda;
58. b) Síndrome pós-traumático associado a perturbação depressiva reactiva;
59. c) Dores torácicas secundárias e fratura de vários arcos costais;
60. d) Cervicalgias e lombalgias acompanhadas de ciatalgia.
61. Redacção introduzida na sequência deste Acórdão: A autora terá necessidade de acompanhamento pela especialidade de Psiquiatria, de modo regular, com a toma de medicação permanente.
62. Para a valorização do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica, considerou-se, a síndrome pós-traumática associada a perturbação depressiva reactiva da qual a A. ficou a sofrer na sequência do acidente.
63. Em consequência do acidente, a A. revela sintomas de stress pós-traumático associada a sintomatologia depressiva reactiva.
64. A A. é reveladora de um humor distímico, emocionável e ansiosa sempre que pensa no acidente e nas dificuldades que passa desde o mesmo.
65. O quadro clínico é caracterizado por sofrimento psicológico intenso, elevados níveis de ansiedade, humor deprimido, dificuldades de concentração e atenção, desesperança, sentimentos de insegurança, desinteresse e desmotivação relativamente a actividades significativas, sentimentos de distanciamento e alienação em relação aos outros.
66. A A. apresenta pensamentos e lembranças intrusivas sobre o acidente, perturbação do sono, hipervigilância, resposta de sobressalto exagerada, medo intenso e evitamento do local do acidente.
67. Estas dificuldades comprometem e interferem significativamente com o desempenho pessoal, familiar, social e profissional da A. causando-lhe marcado sofrimento psicológico.
68. A A. encontra-se medicada e é acompanhada regularmente em consultas de psiquiatria.
69. A A. ficou a padecer, na sequência do acidente, de uma perturbação de stress pós-traumático associada a perturbação depressiva reactiva.
70. As sequelas afectam e afectarão para sempre a vida da A. e a sua capacidade.
71. A A. terá de recorrer, no futuro, a apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria.
72. [A A., na sequência do acidente, não mais foi a mesma mulher].
73. Apresenta-se triste e desmotivada.
74. Teve de abandonar a sua actividade profissional, deixando de explorar um comércio de cafetaria.
75. A A. tinha à data do acidente 38 anos de idade (doc. nº 5).
76. A A. era comerciante em nome individual, explorando um pequeno estabelecimento de café em ....
77. Na exploração do dito estabelecimento a A. não auferia menos do que € 600,00 por mês (doc. nº 6).
78. Para além dessa sua actividade profissional, a A. tinha a actividade decorrentes das lides domésticas, decorrentes dos seus cuidados da casa e da família.
79. O acidente foi simultaneamente de viação de trabalho, estando a 1.ª R. a suportar uma pensão anual de € 1840,48.
80. A A. despendeu ainda a quantia de € 102,00 com a requisição da participação de acidente de viação (doc. n.º 7)
81. A A. até à data continua a rever e reviver o momento do acidente.
82. Revê-o num trauma, que não consegue ultrapassar o que lhe provoca insónia e perturbação de sono.
· Factos aditados, nos termos do art. 662.º, n.º 1, do CPC:
83. Correu termos nos Serviços da Procuradoria da República da Comarca de Leiria – Juízo do Trabalho, o Proc. n.º 3250/18...., em que era sinistrada a ora autora e seguradora a A... Companhia de Seguros, S.A., tendo sido lavrado “Auto de Não Conciliação”, a 30-01-2019, no qual ficou consignado o seguinte “Acordo”, tendo o Ministério Público considerado as partes “Não Conciliadas”:
“Acordo
À sinistrada será paga:
– uma pensão anual e vitalícia no valor de € 1.840,48 calculada com base no salário anual transferido de € 8.120,00 e na desvalorização de 32,38%, atrás referida, nos termos do disposto no artºs 48º, nº 3 b) e artº 72º nºs 1 e 2, da Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro, a pagar no seu domicílio nos termos legais em duodécimos no valor de 1/14 da pensão, sendo os subsídios de férias e de natal também no valor de 1/14 da pensão a pagar nos meses de Junho e Novembro respectivamente;
– a quantia de € 568,97 a titulo de diferenças de indemnizações por Incapacidades Temporárias;
– a quantia de € 25,00 a titulo de despesas efectuadas com deslocações obrigatórias a este Tribunal e ao Gabinete Médico-Legal;
– o fornecimento de consultas de apoio de psicoterapia complementar;
– os juros de mora à taxa legal de 4 % sobre as quantias em dívida, calculadas desde a data da alta até integral pagamento.
Pela legal representante da A..., S. A., foi dito que aceita:
– a existência e caracterização do acidente como de trabalho nas circunstâncias de tempo, modo e lugar acima descritos;
– o nexo de causalidade entre o acidente, as lesões e sequelas descritas no boletim de alta da seguradora e a data da alta;
– as incapacidades temporárias atribuídas pela seguradora;
– a responsabilidade com base no salário anual transferido de € 8.120,00;
– pagar à sinistrada a quantia de € 25,00 a título de despesas efectuadas com deslocações obrigatórias a este Tribunal e ao Gabinete Médico-Legal;
– pagar os juros de mora nos termos peticionados;
Não se concilia com a Sinistrada, uma vez que os serviços clínicos da sua representada entendem que a mesma está afectada de uma IPP de 27,48 %, relegando igualmente para junta medica a atribuição de ITP referente ao período compreendido entre o dia 03/07/2018 a 24/09/2018, bem como o fornecimento de consulta de apoio de psicoterapia complementar.
Pela Sinistrada e Pelo seu Ilustre Mandatário foi dito que:
– concorda com os elementos acima descritos pelo Ministério Público e com o teor do auto de exame médico do Gabinete Médico-Legal, nomeadamente com o coeficiente de desvalorização ali indicado e com a data de alta.
Pelo que aceitam conciliar-se nos termos do acordo proposto” (sic)
(cf. documento n.º 4 junto à contestação da ré A..., S.A.).
84. No âmbito da acção emergente de acidente de trabalho que correu termos no Juízo do Trabalho ... – Juiz ..., sob o n.º 3250/18...., em que era sinistrada a ora autora e seguradora a ora ré A... Companhia de Seguros, S.A, foi proferida sentença, em 12-02-2019, da qual consta a seguinte decisão (que se reproduz na parte relevante):
“Pelo exposto:
1- Fixo a desvalorização funcional da sinistrada, melhor id nos autos, em 0,3238 de IPP, desde 25.09.2018;
2- Condeno a Companhia de Seguros no seguinte:
2.1. a pagar à sinistrada uma pensão anual e vitalícia no valor anual de € 1840.48 reportada a 25.09.2018, a pagar no seu domicílio em duodécimos no valor de 1/14 da pensão, sendo os subsídios de férias e de natal também no valor de 1/14 de pensão e a pagar nos meses de junho e novembro;
2.2, a pagar à sinistrada a quantia de € 25,00 € a título de despesas efetuadas com deslocações obrigatórias;
2.3. ao fornecimento de apoio de psicoterapia complementar. (…)”
(cf. documento n.º 5 junto à contestação da ré A..., S.A.).
Não se provaram os seguintes factos:
a) Que no momento e local do acidente era de noite e estava totalmente escuro.
b) Que o nevoeiro existente era cerrado ou muito acentuado.
c) Que veículo OC, na sequência de tais manobras de carregamento das madeiras, saiu de um aceiro florestal que se apresentava à direita do veículo DF.
d) Que o acidente ocorreu no dia 06/10/2028.
e) Que era dia e estava bom tempo.
f) Que antes de iniciar a manobra de marcha, referida nos factos provados, o condutor do veículo pesado constatou que não se aproximava qualquer veículo, seja num sentido, seja no outro.
g) Que a Autora e condutora do DF timonava este veículo sem levar concentrados na via todos os seus sentidos, mormente a visão e a concentração e atenção devidas.
h) Que, de outro modo, teria avistado a muito mais de 100 metros de distância, o veículo articulado atravessado na via.
i) Que naquela via, á data, processava-se o que ainda hoje acontece, trânsito muito diminuto.
j) Que a Autora imprimia ao ligeiro, velocidade superior a 90 Km/hora.
k) Que a Autora tem, ciclicamente, iniciado outras experiências profissionais, que nunca consegue manter, mercê das consequências do acidente, que a limitam quase totalmente.
l) Que a A. sofreu outras consequências para além das referidas nos factos provados.”
Recapitulando, são se seguintes as questões a apreciar
(I) Impugnação da matéria de facto:
a) utilização de expressões conclusivas – item 40/Factos Provados (“tal foi a gravidade e complexidade”), no item 48 (as fraturas vêm qualificadas de extensas e graves), no item 53 [as dores vêm adjetivadas de intensas (quando no item 54, aí sim, vêm dimensionadas no grau 5/7)] e no item 72 que contém afirmação conclusiva quando exara que “a Autora na sequência do acidente não mais foi a mesma mulher”
b) incorrecto julgamento do item 61/Factos Provados – deve considerar-se não provado “agravamento da sintomatologia psiquiátrica e agravamento da sintomatologia ao nível da coluna, com previsibilidade de dano futuro quantificado em 10 pontos” (conclusões 1.ª a 6.ª).
(II) Ilegalidade do pedido de pagamento e ou reembolso a cargo das rés de custos/despesas com psicoterapias complementares, nomeadamente consultas de psiquiatria de que ela careça – em especial, erro subsuntivo da sentença, nulidade por falta de fundamentação, ambiguidade e conhecimento de questão que lhe estava vedada, com desrespeito das als. b), c) e d) do art. 615.º, n.º 1, do CPC, e caso julgado decorrente da condenação da ré A..., S.A., no foro laboral (conclusões 7.ª a 14.ª).
(III) Cálculo do Dano Biológico – componente patrimonial: redução da indemnização a € 60 000,00, a título de indemnização por danos futuros (conclusões 15.ª a 22.ª) e componente não patrimonial: redução a € 30 000,00 (conclusões 23.ª a 25.ª).
Analisemos, então, as várias questões sob recurso.
(I) Utilização de expressões conclusivas e julgamento incorrecto (conclusões 1.ª a 6.ª).
Preceitua o art. 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Com este regime, pretende-se que seja rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstracto contra a decisão da matéria de facto, devendo ser especificados os exactos pontos da matéria de facto que foram erradamente decididos, e indicados, também com precisão, os factos que se considera deverem ser dados como provados, impedindo “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente” – cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2022, 7.ª edição, p.195.
Nos termos do n.º 1 do art. 662.º do CPC, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de factos, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Por seu turno, o art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, interpretado a contrario, permite que a Relação, mesmo oficiosamente, desde que disponha no processo de todos os elementos, proceda à alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, que repute deficiente, obscura ou contraditória.
Na situação vertente, mostram-se respeitados os pressupostos do art. 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no que tange à impugnação da matéria de facto.
Em 1.º lugar, as recorrentes insurgiram-se quanto ao facto de a sentença empregar em alguns dos pontos de facto provado expressões de cariz conclusivo.
Como se expressou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-01-2021, Proc. n.º 2999/08.0TBLLE.E2.S1: “Em sede de fundamentação de facto (traduzida na exposição descritivo-narrativa tanto da factualidade assente, quer por efeito legal da admissão por acordo, quer da eficácia probatória plena de confissão ou de documentos, como dos factos provados durante a instrução), a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjetivação”.[4]
Assim, a 1.ª parte do n.º 4 do art. 607.º do CPC é taxativa ao estabelecer que, na sentença, “o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que juga não provados”, importando salientar que a sentença sob recurso, na narração da matéria de facto, contém, de facto, matéria puramente conclusiva, que deve ser retirada do elenco da factualidade provada.
Estão nesse caso as seguintes expressões constantes dos factos correspondentes n.ºs 40, 48, 53 e 72, que se assinalam em itálico:
40. [Tal foi a gravidade e complexidade das lesões resultantes da colisão], que a A. veio a ser assistida, até ao momento da alta, para além do Centro Hospitalar de Leiria, pelos serviços clínicos contratados pela 1.ª R., no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra.
48. Em virtude [da extensão e gravidade] das fracturas apresentadas ao nível da face, veio a A., a ser submetida a intervenções cirúrgicas.
53. A A. sofreu [intensas] dores, quer no momento do acidente, quer nos meses posteriores.
72. [A A., na sequência do acidente, não mais foi a mesma mulher]
Com efeito, na escolha e enunciação da factualidade relevante para a decisão da causa, em sede de selecção da matéria de facto provada – cf. art. 607.º, n.º 4, do CPC –, o Juiz tem de atender à distinção entre factos, direito e conclusão, e acolher apenas os factos simples, naturalísticos, afastando da decisão de facto os conceitos de direito e as conclusões que mais não são que a lógica ilação de premissas, atendendo a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Como se sintetiza no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28-06-2018, Proc. n.º 170/16.6T8MMN.E1:
“I. No âmbito da vigência do actual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
II. Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado.
III. A supressão das expressões de cariz jurídico-conclusivo, não tem a virtualidade de afastar a valoração dos concretos factos que constem da matéria de facto provada, pois é com base em factos concretos que pode sustentar-se o juízo e não a partir de expressões conclusivas que representam conceitos/conclusões que não podem ser objecto de prova.”.
Isto dito é manifesto que, no caso sub judice, têm de ser expurgadas da matéria de facto provada todas as expressões que integram conclusões e juízos jurídico-conclusivos; a saber:
– No ponto n.º 40, a expressão “Tal foi a gravidade e complexidade das lesões resultantes da colisão”.
– No ponto n.º 48, a expressão “da extensão e gravidade”.
– No ponto n.º 53, a expressão “intensas”.
– O ponto n.º 72 – “A A., na sequência do acidente, não mais foi a mesma mulher” – por ser totalmente conclusivo, é suprimido da factualidade provada.
Em 2.º lugar, as recorrentes entendem que o ponto de facto provado n.º 61 tem de ser dado por não provado no segmento em que se exarou “agravamento da sintomatologia psiquiátrica e agravamento da sintomatologia ao nível da coluna, com previsibilidade de dano futuro quantificado em 10 pontos” (sic).
Nesse ponto o tribunal a quo deu por provado: “É de prever agravamento da sintomatologia psiquiátrica com necessidade de acompanhamento pela especialidade de modo regular com a toma de medicação permanente, bem como agravamento da sintomatologia a nível da coluna pelo que se induz dano futuro de 10 pontos”.
Para justificar este facto o tribunal a quo consignou, na “motivação referente aos danos patrimoniais e não patrimoniais”, apenas e tão só: “Os danos, lesões e incapacidades sofridos pela Autora resultaram de toda a documentação clínica junta aos autos e da perícia médico-legal realizada, incluindo neurológica e psiquiátrica e esclarecimentos” (sic).
A autora alegou expressamente este facto no art. 79.º da petição inicial. Para o provar juntou o documento intitulado “Relatório de avaliação de dano corporal em direito cível”, elaborado, a seu pedido, pelo Dr. DD, em que está consignado: “É de prever agravamento da sintomatologia psiquiátrica com necessidade de acompanhamento pela especialidade de modo regular com a toma de medicação permanente, bem como agravamento da sintomatologia a nível da coluna pelo que se induz dano futuro de 10 pontos” – cf. documento inserto a pp. 18 v-21 do suporte físico do processo, em concreto último parágrafo da p. 20.
Acontece que ambas as rés contestaram aquela factualidade – cf. arts. 10.º/11.º da contestação da ré B..., S.A. e art. 99.º da contestação da ré A..., S.A. –, tendo sido determinada e produzida prova pericial médico-legal para avaliação do dano corporal, a qual não corroborou o mencionado agravamento futuro, valorável em 10 pontos, e que, pela sua natureza objectiva e imparcial – cf. art. 467.º, n.º 3, do CPC –, tem de prevalecer, sem margem para dúvidas, sobre o “parecer” médico junto pela própria autora.
Com efeito, da leitura do Relatório da Perícia Médico-Legal /Psiquiatria consta expressamente, no Capítulo “II. Avaliação Clínica”: “(…) Informa que previamente ao acidente era acompanhada em consultas de Psiquiatria, que iniciou após o falecimento da sua filha, 8 anos antes. Na altura estava medicada com topiramato 50 mg e escitalopram 10 mg, medicação que mantém na actualidade”.
Por outro lado, acrescenta-se no Capítulo “III. Parecer Psiquiátrico-Forense”: “(…) Mesmo considerando os antecedentes psiquiátricos, atendendo ao continuum temporal e às queixas apresentadas, é possível estabelecer um nexo de causalidade entre as sequelas do acidente e a sintomatologia agora apresentada. Tal condição nosológica, sequelar ao acidente ocorrido a 06/01/2018, é muito modelada pelos traços de personalidade que apresenta e que condicionam o seu estado clínico atual, agravada pela ausência de acompanhamento especializado, na sua vertente psicofarmacológica e sobretudo psicoterapêutica (…) a psicopatologia evidenciada pela examinanda determina a existência de perturbações funcionais persistentes (…) Tendo este grau de incapacidade um intervalo de desvalorização que vaira entre 4 e 10 pontos, à situação presente corresponderá uma desvalorização de 4 pontos. (…) afigura-se-nos recomendável que a examinanda possa vir a beneficiar de um regular acompanhamento psiquiátrico (…) visando influenciar positivamente, na medida do possível, o prognóstico do contexto clínico em presença”.
A terminar, no Capítulo “IV. Conclusões” refere-se: “1. A examinanda é actualmente portadora de uma perturbação de stress pós-traumático. (…) 2. Perante o continuum temporal e as queixas apresentadas é possível estabelecer um nexo de causalidade entre as eventuais sequelas do acidente e o agravamento da sintomatologia apresentada pela examinanda. 3. Tais queixas afetarão de forma ligeira a eficiência pessoal, social e profissional da examinanda, sendo por isso englobáveis na rubrica Nb003 da Tabela Nacional de Incapacidades Permanente em Direito Civil (…). 4. Tendo este grau de incapacidade um intervalo de desvalorização que varia entre 4 e 10 postos, à situação presente corresponderá uma desvalorização de 4 pontos. 5. É recomendável que a examinanda possa beneficiar de um regular seguimento psiquiátrico, visando influenciar o prognóstico do contexto clínico em presença” – cf. relatório inserto a pp. 305-307 do suporte físico do processo.
Em resumo, o relatório não se refere, em momento algum, a qualquer agravamento futuro da sintomatologia psiquiátrica, informando, ademais, que a autora, antes do acidente de viação, já era portadora de antecedentes psiquiátricos provocados pela morte de uma filha e que, por essa razão, é assistida em consultas de Psiquiatria e medicada.
De resto, também o Relatório da Perícia de Avaliação Genérico do Dano Corporal em Direito Cível, no capítulo antecedentes pessoais, reporta-se a esta mesma sintomatologia psiquiátrica – “medicada com Topiramato e Escitalopram desde há cerca de 10 anos, por motivos que relaciona com síndrome depressivo reativo a aborto” – não aludindo, em lado algum, à previsibilidade de qualquer agravamento futuro de cariz psiquiátrico – cf. relatório inserto a pp. 118-124 do suporte físico do processo, em concreto p.121.
O mesmo se diga, outrossim, no que tange ao agravamento da sintomatologia da coluna e dano futuro previsível de 10 pontos, pois nenhum dos relatórios – nem o Relatório da Perícia Médico-Legal / Psiquiatria, nem o Relatório da Perícia de Avaliação Genérico do Dano Corporal – nem os esclarecimentos que foram dados a pedido da autora, contemplam este tema da prognose de dano futuro valorado no presente em 10 pontos.
Deste modo, altera-se a redacção do ponto de facto n.º 61, que passará a ser a seguinte: “A autora terá necessidade de acompanhamento pela especialidade de Psiquiatria, de modo regular, com a toma de medicação permanente”.
Por fim, aditam-se os factos correspondentes aos documentos n.ºs 4 e 5 da contestação da ré/recorrente A... – Companhia de Seguros, S.A., nos termos do art. 662.º, n.º 1, do CPC, e que se reportam às fases conciliatória e contenciosa do processo emergente de acidente de trabalho que correu termos nos Serviços do Ministério Público e do Juízo do Trabalho ... – Juiz ..., sob o n.º 3250/18...., que passam a ser os pontos de facto n.ºs 83 e 84.
A autora veio pedir, além do mais, a condenação das rés “(…) a suportarem todas as despesas com apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria, de que a A. careça ou efectuar o seu reembolso, quantia a apurar em sede de liquidação (…)” (sic)
A este propósito, após invocarem que “o acidente teve a dupla natureza, viária e laboral, (item 79/Factos Provados) e a “autora na douta PI (artigos 63º e 68º, 115º, 116º, 130º e 137º) confessa e reconhece esta dupla natureza”, consideram as recorrentes que o pedido é legalmente inviável uma vez que a autora reconhece ter existido decisão proferida no foro laboral, estando já a ser indemnizada pelos períodos de incapacidade temporária e a receber pensão anual e vitalícia, tendo a A..., S.A., juntado cópia da sentença proferida no Juízo do Trabalho ..., sabendo a autora que o pedido quanto ao fornecimento de apoio de psicoterapia complementar já ali estava acautelado.
De harmonia, sustentam que o pedido de as rés/recorrentes “suportarem todas as despesas com apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria, de que a A. careça ou efectuar o seu reembolso, quantia a apurar em sede de liquidação” é ilegal, uma vez que o correspondente direito já está acautelado por sentença, dispondo a autora de título executivo para efectivar/exercitar a sua pretensão quanto às necessidades de apoio de psicoterapia complementar, ocorrendo a excepção de caso julgado, prevista no art. 580.º, n.º 1, in fine, do CPC e que é de conhecimento oficioso – art. 579.º do CPC.
Por outro lado, invocam que o tribunal a quo, ao ter corrigido a sentença no segmento decisório, condenando as recorrentes “a pagarem ou reembolsarem a Autora de todas as despesas com apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria de que a Autora careça e que se remete para liquidação”, padece de erro material subsuntivo e/ou subsidiariamente, enferma de vícios formais por falta de fundamentação, ambiguidade e conhecimento de questão que lhe estava vedada, com desrespeito do estatuído respectivamente nas alíneas b), c) e d) do art. 615.º, n.º 1, do CPC.
Por último, essa condenação desrespeita a regra prevista no art. 562.º do Código Civil, esquecendo que a indemnização por outra forma que não a restauração natural, é a excepção à regra indemnizatória – art. 566.º do CC.
Vejamos.
Como é sabido, o processo emergente de acidente de trabalho é um processo especial que se inicia por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público, tendo por base a participação do acidente – art. 99.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT).
Na tentativa de conciliação, em que intervêm o sinistrado ou seus beneficiários legais, as entidades empregadoras ou seguradoras, atende-se aos elementos fornecidos, nomeadamente o resultado de exame médico e as circunstâncias que possam influir na capacidade de ganho do sinistrado – arts. 108.º, n.º 1, e 109.º do CPT.
Se houver acordo, à luz do disposto no art. 111.º do CPT, procede-se (i) à identificação completa dos intervenientes; (ii) indicação precisa dos direitos e obrigações que lhes são atribuídos; (iii) descrição pormenorizada do acidente; (iv) descrição pormenorizada dos factos que servem de fundamento àqueles direitos e obrigações. Nesse caso, verificada a conformidade legal do processo, o Juiz homologa o acordo por despacho, o qual, transitado em julgado, finda a fase conciliatória do processo, não havendo lugar à fase contenciosa – cf. arts. 114.º, n.º 1, e 117.º e ss. do CPT.
Havendo discordância das partes, segue-se a fase contenciosa a qual se pode iniciar de dois modos diferentes, consoante o âmbito da divergência das partes na fase conciliatória do processo:
1.º Quando na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade – art. 138.º, n.º 2, do CPT –, a fase contenciosa do processo principia com o requerimento do interessado que tiver discordado do resultado do exame médico realizado nessa fase conciliatória – art. 117.º, n.º 1, al. b), do CPT –, no qual formula pedido de junta médica. Segue-se a realização do exame – art. 139.º do CPT – e a sentença onde se fixa de modo definitivo a natureza, o grau de desvalorização do sinistrado e o valor da causa – art. 140.º, n.º 1, do CPT.
2.º Quando a questão da discordância entre as partes é diversa, a fase contenciosa principia com a petição inicial, em que o sinistrado formula o pedido, expondo os seus fundamentos, contra a entidade responsável – art. 117.º, n.º 1, al. a), do CPT –, e, após os articulados e o saneamento, na fase de a instrução – arts. 63.º e ss., por remissão do art. 131.º, n.º 2, do CPT – realiza-se exame por Junta Médica, se for caso disso – art 138.º, n.º 1, do CPT –, seguindo-se o julgamento e a sentença – art. 135.º do CPT.
A fase contenciosa destina-se a obter a prolação de decisão judicial que supere o litígio que subsiste – sendo que no auto de conciliação ficam mencionados os pontos decisivos à determinação dos direitos do sinistrado, conforme resulta dos arts. 111.º e 112.º do CPT, haja ou não acordo das partes – e apenas se podem debater os pontos ou factos que ficaram por acordar na fase conciliatória e que obstaram à plena reparação, relativamente à pretensão e direitos que o sinistrado reclamou.
Por sua vez, a Lei n.º 98/2009, de 04-09, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (NLAT), prescreve, nos arts. 23.º, 28.º, 30.º e 34.º:
Art. 23.º - Princípio geral
O direito à reparação compreende as seguintes prestações:
a) Em espécie - prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa;
b) Em dinheiro - indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na presente lei.
Art. 28.º, n.º 1 - Médico assistente
A entidade responsável tem o direito de designar o médico assistente do sinistrado.
Art. 30.º, n.º 1 - Observância de prescrições clínicas e cirúrgicas
O sinistrado em acidente deve submeter-se ao tratamento e observar as prescrições clínicas e cirúrgicas do médico designado pela entidade responsável, necessárias à cura da lesão ou doença e à recuperação da capacidade de trabalho, sem prejuízo do direito a solicitar o exame pericial do tribunal.
Art. 34.º - Solução de divergências
1. Qualquer divergência sobre as matérias reguladas nos artigos 31.º, 32.º e 33.º, ou outra de natureza clínica, pode ser resolvida por simples conferência de médicos, da iniciativa do sinistrado, da entidade responsável ou do médico assistente, bem como do substituto legal deste.
2. Se a divergência não for resolvida nos termos do número anterior, é solucionada:
a) Havendo internamento hospitalar, pelo respectivo director clínico ou pelo médico que o deva substituir, se ele for o médico assistente;
b) Não havendo internamento hospitalar, pelo perito médico do tribunal do trabalho da área onde o sinistrado se encontra, por determinação do Ministério Público, a solicitação de qualquer dos interessados.
3. As resoluções dos médicos referidos nas alíneas do número anterior ficam a constar de documento escrito e o interessado pode delas reclamar, mediante requerimento fundamentado, para o juiz do tribunal do trabalho da área onde o sinistrado se encontra, que decide definitivamente.
4. Nos casos previstos na alínea b) do n.º 2 e no n.º 3, se vier a ter lugar processo emergente de acidente de trabalho, o processado é apenso a este.
In casu verifica-se que, na fase conciliatória, as partes não chegaram a acordo quanto ao fornecimento de consulta de apoio de psicoterapia complementar, que relegaram para momento ulterior, e, já na fase contenciosa, na sentença proferida pelo Juízo do Trabalho ... – Juiz ..., em 12-02-2019, no âmbito do Proc. n.º 3250/18...., ficou exarado que “a seguradora, após a tentativa de conciliação, veio aceitar a I.P.P, os períodos de incapacidade e o apoio complementar de psicoterapia conforme exame médico do GMLL e que não havia aceitado anteriormente, causa da não conciliação”, tendo sido condenada, além do mais, ao “fornecimento de apoio de psicoterapia complementar” (sic) à ora autora – sublinhado nosso.
Foi isto que ocorreu no foro laboral.
Nos presentes autos, reitera-se, a autora pediu a condenação das rés/recorrentes “(…) a suportarem todas as despesas com apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria, de que a A. careça ou efectuar o seu reembolso, quantia a apurar em sede de liquidação (…)” e o tribunal decidiu: «Condenam-se solidariamente a 1.ª Ré – A..., S.A. e a 2.ª Ré – B..., S.A., a pagar ou reembolsar a Autora AA de todas as despesas com apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria, de que a Autora careça, que se remete para liquidação».” (sic) – sublinhado nosso.
Na decisão do Juízo do Trabalho ..., repete-se, apenas ficou decidido que a A..., S.A., também demandada neste processo, está obrigada ao “fornecimento de apoio de psicoterapia complementar”.
Como se dirimiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-07-2017, Proc. n.º 3559/05.2TBVCT.G1.S1:“Constitui entendimento uniforme e reiterado que as indemnizações consequentes a acidente de viação e simultaneamente sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto”.
O mesmo se explica no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-02-2024, Proc. n.º 15899/17.3T8PRT.P1.S1:“Em caso de acidente de viação e de trabalho, as respectivas indemnizações não são cumuláveis, mas antes complementares, não sendo de deduzir a indemnização devida por acidente de trabalho já paga ao sinistrado em processo de acidente de trabalho, assumindo carácter subsidiário em relação ao responsável civil por facto ilícito.”
A pergunta que se impõe consiste em saber, além do mais, se ocorre caso julgado e, desde já se adianta, salvo o devido respeito pela posição expressa pelas recorrentes, não se pode dizer ocorra tal excepção.
O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas – cf. art. 580.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Deste modo, a autoridade de caso julgado da sentença que transitou e a excepção de caso julgado são efeitos distintos da mesma realidade jurídica.
Enquanto que a excepção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tripla identidade a que se refere o art. 581.º do CPC – de sujeitos, pedido e causa de pedir –, a autoridade de caso julgado de sentença transitada pode actuar independentemente da verificação de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar ou discutir certa questão.
A figura da autoridade do caso julgado, distinguindo-se, como se viu, da excepção do caso julgado por não supor a tríplice identidade por esta exigida, visa a garantia, a coerência e a dignidade das decisões judiciais.
Na sequência do que vem dito, o facto da ré A..., S.A., por força da sentença de mérito no foro laboral estar adstrita a prestar/fornecer à autora o apoio de psicoterapia complementar de que esta careça, não se confunde com a condenação determinada nestes autos, de acordo com a qual as rés/recorrentes têm de “pagar ou reembolsar a Autora AA de todas as despesas com apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria, de que a Autora careça, que se remete para liquidação”.
Acresce referir que o pedido da autora/recorrida é uma decorrência lógica dos factos alegados na petição inicial e que, aliás, ficaram apurados após a discussão da causa, e que as recorrentes não impugnam neste recurso, correspondentes, em especial, aos factos provados sob o n.º 58 b) – “síndrome pós traumático associado a perturbação depressiva reactiva” – n.º 63 – “em consequência do acidente, a A. revela sintomas de stress pós-traumático associada a sintomatologia depressiva reactiva” – n.º 64 – “a A. é reveladora de um humor distímico, emocionável e ansiosa sempre que pensa no acidente e nas dificuldades que passa desde o mesmo” – n.º 65 – “O quadro clínico é caracterizado por sofrimento psicológico intenso, elevados níveis de ansiedade, humor deprimido, dificuldades de concentração e atenção, desesperança, sentimentos de insegurança, desinteresse e desmotivação relativamente a actividades significativas, sentimentos de distanciamento e alienação em relação aos outros” – n.º 66 – “A A. apresenta pensamentos e lembranças intrusivas sobre o acidente, perturbação do sono, hipervigilância, resposta de sobressalto exagerada, medo intenso e evitamento do local do acidente” – n.º 67 – “Estas dificuldades comprometem e interferem significativamente com o desempenho pessoal, familiar, social e profissional da A. causando-lhe marcado sofrimento psicológico” – n.º 68 – “A A. encontra-se medicada e é acompanhada regularmente em consultas de psiquiatria” – n.º 69 – “A A. ficou a padecer, na sequência do acidente, de uma perturbação de stresse pós-traumático associada a perturbação depressiva reactiva” – n.º 70 – “As sequelas afectam e afectarão para sempre a vida da A. e a sua capacidade” – n.º 71 – “A A. terá de recorrer, no futuro, a apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria” – n.º 73 – “Apresenta-se triste e desmotivada” – n.º 81 – “A A. até à data continua a rever e reviver o momento do acidente” – e n.º 82 – “Revê-o num trauma, que não consegue ultrapassar o que lhe provoca insónia e perturbação de sono”.
Como é evidente, o facto da ré A... estar obrigada, no foro laboral, ao “fornecimento de apoio de psicoterapia complementar” à autora não é confundível com a sua condenação, solidariamente com a ré B..., S.A., no âmbito deste processo, “a pagar ou reembolsar a Autora AA de todas as despesas com apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria, de que a Autora careça, que se remete para liquidação”, inexistindo, pois, qualquer caso julgado.
Naturalmente, a leitura fina da condenação proferida neste processo, por reporte à condenação efectuada no foro laboral, implica que se considere que a A... só responde pelo pagamento ou reembolso do processo terapêutico em tudo o que não estiver compreendido pela anterior condenação laboral, sob pena de duplicação da obrigação assistencial a seu cargo.
Acresce, outrossim, que não há qualquer nulidade da decisão, por violação do art. 615.º do CPC, ao contrário do sustentado pelas recorrentes, seja por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b)), seja por ambiguidade (alínea c)), seja, por fim, excesso de pronúncia (alínea d)), uma vez que as partes tiveram oportunidade de, em momento processual próprio, pronunciar-se sobre a questão – cf. petição inicial e contestações.
A nulidade por falta de fundamentação, a que se alude no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, abrange tanto a fundamentação de facto, como a fundamentação de direito – cf. Rui Pinto, Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), Julgar Online, Maio de 2020, pp. 11/12[5], “… é bom de ver que uma ausência de análise crítica das provas ou uma fundamentação da decisão da matéria de facto que seja genérica, sem especificação da prova que foi decisiva é, funcionalmente, uma falta de fundamentação da parte dispositiva. É certo que é uma falta de fundamentação indireta, porquanto normalmente é acompanhada do(s) julgamento(s) de provado / não provado, mas está no espírito da nulidade em presença cominar qualquer falta efetiva e funcional de fundamentação.” (p. 15), “Em conclusão: a nulidade por falta de fundamentação diz respeito tanto ao(s) julgamento(s) de provado / não provado (cf. artigo 607.º, n.ºs 3, primeira parte, e 4, primeira parte), como à motivação ou convicção (cf. artigo 607.º, n.º 4, segunda parte) que os sustenta.
Ocorre também falta de fundamentação se, em termos funcionais e efetivos, faltar a motivação da prova, apesar de estar presente o julgamento de provado / não provado.” (p. 16), e “A falta de fundamentação a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 615.º ocorre, seja quando não há nenhuma fundamentação (de direito ou de facto) da parte dispositiva, seja quando falta, em termos funcionais e efetivos, algum segmento da fundamentação exigida pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º.
Trata-se, em ambos os casos, de um vício grosseiro, grave e manifesto, como é próprio dos vícios arrolados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 615.º. Um entendimento conforme ao artigo 205.º, n.º 1, da Constituição impõe esta interpretação….” (p. 17).
Já “[a] contradição entre fundamentos e decisão é … estritamente no plano lógico da construção da decisão. Coisa diversa é o próprio silogismo estar errado no seu mérito, por conter uma contradição com os factos ou com o Direito: trata-se de erro do julgamento de facto … ou de o julgamento de direito … seja por erro de subsunção dos factos à norma jurídica aplicável, seja por erro na determinação de tal norma ou por erro na sua interpretação.
Em ambas as eventualidades não ocorre nulidade do artigo 615.º, n.º 1 al. e), mas, sim, um erro de julgamento da matéria de facto ou matéria de direito, respetivamente” (p. 19).
No caso em apreço o que existe é uma discordância das recorrentes com o teor da decisão e/ou com os seus fundamentos, categorias distintas e não confundíveis com o vício de nulidade.
Da leitura da decisão em crise alcança-se que a fundamentação, de facto e de direito, e a decisão não são logicamente inconciliáveis, ambíguas ou contendo excesso de pronúncia, concluindo-se não ocorrer a nulidade que lhe foi assacada.
Por fim, não se regista qualquer ilegalidade no facto de ser determinada a condenação judicial nos termos em que o foi – e não através de restauração natural –, como pretendem as recorrentes.
Improcede, assim, esta questão recursiva.
(III) Cálculo do Dano Biológico – componente patrimonial: redução da indemnização a € 60 000,00, a título de indemnização por danos futuros (conclusões 15.ª a 22.ª) e componente não patrimonial: redução da indemnização a € 30 000,00 (conclusões 23.ª a 25.ª).
Segundo o n.º 1 do art. 483.º do CC, “[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, emergindo do art. 563.º do mesmo Código, que “[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Os requisitos legais da obrigação de indemnizar implicam:
– O facto do agente – que pode consistir numa acção ou numa omissão;
– A ilicitude – que pode revestir as modalidades de violação de direitos absolutos ou a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios;
– A imputação do facto ao agente/culpa – a título de dolo ou negligência (podendo, ainda, trata-se de culpa presumida – art. 503.º, n.º 3, 1.ª parte, do CC);
– O dano;
– O nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
In casu, as seguradoras/recorrentes não põem em causa a obrigação de indemnizar a autora pelos danos que lhe advieram do sinistro rodoviário registado – em virtude dos contratos de seguro que haviam celebrado com a responsável civil pelo acidente, estando essa responsabilidade para si transferida, por força do regime emergente da Lei do Seguro Obrigatório (DL n.º 291/2007, de 21-01), em especial, dos arts. 4.º, 6.º, 11.º, n.º 1, al. a), 32.º e 67.º –, mas apenas o valor de tais indemnizações, mormente no que tange ao designado dano biológico, na sua componente patrimonial e não patrimonial.
Deste modo, não se suscitando dúvidas de que o acidente de viação que sinistrou a autora ficou a dever-se a culpa exclusiva e efectiva do condutor do conjunto de veículos com a matrícula ..-..-OC e reboque com a matrícula VI...., é também incontroversa a existência de facto ilícito, dano e nexo de causalidade, restando por apurar a questão da indemnização.
Como é sabido, na perspectiva da responsabilidade civil, considera-se dano ou prejuízo toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica, havendo que investigar e apurar, por um lado, quais os danos susceptíveis de serem indemnizados e, por outro lado, fixar os seus montantes.
No ordenamento jurídico português, o princípio geral que enforma o sistema indemnizatório é o da reparação natural do dano – as coisas atingidas pelo evento lesivo devem ser repostas com exactidão na situação anterior –, consagrado no art. 562.º do CC: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Esse dever de indemnizar compreende os danos emergentes – o prejuízo causado à vítima – bem como os lucros cessantes – ou seja, os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão –, incluindo os danos futuros, desde que previsíveis, ao abrigo do disposto no art. 564.º do CC.
Segundo estatuído no n.º 1 do art. 566.º do CC “a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.
Destes dispositivos legais promana que a obrigação de indemnizar se traduz numa reposição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (restituição natural), sendo que, nos casos dessa restituição não ser possível, ou ser insuficiente ou ser excessiva, a indemnização se concretizará, por sucedâneo, numa quantia monetária.
Na fixação do valor da indemnização rege o princípio da teoria da diferença – “a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (n.º 2 do art. 566.º do CC) – e, subsidiariamente, o recurso à equidade – “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (n.º 3 do art. 566.º do CC).
Por “data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal”, a que se refere o n.º 2 do art. 566.º do CC, deve atender-se, de acordo com o previsto no art. 611.º, n.º 1, do CPC, a correspondente “à situação existente no momento do encerramento da discussão”.
Entre as mais relevantes e variadas classificações do dano, distinguem-se, prima facie, os danos patrimoniais dos danos não patrimoniais:
A) Ao nível dos danos patrimoniais, como se disse anteriormente, a indemnização compreende não só o ressarcimento dos danos emergentes, vistos como os prejuízos causados nos bens ou direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão, mas também a compensação pelos lucros cessantes, entendidos como os ganhos que se frustraram e os benefícios que o lesado deixou de auferir por causa da lesão – art. 564.º, n.º 1, do CC.
B) A indemnização por danos não patrimoniais fixa-se por recurso à equidade, com observância das circunstâncias especificadas no art. 496.º do CC, não sendo tidos em conta os meros incómodos ou as contrariedades sofridas pelo lesado, devendo a indemnização mostrar-se adequada a contribuir para atenuar e minorar o sofrimento físico e psicológico em que tais danos se traduzem: para calcular a compensação a atribuir por danos não patrimoniais “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”.
Feita a resenha do regime geral da indemnização em direito civil, na situação sob recurso, itera-se, a autora/recorrida peticionou o pagamento de uma indemnização global no montante de € 240 102,00 (duzentos e quarenta mil e cento e dois euros), assim decomposta:
– € 165 000,00 (cento e sessenta e cinco mil euros), a título de danos patrimoniais resultantes da incapacidade permanente de que ficou a padecer.
– € 65 000,00 (sessenta e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais.
– € 102,00 (cento e dois euros), pela obtenção de certidão.
Para a fixação dos valores de indemnização pelos danos patrimoniais futuros, o tribunal a quo consignou o seguinte:
“(…) Estes danos devem ser calculados de acordo com critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que no caso concreto pode vir a acontecer, seguindo as coisas o seu curso normal. Se mesmo assim, não for possível apurar-se o seu valor exacto, deverá o Tribunal julgar segundo a equidade, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 566.º do Código Civil (Cfr. Vaz Serra, RLJ 112, 329 e 114, 287; Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 1987, pág. 114; Ac STJ 10/02/98, CJ, I, 67).
É fundamental partir do princípio que o cálculo da frustração de ganho deverá conduzir a um capital que considere a produção de um rendimento durante todo o tempo de vida activa da vítima, adequado ao que auferiria se não fora a lesão correspondente ao grau de incapacidade, e adequado a repor a perda sofrida.
Em suma, qualquer que seja o critério utilizado é praticamente unânime que, no que concerne aos danos futuros, a indemnização a pagar ao lesado deve produzir o rendimento mensal fixo perdido, mas sem que tal constitua um enriquecimento ilegítimo à custa do lesante.
Contudo, o cálculo destes danos é sempre uma operação delicada, uma vez que obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não tivesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro.
A jurisprudência tem-se debruçado sobre o modo mais equilibrado de encontrar as indemnizações, servindo-se de tabelas ou fórmulas de carácter matemático ou estatístico nem sempre coincidentes, mas todas com vista a prevenir que o arbítrio atingisse proporções irrazoáveis e a conseguir critérios o mais possível conformes com os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14/09/2010, relatado por Ferreira de Almeida, proc. n.º 797/05.1TBSTS.P1, e de 16/12/2010, relatado por Lopes do Rego, proc. n.º 270/06.0TBLSD.P1.S, www.dgsi.pt).
No entanto, o recurso tais fórmulas matemáticas ou de cálculo financeiro para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros/lucros cessantes não pode substituir o prudente arbítrio do julgador, ou seja, a utilização de critérios de equidade, ao abrigo do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil.
Para fixação de tal cálculo tem a jurisprudência utilizado a fórmula matemática adoptada no acórdão do STJ de 5-5-94, in CJSTJ, ano II, Tomo II, pág. 87, que constitui um ponto de partida, como segue:
C = P * { (1/i) - [ (1+i) / ((1+i) ^n * i) ] } + [ P * (1+i) ^ -n ].
Ou seja:
C – será o capital a depositar no ano 1.
P – será a prestação a pagar anualmente.
i – taxa de juro de 3%.
n – o número de anos em que a prestação se manterá.
(…) Finalmente, importa destacar que é pacífico que os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações que lhe foram introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem ao que é fixado pelo Código Civil – a título meramente exemplificativo: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/12/2015 [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/12/2015 (relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, proc. n.º 3558/04.1TBSTB.E1.S1] e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/11/2014[Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/11/2014 (relatado por Maria dos Prazeres Beleza, proc. n.º 5572/05.0TVLSB.L1.S1].
(…) Quanto aos danos a liquidar considerando a incapacidade permanente da Autora, incluindo o dano biológico na vertente patrimonial: Com efeito o dano biológico tem, ou pode ter, uma dupla vertente – vertente patrimonial e vertente não patrimonial. Com efeito, no sentido de considerar o dano biológico naquela dupla vertente se decidiu, a título exemplificativo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/11/2014 [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/11/2014 (relatado por Maria dos Prazeres Beleza, proc. n.º 5572/05.0TVLSB.L1.S1]:
«Como se disse já no acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2012 (www.dgsi.pt, 1145/07.1TVLSB.L1.S), na linha dos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1) ou de 20 de Maio de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 103/2002.L1.S1), “É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. No que aos primeiros respeita, o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes frisou que «os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» – acórdão de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978) – e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (cfr. o acórdão de 20 de Outubro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 428/07.5TBFAF.G1-S1) A lesão que a incapacidade revela pode, naturalmente, causar danos patrimoniais que se não traduzem em perda de ganho (…)”».
E neste item será valorada a vertente patrimonial. / Para obter o valor deste dano futuro, poderia ser aplicada uma fórmula matemática ou fórmula de cálculo financeiro, como acima já melhor analisado.
Assim, se aplicarmos simplesmente a fórmula matemática acima referida, temos de ter em conta que a Autora auferia anualmente a quantia de €8.400,00 (= €600,00 x 14 meses), bem como, considerando que ficou provado que para além dessa sua actividade profissional, a A. tinha a actividade decorrentes das lides domésticas, decorrentes do seus cuidados da casa e da família, é adequado e equilibrado valorizar essa actividade no montante mensal de €400,00, correspondente ao montante anual de €4.800,00 (= €400,00 x 12 meses), totalizando a quantia anual de €13.200,00 (= €8.400,00 + 4.800,00).
Há que ter em conta que a Autora tinha 38 anos de idade à data do acidente, a taxa de juro de 3% e o tempo médio de vida previsível que no caso das mulheres em Portugal é de 83 anos de idade [INE.PT].
A Autora ficou a padecer de uma IPP de 27%, por isso, o capital a depositar anualmente seria de €3.564,00 (= €13.200,00 x 27%), equivalente a Esc.714.517,84 (escudos).
Aplicando a fórmula:
P ----------- > 714517,84
i ----------- > 0,03
n ----------- > 45
1/i 33,33333333
1+i 1,03
(1+i)^n 3,781595842
(1+i)^n*i 0,113447875
(1+i)^-n 0,264438624
C ----------- > 17 519 058 Esc. 87 384,69 Euros
Assim, o valor da indemnização será de 17 519 058 Esc. 87 384,69 Euros
No entanto, seguindo de perto a decisão e a fundamentação constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/03/2018 [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/03/2018 (relatado pela Senhora Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. n.º 773/07.0TBALR.E1.S1], em situação semelhante, importa destacar que os índices de Incapacidade Geral Permanente não se confundem com índices de Incapacidade Profissional Permanente, correspondendo a duas tabelas distintas, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro.
No preâmbulo deste diploma legal, na incapacidade geral avalia-se “a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia”, a qual poderá ter reflexos ao nível da incapacidade profissional, mas que com esta não se confunde (cfr. Maria da Graça Trigo, Adopção do conceito de dano biológico pelo direito português, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 72, I, págs. 148-149).
E no caso concreto em apreciação, ficou provado que a Autora não ficou incapaz para o exercício da profissão habitual, mas são exigidos esforços suplementares.
Além disso, a Autora ficou a padecer de consequências neurológicas e psicológicas.
Estão em causa os danos patrimoniais resultantes do denominado “dano biológico”, a que correspondem “as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais”.
A fixação da indemnização não pode aqui seguir a teoria da diferença (prevista no art. 566.º, n.º 2, do Código Civil) como se tais danos patrimoniais fossem determináveis, quando aquilo que está em causa é a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais indetermináveis, a qual (segundo o n.º 3, do mesmo art. 566.º do CC) deve ser fixada segundo juízos de equidade, dentro dos limites que o tribunal tiver como provados.
Está em causa a fixação da indemnização pelo “dano patrimonial futuro por perda de capacidade de ganho”, a apreciar considerando de forma unitária a situação de incapacidade da Autora desde a data do acidente.
Não existindo, no caso sub judice, limites de danos que o tribunal tenha dado como provados, a equidade é um plus que pode temperar ou completar o resultado obtido com recurso a fórmulas financeiras criadas em função de taxas de incapacidade laboral permanente.
Neste sentido pode ser consultado o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/09/2019 [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/09/2019 (Maria do Rosário Morgado, processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1]
Com efeito, a perda de capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida da Autora, quer porque, prejudicando a sua carreira contributiva, vem a reduzir, ou até a excluir, a pensão de reforma, quer porque sempre condicionará a possibilidade de obtenção de ganhos no exercício de actividades económicas alternativas, isto é, não estritamente profissionais, a realizar para além da idade da reforma.
Ponderados todos os factores e tendo em conta a impossibilidade de se dedicar a determinadas áreas, na prática, a situação da Autora se aproximará de uma situação de incapacidade permanente para este trabalho para o qual se qualificou, afigura-se ser justa e adequada a fixação de uma indemnização por dano patrimonial futuro por perda da capacidade de ganho, majorando o referido resultado das fórmulas financeiras para o montante global de € 98.000,00 (noventa e oito mil euros).
Importa ainda referir que a a A. despendeu ainda a quantia de € 102,00 (cento e dois euros) com a requisição da participação de acidente de viação, devendo ser ressarcida de tal dano.
Finalmente, considerando que o acidente foi simultaneamente de viação de trabalho, estando a 1.ª R. a suportar uma pensão anual de €1.840,48, deve ser tida em conta esta situação na liquidação da indemnização à Autora sob pena de se verificar uma duplicação” (sic).
Por sua vez, para a fixação dos danos não patrimoniais, o tribunal de 1.ª instância teceu as seguintes considerações:
“Estes danos não patrimoniais, são prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, uma vez que atingem bens que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com uma obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.
Com efeito, está em causa a atribuição de uma soma pecuniária que proporcione ao lesado satisfações que, de algum modo, o façam esquecer a dor ou o desgosto. Ao lado desta, existe ainda a finalidade sancionatória, punindo-se a conduta do lesante.
A gravidade do dano, a que se refere o art. 496, n.º 1, CC, mede-se por um padrão objectivo, sem deixar de atender às circunstâncias do caso concreto.
Deve o montante da indemnização correspondente ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado e demais circunstâncias do caso que o justifiquem – art.º 496.º, nº 3, do Código Civil.
Antunes Varela [Das Obrigações em Geral, I, pág. 607 e ss.] refere que «O facto de a lei através da remissão feita no art. 496°, nº 3 para as circunstâncias mencionadas no art. 494°, ter mandado atender, na fixação da indemnização, quer á culpa, quer à situação económica do lesante, revela que ela não aderiu, estritamente, à tese segundo a qual a indemnização se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar com o s prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude da lesão. Mas também a circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro carácter sancionatório».
Ainda neste sentido, sobre a apreciação dos danos não patrimoniais, se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 27/01/2003 [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 27/01/2003, relatado por Lucas Coelho (Proc. 03B2182, http.www.dgsi)]”. (…) Considerando os factos provados acima referidos, para a atribuição de indemnização por danos de natureza não patrimonial é essencial levar em linha de conta as indemnizações fixadas pela jurisprudência para casos semelhantes ou pelo menos com algum grau de similitude – a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/11/2018 [Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/11/2018 (Fonte Ramos processo n.º 5790/16.6T8VIS.C1].
Em situações idênticas podem ser consultados os seguintes Acórdãos: - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/10/2018 (Hélder Almeida, proc. n.º 2416/16.1T8BRG.G1.S1, www.dgsi.pt); - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/01/2016 (Fonseca Ramos, proc. n.º 2185/04.8TBOER.L1.S1, www.dgsi.pt).
Deste modo, tendo em atenção os factos acima descritos, com destaque para as dores, incómodos e transtornos sofridos, porque se trata de uma patente situação de violação dos direitos de personalidade, considero adequado e equilibrado o valor global de €55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) para compensar a Autora de todos os referidos danos não patrimoniais, incluindo a vertente não patrimonial de danos biológicos” (sic).
Analisemos, pois, a decisão da 1ª instância, tendo em vista que a mesma é impugnada pelas recorrentes/seguradoras, pugnando ambas, em uníssono, por um abaixamento dos valores indemnizatórios, sustentando as mesmas, a respeito do cálculo da componente patrimonial do dano biológico, o seguinte:
– A fórmula matemática que foi utilizada na sentença não é de fácil compreensão e decomposição, ao passo que as fórmulas que as recorrentes empregam – cf. Acórdão do STJ de 04-12-2007 e a metodologia de cariz matemático sufragada pelo Senhor Juiz Conselheiro Joaquim José de Sousa Dinis – são destituídas de qualquer complexidade e facilmente compreensíveis.
– A sentença recorrida afastando os critérios da Portaria n.º 377/2008, apelando à equidade e sustentando que a perda de rendimentos se repercute durante todo o tempo da spes vitae da autora – e não apenas durante a vida activa – encontra um capital de € 87 384,69, não operando desconto pelo recebimento antecipado do mesmo e despreza a orientação jurisprudencial maioritária neste sentido – cf., v.g., Acórdão do STJ de 12-10-2023, Proc. n.º 22082/15.0T8PRT.P1. S1 – para quem a taxa de juro baixa, não justifica que não se opere uma redução no capital encontrado, optando por incrementar aquele valor para a quantia de € 98 000,00, a pretexto de que a perda de capacidade de ganho afecta a carreira contributiva da lesada e a sua póstuma pensão e o desempenho de atividades alternativas.
– As recorrentes não aceitam que nos cálculos da indemnização se tome o limite da spes vitae da autora, porque a vida activa tem limites, não se prolongando até ao termo da sua vida, razão pela qual situando-se a idade da reforma, presentemente, nos 66 anos e 4 meses, nos cálculos, o factor tempo de 45 anos (83-38) tem de baixar para os 28 anos (66-38).
– Com base nos critérios matemáticos por si apresentados, as recorrentes preconizam que seja fixado um valor de € 60 000,00, a título de indemnização por danos futuros no âmbito da componente patrimonial do dano biológico, sem perder de vista a equidade e com o auxílio de precedentes judiciais do STJ.
No que tange à componente não patrimonial do dano biológico as recorrentes aduzem que atendendo ao quantum doloris atribuído à autora de grau 5 em 7, ao dano estético de grau 2 em 7, ao défice bio-psíquico de 27 pontos, o valor adequado como lenitivo compensatório da componente não patrimonial do dano biológico é de € 30 000,00.
Quid juris?
Desde já se adianta que a sentença sob recurso se mostra bem fundamentada e é proficiente nas considerações tecidas a respeito dos danos a ressarcir, designadamente sobre o dano biológico, revelando-se, no geral, bastante equilibrada no julgamento empreendido que culminou nas indemnizações antes indicadas. Não obstante, atendendo ao recurso das seguradoras, consideram-se relevantes algumas notas adicionais que, a final, conduzirão a que os valores indemnizatórios arbitrados pelo tribunal a quo sejam ligeirissimamente alterados.
Comecemos, porém, por rememorar o quadro factual provado e relevante neste julgamento, em sede de danos patrimoniais e não patrimoniais:
– Na sequência do acidente, a autora foi transportada de ambulância, para o Centro Hospitalar de Leiria e veio a ser assistida, até ao momento da alta, para além do Centro Hospitalar de Leiria, pelos serviços clínicos contratados pela 1.ª R., no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra. (n.ºs 39 e 40);
– Em consequência do acidente resultaram para a autora “traumatismo de TCE e da face e torax com fractura da 5ª à 10ª costela e fractura dos ossos próprios do nariz e da orbita esquerda sujeita a tratamento cirúrgico” (n.º 41);
– Seguiram-se meses de repouso, sem que a autora pudesse efectuar esforços ou realizar a sua vida diária normal (n.º 42).
– Em virtude da incapacidade de que a ficou a padecer, a autora necessitou de ajuda de uma terceira pessoa, o seu marido, na realização de todas as actividades diárias, incluindo a sua própria higiene (n.º 43).
– Careceu deste auxílio durante quase 3 meses, estando totalmente dependente de terceiros (n.º 44).
– A autora durante meses foi seguida em consultas, realizou exames radiográficos, tac´s, ressonâncias, entre outros (n.º 45)
– As lesões decorrentes do acidente em que a A. foi interveniente provocaram, também, perturbações do sono e da memória, dor frequente da grelha costal direita, e perturbação da visão do olho esquerdo (n.º 46).
– A autora sofreu: a) traumatismo crânio-encefálico e da face com fractura da pirâmide e septo nasal; b) fractura da órbita esquerda; c) traumatismo torácico com fractura de 6 arcos costais; e, d) traumatismo cervical (n.º 47).
– Em virtude das fracturas apresentadas ao nível da face, veio a autora a ser submetida a intervenções cirúrgicas (n.º 48).
– A autora foi operada para septoplastia e turbinectomia unilateral (n.º 49).
– A autora ficou totalmente incapacitada para o trabalho durante 178 dias e, parcialmente, até 24 de Setembro de 2018, altura em que lhe foi dada alta, com incapacidade permanente parcial, pelos serviços clínicos da 1.ª ré (A..., S.A.) (n.º 50).
– O acidente condicionou a vida da autora que viu limitada a sua autonomia na realização dos actos inerentes à sua actividade pessoal e profissional (n.º 51).
– As sequelas que a A. ficou a padecer não são incompatíveis com exercício da sua actividade profissional, mas implicam esforços suplementares (n.º 52).
–A autora sofreu dores, quer no momento do acidente, quer nos meses posteriores (n.º 53).
– O quantum doloris, (corresponde à evolução de sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, isto é, desde o acidente até à data de consolidação das lesões), é fixável no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo sofrido, as cirurgias efectuadas bem como sofrimento psicológico induzido (n.º 54).
– A autora ficou a padecer de dano estético permanente de 2 numa escala até 7 graus (n.º 55).
– O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica da autora é fixável em 27 pontos, atento o modo de afectação da integridade física e/ou psíquica da autora: a) perturbação da visão por hemianopsia esquerda; b) síndrome pós-traumático associado a perturbação depressiva reactiva; c) dores torácicas secundárias e fractura de vários arcos costais; d) cervicalgias e lombalgias acompanhadas de ciatalgia (n.ºs 56 a 60).
– A autora terá necessidade de acompanhamento pela especialidade de Psiquiatria, de modo regular, com a toma de medicação permanente (n.º 61).
– Para a valorização do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica, considerou-se, a síndrome pós-traumática associada a perturbação depressiva reactiva da qual a A. ficou a sofrer na sequência do acidente (n.º 62).
– Em consequência do acidente, a A. revela sintomas de stress pós-traumático associada a sintomatologia depressiva reactiva (n.º 63).
– A A. é reveladora de um humor distímico, emocionável e ansiosa sempre que pensa no acidente e nas dificuldades que passa desde o mesmo (n.º 64).
– O quadro clínico é caracterizado por sofrimento psicológico intenso, elevados níveis de ansiedade, humor deprimido, dificuldades de concentração e atenção, desesperança, sentimentos de insegurança, desinteresse e desmotivação relativamente a actividades significativas, sentimentos de distanciamento e alienação em relação aos outros (n.º 65).
– A autora apresenta pensamentos e lembranças intrusivas sobre o acidente, perturbação do sono, hipervigilância, resposta de sobressalto exagerada, medo intenso e evitamento do local do acidente (n.º 66).
– Estas dificuldades comprometem e interferem significativamente com o desempenho pessoal, familiar, social e profissional da A. causando-lhe marcado sofrimento psicológico (n.º 67).
– A autora encontra-se medicada e é acompanhada regularmente em consultas de psiquiatria (n.º 68).
–A autora ficou a padecer, na sequência do acidente, de uma perturbação de stresse pós-traumático associada a perturbação depressiva reactiva (n.º 69).
– As sequelas afectam e afectarão para sempre a vida da autora e a sua capacidade (n.º 70).
– A A. terá de recorrer, no futuro, a apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria (n.º 71).
– Apresenta-se triste e desmotivada (n.º 73).
– Teve de abandonar a sua actividade profissional, deixando de explorar um comércio de cafetaria (n.º 74)
– A autora tinha à data do acidente 38 anos de idade (n.º 75).
– A autora era comerciante em nome individual, explorando um pequeno estabelecimento de café em ... (n.º 76).
– Na exploração desse estabelecimento a autora não auferia menos do que € 600,00 por mês (n.º 77).
– Para além dessa sua actividade profissional, a A. tinha a actividade decorrente das lides domésticas, decorrentes dos seus cuidados da casa e da família (n.º 78).
– O acidente foi simultaneamente de viação de trabalho, estando a 1.ª ré a suportar uma pensão anual de € 1840,48 (n.º 79).
–A autora despendeu ainda a quantia de € 102,00 com a requisição da participação de acidente de viação (n.º 80).
– A autora até à data continua a rever e reviver o momento do acidente (n.º 81).
– Revê-o num trauma, que não consegue ultrapassar o que lhe provoca insónia e perturbação de sono (n.º 82).
O dano biológico consiste numa lesão na integridade pessoal, na sua globalidade psicofísica, representando uma alteração morfológica do lesado, limitativa da sua capacidade de viver a vida como a vivia antes do acidente por violação da sua personalidade humana – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-11-2024, Proc. n.º 265/20.1T8VRL.G2.S1.
Enquanto dano que implica a lesão da integridade físico psíquica do lesado, a qual é tutelada pelo art. 25.º, n.º 1, da Constituição da República – “A integridade moral e física das pessoas é inviolável” –, e pelo art. 70.º, n.º 1, do CC – “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral” –, o dano biológico constitui-se ontologicamente como matriz dos restantes danos que dele são consequência, sendo que, enquanto que estes outros danos ulteriores podem ter natureza temporária, o dano evento subsiste, marcando irrevogavelmente a integridade física do lesado.
O dano biológico, tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado, a título de dano não patrimonial, devendo a situação ser apreciada, casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.
Para lá da afectação da capacidade de ganho, susceptível de se repercutir numa perda de rendimento, importa considerar o dano corporal em si, o sofrimento psicossomático que afectará a disponibilidade do lesado para o desempenho de quaisquer actividades do seu dia-a-dia: trata-se, no fundo, de indemnizar o dano corporal sofrido a se, quantificado por referência a uma situação ideal de integridade físico-psíquica total, e não apenas a perda de rendimento ou a concreta privação da capacidade de angariação de rendimento.
Por isso mesmo, o dano biológico é sempre indemnizável, em si mesmo, como dano futuro, independentemente da sua categorização dogmática como dano patrimonial, não patrimonial ou um tertium genus, embora na jurisprudência surja mais frequentemente ressarcido em função da sua vertente patrimonial, procurando encontrar-se, para tanto, o valor da perda da capacidade geral de trabalho.
Na categoria do dano biológico, as sequelas no exercício da actividade profissional do lesado à data do evento mostram-se compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares – percebe-se, facilmente, que tendo o dano em causa óbvia repercussão no ânimo do lesado nas actividades da sua vida diária familiar e social, tal dano implica uma significativa vertente patrimonial, falando-se, a esse nível de rebate profissional.
O rebate profissional constitui-se como um dano futuro de ordem patrimonial, que, sendo previsível, merece ser ressarcido autonomamente, pois, ainda que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e dele não resulte perda de vencimento, pelo maior sacrifício e penosidade que implica no exercício da profissão do lesado, afecta indirectamente a sua potencialidade de ganho, podendo interferir, também, na progressão na função ou dificultar a mudança de profissão, suprimindo-lhe ou restringindo-o as hipóteses de aceder a outras oportunidades profissionais, podendo, inclusivamente, repercutir-se na necessidade que o lesado venha a sentir de aceder mais cedo à reforma.
Extrai-se do recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-12-2024, Proc. n.º 8415/17.9T8LSB.L1.S1, que o dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial, já que constitui um dano de esforço, porquanto o sujeito para conseguir desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessitará de um maior empenho, de um estímulo acrescido.
Tem sido entendimento prevalecente na jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça – cf., v.g., Acórdãos de 07-03-2023, Proc. n.º 766/19.4T8PVZ.P1.S1; de 14-03-2023, Proc. n.º 11575/18.8T8LSB.C1.S1; de 04-07-2023, Proc. n.º 342/19IT8PVZP1.S1; de 11-01-2024, Proc. n.º 713/15.9T8SNT.L1.S1; e de 07-05-2024, Proc. n.º 817/18.2T8VFR.P1.S1 – que a perda relevante de capacidades funcionais, mesmo que não tenha reflexos imediatos e totais no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado, constitui uma verdadeira capitis deminutio num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional do lesado e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável e o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais.
Igualmente em recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-11-2024, Proc. n.º 1928/21.0T8GMR.G1.S1, citando vários Acórdãos daquele tribunal, considera-se que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz a incapacidade, é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial, salientando que, no que respeita aos primeiros, os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se limitam à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física. Por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução, esquecendo que a lesão que a incapacidade revela pode, naturalmente, causar danos patrimoniais que se não traduzem em perda de ganho.
Por outro lado, assinala-se que para o cálculo de indemnizações por danos patrimoniais, passados ou futuros, nos quais o montante das remunerações auferidas à data da lesão assume naturalmente um relevo determinante, deve ser considerada a remuneração líquida do lesado e não a ilíquida.
Neste conspecto, é de sublinhar que o método matemático aceite pelo tribunal a quo e as fórmulas matemáticas alternativas sugeridas pelas recorrentes são apenas meios auxiliares, meramente indicativos, porquanto, em face da impossibilidade de averiguação do valor exacto dos danos, o tribunal deve sempre julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, tal como decorre do citado art. 566.º, n.º 3, do CC, tendo em atenção os danos futuros previsíveis – art. 564.º, n.º 2, do CC.
Cumpre sublinhar, outrossim, que é correcto o entendimento da 1.ª instância de que a Portaria n.º 377/2008, de 26-05, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, não vincula os tribunais.
Na verdade, os critérios seguidos pelas citadas Portarias destinam-se a ser aplicados, prima facie, pelas seguradoras, numa fase extra-judicial e, mesmo que sejam valorados pelo julgador, não se sobrepõem às regras determinadas pelo Código Civil para o cálculo da indemnização, o que tem sido acentuado, reiteradamente, pela jurisprudência dos tribunais superiores.
Neste sentido, considerou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-06-2015, Proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1: “Os critérios seguidos pela Portaria n.º 377/2008, de 26-05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem ao critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações fixado pelo Código Civil”, salientando-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-12-2023, Proc. n.º 1393/21.1T8PNF.P1.S1, que “[o]s critérios e valores aí referidos não são definitivos nem vinculativos, não se impondo aos tribunais, os quais os poderão apenas utilizar, sem qualquer obrigatoriedade, como pontos de referência, para fixarem os montantes indemnizatórios que se traduzam numa adequada compensação dos danos sofridos”. No mesmo sentido, Menezes Cordeiro afirma que aquelas tabelas não se aplicam aos tribunais nem limitam minimamente os direitos das pessoas – Tratado de Direito Civil, Direito das Obrigações, volume II, Tomo 3, p. 753.
Aqui chegados é tempo de alinhar, então, os vectores fundamentais que o Supremo Tribunal de Justiça tem erigido, na sua jurisprudência mais recente, para calcular o valor da indemnização pelo dano biológico, na sua componente patrimonial, não se podendo deixar de ter em atenção as decisões judiciais sobre casos análogos, de modo a obter uma decisão razoável e respeitadora dos princípios da igualdade e da segurança jurídica:
1. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-01-2022, Proc. n.º 6158/18.5T8SNT.L1.S1, acentuou-se que atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, enquanto vertente patrimonial do denominado dano biológico, segundo um juízo equitativo, varia essencialmente em função dos seguintes factores:
(i) A idade do lesado, a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente;
(ii) O seu grau de incapacidade geral permanente;
(iii) As suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências;
(iv) A conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em conta as suas qualificações e competências.
2. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-11-2024, Proc. n.º 265/20.1T8VRL.G2.S1, destacam-se, também, os seguintes parâmetros:
(i) A idade do lesado e a consequente ponderação da esperança média de vida à data do sinistro;
(ii) O grau de incapacidade geral permanente;
(iii) As potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências;
(iv) A conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas, também aqui tendo em conta as suas qualificações e competências.
3. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-12-2024, Proc. n.º 8415/17.9T8LSB.L1.S1, enfatizam-se os seguintes critérios de apreciação e de cálculo indemnizatório:
(i) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
(ii) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
(iii) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
(iv) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
(v) Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma.
Verificada a orientação prevalecente no Supremo Tribunal de Justiça é desde logo de afastar liminarmente a tese das recorrentes segundo a qual não é aceitável que nos cálculos da indemnização se tome o limite da spes vitae da autora, uma vez que, como aduzem, a vida activa tem limites, não se prolongando até ao termo da sua vida, razão pela qual situando-se a idade da reforma, presentemente, nos 66 anos e 4 meses, será esse o limite temporal a atender.
A questão da idade da reforma foi já analisada diversíssimas vezes, escrevendo-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2022, Proc. n.º 6158/18.5T8SNT.L1.S1: “Esclarece-se que se deve atender à esperança média de vida do lesado e não à sua previsível idade de reforma, na medida em que a afectação da capacidade geral tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado, tanto directas como indirectas”.
Da mesma forma, e mais recentemente, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-02-2024, Proc. n.º 2012/19.1T8PNF.P1.S1, também se exarou que as instâncias decidiram “bem ao considerar que o período de referência para o cálculo da indemnização deveria ser a esperança média de vida do lesado e não a sua previsível idade de reforma, na medida em que a afectação da capacidade geral tem repercussões negativas ao longo da vida do lesado, tanto diretas como indiretas”.
Conforme sintetizado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-01-2024, Proc. n.º 3527/18.4T8PNF.P2.S1, a jurisprudência do STJ tem vindo a considerar que a indemnização pelo dano patrimonial futuro, de que o dano biológico é uma das espécies, deve ser arbitrada de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir – ou cujo ganho tenha como correspectivo o esforço suplementar implicado pelo défice funcional resultante, com nexo de causalidade adequado, das lesões sofridas no evento lesivo –, que se extinga no fim da sua vida provável e que seja susceptível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado ou o rendimento auferido com aquele acrescido esforço.
Paralelamente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-02-2024, Proc. n.º 2012/19.1T8PNF.P1.S1, defendeu-se que, por aplicação dos critérios habituais da jurisprudência na fixação deste tipo de danos, haverá que procurar um valor objectivo, a partir do défice funcional, a aplicar ao rendimento anual, o qual será depois multiplicado pelos anos que faltariam até ao fim da esperança média de vida do concreto lesado.
Para além do acima referido, não se deverá esquecer que o montante indemnizatório a fixar, correspondendo à entrega de um capital, e não de uma renda faseada, configura, em termos práticos, o adiantamento um valor global, cujas parcelas que o compõem só seriam recebidas pela vítima/lesado ao longo de toda a vida, pelo que será de operar uma redução naquele valor correspondente ao benefício de antecipação de capital, por forma a obstar ao seu enriquecimento indevido – vejam-se, a este respeito, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-03-2024, Proc. n.º 13390/18.0T8PRT.P1.S1, e de 10-04-2024, Proc. n.º 551/19.3T8AVR.P1.S1.
Regressando, de novo, ao recentíssimo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-12-2024, Proc. n.º 8415/17.9T8LSB.L1.S1, expendeu-se no mesmo, de modo desenvolvido, o seguinte raciocínio prático para a operação de cálculo do dano patrimonial futuro[6]:
“Utilizando como hipótese a aplicação do critério habitualmente usado para o cálculo do dano patrimonial futuro, de modo aproximado – as taxas de juro e inflação, para simplificar, não serão atendidas, o mesmo sucedendo, na maioria dos casos, com os diferentes momentos em que os lesados tiveram alta médica – Rita Mota Soares, O dano biológico quando da afetação funcional não resulte perda da capacidade de ganho – o princípio da igualdade, Revista Julgar, n.º 33, p. 126 – , pode-se tomar por base um rendimento médio anual (…): a indemnização a arbitrar deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinguirá no termo do período provável da vida do lesado – Em sede de ressarcimento do dano patrimonial futuro, e tendo o dano repercussão sobre a necessidade de aquisição ou produção de rendimentos, por parte do lesado, deve ser ressarcido atribuindo um capital que se venha a esgotar no final da vida do lesado – “vida do lesado”, e não apenas a respetiva “vida ativa”, já que, mesmo na situação de pensionista, existem, na normalidade da vida, trabalhos e atividades que se desenvolvem e que envolverão um esforço necessariamente superior – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-04-29, relator: Vieira e Cunha –, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional ativa, com uma dedução que poderá situar-se entre 1/3 e 1/4 dado o facto de ocorrer uma antecipação do pagamento de todo o capital – Rita Mota Soares, “O dano biológico quando da afetação funcional não resulte perda da capacidade de ganho – o princípio da igualdade”, Revista Julgar, nº 33, p. 126. O recebimento antecipado do capital justifica uma dedução baseada na equidade, tendo por referência os possíveis ganhos resultantes da aplicação financeira do capital antecipadamente recebido – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-05-19, Relator: Acácio das Neves.
Efetuando tal cálculo, para o caso dos autos, teríamos que a perda patrimonial anual corresponde a …..€ (…. € x percentagem do défice funcional) o que permitiria alcançar, ao fim de ….anos de vida (atendendo que o autor contava … anos de idade à data do acidente e que a sua esperança média de vida se situava nos … anos de idade), o montante de … €.
Operando a redução de 1/3, obteríamos a quantia de … € e, com uma redução de 1/4, teríamos a quantia de … €.
Contudo, já quanto ao quantitativo correspondente ao valor do desconto a efetuar em razão da disponibilização antecipada da indemnização, a jurisprudência tem apontado diversas soluções:
– A regra ou princípio geral segundo a qual o benefício da antecipação deve descontar-se na indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou apagado perante a existência provável de um particular agravamento ou especial onerosidade dos danos patrimoniais futuros expectáveis que importa compensar com recurso a critérios de equidade – Supremo Tribunal de Justiça de 2017-05-25, Relator: Lopes do Rego;
– O montante da redução do capital apurado, foi fixado na proporção de 1/3, a título de compensação pela respetiva antecipação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-03-10, Relator: Tomé Gomes; Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-06-02, Relator: Tomé Gomes;
– O desconto pelo pagamento antecipado da indemnização de uma só vez deveria fixar-se em 20% – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2015-05-28, Relator: Tavares de Paiva;
– Na quantificação do desconto em equação, a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33% – Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2015-06-11, Relatora: Cristina Cerdeira;
– A antecipação da disponibilidade do capital justifica uma redução deste, embora de forma mais moderada, por efeito das taxas de juros mais baixas – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-03-30, Relator: Olindo Geraldes;
– Foi fixada em ¼ o valor da dedução em razão do benefício decorrente do recebimento antecipado do capital indemnizatório – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-02-15, Relatora: Fátima Gomes;
– Foi fixada em 10% a percentagem de redução em razão do benefício de recebimento antecipado da indemnização – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-11-12, Relator: Acácio Neves.
Em razão de tal antecipação (tendo em consideração, nomeadamente, o rendimento correspondente ao valor dos anos de antecipação), ponderada a idade do lesado, a respetiva esperança de vida, bem como, a antecipação do pagamento de indemnização e os critérios jurisprudenciais, afigura-se-nos ajustada aplicar uma correção em 1/3 ao montante apurado, em razão da disponibilização imediata do valor indemnizatório.”
Por fim, feita a análise de algumas decisões jurisprudenciais proferidas em situações similares, constantes de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, dos últimos 5 anos, regista-se:
– A um lesado com 48 anos de idade à data do acidente, professor do ensino secundário, que sofreu várias fracturas e veio a ficar afectado de défice funcional permanente de 31%, foi atribuída uma indemnização, por dano biológico na vertente patrimonial, de € 125 000,00 (Acórdão do STJ, de 29-10-2020, Proc. n.º 2631/17.0T8LRA.C1.S1);
– A um lesado com 62 anos de idade, que ficou afectado de défice funcional permanente de 9,71%, foi considerado equitativo o valor indemnizatório de € 32 000,00 (Acórdão do STJ, de 29-10-2020, Proc. n.º 111/17.3T8MAC.G1.S1);
– A um lesado de 33 anos de idade, que ficou afectado com défice funcional permanente parcial de 16%, com impossibilidade de exercer a actividade profissional habitual, foi atribuída indemnização no valor de € 90 000,00 (Acórdão do STJ, de 10-12-2020, Proc. n.º 8040/15.9T8GMR.G1.S1);
– A uma lesada com 32 anos, IPP de 27 pontos, foi atribuída indemnização por danos patrimoniais futuros no valor de € 90 000,00 (Acórdão do STJ de 21-01-2021, Proc. n.º 6705/14.1T8LRS.L1.S1);
– A uma lesada com 35 anos de idade, cabeleireira, que ficou afetada de uma IPP de 12%, foi atribuída indemnização por dano patrimonial futuro de € 60 000,00 (Acórdão do STJ, de 06-06-2023, Proc. n.º 9934/17.2T8SNT.L1.S1);
– A um lesado com 27 anos de idade, que ficou impossibilitado de exercer a sua profissão habitual ainda que continuando a poder trabalhar, com menor remuneração, noutro ramo de actividade, com uma incapacidade funcional de 15 pontos, foi atribuída uma indemnização de € 180 000,00 para ressarcir dano patrimonial futuro sofrido (Acórdão do STJ, de 16-01-2024, Proc. n.º 3527/18.4T8PNF.P2.S1);
– A um lesado com 58 anos de idade, que ficou totalmente incapaz para o seu trabalho habitual ou para qualquer outro, padecendo de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 72 pontos e de uma taxa de incapacidade permanente global de 80% foi atribuída uma indemnização por danos patrimoniais futuros no valor de € 165 000,00 (Acórdão do STJ, de 10-04-2024, Proc. n.º 551/19.3T8AVR.P1.S1);
– A uma lesada, com 60 anos de idade, trabalhadora indiferenciada, que ficou a padecer de uma IPG de 18 pontos, foi atribuída a indemnização, a título de compensação pelo dano biológico/patrimonial de € 40 000,00 (Acórdão do STJ, de 30-04-2024, Proc. n.º 1548/21.9T8PVZ.P1.S1).
Aqui chegados e revertendo ao caso sub judice, para o cálculo indemnizatório a empreender para apurar o valor patrimonial do dano biológico, atender-se-á, conforme jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça antes mencionada, aos seguintes itens: idade – esperança de vida média - défice funcional – perda de rendimentos.
Em consonância, para determinar o quantum indemnizatório com recurso à equidade, sem olvidar as considerações precedentes, pondera-se no caso concreto:
(i) a idade da autora na data do acidente (6 de Janeiro de 2018) – 38 anos (n.º 75);
(ii) a esperança média de vida para as mulheres portuguesas, que actualmente é de 83 anos[7];
(iii) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica da autora de 27 pontos (n.ºs 56 a 60);
(iv) a supressão dos seus rendimentos profissionais, dado que a autora tinha um estabelecimento comercial de cafetaria onde auferia mensalmente, pelo menos, € 600,00, tendo abandonado a sua actividade profissional, deixando de explorar esse estabelecimento (n.ºs 74, 76 e 77);
(v) a necessidade de a autora empregar maiores esforços na execução das suas tarefas relacionadas com as lides domésticas, decorrentes dos cuidados da casa e da família (n.º 78), uma vez que as sequelas do acidente afectam e afectarão para sempre a vida da autora e a sua capacidade (n.º 70).
No que tange a este item, no cálculo que se irá realizar de seguida, contrariamente ao valor de € 400,00 mensais indicado pela 1.ª instância, considera-se mais adequado o valor de € 300,00, que equivale a 50% do rendimento mensal habitual decorrente do exercício da actividade profissional da lesada.
Assim, conjugando os factos apurados no processo, realiza-se o seguinte cálculo:
A - € 600,00 x 14 meses = € 8 400,00 (corresponde ao cálculo do rendimento anual usual da autora resultante do exercício da sua actividade profissional);
B - € 300,00 x 12 meses = € 3 600,00 (corresponde ao valor anual das actividades de lides domésticas da autora, decorrentes dos cuidados da casa e da família);
C - € 12 000,00 (corresponde ao valor anual dos rendimentos totais da autora, resultante do somatório dos dois itens anteriores);
D - € 12 000 x 27% de IPP = € 3 240,00 (corresponde ao valor dos rendimentos anuais da autora com a ponderação do seu défice funcional);
E - € 3 240,00 x 45 anos = € 145 800,00 (corresponde ao valor bruto dos rendimentos da autora por referência ao tempo médio de vida expectável para uma mulher portuguesa (83-38) com a ponderação do seu défice funcional);
F - € 149 040,00 x 1/3 = € 97 200,00 (corresponde ao abatimento de 1/3 decorrente do pagamento imediato do valor indemnizatório fixado).
Aqui chegados é, pois, ostensivo que o montante encontrado na 1.ª instância para indemnizar a autora está perfeitamente ajustado, pelo que recorrendo à equidade, se mostra adequado manter essa indemnização em € 98 000,00 (noventa e oito mil euros) a título de dano biológico na sua componente patrimonial.
Resta por fim, analisar o dano biológico, na sua dimensão não patrimonial, sendo certo que na 1.ª instância se fixou a quantia de € 55 000,00, pugnando as recorrente por um valor de apenas € 30 000,00.
Acompanhando Antunes Varela, os danos não patrimoniais são “os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”.[8]
Esses danos, repete-se, só são indemnizáveis quando, pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito – art. 496.º, n.º 1, do CC –, apurando-se essa gravidade caso a caso, de acordo com a factualidade provada e seguindo um critério objectivo, de normalidade e bom senso prático.
Retomando a lição de Antunes Varela, a gravidade dos danos não patrimoniais deve “medir-se por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc.”.[9]
É hoje consensual o entendimento de que na fixação da indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas; tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. Está ultrapassada a época das indemnizações reduzidas para compensar danos não patrimoniais. Importa, no entanto, vincar que indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O juiz deve procurar um justo grau de “compensação”.
Está em causa, neste item, no âmbito dos acidentes de viação, fundamentalmente, o dano à saúde, sendo de sufragar a definição lapidar inserta no preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde: “A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”.
Trata-se, ademais, de um direito fundamental da pessoa humana reconhecido pelo art. 64.º da Constituição da República Portuguesa, desde logo no seu n.º 1: “Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover”.
Hoje a autonomização e o reconhecimento jurídico da saúde enquanto bem jurídico, assume particular importância na sua dimensão de integridade corporal, quer física, quer psíquica, superando a visão tradicional (e mesmo retrógrada) que concebia essa integridade, basicamente, na sua dimensão estritamente física, correspondente a uma ideia economicista que relacionava o dano à saúde com os seus reflexos laborais e de produção de rendimento.
Na verdade, o dano à saúde abrange em si não apenas o dano à capacidade laboral, como a própria componente espiritual do dano – no pressuposto que qualquer disfunção na saúde é causa de um sofrimento moral – como, ainda, o próprio dano estético, que traduz um dano à integridade pessoal e como tal é ressarcível.[10]
Na fixação da indemnização devem ser atendidos os danos não patrimoniais, incluindo aqueles que decorrem do dano corporal, mas que não são susceptíveis de quantificação, procurando esse ressarcimento exercer uma função essencialmente compensatória.
Seguindo Luís Menezes Leitão, “se a indemnização por danos não patrimoniais não elimina o dano sofrido, pelo menos, permite atribuir ao lesado determinadas utilidades que lhe permitirão alguma compensação pela lesão sofrida sendo, em qualquer caso, melhor essa compensação do que nenhuma. A atribuição dessa compensação não representa qualquer imoralidade, uma vez que não resulta do comércio de bens não patrimoniais, representando, pelo contrário, uma sanção ao ofendido por ter privado o lesado das utilidades que aqueles bens lhe proporcionavam”.[11]
Como tem sido sucessivamente frisado na jurisprudência nacional mais actualizada, e já antes acentuámos, a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser meramente simbólica, sob pena de não se mostrar adequada aos fins a que se destina.
Nas felizes palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11-07-2024, Proc. n.º 4740/13.6TCLRS.L1-2, procura-se “permitir ao lesado dispor de uma soma de dinheiro que lhe permita adquirir bens ou serviços que lhe deem alguma satisfação, compensando, ainda que sofrivelmente, o mal padecido”.
O montante pecuniário desses danos será fixado, nos termos do art. 494.º ex vi do art. 496.º, n.º 4, ambos do CC, com recurso à equidade, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado, e as demais circunstâncias do caso.
Dando aqui por recapitulada a integralidade dos factos que constam das pp. 33/34 deste acórdão é manifesta a gravidade dos danos sofridos pela autora, na dimensão não patrimonial do dano biológico, sendo de enfatizar que a autora, em virtude do acidente teve “meses de repouso, sem que pudesse efectuar esforços ou realizar a sua vida diária normal” (n.º 42), “ necessitou de ajuda de uma terceira pessoa, o seu marido, na realização de todas as actividades diárias, incluindo a sua própria higiene” (n.º 43), “careceu deste auxílio durante quase 3 meses, estando totalmente dependente de terceiros” (n.º 44), teve “perturbações do sono e da memória, dor frequente da grelha costal direita, e perturbação da visão do olho esquerdo” (n.º 46), “sofreu: a) traumatismo crânio-encefálico e da face com fractura da pirâmide e septo nasal; b) fractura da órbita esquerda; c) traumatismo torácico com fractura de 6 arcos costais; e, d) traumatismo cervical (n.º 47), foi “submetida a intervenções cirúrgicas” (n.º 48), “foi operada para septoplastia e turbinectomia unilateral” (n.º 49), “o acidente condicionou a vida da autora que viu limitada a sua autonomia na realização dos actos inerentes à sua actividade pessoal e profissional” (n.º 51), “sofreu dores, quer no momento do acidente, quer nos meses posteriores” (n.º 53), “o quantum doloris é fixável no grau 5, numa escala de 7 graus” (n.º 54), sofreu “dano estético permanente de 2 numa escala até 7 graus” (n.º 55), “o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica da autora é fixável em 27 pontos” (n.º 56), “a autora terá necessidade de acompanhamento pela especialidade de Psiquiatria, de modo regular, com a toma de medicação permanente” (n.º 61), ficou a sofrer “síndrome pós-traumática associada a perturbação depressiva reactiva” (n.º 62), “revela sintomas de stress pós-traumático associada a sintomatologia depressiva reactiva” (n.º 63) “humor distímico, emocionável e ansiosa sempre que pensa no acidente e nas dificuldades que passa desde o mesmo” (n.º 64), “o quadro clínico é caracterizado por sofrimento psicológico intenso, elevados níveis de ansiedade, humor deprimido, dificuldades de concentração e atenção, desesperança, sentimentos de insegurança, desinteresse e desmotivação relativamente a actividades significativas, sentimentos de distanciamento e alienação em relação aos outros” (n.º 65), “apresenta pensamentos e lembranças intrusivas sobre o acidente, perturbação do sono, hipervigilância, resposta de sobressalto exagerada, medo intenso e evitamento do local do acidente” (n.º 66), “estas dificuldades comprometem e interferem significativamente com o desempenho pessoal, familiar, social e profissional da A. causando-lhe marcado sofrimento psicológico” (n.º 67), “encontra-se medicada e é acompanhada regularmente em consultas de psiquiatria” (n.º 68), “ficou a padecer, na sequência do acidente, de uma perturbação de stresse pós-traumático associada a perturbação depressiva reactiva” (n.º 69), “as sequelas afectam e afectarão para sempre a vida da autora e a sua capacidade (n.º 70), “terá de recorrer, no futuro, a apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria” (n.º 71), “apresenta-se triste e desmotivada” (n.º 73), “continua a rever e reviver o momento do acidente” (n.º 81), “revê-o num trauma, que não consegue ultrapassar o que lhe provoca insónia e perturbação de sono” (n.º 82).
É evidente do que se expõe, que a autora vive e viverá futuramente num quadro permanente de grande sofrimento psicológico, o qual tem condicionado, desde o acidente, e condicionará no futuro, toda a sua vida pessoal, estando demonstrado que a mesma sofreu um quantum doloris de 5/7, um dano estético de 2/7 e um défice funcional permanente, onde se inclui a componente psiquiátrica, de 27/100.
Na jurisprudência dos tribunais superiores, podemos destacar, entre muitos outros, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, como referenciais e balizas para o caso sub judicio:
– Acórdão do STJ, de 15-02-2018, Proc. n.º 866/11.9TBABT.E1.S1: “Provado que, à data do acidente, (i) a autora tinha 56 anos de idade; (ii) em consequência do embate sofreu lesões sobretudo na cabeça e rosto; (iii) sofreu dores de grau 5 e dano estético de grau 4; (iv) sendo as dores persistentes e relevantes, com sequelas e repercussão na sua vida quotidiana, mostra-se adequado o valor indemnizatório fixado pela Relação, de € 35 000, a título de danos não patrimoniais, na vertente de ressarcimento do quantum doloris e do dano estético”.
– Acórdão do STJ, de 17-10-2019, Proc. n.º 3717/16.4T8STB.E1.S1: “Não é excessivo o montante de € 32 000,00 a título de danos morais do autor que sofreu dores de grau 4/7; foi submetido a 5 intervenções cirúrgicas; sofreu tratamentos de fisioterapia durante 1 ano e 6 meses; só teve alta médica 1 ano e 10 meses após o acidente; ficou com cicatrizes e deformidades quantificáveis como dano estético permanente de grau 3/7; sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer que habitualmente praticava fixável em 5/7; tinha 35 anos à data do acidente”.
– Acórdão do STJ, de 30-06-2020, Proc. n.º 313/12.9TBMAI.P1.S1: “Entende-se adequada a compensação de € 35 000,00 por danos não patrimoniais a lesado de 49 anos na data da alta, que ficou a padecer de incapacidade permanente geral de 12 pontos, teve uma incapacidade temporária de duzentos e quarenta dias até à alta, sofreu dores de grau 5 numa escala de 0 a 7 e dano estético de grau 3 em idêntica escala”.
– Acórdão do STJ, de 26-05-2021, Proc. n.º 763/17.4T8GRDC1.S1: “Ponderando que a autora: na sequência desse acidente, para o qual não contribuiu, foi submetida a internamento hospitalar (12 dias); foi longo o período com tratamentos e deles continua a necessitar (fisioterapia); teve de usar, durante 6 meses, colete dorso lombar e vai ter necessidade de o continuar a utilizar (nos períodos de trabalho, de esforços físicos e na condução); as sequelas permanentes que apresenta são graves, com os inerentes e graves reflexos físicos e psíquicos (a carecer de acompanhamento psiquiátrico) e afectam não só a sua capacidade funcional, mas também a sua qualidade de vida, dificultando-lhe a realização actividades comuns da sua vida diária, com relevante prejuízo de afirmação pessoal sofreu dores muito intensas e irá sofrer dores (grau 4/7), só atenuadas com medicação, de que depende permanentemente, é ajustado, para compensar o da não patrimonial sofrido, o montante de € 35 000,00”.
– Acórdão do STJ, de 11-11-2021, Proc. n.º 730/17.8T8PVZ.P1.S1: “Num caso em que a lesada, engenheira civil, com 38 anos de idade, sofreu lesões na cervical de que ficaram sequelas que importaram num déficit psicofísico de 4 pontos, com interferência na atividade profissional e na vida pessoal, em lugar da indemnização de € 15 000,00 fixada pela Relação, é ajustada a indemnização de € 58 000,00 que foi atribuída pela 1.ª instância”.
– Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-04-2022, Proc. n.º 820/20.0T8PDL.L1.S1: “Encontra-se dentro dos padrões indemnizatórios, jurisprudencialmente seguidos em casos equiparáveis, a condenação da ré Seguradora a pagar uma compensação de € 15 000,00 ao autor lesado que, à data do atropelamento, tinha 59 anos de idade, foi submetido a intervenção cirúrgica e a múltiplos tratamentos de fisioterapia, ficou com reduzida mobilidade do ombro e braço esquerdos; sofreu um quantum doloris fixado em 4 numa escala de 7; e ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 8%”.
Tudo visto, em face do circunstancialismo fáctico apurado neste processo, designadamente, a idade da autora à data do acidente, a experiência traumática que sofreu, sofre e sofrerá, a natureza, a gravidade e a extensão das lesões, o período de convalescença, a cirurgia e os tratamentos a que teve de se submeter, o quantum doloris, o dano estético, a circunstância de não ter tido qualquer culpa na eclosão do acidente, e ponderando os casos similares e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência, afigura-se-nos – por recurso à equidade, com observância das circunstâncias especificadas no art. 496.º do CC –, que a indemnização fixada em 1.ª instância (€ 55 000,00) é excessiva e que é perfeitamente adequada e justa a fixação de uma indemnização global, actualizada à presente data, de € 45 000,00 (quarenta e cinco mil euros), para compensação das dores, lesões, desgostos e sofrimentos infligidos à autor pelo acidente de que foi vítima, a que acrescerão os juros de mora, como fixados pelo tribunal a quo.
Em conclusão:
- Mantém-se a condenação solidária das rés no pagamento ou reembolso à autora de todas as despesas com apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria, de que a autora careça, que se remete para liquidação;
- Mantém-se a condenação solidária das rés no pagamento da quantia de € 98 000,00 (noventa e oito mil euros) a título de dano biológico, na dimensão de danos patrimoniais futuros;
- Reduz-se para € 45 000,00 (quarenta e cinco mil euros), a condenação solidária das rés a título de valor compensatório no âmbito da componente não patrimonial do dano biológico.
As custas processuais recaem sobre as rés/recorrentes e a autora/recorrida na proporção do decaimento, ex vi arts. 527.º, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, todos do CPC.
(…)
Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência, alterar a sentença recorrida, reduzindo para € 45 000,00 (quarenta e cinco mil euros) o valor indemnizatório pela componente não patrimonial do dano biológico, confirmando-se no demais a decisão da 1.ª instância.
Custas pelas rés/recorrentes e pela autora/recorrida, na proporção dos decaimentos.
Coimbra, 28 de Janeiro de 2025
Luís Miguel Caldas
Luís Manuel Carvalho Ricardo
Anabela Marques Ferreira
[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dr. Luís Manuel Carvalho Ricardo e Dra. Anabela Marques Ferreira.
[2] Cf. (2.º) despacho do tribunal a quo de 12-07-2024: “Na sequência do despacho de 12/07/2024, procede-se à rectificação da sentença proferida em 08/07/2024 nos seguintes termos: Na parte final do ponto 2.2. da Fundamentação deve passar a constar:
«As Rés devem ser ainda solidariamente condenadas a pagar ou reembolsar a de Autora todas as despesas com apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria, de que a Autora careça, que se remete para liquidação (cfr. art. 609.º, n.º 2, do CPC)». /E no Dispositivo deve passar ainda a constar: «Condenam-se solidariamente a 1.ª Ré – A..., S.A. e a 2.ª Ré – B..., S.A., a pagar ou reembolsar a Autora AA de todas as despesas com apoio de psicoterapia complementar, designadamente consultas de psiquiatria, de que a Autora careça, que se remete para liquidação».” (sic).
[3] As conclusões das recorrentes são coincidentes, quase ipsis verbis, com excepção da expressão inserida no final da conclusão 6.ª do recurso da A..., S.A.: “(…) e consequentemente a factualidade inserida no item 61/Factos Provados, tida por demonstrada, deve ter-se pro não provada”.
[4] Acórdão publicado em http://www.dgsi.pt, tal como todos os demais que se mencionarem nesta decisão.
[5] Disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/05/20200525-JULGAR-Os-meios-reclamat%C3%B3rios-comuns-da-decis%C3%A3o-civil-Rui-Pinto-v2.pdf).
[6] Procede-se à reprodução da parte relevante do referido Acórdão com inserção das notas de rodapé do mesmo constantes no texto reproduzido.
[7] Portal do INE (https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_main).
[8] Das Obrigações em geral, 6.ª edição, 1.º Volume, p. 571.
[9] Op. cit., p. 600.
[10] Neste sentido, cf. João Álvaro Dias, Dano Corporal – Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, 2001, p. 99,
[11] Direito das Obrigações, Volume I, 14.ª edição, p. 330.