HERANÇA REPUDIADA
PROCESSO ESPECIAL DE LIQUIDAÇÃO DE HERANÇA VAGA EM BENEFÍCIO DO ESTADO
HABILITAÇÃO DOS SUCESSORES INCERTOS
HABILITAÇÃO DA HERANÇA JACENTE
Sumário

I – É apenas pelo processo especial dos arts. 938.º e segs. do Código de Processo Civil – após o juiz o declarar nos termos do art.º 939.º, n.º 1 do CPC – que o Estado passa a ser herdeiro e adquire a herança.
II – Assim, tendo falecido o executado e tendo todos os seus filhos e netos repudiado a herança, não se pode, com fundamento em não existirem ou não serem conhecidos outros sucessores/herdeiros, considerar, sem mais, o Estado Português habilitado para prosseguir nos autos, no lugar do executado/falecido.
III – Em tal situação, caso não venha a ser instaurado pelo Ministério Público o processo especial de liquidação de herança vaga em benefício do Estado, poderá ser realizada, nos termos previstos no art.º 355º do Código de Processo Civil, ou a habilitação dos sucessores incertos ou a habilitação da herança jacente.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Requeridos/Recorrentes: Ministério Público, em representação do Estado Português

Requerente/recorrida: AA

I. Relatório

O Ministério Público, em representação do Estado Português, interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou o Estado Português habilitado para, em substituição do falecido executado BB, prosseguir a ação executiva para pagamento de quantia certa que contra aquele foi instaurada por AA, mediante a apresentação de requerimento executivo, no qual é peticionado o pagamento da quantia exequenda, no valor de €10.819,24, relativa ao capital em dívida e respetivos juros, correspondente à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que o executado foi condenado a pagar à exequente por sentença de 2 de novembro de 2009, proferida no processo 62/07.0JAGRD, que correu termos no Tribunal Judicial de Círculo da Covilhã (arquivado no Juízo Central Criminal de Castelo Branco - Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco).


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Em 10 de novembro de 2022, no processo executivo, por decisão do agente de execução, foi proferido despacho que declarou suspensa a instância, em face do comprovado óbito daquele executado, ocorrido em 30-09-2022.

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Em 22 de setembro de 2023, teve início o presente incidente, a requerimento da exequente, deduzido contra o CC, DD e EE, identificados como filhos e únicos herdeiros do falecido executado.

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Citados os requeridos, todos eles vieram contestar a sua habilitação, dando conta de terem repudiado a herança de seu pai, juntando a cópia da respetiva escritura pública de repúdio.

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Por despacho de 18 de dezembro de 2023, foi determinado que, face ao repúdio da herança do executado por parte do requerido DD, fossem citados os filhos menores deste - FF e GG - por representarem o repudiante na sucessão legal.

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Veio o dito DD, agora na qualidade de legal representante dos seus filhos menores, dar conta de que requereu junto do Ministério Público um pedido de autorização para, em nome destes, repudiar a herança do executado, requerendo a concessão de um prazo para que o Ministério Público proferisse despacho de autorização.

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Foi proferido despacho a declarar suspensa a instância para tal finalidade, após o que, por requerimento de 12 de julho de 2024, o mencionado DD, na qualidade de legal representante de seus filhos, veio contestar a habilitação destes, juntando cópia da escritura publica de repúdio da herança do executado por parte dos mencionados FF e GG, que outorgou em representação dos mesmos e autorizado por decisão do Ministério Público.

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Em 27 de setembro de 2024, foi proferido despacho que concluir da seguinte forma: Assim, de acordo com a ordem e as regras constantes dos arts. 2133 do Código Civil Estado, cite o MP, em representação do Estado, para os fins aludidos no art.º 352/1 do CPC

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O Ministério Público, citado em representação do Estado Português, em obediência ao determinado pelo supra mencionado despacho, veio apresentar contestação pugnando pela verificação da exceção de ilegitimidade passiva e consequentemente a sua absolvição da instância.

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Em 28 de outubro de 2024, foi proferida a sentença que, a seguir, na parte que ora releva, se transcreve:

(…) Os factos:

Resulta dos autos (certidões de nascimento e escrituras notariais de repúdio da herança) que:

a) o Habilitado faleceu no estado de divorciado, no dia 30 de setembro de 2022;

b) Os seus herdeiros e únicos sucessores CC; EE DD, bem como filhos deste repudiaram a herança:


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O Direito

A habilitação de herdeiros constitui um incidente processual que visa a substituição da parte falecida [art. 270.º, al. a), do CPC] e a determinação de quem tem a qualidade que o legitima para tal.

A legitimidade para a substituição não se confunde com o conceito de legitimidade processual vertido no art. 26.º do CPC, embora reflexamente coincida com ela, pois exige-se que a parte substituída seja legítima.

A qualidade de sucessor é o requisito essencial exigido pela lei para que a substituição opere.

E são sucessores, de harmonia com o disposto no art. 2030.º/1 do CC, os herdeiros e legatários, sendo que os primeiros são os que sucedem na totalidade ou numa quota do património do falecido (art. 2030.º/2, 1.ª parte, do CPC).

No caso sub judice, tem particular relevância a primeira categoria, uma vez que, o de cujus, não tendo disposto válida e eficazmente, através de testamento, dos bens de que poderia dispôr para depois da sua morte, são chamados à sucessão os herdeiros legítimos, de acordo com a ordem e as regras constantes dos arts. 2132.º e seguintes do Código Civil.

Assim, no caso dos autos e na falta de outros herdeiros é o Estado herdeiro legítimo.

É certo que o Estado como sucessor legítimo só é chamado à sucessão na falta ou repúdio de todos os outros sucessores legais previstos na lei e na falta ou repúdio de sucessores testamentários ou contratuais, cujas designações prevalecem sobre a do Estado, dado que este não é sucessor legitimário, sendo o adequado o processo especial da liquidação da herança vaga em benefício do Estado, previsto no art.º 938 do CPC.

Todavia, no caso dos autos, não se trata dessa liquidação antes e apenas se tem por objecto determinar quem tem a qualidade que o legitime para substituir a parte falecida, fazendo intervir, em substituição desta, as pessoas que, no momento em que o incidente é decidido, devam considerar-se herdeiras, tudo como resulta do disposto no nº2 do art.º354º do Código de Processo Civil.

Assim, não havendo outros sucessores do falecido / executado, há que concluir ser o Estado Português o herdeiro a habilitar, por ser parte legítima para com ele continuar os termos da instância, o que se decide. Neste sentido o Ac. do TRP, Nº do documento: RP20190124818/12.1TVPRT-A.P1 datado de :24-01-2019.

Sem custas.

Registe e notifique


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Inconformado com esta decisão, veio o Ministério Público interpor o presente recurso de apelação, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

(…).


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Não foram apresentadas alegações de resposta
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a Decidir:

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal é a seguinte:

- Se o Estado Português, representado pelo Ministério Público, não devia ter sido habilitado na posição do falecido executado.


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III. Fundamentação de Facto:
Os factos a considerar são os que constam do antecedente relatório.
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IV. Mérito do recurso

Como se disse, vem posta em causa na apelação a decisão que, no incidente de habilitação de herdeiros instaurado pela exequente, declarou, a final, o Estado Português habilitado para intervir na execução que constitui o processo principal, em substituição do executado falecido[1].

Discordando da decisão proferida, o apelante defende que o Estado Português não pode, no âmbito do presente incidente, ser considerado habilitado como sucessor do executado falecido. Alega, para o afeito, a vacatura da herança a favor do Estado não ocorre de forma automática, mostrando-se necessário que a herança seja declarada vaga para o Estado através de sentença proferida no âmbito do processo especial previsto nos artigos 938.º a 940.º do Código de Processo Civil; afirmando que o reconhecimento da posição de herdeiro do Estado tem lugar no indicado processo.

Conclui que, “não tendo sido reconhecida judicialmente a inexistência de outros sucessíveis e a herança declarada vaga para o Estado a herança mantem-se jacente, não podendo o Estado ser chamado à sucessão, devendo ser a própria herança habilitada, nos casos em que a mesma ainda não foi aceita (artigo 355.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), ou ser requerida a habilitação de herdeiros incertos (artigo 355.º, n.º 1, do Código de Processo Civil)”.

Vejamos se lhe assiste razão.

O artigo 260.º do Código de Processo Civil consagra o princípio da estabilidade da instância, designadamente quanto às pessoas, ressalvando as possibilidades de modificação consignadas na lei; o artigo 262.º do mesmo código, por seu turno, prevê determinadas modalidades de modificação subjetiva da instância, entre elas, conforme enuncia a alínea a), a efetuada em consequência da substituição de alguma das partes, por sucessão, na relação substantiva em litígio.

O incidente de habilitação mortis causa encontra-se regulado nos artigos 351.º e seguintes do Código de Processo Civil e destina-se a substituir a parte falecida pelos seus sucessores, a fim destes prosseguirem a demanda, operando uma modificação subjetiva da instância nos termos previstos na alínea a) do citado artigo 262.º do mesmo Código.

Prevendo o falecimento de uma parte na pendência da causa ou a certificação, decorrente das diligências para citação, do falecimento do réu ocorrido em data anterior, o referido artigo 351.º permite, tanto às partes sobrevivas como aos sucessores da parte falecida, a promoção do incidente de habilitação, o qual deverá ser deduzido contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não forem requerentes.

O art.º 2133.º do Código Civil, por seu turno, estabelece as classes de sucessíveis legítimos e define a ordem por que são chamados os herdeiros, integrando o Estado a última das classes de sucessíveis, conforme decorre das várias alíneas do n.º 1 do preceito.

Relativamente à sucessão do Estado, dispõe o art.º 2152.º do Código Civil que, na falta de cônjuge e de todos os parentes sucessíveis, é chamado à herança o Estado, cumprindo atender ao estatuído no art.º 2155.º do mesmo Código, o qual determina que, reconhecida judicialmente a inexistência de outros sucessíveis legítimos, a herança é declarada vaga para o Estado nos termos das leis de processo.

Por outro lado, enquanto a vocação sucessória se processa ex lege (art.º 2032.º do Código Civil), a aquisição sucessória depende da aceitação da herança; que (assim como o repúdio da herança) é um ato jurídico (unilateral e não receptício), individual e livre.

Ou seja, não é por se gozar de prioridade na hierarquia dos sucessíveis (vocação sucessória) que logo, de imediato e automaticamente, se adquire a herança, o que só acontece e tem lugar (sem prejuízo da presunção constante do art. 2049., n.º 2 do Código Civil) aquando da sua aceitação (cfr. art.º 2050.º, n.º 1 do Código Civil).

E, enquanto uma herança aberta não é aceite, fica e diz-se jacente (cfr. art.º 2046.º do Código Civil).

Ora, o Código de Processo Civil prevê o processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado, o qual visa precisamente pôr termo à situação de jacência da herança, por não serem conhecidos os sucessores ou por os sucessores conhecidos a haverem repudiado.

Dispõe o n.º 1 do citado artigo 938.º que, no caso de herança jacente, são citados os interessados incertos para deduzirem habilitação como sucessores; se ninguém aparecer a habilitar-se ou decaírem todos os que se apresentem como sucessores, determina o n.º 1 do artigo 939.º que a herança é declarada vaga para o Estado, após o que se inicia a fase executiva a que alude o n.º 2 do preceito, destinada à liquidação da herança.

O Estado, enquanto herdeiro legal, apenas sucede após declaração de herança vaga, através do processo especial regulado nos arts. 938º e 939º do Código de Processo Civil, que implica o reconhecimento judicial da inexistência de outros sucessíveis legítimos (cfr. art.º 2155.º do Código Civil), não precisando de aceitar, nem podendo repudiar a herança (cf. art.º 2154.º do Código Civil).

A decisão recorrida, considerou que o executado de cuius “não dispôs válida e eficazmente, através de testamento, dos bens de que poderia dispôr para depois da sua morte, e que, inexistindo outros herdeiros (legítimos) para além dos herdeiros legitimários que repudiaram a herança, seria Estado herdeiro legítimo do executado e como tal deveria ser habilitado”.

Na mesma decisão, para estribar a posição que foi adotada, é citado o acórdão da Relação do Porto de 24-01-2019, no processo n.º 818/12.1TVPRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere que:

“I- O incidente judicial de habilitação de herdeiros não se pode confundir com o processo especial previsto no art.º938º do Código de Processo Civil.

II- Assim, o Estado como sucessor legítimo só é chamado à sucessão na falta ou repúdio de todos os outros sucessores legais previstos na lei e na falta ou repúdio de sucessores testamentários ou contratuais, cujas designações prevalecem sobre a do Estado, dado que este não é sucessor legitimário.

III- Já o incidente de habilitação tem por objecto determinar quem tem a qualidade que o legitime para substituir a parte falecida.

IV- Assim, por este processo incidental apenas se trata de averiguar se o habilitado tem as condições legalmente exigidas para a substituição, não se apreciando no mesmo a sua legitimidade senão como substituto da parte falecida.

V- Na hipótese dos autos e como se verifica não estamos perante a uma hipótese subsumível no art.º938º do CPC revisto, a qual e como já se viu, se destina de uma forma mais ampla e mais genérica, à liquidação da herança declarada vaga para o Estado.

VI- Estamos sim, perante uma situação em que se visa apenas assegurar a legitimidade para a acção, fazendo intervir, em substituição da parte falecida, as pessoas que, no momento em que o incidente é decidido, devam considerar-se herdeiras, tudo como resulta do disposto no nº2 do art.º354º do Código de Processo Civil.”

Acontece que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, a situação subjacente a esse acórdão é diversa daquela que está em causa nestes autos.

Ali foram requeridas, no mesmo processo incidental, sucessivas habilitações dos herdeiros legítimos, tendo todos eles (filhos, mãe, irmãos, sobrinhos, tia e primos) repudiado a herança do falecido, ou seja, eram conhecidos todos os sucessíveis familiares do falecido réu, mais se sabendo que todos eles tinham renunciado à herança; admitiu-se assim que o Estado Português era o herdeiro a habilitar.

No caso sub iudice, a decisão recorrida considerou demonstrado que os requeridos CC, EE e DD (e, por direito de representação, os filhos deste último) eram os herdeiros e únicos sucessores do executado, tendo todos eles repudiado a herança.

Contudo, no requerimento inicial do incidente, apenas se diz que o executado faleceu no estado civil de divorciado e se identificam os requeridos, enquanto descendentes em primeiro grau do executado (e posteriormente os dois filhos menores de um deles).

Não se alega que, para alem desses, não existam outros herdeiros legítimos, ou sequer que se desconheça a sua existência.

Também não encontramos junto aos autos qualquer habilitação notarial por óbito do dito executado.

Por outro lado, não se extrai dos autos que o tribunal a quo tenha notificado a requerente do incidente para identificar outros herdeiros do falecido executado, para além dos requeridos que foram citados para os termos do incidente, nem que hajam sido realizadas quaisquer diligências para tal finalidade.

Desconhece-se, por isso, de que documentos terá a sentença recorrida retirado a conclusão de que os identificados filhos e netos são os únicos herdeiros do executado.

Tal afirmação constitui, assim, uma asserção meramente conclusiva, manifestamente insuficiente para, como fez a decisão recorrida, considerar verificada, como pressuposto da decisão de habilitação do Estado, a inexistência de outros sucessíveis legítimos para além daqueles que foram citados para os termos do incidente.

Concluímos, por isso, que, contrariamente ao que se afirma na sentença recorrida, não está provado, nem resulta da tramitação dos autos, que o executado não tem outros herdeiros para além dos identificados naquela decisão, designadamente por ter falecido intestado e sem deixar, além daqueles filhos e netos, outros familiares sucessíveis - isto é, ascendentes, irmãos e seus descendentes, outros colaterais até ao 4.º grau, muito menos que estes outros familiares também tivessem repudiado a herança – cf. artigos 2032.º, 2133.º e 2134.º do Código Civil.

E não resultando da tramitação dos autos a impossibilidade de identificação desses outos sucessíveis, sempre seria prematura a chamada do Estado à sucessão do executado falecido.

Parece-nos, por isso, que o tribunal a quo, face à constatação do repúdio da herança por parte dos requeridos sucessores legitimários do executado, deveria, antes de mais, ter notificado a exequente, requerente do incidente, para identificar outros herdeiros do mesmo executado.

Apurando-se não existirem outros herdeiros, ou concluindo-se não ser possível a sua identificação, enquanto o Ministério Público não tiver intentado o processo do art.º 938.º do Código de Processo Civil – para que se reconheça judicialmente a inexistência de outros sucessíveis e se declare vaga para o Estado a herança do exequente – manter-se-á jacente a respetiva herança[2].

Como se sabe, as heranças jacentes têm personalidade judiciária (cfr. art.º 12.º, al. a) do Código de Processo Civil).

Como explicam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa[3], “(o)s sujeitos habilitados serão, regra geral, os sucessores identificados (herdeiros e/ou legatários), mas não está afastada a possibilidade de a habilitação ser da própria herança, como herança jacente, nos casos em que a mesma ainda não foi aceita (artigo 355.º, n.º 4), ou de, em lugar de herdeiros certos, se requerer a habilitação de herdeiros incertos (artigo 355.º, n.º 1)”.

Sob a epígrafe Habilitação no caso de incerteza de pessoas, dispõe o artigo 355.º do Código de Processo Civil, além do mais, o seguinte: 1 - Se forem incertos, são citados editalmente os sucessores da parte falecida; (…) 4 - Nos casos em que à herança é atribuída personalidade judiciária, é lícito requerer a respetiva habilitação.

E, de facto, na situação vertente – na hipótese de vir a concluir pela inexistência de outros herdeiros do executado contra quem a execução deva prosseguir, ou pela impossibilidade de identificação dos mesmos[4]  - parece-nos que poderá será por recurso a esta última norma que se achará a solução para fazer cessar a suspensão da instância executiva por falecimento do executado (cf. artigos 270.º e 276.º do Código de Processo Civil), uma vez que só o Ministério Público tem legitimidade para requerer o processo especial previsto no art.º 938º do Código Civil e não o fez

Como nos diz nos diz o já mencionado Acórdão da Relação de Lisboa de 18-11-2021 (Relatora Desembargadora Laurinda Gemas), “Na verdade, conforme expressamente previsto no art. 355.º do CPC, o caso dos autos resolve-se com (i) a habilitação dos sucessores incertos ou ii) a habilitação da herança jacente; a primeira hipótese, pressupondo a existência de outros sucessores da falecida, num cenário de incerteza a “investigar” nos moldes acima referidos; a segunda, de habilitação da herança jacente, que se trata, como é sabido, de um património autónomo com personalidade judiciária [cf. art. 12.º, al. a), do CPC e artigos 2046.º a 2049.º do CC], com a alegação de facto da inexistência de quaisquer sucessores que tenham aceitado (expressa ou tacitamente) a herança, que não foi declarada vaga para o Estado”.

Assim, sem necessidade de mais considerações, impõe-se concluir que procedem as conclusões da alegação de recurso, o qual merece provimento.


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Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7 do CPC):
(…).

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V. Decisão

Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida.

Custas pela parte vencida a final.


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Coimbra, 28 de janeiro de 2025

Assinado eletronicamente por:
Hugo Meireles
Luís Manuel Carvalho Ricardo
Cristina Neves

(O presente acórdão segue na sua redação as regras do novo acordo ortográfico, com exceção das citações/transcrições efetuadas que não o sigam)


[1] De assinalar que, apesar de pressupor a validade do repúdio da herança pelos sucessores contra quem foi instaurado o incidente de habilitação de herdeiros, a decisão recorrida, que constitui a decisão final daquele incidente da instância, não os absolveu do pedido de habilitação.

[2] É este o entendimento propugnado pelos Acórdãos da Relação de Coimbra, de 12-03-2019 (Processo n.º 596/14.0TBPBL-D.C1), da Relação de Lisboa de 18-11-2021 (proc. 364/13.6TCFUN-A.L1) e da Relação de Évora de 9-06-2022 (proc. 3297/16.0T8LLE-B.E1), todos disponíveis no site www.dgsi.pt.
[3] Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 406, em anotação ao art. 260º, n.º 2
[4] Como se diz no Acórdão deste Relação de 27-12-2016 - processo n.º 919/04.0TBCNT-C.C1 – (Relator Vítor Amaral), in www,dgsi.pt, “A habilitação, porém, só deverá ser dirigida contra incertos no caso de impossibilidade de identificação dos sucessores da parte falecida, cabendo ao requerente o ónus de diligenciar pela respetiva identificação”