ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
FACTOS E CONVICÇÃO
COMPREENSIBILIDADE
Sumário

I – Para que a decisão arbitral esteja suficientemente fundamentada, necessário se torna que o decisor transmita, de forma percetível, o raciocínio que elaborou no sentido da bondade da decisão tomada, em detrimento da defendida pela parte vencida.
II – Para tanto, deve consignar, nos factos julgados provados ou nos não provados, todos os factos alegados que sejam relevantes para a decisão da causa, de acordo com todas as soluções plausíveis em Direito.
III – Não o fazendo, não é compreensível o raciocínio que esteve subjacente à decisão, devendo a mesma deve ser anulada.
IV – No que concerne à análise crítica da prova, a anulação da sentença arbitral por falta de fundamentação não decorre apenas da inexistência absoluta de fundamentação.
V – Contudo, tendo em mente as menores exigências de fundamentação, cabe ao Recorrente convencer o Tribunal ad quem de que a decisão recorrida é incompreensível.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

         Recorrente A..., Lda.

         Recorrida Companhia de Seguros B..., S.A.

        

Juiz Desembargador Relator: Anabela Marques Ferreira

 Juízes Desembargadores Adjuntos:    Luís Miguel Caldas

                                               Francisco Costeira da Rocha

Sumário (da responsabilidade do Relator – artº 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)

(…).

Acordam os juízes que nestes autos integram o coletivo da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



I – Relatório

Nestes autos de ação de anulação da sentença arbitral, pretende-se a anulação da decisão proferida pelo Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros, nos autos de arbitragem em que foi Reclamante A..., Lda. e em que foi Reclamada Companhia de Seguros B..., S.A., a qual julgou a reclamação totalmente improcedente e, consequentemente, absolveu a Reclamada do pedido.

         A Recorrente A..., Lda. interpôs a presente ação de anulação dessa decisão, concluindo, nas suas alegações, que:

(…).

A Recorrida Companhia de Seguros B..., S.A. deduziu oposição, concluindo que Considerando que é manifesto que não existe uma total (ou parcial) falta de fundamentação na sentença impugnada, o pedido de anulação da mesma deve ser considerado improcedente e, consequentemente, devem improceder todas as conclusões do pedido de anulação apresentado.



II – Objeto do processo


Colhidos os vistos legais, prestados contributos e sugestões pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos e realizada conferência, cumpre decidir.

Da conjugação do disposto nos artºs 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 1 e 639º, todos do Código de Processo Civil, resulta que são as conclusões do recurso que delimitam os termos do recurso (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 608º, nº 2, ex vi artº 663º, nº2, ambos do mesmo diploma legal). Assim:

Questões a decidir:

Da anulabilidade da sentença arbitral



III – Fundamentação

A – De Facto

Factos alegados pelo Recorrente na sua reclamação para o Tribunal arbitral

O sinistro automóvel em apreço ocorreu na sobredita data e local, às 19h50, entre o veículo ligeiro passageiros, com a matrícula ..-SB-.., propriedade de A..., Lda., pessoa coletiva sob a forma de Sociedade por Quotas e conduzido por AA e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-QA-.., propriedade de C..., Lda. e conduzido por BB. Cfr. Documentos 2, 3 e 4 - Certificado de matrícula, Certidão comercial permanente e Declaração Amigável de Acidente Automóvel (DAAA), que ora se juntam e cujos teores se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos efeitos legais.

Com efeito, no supramencionado dia, o condutor do veículo com a matrícula ..-QA-.., segurado pela Companhia de Seguros B..., S.A. (doravante designada como Reclamada), encontrava-se a circular no sentido ascendente da Rua D. Pedro V, em direção ao Príncipe Real, quando procedeu à manobra de mudança de direção à esquerda, a fim de intersetar a Rua Luísa Todi.

Por sua vez, o veículo ..-SB-.., propriedade do ora Reclamante, encontrava-se parado, no sentido descendente da suprarreferida Rua D. Pedro V, por força do acentuado tráfego que se fazia sentir naquele momento.

Sucede que, o veículo ..-QA-.. segurado na Reclamada, ao efetuar a manobra de mudança de direção à esquerda, embateu naquele outro, tendo as frentes esquerdas de ambos os veículos ficado danificadas. Vide para o efeito descrição dos danos e respetiva dinâmica de ambos os condutores, constante do Documento 4, já junto. Cfr. Documento 5-Ficheiros de Imagem, que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais.

Factos julgados provados na sentença arbitral

1. No dia 7/5/2023, pelas 19h e 50m, no entroncamento entre a Rua D. Pedro V e a Rua Luísa Todi, em Lisboa, ocorreu um sinistro entre os ligeiros de passageiros (táxi) com a matrícula ..-SB-.., propriedade da reclamante e conduzido por AA e com a matrícula ..-QA-.., conduzido por BB, cuja responsabilidade civil se encontrava transferida para a reclamada através da apólice n.º ...31.

2. A Rua D. Pedro V, junto ao local do embate, possui dois sentidos de trânsito, cada um com uma via de circulação.

3. A Rua Luísa Todi possui um único sentido de trânsito (com início na Rua D. Pedro V).

4. O veículo SB circulava na Rua D. Pedro V, no sentido descendente,

5. O veículo QA circulava na Rua D. Pedro V, no sentido ascendente.

6. No entroncamento com a Rua Luísa Todi, o SB pretendia seguir em frente, pela Rua D. Pedro V.

7. No entroncamento com a Rua Luísa Todi, o QA pretendia aceder a este último arruamento, pelo que deveria efetuar uma mudança de direção à esquerda.

8. O embate dá-se quando o QA inicia a referida manobra de mudança de direção à esquerda.

9. Antes de chegar ao entroncamento em que se deu o embate, no sentido descendente, a Rua D. Pedro V possui duas vias de trânsito, a da esquerda destinada a transportes públicos de passageiros (autocarros da Carris), a da direita para os demais veículos.

10. Antes de chegar ao entroncamento em que se deu o embate, o SB encontrava-se obrigado a respeitar um sinal de cedência de prioridade (sinal B1 do Regulamento de Sinalização de Trânsito), implantado junto à via de circulação do lado direito.

11. O embate ocorre entre o canto frente esquerdo de ambos os veículos.

12. O embate ocorreu na Rua D. Pedro V, na via destinada ao sentido descendente.

13. Algumas viaturas atrás do SB, no mesmo sentido, seguia um autocarro da Carris, no qual se encontrava a testemunha CC.

14. Após o sinistro, ambos os condutores assinaram uma declaração amigável de acidente (DAA).

15. No decurso do preenchimento dessa DAA, o condutor do QA declarou-se responsável pela produção do sinistro.

16. Aquando do preenchimento da DAA, o condutor do QA ignorava a existência do sinal B1 colocado no sentido de marcha em que seguia o SB.

17. O SB foi peritado, por indicação da reclamada, tendo a sua reparação sido orçada em €6,548,83.

18. Em face dos danos sofridos no sinistro, o SB ficou impossibilitado de circular.

Fundamentação da decisão de facto na sentença arbitral

O tribunal formou a sua convicção do seguinte modo, relativamente aos factos provados:

a) quanto aos factos n.ºs 1, e 14, na declaração amigável de acidente e respetivo croqui;

b) quanto aos factos n.ºs 2 e 11 e 12, nas fotos juntas pela reclamante;

c) quanto ao facto n.° 3, nos depoimentos concordantes do condutor do QA e da testemunha CC;

d) quanto aos factos n.ºs 4 e 6, no depoimento do condutor do SB;

e) quanto aos factos n.°s 5, 7e 16, no depoimento do condutor do QA;

f) quanto aos factos n.°s 8 e 15, no depoimento de ambos os condutores;

g) quanto aos factos n.ºs 9 e 10, nas fotos juntas pela reclamada;

h) quanto ao facto n.° 13, no depoimento da testemunha CC; e

i) quanto aos factos n.º 17 e 18, no relatório de peritagem do BZ ordenado pela reclamada e junto aos autos pela reclamante.

Fundamentação de Direito na sentença arbitral

           

Em face da factualidade provada, considera-se que o sinistro se produziu em resultado da violação, por parte do condutor do SB, do disposto nos art.°s 3.º, n.º 2, 11.0, n.° 2 e, sobretudo, 29.0, n.º 1, todos do Código da Estrada, assim como no sinal B1 do Regulamento de Sinalização de Trânsito, ao não respeitar, no entroncamento junto do qual se deu o embate, a prioridade do QA.

Com efeito, sobre o BZ recala o dever de respeitar o sinal B1 de cedência de prioridade, colocado antes do referido entroncamento, que inequivocamente vinculava os veículos, como o SB, que, não sendo transportes públicos de passageiros (autocarros da Carris), deveriam circular pela via da direita (na bifurcação que antecede o entroncamento), precisamente aquela via junto da qual o sinal B1 se encontra colocado.

E nem se diga que tal sinal de cedência de prioridade operaria apenas relativamente aos veículos provenientes da Rua Luísa Todi, mas já não quanto àqueles (como o QA) que proviriam da Rua D. Pedro V para aceder à Rua Luísa Todi: com efeito, esta última possui um único sentido, não permitindo, no entroncamento junto do qual ocorreu o sinistro, a circulação de veículos dela provenientes em direção à Rua D. Pedro V.

Por fim, também não se afigura determinante o facto de o condutor do QA, imediatamente após o sinistro, se ter declarado responsável pela produção do mesmo, porquanto tal declaração assentava num pressuposto erróneo, qual seja o desconhecimento da existência de um sinal B1 no sentido de marcha do SB.

Pela mesma razão, não colhe a presunção de veracidade da DAA (art. 35.0, n.º 3, do regime jurídico do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel - Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na sua atual redação), de acordo com o qual "Quando a participação do sinistro seja assinada conjuntamente por ambos os
condutores envolvidos no sinistro, presume-se que o sinistro se verificou nas circunstâncias, nos moldes e com as consequências constantes da mesma, salvo prova em contrário por parte da empresa de seguros.", uma vez que tal presunção é ilidível (art. 350.0, n.º 2, do Código Civil) e a referida DAA é omissa quanto à existência do já
mencionado sinal B1, cuja presença se afigura determinante para o apuramento de responsabilidades (sendo que, quanto ao mais, nomeadamente à posição dos veículos, não se nega a autenticidade da aludida DAA).

Tudo somado, conclui-se pela responsabilidade exclusiva do condutor do SB pela produção do acidente em apreciação nos presentes autos.

Tendo o proprietário do veículo seguro na reclamada, transferido para esta a responsabilidade civil pelos danos decorrentes da circulação de veículos, sobre esta última recai o dever de indemnizar o reclamante, nos termos dos art.os 483.º, n.º 1 e 566.0, n.º 1, ambos do Código Civil.

Em face definição de responsabilidades, deve o pedido da reclamante improceder.

Em conclusão e na total improcedência da reclamação, absolve-se a reclamada do pedido, com todas a consequências legais.

B- De Direito - da anulabilidade da sentença arbitral

Dispõem os artºs 46º, nº 3, alínea a), subalínea vi), e 42º, nº 3, ambos da Lei da Arbitragem Voluntária:

Artigo 46.º

Pedido de anulação

3 - A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se:

a) A parte que faz o pedido demonstrar que:

vi) A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º;

Artigo 42.º

Forma, conteúdo e eficácia da sentença

1 - A sentença deve ser reduzida a escrito e assinada pelo árbitro ou árbitros. Em processo arbitral com mais de um árbitro, são suficientes as assinaturas da maioria dos membros do tribunal arbitral ou só a do presidente, caso por este deva ser proferida a sentença, desde que seja mencionada na sentença a razão da omissão das restantes assinaturas.

3 - A sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º. (sublinhado nosso)

         Se é certo que se pretende que a arbitragem seja célere, não pode a celeridade impedir que a decisão arbitral assuma plenamente a função de decisão equivalente a uma decisão jurisdicional, salvaguardando a sua própria qualidade e legitimação perante os destinatários.

         Consequentemente, a decisão arbitral deve respeitar, salvo quando as partes acordam em sentido contrário, a imposição do dever de fundamentação que decorre, desde logo, do artº 205, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e, não dispondo, nesta parte, de lei processual própria, seguir, no essencial, o disposto na lei processual civil.

Nesta sede, há que ter em conta o disposto no artº 154º, nºs 1 e 2[1], do Código de Processo Civil, que reitera tal dever de fundamentação, mas também o disposto nos seus artºs 607º, nºs 3 e 4, e 615º, nº 1, als. b) e c)[2].

         Alega a Recorrente que a decisão arbitral ora em análise enferma de nulidade, nos termos conjugados dos artºs 615º, nº 1, als. b) e c), 607º, nº 4, e 154.º, todos do Código de Processo Civil.

         Dispõe o segundo dos referidos preceitos legais que:

         4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. (sublinhado nosso)

         Para que a decisão arbitral esteja suficientemente fundamentada, necessário se torna que o decisor transmita, de forma percetível, o raciocínio que elaborou no sentido da bondade da decisão tomada, em detrimento da defendida pela parte vencida.

         Como nos diz João Paulo F. Remédio Marques, “A (densidade) falta de fundamentação da matéria de facto enquanto causa de anulação de decisão arbitral” in “Arbitragem Comercial – Estudos comemorativos dos 30 anos do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa”, Tomo I, Almedina. pág. 510: Assim, só há cumprimento do dever de fundamentação se e quando resultar claro, para uma pessoa média, o caminho e razão da decisão.

Ou, em resumo, como escreve António Sampaio Caramelo, “A Impugnação da Sentença Arbitral”, 4ª edição, Almedina, 2023, pág. 99: Para a maioria da doutrina portuguesa, o padrão da fundamentação exigível deve ser "o da inteligibilidade da decisão para as partes, isto é, o que interessa é que o tribunal arbitral consiga explicar às partes porque é que decidiu assim. Mesmo que estas não concordem com a decisão, devem perceber por que decidiu o tribunal nesses termos”.

         Para tanto, deve analisar criticamente as provas na medida do necessário, mas também consignar, nos factos julgados provados ou nos não provados, todos os factos alegados que sejam relevantes para a decisão da causa, de acordo com todas as soluções plausíveis em Direito, e não apenas com a por si adotada.

Não pode a sentença, ainda que proferida por Tribunal arbitral, simplesmente omitir os factos alegados pela parte vencida, e que poderiam alterar o sentido da decisão recorrida, sob pena de não se compreender o raciocínio que esteve subjacente à mesma.

         In casu, a sentença recorrida é absolutamente omissa quanto aos factos alegados pelo Recorrente no sentido de que a sua viatura, no momento do embate, se encontrava parada numa fila de trânsito, tendo sido embatida pela viatura segurada pela Recorrida, como aliás consta, também, da declaração amigável de acidente, referida na fundamentação da sentença.

         Não os consigna como factos provados, nem como factos não provados, nem sequer os aborda – eventualmente para afastar a sua relevância – na fundamentação de Direito.

         Ora, tais factos, uma vez provados, seriam aptos a alterar a solução de Direito, uma vez que uma viatura, ainda que estando obrigada a ceder a passagem, não pode ser responsabilizada pelo embate de terceiro se, na verdade, não se encontrar a circular, estando parada numa fila de trânsito.

         Contudo, o Tribunal arbitral não lhe faz qualquer referência, pelo que ficamos sem saber se os considerou não provados, se não os considerou relevantes para a decisão da causa ou se simplesmente se esqueceu deles, isto é, não é possível compreender o raciocínio do julgador quanto a matéria relevante, sendo, consequentemente, a decisão anulável por falta de fundamentação.

Deste modo, cumpre anular a sentença recorrida.

         Tão pouco faz a decisão recorrida uma análise crítica de prova, limitando-se a enumerar os elementos de prova que considerou para julgar provados cada um dos pontos descritos, sem esclarecer se houve ou não outros a indicar em sentido contrário ou porque os considerou em detrimento de outros.

         Relativamente à sentença arbitral, sendo a regra a da sua não recorribilidade[3] e tendo em mente a ideia subjacente de uma maior celeridade, não é de exigir uma tão detalhada análise, desde que seja percetível o raciocínio do julgador, confirmando-se inexistir decisão arbitrária[4].

Não perfilhamos do entendimento de que só a inexistência absoluta de fundamentação pode levar à anulação da sentença arbitral.

Como nos diz João Paulo F. Remédio Marques, ob. cit., pág. 508, seguindo por esta via, podemos chegar a resultados aberrantes.

Contudo, tendo em mente as menores exigências de fundamentação, entendemos que, neste particular, cabe ao Recorrente convencer o Tribunal ad quem de que a decisão recorrida é incompreensível.

         Aqui, para além da já analisada relevante omissão a factos alegados pela Recorrente, não está demonstrada a insuficiência ou erro de fundamentação, uma vez que se alega que o julgador como provado o facto n.º 13 em que: “Algumas viaturas atrás do SB, no mesmo sentido, seguia um autocarro da Carris, no qual se encontrava a testemunha CC.”, quando resulta do documento junto sob o n.º 5 pela Reclamante, que a testemunha CC seguia no autocarro da Carris alguns veículos atrás do veículo ..-QA-...

         Porém, o facto de, nas fotografias juntas, ser visível um autocarro alguns metros atrás do QA, não implica necessariamente que não pudesse estar outro atrás do SB.

         Mais se alega que Documento o qual o julgador não identifica quando se refere a “b) quanto aos factos n.ºs 2 e 11 e 12, nas fotos juntas pela reclamante;”, sendo obscura a decisão arbitral quanto à perceção do documento a que se refere o julgador, podendo-se inferir tratar-se do documento junto pela Reclamante, sob o n.º 5; no entanto, fica-se sem saber qual das imagens constantes do mesmo servem cada facto dado como provado.

         Contudo, trata-se de factos que não estão em oposição com qualquer das fotografias juntas, nem tão pouco com a versão dos factos apresentada pelo Recorrente, pelo que não se entende a relevância desta alegação.

         Finalmente, alega que Além do que, a decisão arbitral mostra-se repleta de imprecisões, como sendo mencionado o veículo de matrícula BZ, inexistente nos autos, veja-se: Com efeito, sobre o BZ recaía o dever de respeitar o sinal B1 de cedência de prioridade(…)

         Porém, também aqui não colhe a alegação do Recorrente porque se trata de manifesto lapso de escrita – o que se deteta da simples leitura da decisão  - sendo por demais evidente que, onde se escreveu “BZ” se queria ter escrito “SB”.

         Deste modo, nesta parte, improcederia o recurso.

IV - Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 3ª Secção deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, anulando a decisão recorrida.

                                                            

Custas pela Recorrida – artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil.

         Coimbra, 28 de Janeiro de 2025

         Com assinatura digital:

         Anabela Marques Ferreira

         Luís Miguel Caldas

         Francisco Costeira da Rocha

           


[1] Determinando o nº 2 que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.
[2] Neste sentido, Diogo Lemos e Cunha, “Da forma, conteúdo e eficácia da sentença arbitral”, Revista Themis, ano VX, nºs 26/27, 2014, págs. 218 e 219.
Também Carlos Ferreira de Almeida, “Sentença Arbitral: Preparação e Conteúdo” in “Arbitragem Comercial – Estudos comemorativos dos 30 anos do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa”, Tomo I, Almedina. 2019, pág. 205.
[3] Diogo Lemos e Cunha, ob. cit., pág. 208: A finalidade que subjaz à celebração da convenção de arbitragem é a designação de um meio alternativo aos meios jurisdicionais que permita às partes resolverem, de forma definitiva, os seus litígios. Esta resolução será obtida através de uma sentença final (“final award”), vinculativa para as partes, proferida por um tribunal arbitral, composto por um único árbitro ou por vários, desde que em número ímpar. (sublinhado nosso)
Ou, entre outros, acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Janeiro de 2018, proferido no processo nº 191/17.1YRCBR, disponível em www.jurisprudência.pt: IV - A decisão da impugnação pelo Tribunal de 2ª Instância é puramente cassatória e não permite que o Tribunal estadual conheça do mérito das questões decididas pela sentença arbitral, conforme decorre do estatuído no artigo 46º, nº 9, da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), anexa à Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro. (sublinhado nosso)
[4] Diogo Lemos e Cunha, ob. cit., pág. 220: Por outro lado, se é certo que a fundamentação da decisão arbitral visa impedir o caráter aleatório da decisão tomada pelos árbitros, "assegurando a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo", não é menos verdade que também existem vantagens na dispensa da fundamentação da decisão final, quais sejam a promoção da celeridade do processo, o aumento do grau de confidencialidade dos factos objeto do litígio e a dificuldade de impugnar a sentença arbitral, conferindo-lhe, assim, um caráter mais definitivo.