DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
CONTAGEM
CHAMAMENTO À DEMANDA
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
NEXO DE CAUSALIDADE
Sumário

I – O prazo de prescrição do direito de regresso da seguradora deve contar-se em relação a cada parcela de dano que possa ser autonomizada em relação ao dano total.
II –O chamamento à demanda para efetivação do direito de regresso é uma prerrogativa da parte, como vista a evitar a duplicação de análises dos pressupostos da responsabilidade civil, mas não é uma obrigatoriedade de que dependa o seu exercício.
III – O transporte de uma criança fora das condições legais pode ser causa da maior extensão dos danos sofridos por esta, havendo então concorrência de culpas, nos termos previstos no artº 570º, nº 1, do Código Civil.
IV – Porém, é necessário que se apure também da existência de nexo de causalidade entre o transporte desadequado da criança e os danos sofridos pela mesma.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

         Recorrente     AA

         Recorrida        A... - Companhia de Seguros, S.A.

        

Juiz Desembargador Relator: Anabela Marques Ferreira

Juízes Desembargadores Adjuntos:    Hugo Meireles

                                                Francisco Costeira da Rocha

Sumário (da responsabilidade do Relator – artº 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)

(…).

Acordam os juízes que nestes autos integram o coletivo da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



I – Relatório

Nos autos de ação de processo comum, que correram termos no Juízo Central Cível de Coimbra - Juiz 3, em que é Autora A... - Companhia de Seguros, S.A. e em que é Réu AA, foi proferida sentença onde se decidiu:

Julgar a ação parcialmente procedente e, em conformidade, condenar o réu a pagar à autora o montante de € 1.034.703,97 (um milhão e trinta e quatro mil, setecentos e três euros e noventa e sete cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data de citação até efetivo e integral pagamento.

Julgar parcialmente procedente a exceção de prescrição e absolver o réu do pedido no tocante à quantia de € 7000,00 paga a título de indemnização pela perda total da viatura.

         O Recorrente AA interpôs recurso da sentença, concluindo, nas suas alegações, que:

(…).

A Recorrida A... - Companhia de Seguros, S.A. respondeu ao recurso da sentença, concluindo, nas suas contra-alegações, que:

(…).



II – Objeto do processo


Colhidos os vistos legais, prestados contributos e sugestões pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos e realizada conferência, cumpre decidir.

Da conjugação do disposto nos artºs 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 1 e 639º, todos do Código de Processo Civil, resulta que são as conclusões do recurso que delimitam os termos do recurso (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 608º, nº 2, ex vi artº 663º, nº2, ambos do mesmo diploma legal), não vinculando, porém, o Tribunal ad quem às soluções jurídicas preconizadas pelas partes (artº 5º, º 3, do Código de Processo Civil). Assim:

Questões a decidir:
1) Da prescrição do direito de regresso da seguradora
2) Dos pressupostos do direito de regresso da seguradora



III – Fundamentação


A) De facto

       Factos julgados provados na sentença recorrida:

1.º A ora A. exerce, devidamente autorizada, a indústria de seguros em vários ramos.

2.º No exercício da sua atividade, a Autora celebrou um contrato de seguro do ramo automóvel como o Réu, titulado pela apólice n.º ...31, através do qual transferiu para a A., a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula ..-..-FE, tudo conforme cópia da Apólice que ora se junta sob doc. n.º 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

3.º No dia 25 de Dezembro de 2009, pelas 21h40, ocorreu um acidente de viação na Rua ..., em B....

4.º No qual foi interveniente o veículo de matrícula ..-..-FE seguro na ora A. e conduzido pelo Réu no momento do acidente.

5.º E bem assim o veículo de matrícula ..-..-QM, conduzido por BB.

6.º E no qual seguiam, na qualidade de passageiros, CC (com 78 dias à data do acidente) e DD (com 3 anos de idade).

7.º O local do acidente que infra se descreverá configura uma reta com boa visibilidade, na medida em que é possível avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos, 50 metros.

8.º No local do acidente, comporta dois sentidos de trânsito, com uma faixa de rodagem para cada sentido de marcha.

9.º O piso é asfaltado e, à data do acidente, encontrava-se em bom estado de conservação, sem lombas ou buraco.

10.º No momento do acidente era noite e o tempo apresentava-se chuvoso.

11.º A velocidade máxima permitida no local da ocorrência é de 50 km/h.

12.º Ora, dia e hora supramencionados e nas circunstâncias de modo supra referidas, o Réu, tripulava a viatura de matrícula ..-..-FE na Rua ..., em B....

13.º O Réu perdeu o controlo da viatura de matrícula ..-..-FE que tripulava.

14.º Saiu da sua via de trânsito.

15.º Foi invadir a via destinada ao sentido oposto, isto é, Nascente/Poente.

16.º Onde circulava a viatura terceira de matrícula ..-..-QM.

17.º O embate ocorreu entre a dianteira esquerda da viatura segura na ora A., e a dianteira esquerda da viatura terceira de matrícula ..-..-QM.

18.º O embate ocorreu na hemifaixa destinada ao processamento de trânsito no sentido Nascente/Poente da Av. ... onde circulava a condutora da viatura terceira de matrícula ..-..-QM.

19.º O piso encontrava-se molhado.

20.º Após o embate, a viatura terceira de matrícula ..-..-QM foi projetada contra o lancil do passeio que constitui a berma da faixa de rodagem, galgando-o com a roda da frente direita.

21.º Na sequência do acidente dos autos e dos ferimentos sofridos, os menores passageiros da viatura terceira de matrícula ..-..-QM foram transportados para o Hospital Pediátrico de Coimbra.

22.º O passageiro CC, enquanto ferido grave.

23.º E a passageira DD, na qualidade de ferido leve.

24º Também a condutora da viatura terceira de matrícula ..-..-QM, foi transportada para o Hospital Universitário de Coimbra, na qualidade de ferido leve.

25.º Após a ocorrência do acidente supra descrito, o Réu foi sujeito ao teste de pesquisa de álcool no sangue, tendo acusado uma Taxa de Álcool no Sangue (doravante TAS) de 1,21 g/l.

26.º A TAS acabada de referir resultou de análise efectuada no Instituto Nacional de Medicina Legal com base em amostra de sangue recolhida nos Hospitais da Universidade de Coimbra às 23H35 do dia do acidente, tudo conforme Relatório Toxicológico, que ora se junta sob doc. n.º3 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

27.º Tendo nessa sequência, o Réu sido julgado no âmbito do processo sumaríssimo 54/10.... do ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Coimbra, e condenado por sentença datada de 27.01.2011, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal, tudo conforme Certidão que ora se junta sob doc. n.º4 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

28.º O veículo terceiro de matrícula ..-..-QM, sofreu danos sob toda a dianteira direita e esquerda traseira e dianteira, mormente sob o para-choques dianteiro, capot, guarda-lamas dianteiro esquerdo e direito, chapa da frente, chapa de matrícula, emblema, faróis dianteiros, airbags, pára-brisas.

29.º Consequentemente, o veículo de matrícula ..-..-QM, foi alvo de uma peritagem, nos termos da qual se concluiu que a reparação dos danos verificados por ocasião do acidente dos autos, ascendia a 10.513,40 €.

30.º Mais se apurou que o valor venal do veículo de matrícula ..-..-QM, ascendia à quantia de 7.950,00 € e o valor do salvado a 2.015,00 €.

31.º Face aos valores supra apurados no âmbito da peritagem levada a cabo à viatura terceira de matrícula ..-..-QM, esta foi considerada perda total.

32.º Nessa sequência, por missiva datada de 04 de Fevereiro de 2010, a ora A.

 informou BB, proprietária da viatura de matrícula ..-..-QM, a perda total da viatura, tudo conforme Missiva que ora se junta sob doc. n.º7 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

33.º Deste modo, a ora A. liquidou a BB, a quantia de 7.000,00 € (sete mil euros) a título de indemnização pela perda total da viatura, tudo conforme Comprovativo de Pagamento que ora se junta sob doc. n.º8 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

34.º Atenta a perda total da viatura de matrícula ..-..-QM e até ao pagamento de indemnização a este título, a condutora e proprietária da viatura, necessitou de uma viatura de substituição.

35.º Nesse sentido, junto da C... Lda., a ora A. liquidou a quantia de 856,80 € (oitocentos e cinquenta e seis euros e oitenta cêntimos), a título de aluguer de uma viatura de substituição, concedida a BB, tudo conforme Faturas e Comprovativos de Pagamento que ora se junta sob doc. n.º9 e doc. n.º10 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

36.º Na sequência do acidente dos autos, a condutora e os dois ocupantes menores da viatura de matrícula ..-..-QM, sofreram danos corporais, carecendo assim de assistência e tratamento.

37.º Como consequência do acidente e face aos ferimentos graves, o menor CC, foi transportado pelo INEM para o Hospital Pediátrico de Coimbra, onde esteve internado durante 27 dias repartidos entre a Unidade de Cuidados Intensivos e o Serviço de Neurocirurgia.

38.º O menor CC com apenas 78 dias à data do acidente, foi sujeito a duas intervenções cirurgias, atento o grave traumatismo crâneo-encefálico com perda de massa encefálica que sofreu.

39.º Como consequência do acidente, o citado menor CC, sofre de défice visual por lesão neurológica grave, com desvio lateral esquerdo do olhar, fixando e seguindo objectos a 20 cms mas sem passar da linha média e sem conseguir fixar ou seguir objectos no campo visual direito.

40.º Tem lateralização motora direita de predomínio facio-braquial, com hiperatividade reflexa e espasticidade dos flexores do membro superior direito.

41.º O traumatismo que sofreu reflete-se ao nível da forma craniana que continua braquicefálica por achatamento parieto-occipital acentuado.

42.º Face às lesões sofridas, o menor CC, careceu de diversas consultas externas de neurologia, neurocirurgia, fisiatria e oftalmologia ministradas pelo Hospital de Coimbra.

43.º A ora A., procedeu ao pagamento de todas despesas médicas necessárias ao tratamento e reabilitação do citado menor CC, tendo despendido a este título a quantia total de 23.257,17 € (vinte e três mil duzentos e cinquenta e sete euros e dezassete cêntimos), mormente:

• 672,50 € ao CHUC – CH Universitário de Coimbra EPE, a título de despesas inerentes a consultas e tratamentos ministradas ao citado menor, tudo conforme Faturas e Comprovativos de Pagamento que ora se juntam sob doc. n.º12 e doc. n.º13 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

• 22.584,67 € ao Centro Hospital de Coimbra EPE, a título de despesas de internamento, consultas externas de neurologia, neurocirurgia, fisiatria e oftalmologia e vários tratamentos ministrados ao citado menor, tudo conforme Faturas e Comprovativos de Pagamento que ora se juntam sob doc. n.º14 e doc. n.º15 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

44.º Por outro lado, a condutora da viatura terceira de matrícula ..-..-QM, BB, intentou, em seu nome e em representação do s/filho menor CC, acção declarativa de condenação contra a ora A., tendo em vista o ressarcimento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do presente sinistro.

45.º A referida acção, correu termos junto da extinta Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra, sob o n.º de processo 248/12...., donde peticionou da ora A. o pagamento da quantia de 173.478,56 €, tudo conforme cópia da Petição Inicial que ora se junta sob doc. n.º16 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

46.º Tendo a 04 de Abril de 2018, vindo a ampliar o pedido, para a quantia total de 2. 077 035,81 €, tudo conforme copia do requerimento de Ampliação do pedido que ora se junta sob doc. n.º17 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

47.º Atento o quadro clínico e sequelar do menor CC, mormente:

- 78 dias à data do acidente;

- Dificuldade de marcha autónoma,

- Dificuldade de pegar e manusear objectos;

- Limitação de compreensão e raciocino;

- Necessidade de auxílio de terceira pessoa permanente (para locomover-se, vestir-se, despir-se, alimentar-se, realizar a higiene pessoal) e para o resto da vida;

- Impedimento total do exercício de qualquer profissão no futuro;

- Epilepsia;

- Necessidade de tratamentos médicos e ajudas medicamentosas para o resto da vida;

- Défice de acuidade visual em ambos os olhos;

- Necessidade de uso de fralda noturna;

- Défice Permanente de Integridade Físico Psíquica de 82 pontos;

- Quantum doloris grau 7/7;

- Repercussão Permanente na Actividade Sexual grau 7/7;

- Repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer grau 7/7;

48.º A 10 de Maio de 2019, a ora A. e a sua progenitora, BB, em s/representação, celebraram transação nos autos 248/12.... supra aludidos, nos termos da qual aqueles reduziram o pedido para a quantia de 1.000.000,00 € (um milhão de euros), reconhecendo ter já recebido da ora A., por conta da indemnização final, a quantia de 120.000,00 € (cento e vinte mil euros).

49.º E, por isso, a ora A. obrigou-se ao pagamento da quantia de 880.000,00 € (oitocentos e oitenta mil euros) a título de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais presentes e futuros emergentes do presente sinistro, tudo conforme Transacção e Sentença que ora se juntam sob doc. n.º18 e doc. nº19 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

50.º Nesse sentido, a 29 de Maio de 2019, atenta a Transacção celebrada, a ora A. liquidou a CC, a quantia de 880.000,00 € (oitocentos e oitenta mil euros), a título de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais presentes e futuros emergentes do presente sinistro, tudo conforme Comprovativo de Pagamento que ora se junta sob doc. n.º20 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

51.º Mais liquidou a ora A. a quantia de 90,00 € (noventa euros) a CC, a título de despesas médicas, tudo conforme doc. n.º21 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

52.º Conforme supra alegado, no âmbito da Transacção encetada no processo n.º 248/12.... (vide doc. n.º 18 nesse sentido) os ali Autores, declararam reconhecer que já haviam recebido da ora A. a quantia de 120.000,00 €, por conta da indemnização final.

53.º Assim foi, dado que ao desde 2012 (data da propositura da presente acção) até Maio de 2019 (data da celebração da Transacção), foram sendo intentadas várias providências cautelares de arbitramento de reparação provisória contra a ora A..

54.º Na sequência das quais, a ora A. liquidou a BB, em representação do s/filho, a quantia total de 130.500,00 € (cento e trinta mil e quinhentos euros), tudo conforme Comprovativos de Pagamento que ora se juntam sob doc. n.º22 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

55º A cadeira que estava instalada no banco da frente não era voltada à retaguarda e o respetivo air bag não estava desligado, pois abriu-se [art27contestação].

56º A Autora pagou o valor da viatura sinistrada em fevereiro de 2010 [art10contestação].

57º A quantia de 120.000,00 foi entregue em datas anteriores a 7 de novembro de 2017 [art11contestação]1.

58º O réu foi citado em 8 de julho de 2022 [art13contestação].

Factos julgados não provados na sentença recorrida:

Da petição inicial:

15.º Desatento à configuração da via,

16.º Alheado ao processamento do trânsito em seu redor [e também a repetição

do alegado em 15º e 16º: 56.º O Réu, devido à concentração de álcool que possuía no sangue, conduzia completamente desatento e alheado a configuração da via, ao processamento do trânsito e da circulação automóvel em seu redor].

17.º Com os reflexos e sentidos tolhidos pelo consumo do álcool [e também as

sucessivas repetições: 54.º E por isso com os reflexos e sentidos altamente tolhidos pelo consumo do álcool; 57.º Com os reflexos e discernimento altamente diminuídos]

30.º O Réu tripulava a viatura segura na ora A. a uma velocidade nunca inferior

a 100 km/h.

Da contestação:

4. O Réu …circulava a uma velocidade inferior a 50 Km/hora… e abrandou a velocidade para entrar na Rua ....

21… o veículo do Réu já estava parado quando foi embatido.

B) De Direito

Da prescrição do direito de regresso da seguradora

O Recorrente alegou que A- Nos termos do disposto no artigo 498º do Código Civil, o direito à indemnização prescreve no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado … embora com desconhecimento integral dos danos. Prescreve igualmente no mesmo prazo, nos termos do número 2 desse mesmo artigo 498º a contar do cumprimento o direito de regresso que a Autora pretende fazer valer nos autos.

Dispõe o artº 498º, nºs 1 e 2, do Código Civil, que:

1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.

2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.

O Recorrente parece confundir a contagem do prazo do direito do lesado à indemnização, com a contagem do prazo do direito de regresso da seguradora, previsto no artº 27º, do Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel[1].

Aqui, tem-se entendido ser de aplicar, também ao direito de regresso das seguradoras, o disposto no supra transcrito nº 2[2].

Assim, o que importa considerar é a data do cumprimento, por banda desta, do seu dever de indemnizar os lesados pelo acidente de viação, causado pela viatura por si segurada, sendo irrelevante a data em que os danos ocorreram e/ou foram conhecidos.

Então, havendo pagamentos parcelares, como aconteceu no caso sub judice, a questão que se coloca é a de saber se o prazo de prescrição do direito de regresso se conta por referência a cada um dos pagamentos parcelares ou, antes, depois de efetuado o último pagamento, a partir do momento em que a obrigação de indemnizar se encontra integralmente cumprida.

Neste ponto, podemos defender uma tese desagregadora, impondo uma contagem autónoma a partir de cada pagamento, uma tese de unicidade da prescrição, levando apenas em conta o último pagamento, ou uma tese mista, por blocos de indemnização, como foi defendido na sentença recorrida[3]:

O prazo de prescrição do direito de regresso da seguradora contra o condutor tem o seu termo inicial na data em que for feito o pagamento da última parcela da indemnização, excepto quando a indemnização global possa ser fraccionada em núcleos normativamente diferenciados.

Efetivamente, é essa a tese dominante atualmente, com a qual concordamos, fazendo-se assim um balanço entre a proliferação das ações de regresso e demasiada dilação das mesmas, pondo-se o foco em cada parcela de dano, autonomizável em relação ao dano total.

No mesmo sentido, ver, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 2021, proferido no processo nº 3115/13.1TBLLE.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, onde se diz:

III - É de adoptar o entendimento que, dentro das prestações infortunísticas reclamadas pela seguradora, distingue entre núcleos indemnizatórios cindíveis (em função dos bens jurídicos lesados que aquelas visam ressarcir) e aqueles que não consentem divisão razoável, o que permitirá que o curso do prazo de prescrição ocorra em termos diversos relativamente a uns e a outros. Inexistindo núcleos divisíveis ou não sendo efectuada a respectiva prova, o prazo de prescrição inicia-se com o último pagamento sequencial. (sublinhado nosso)

Aqui, os danos foram divididos, e bem, em dois grupos, o da indemnização pela perda total da viatura - declarado prescrito, o que não foi posto em causa -, e o de todos os outros danos patrimoniais e não patrimoniais, os quais (apesar dos pagamentos parciais) estiveram em litígio, litígio este que só terminou com a transação alcançada a 10 de Maio de 2019, tendo o pagamento sido efetuado no dia 28 desse mesmo mês, data a partir da qual se contou o prazo de prescrição.

Tendo-se corretamente considerado também a suspensão dos prazos de prescrição, num total de 155 dias, no contexto da pandemia Covid, desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021 (cfr. art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril) e é aplicável a todos os processos, mesmo os já pendentes à data do início do confinamento e relativos a factos anteriores.

Assim, e tendo o Réu sido citado a 8 de julho de 2022, efetivamente, não ocorreu a prescrição do direito da seguradora, havendo que manter a sentença recorrida.

Dos pressupostos do direito de regresso da seguradora

           

O recorrente alega que:

B- Todos os pagamentos efetuados pela seguradora não foram comunicados ao Réu, nem este teve qualquer intervenção no processo, pois nenhuma das partes o chamou à demanda, como deveria ter feito. Sobretudo a seguradora, pois só assim beneficiaria do disposto no artigo 320º do Código de Processo Civil

C- O veículo Land Rover possuía cintos de segurança no banco traseiro e as crianças até 3 anos de idade e até 13kg, deverão circular com sistema de retenção voltado para a retaguarda e com airbags desligados.

D- Ora, pelas fotografias juntas pela Autora, a cadeira que estava instalada no banco da frente não era voltada à retaguarda e o respetivo air bag não estava desligado, pois abriu-se. Há assim, culpa da condutora nos danos corporais sofridos pelo menor, se é que foram causados pelo acidente, pois não se realizou judicialmente qualquer prova que o possa comprovar.

Em primeiro lugar, está em causa saber se o direito de regresso da seguradora está dependente do chamamento à demanda do condutor do veículo segurado pela mesma, por via da intervenção provocada[4], nos autos em que a segurada foi Ré e os lesados foram Autores.

Dispõem os artºs 317º e 320º, do Código de Processo Civil, que:

Artigo 317.º (art.º 329.º CPC 1961)
Efetivação do direito de regresso

1 - Sendo a prestação exigida a algum dos condevedores solidários, o chamamento pode ter por fim o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir, se tiver de realizar a totalidade da prestação.
2 - No caso previsto no número anterior, se apenas for impugnada a solidariedade da dívida e a pretensão do autor puder de imediato ser julgada procedente, é o primitivo réu logo condenado no pedido no despacho saneador, prosseguindo a causa entre o autor do chamamento e o chamado, circunscrita à questão do direito de regresso.
Artigo 320.º (art.º 328.º CPC 1961)
Valor da sentença quanto ao chamado

A sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado. (sublinhado nosso)

         Mostra-se claro, sem grandes delongas, que chamamento para a efetivação do direito de regresso é uma prerrogativa da parte, como vista a evitar a duplicação de análises dos pressupostos da responsabilidade civil, mas não é uma obrigatoriedade de que dependa o seu exercício.

         Assim, não se lançando mão do chamamento à demanda, todos os factos integrantes dos pressupostos da responsabilidade civil terão de ser novamente discutidos, como efetivamente ocorreu nestes autos, não decorrendo daqui qualquer outro prejuízo para o exercício do direito de regresso.

         Como já ensinava Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, volume I, 2ª edição, Almedina, 2004, pág. 312:

         Assim, tratando-se de obrigação solidária, admite-se expressamente no n.º 2 que a finalidade do chamamento possa também consistir - para além do objectivo de possibilitar a dedução de uma defesa comum em o réu obter o reconhecimento do eventual direito de regresso que lhe assistirá, se for compelido a pagar a totalidade do débito, munindo-se, por esta via, desde logo, de título executivo contra o chamado - e evitando a necessidade de, no futuro, ter de propor nova acção condenatória na hipótese, altamente provável, de ter de cumprir na totalidade a obrigação solidária que lhe era exigida. (sublinhado nosso)

         Em segundo lugar, tendo em conta que, com o presente recurso, não foi posto em causa o direito de regresso da seguradora - decorrente da condução com taxa de álcool superior à permitida, como disposto no Regime do Sistema de Seguro Obrigatório[5] -, resta saber se se encontra afastado algum dos pressupostos da responsabilidade civil.

Trata-se de responsabilidade civil aquiliana ou extracontratual, prevista no artº 483º, nº 1, do Código Civil[6], isto é, haveria de se apurar se houve, por parte dos condutores, a prática de um ato ilícito, praticado com dolo ou com negligência, danos e nexo de causalidade entre o ato ilícito praticado e os danos sofridos.

Tratando-se de acidente de viação, pode ainda haver responsabilidade pelo risco ou responsabilidade presumida.

Como nos diz o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2014, proferido no processo nº 284/07.3TCGMR.G3.S1, com sumário disponível on-line em “A culpa nos acidentes de viação na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça - Concorrência de culpa e risco - Gabinete de Juízes Assessores do Supremo Tribunal de Justiça Assessoria Cível”:

I - Em matéria de responsabilidade civil emergente de acidentes de viação causados por veículos automóveis, a ocorrência de uma colisão entre dois veículos automóveis pode enquadrar-se num de três tipos de situações geradoras de responsabilidade civil e da consequente obrigação de indemnizar: (i) situação de responsabilidade a título de culpa efectiva de algum ou de ambos os condutores dos veículos intervenientes na colisão (art. 483.º, n.º 1, do CC); (ii) situação de responsabilidade a título de culpa presumida do condutor de veículo por conta de outrem, a que alude o n.º 3 do art. 503.º do CC; e (iii) situação de responsabilidade pelo risco inerente à condução de veículos (arts. 503.º, n.º 1, e 506.º, n.º 1, do CC), nos casos em que se não consegue provar a culpa efectiva de algum dos condutores dos veículos intervenientes, e nenhum dos condutores está onerado pela presunção de culpa consagrada no n.º 3 do art. 503.º e o acidente não tiver sido provocado por culpa do lesado, ou por facto de terceiro, ou por causa de força maior estranha ao funcionamento dos veículos (art. 505.º do CC). (sublinhado nosso)

         Em primeiro lugar, há que ter em conta que a dinâmica do acidente e os danos sofridos foram discutidos nos autos, não tendo sido interposto recurso da matéria de facto, pelo que teremos de decidir exclusivamente com os factos apurados.

         Por outro lado, verificamos que igualmente não foi posto em causa o quantum indemnizatório acordado entre a seguradora e os ofendidos, tratando-se, consequentemente, também, de matéria definitivamente assente.

         De igual modo, tão pouco foi posta em crise a existência de culpa na atuação do condutor, aqui Réu e Recorrente.

         Deste modo, resta verificar se, perante os factos apurados, há concorrência de culpas dos dois condutores, no que toca aos danos sofridos lesado CC, por via da errada utilização da cadeira de transporte de crianças.

         Resultou provado que A cadeira que estava instalada no banco da frente não era voltada à retaguarda e o respetivo air bag não estava desligado, pois abriu-se [art27contestação].

         O mau transporte da criança nunca seria a causa do acidente, mas poderia eventualmente ter sido a causa da maior extensão dos danos, havendo concorrência de culpas, na modalidade de culpa no agravamento dos danos, como previsto no artº 570º, nº 1, do Código Civil[7].

Porém, ter-se-ia de ter apurado também a existência de nexo de causalidade entre o transporte desadequado da criança CC e os danos sofridos pelo mesmo, o que não aconteceu, ou seja, não se apurou que, caso o mesmo tivesse sido transportado de acordo com as normas legais, não teria sofrido os danos descritos ou não os teria sofrido de forma tão grave.

Em sentido semelhante, num caso em que duas pessoas estavam a ser transportadas utilizando o mesmo cinto de segurança, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, a 20 de Janeiro de 2010, no processo nº 346/1998, disponível em www.coletaneadejurisprudencia.com, que:

III - Para que o FGA demandado pudesse prevalecer-se, num tal caso, da aplicação do disposto no art. 570.º do Código Civil teria que demonstrar que a circulação do autor com o condutor e mais uma pessoa em assentos destinados apenas a duas pessoas foi conditio sine qua non do acidente ou da gravidade das lesões sofridas. (sublinhado nosso)

         Ou, como também se diz na sentença recorrida:

         Na sua contestação o réu alega que a cadeira que estava instalada no banco da frente não era voltada à retaguarda e o respetivo air bag não estava desligado, pois abriu-se e, por isso, conclui-se que há culpa da mãe, condutora do veículo terceiro, nos danos corporais sofridos pelo seu filho.(…)

Acresce que (ainda pressupondo o indemonstrado transporte da criança nas condições referidas) não ficou minimamente demonstrado, sendo certo que tal também não foi alegado, que se fosse transportado no banco da retaguarda e com sistema de retenção virado para a retaguarda, os danos que sofreu o CC, então com apenas 78 dias, poderiam não se verificar ou ter sido mitigados. Nada garante que, mesmo nessas condições, não tivesse sofrido as mesmas ou outro tipo de lesões e o quadro sequelar emergente do acidente. (sublinhado nosso)

Deste modo, cumpre julgar o recurso totalmente improcedente.

IV - Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 3ª Secção deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo integralmente a decisão recorrida.

                                                            

Custas pelo apelante – artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil.

         Coimbra, 28 de Janeiro de 2025

         Com assinatura digital:

         Anabela Marques Ferreira

         Hugo Meireles

         Francisco Costeira da Rocha


[1] Dec-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto e sucessivas alterações.
[2] Diretamente aplicável à responsabilidade solidária.
[3] Como nos diz José Carlos Brandão Proença, “Direito de regresso das seguradoras e sub-rogação do fundo de garantia automóvel: pontos de vista parcelares”, Revista Julgar, nº 46, 2022, págs. 100 e 101:
Durante a primeira década deste século a jurisprudência predominante, mesmo do Supremo, defendia a chamada tese «atomistica»>, «desagregadora», sufragando que a contagem do prazo devia ter lugar a partir do primeiro ou de cada pagamento e não a contar do último. Esta posição, mais favorável aos «devedores», obrigava os «credores» a exercer o seu direito em diversos momentos processuais. No começo da segunda década do presente século o nosso tribunal judicial superior reviu a sua posição a favor da tese da «unicidade da prescrição», influenciando as instâncias inferiores. Esta revisão, abonatória da integralidade do cumprimento, representou um favorecimento dos credores», procurando-se, contudo, evitar alguma manipulação, com efeito dilatório no prazo da prescrição, dos momentos de pagamento e um desinteresse pelo cumprimento faseado. (…)
«tese mitigada do último pagamento», tratando-se, pois, de um conjunto danoso incindível, o começo de contagem do prazo coincide com a extinção integral dessa «parte» indemnizatória, cabendo ao «devedor alegar e provar os tipos de danos que conduzam, para efeitos de prescrição, a autonomizar os pagamentos parcelares».
[4] Artºs 316º e segs., do Código Civil.
[5] Sempre estaríamos, também aqui, de acordo com o decidido pelo Tribunal a quo, no sentido de que Os pressupostos cumulativos do direito de regresso previsto no artº 27º nº1c) do DL nº 291/2007 são, assim, e apenas, a responsabilidade civil subjetiva do condutor responsável e a condução com TAS superior à legalmente permitida. Está consolidada jurisprudência no sentido de que não é exigível o nexo de causalidade entre a alcoolemia e os danos: à seguradora basta alegar e demonstrar a taxa de alcoolemia do condutor na altura do acidente, sendo irrelevante a relação de causa e efeito entre essa alcoolemia e o acidente, ou seja, os factos em que se materializa a influência do álcool na condução e que eram relevantes na vigência do DL nº 522/85, de 3112, na interpretação do AUJ nº 6/2002 (…)
[6] Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
[7] Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e das consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. (sublinhado nosso)