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INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO
QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA COMO CULPOSA
Sumário
I - O art. 11º do CIRE constitui uma regra processual específica do processo de insolvência, que afasta o princípio do dispositivo previsto no art. 5º do CPC, consagrando antes o princípio do inquisitório também em relação aos factos, permitindo que a decisão do juiz possa ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes, regra essa aplicável expressamente ao incidente de qualificação de insolvência. II - Verificado um dos factos taxativamente previstos no art. 186º nº 2 do CIRE, praticado pelo administrador da insolvente nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, a insolvência do devedor considera-se sempre culposa por se presumir- sem admissão de prova em contrário- que aquele facto tenha sido praticado com dolo ou culpa grave e que o mesmo tenha criado ou agravado a situação de insolvência, não tendo de ser demonstrada a culpa do administrador nem o nexo de causalidade entre o facto e a situação de insolvência e, a única forma de escapar à qualificação da insolvência como culposa será a prova, pela pessoa afetada, de que não praticou o acto. III - Ainda que não fique provado que os negócios de venda dos imóveis pertencentes à insolvente, levada a cabo pelo administrador nos 3 anos anteriores ao início do processo de insolvência, tenham sido negócios simulados, não deixa de se verificar a situação prevista no art. 186º nº 2 al. a) do CIRE se tiver ficado provado que o administrador fez desaparecer uma parte do preço recebido, sem que tenha dado entrada nas contas da insolvente, não tendo aquele feito prova de o ter utilizado em benefício da insolvente, mormente para pagar dívidas aos seus credores.
Texto Integral
Processo n.º 790/13.0TYVNG-A.P1 – Apelação Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia- Juiz 6
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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO 1. Por requerimento de 21.06.2013, A..., S.A., veio requerer a insolvênciade B... Sociedade Unipessoal, Lda., anteriormente designada como B..., Lda. 2. Por sentença datada de 15.11.2013, Ref Citius 2181961, foi declarada a insolvência de B... Sociedade Unipessoal, Lda. 3. Por requerimentos de 12.02.2014 e 17.02.2014 os credores Banco 1..., SA e Banco 2..., PLC requereram a qualificação da insolvência como culposa, nos termos do art. 186º nº 1 e 2 al. a), b), f), g), h) e i) do CIRE e afectação de AA, BB e CC.
4. O Administrador de Insolvência juntou aos autos parecer sobre a qualificação da insolvência como culposa, nos termos do art. 186º nº 1 e 2 al. a), b), d), f), g) e i) do CIRE, com pedido de afectação de AA, DD, BB, CC, EE e FF.
5. O Magistrado do Ministério Público acompanhou o parecer do AI, no sentido da qualificação da insolvência como culposa, nos termos do art. 186º nº 1 e 2 al. a), b), d), f) e i) e nº 3 al. a) e b) do CIRE, com pedido de afetação por essa qualificação de AA, DD, CC e EE.
6. Os requeridos cuja afectação fora peticionada apresentaram oposição, defendendo que não lhes pode ser assacada qualquer responsabilidade pela situação da insolvente por não existirem elementos de facto que demonstrem a culpa e o nexo causal entre a insolvência e a prática de qualquer dos actos mencionados nos pedidos de qualificação da insolvência, requerendo que a insolvência seja considerada fortuita.
7. Depois de proferido despacho saneador e realizado julgamento, veio a ser proferida sentença em 9.07.2024, Ref. Citius 461330193, com o seguinte dispositivo (transcrição). Pelo exposto, o Tribunal decide qualificar a insolvência da B..., Sociedade Unipessoal, Lda., como fortuita. Custas a cargo da massa insolvente. Registe e notifique.” 8. Inconformado com a sentença proferida, dela interpôs recurso de apelação o Magistrado do Ministério Público, formulando as seguintes CONCLUSÕES 1.A sentença recorrida decidiu julgar improcedente, por não provada, a presente acção, e considerar a insolvência do B..., Sociedade Unipessoal, Lda, como fortuita, sendo AA absolvido do pedido de afetação por uma qualificação culposa que lhe era assacado. 2.Tal sucedeu devido ao Tribunal ter considerado como não provado o seguinte facto, (no que respeita ao objecto de recurso supra descrito, não se recorrendo quanto aos demais fundamentos da sentença:), facto esse que se impugna: a) AA … ocultou/dissipou o preço pago pela adquirente, em proveito seu ou de terceiros. 3. Motivou a sua decisão, no alegado pela testemunha GG, testemunha indicada pelo afectado AA, representante legal da “C...” que entendeu o tribunal como credível e sincera, ao ter alegado em tribunal que “os cheques não depositados na conta da insolvente e levantados “à boca de caixa” terão tido como destino o pagamento a fornecedores, tendo especificado, ainda que sem certezas, que os principais fornecedores eram as empresas “D...”, “E...” e “F...”. No que respeita aos cheques do ano de 2011 acrescentou que foram endossados às empresas petrolíferas. No que a esta matéria respeita, o Senhor Administrador de Insolvência afirmou desconhecer se os cheques tiveram como destino o pagamento a fornecedores, tendo confirmado que “alguns cheques foram levantados à boca de caixa do banco”. Acrescentou que desconhecia se tais cheques foram levantados no imediato ou apenas mais tarde. A testemunha HH, pessoa idónea, perito no processo n.º 1008/16.0T8BGC, Contabilista Certificado e professor universitário, esclareceu que analisada a contabilidade constatou que a insolvente AA reconhece o direito a receber o preço e reconhece o recebimento de cheques. Mais esclareceu que não teve acesso a extrato bancário, mas apenas à contabilidade e, nessa medida, apenas pôde constatar aquilo que foi refletido contabilisticamente. Confirmou esta testemunha que parte do preço terá sido pago entre setembro/outubro de 2011 no valor de € 420.565,61, e que o remanescente terá sido pago pela G... (e não pela C...) não tendo sido depositados, mas levantados “à boca de caixa” por AA no valor total de € 64.000,00. Asseverou, também, que “a evidência que temos é que o preço foi pago, só não há registo que foi depositado”, justificando tal facto com a circunstância de haver possibilidade de que tais valores tivessem ficado retidos na conta bancária caso fossem depositados, dadas as notórias dificuldades pelas quais a empresa passava. A testemunha HH confirmou a informação supra exposta de que três anos depois da celebração dos contratos de compra e venda os imóveis continuavam na titularidade da “C...” e a exploração da atividade permanece da G.... Nessa medida, atento que não ficou demonstrado que o preço da venda dos imóveis descritos por qualquer meio não foi recebido ou não foi utilizado em proveito da insolvente, o Tribunal deu como não provada a factualidade a).” 4. Na verdade, impugna-se este facto não provado, uma vez que há erro de apreciação da prova, porquanto os depoimentos prestados em Audiência de Julgamento, mormente do AI, II Passagem– sessão 23.11.2023, 14h33m04s a 15h01m35 s - e da testemunha HH - sessão 13.06.2024 14h31m24 s a 14h58m 14 s - conjugados com a prova pericial e demais documentação junta aos autos (elementos bancários com ref.38797601, de 18.04.2024, ref. 38637898, de 03.04.2024. ref. 37615864 de 19.12.2023, e exames periciais do processo de Bragança (referencias 37359218 de 22.11.2023 e ref. 30377758 de 02.11.2021), impõem uma conclusão distinta da extraída pela Mma. Juiz. 5.Pelo que, face à prova produzida em audiência de julgamento, deveria ter sido dado como provado, concretamente, o segmento seguinte: “No período entre 21.03.2011 a 10.01.2012, AA procedeu ao levantamento dos cheques infra mencionados, do Banco 3..., emitidos por “C... Lda”, para pagamento do preço devido pela compra e venda do imóvel pertencente à insolvente, identificado nos autos: 1) n.º ..., no valor de 10.000€; 2) n.º ..., no valor de 9.000€; 3) n.º ... no valor de 15.000€; 4) n.º ... no valor de 10.000€; 5) ... no valor de 10.000€; 6) n.º ... no valor de 10.000€ 7) ..., no valor de 10.000€, no valor global de 64.000€ e que o mesmo se apropriou desse valor, em proveito pessoal ou de terceiros, em detrimento da integração desse montante no património da sociedade insolvente ou em seu benefício, prejudicando assim os credores da insolvente e agravando o estado da insolvência”, devendo ficar a constar tal segmento na matéria dada como provada. 6. É que a Mma. Juiz, para aferir da credibilidade da testemunha GG, não atendeu sequer de que forma o mesmo teve conhecimento do que narrou. 7. A instância da Senhora Procuradora, a testemunha afirmou que teve conhecimento que os cheques levantados à boca de caixa pelo AA, no valor de 64.000€, terão sido usados para pagamentos a fornecedores e pagamento de arresto, através do próprio AA, “porque ele lhe disse” – sessão audiência de julgamento de 13.06.2024,15h20m. 8. Ainda a instância da Senhora Procuradora, a dita testemunha não consegue descrever valores, datas de pagamentos, afirmando de forma evasiva que os 64.000€ foram para pagamento de fornecedores e de um arresto – sessão 13.06.2024,15h22m. 9.Por outro lado, a Mma. Juiz ao dar credibilidade a este depoimento, errouna valoração da prova, porquanto desconsiderou de que forma o mesmo teve conhecimento desse facto e, por outro lado, entendeu não ser necessário a conjugação de demais prova nesse sentido, mormente documental. 10. É que não foi produzida demais prova – testemunhal, documental ou pericial – que corrobore o alegado pela testemunha GG. 11. Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436]. 12.Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. 13.Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado. 14. Ora, com excepção do depoimento do GG, toda a prova produzida, mormente depoimento do AI II Passagem, depoimento do Dr. HH, exame pericial e demais documentação, já identificada e descrita supra, permite-nos concluir, num raciocínio lógico e razoável, dar como facto provado que: “No período entre 21.03.2011 a 10.01.2012, AA procedeu ao levantamento dos cheques infra indicados, do Banco 3..., emitidos por “C... Lda”, para pagamento do preço devido pela compra e venda do imóvel pertencente à insolvente, identificado nos autos: 1) n.º ..., no valor de 10.000€; 2) n.º ..., no valor de 9.000€; 3) n.º ... no valor de 15.000€; 4) n.º ... no valor de 10.000€; 5) ... no valor de 10.000€; 6) n.º ... no valor de 10.000€ 7) ..., no valor de 10.000€, no valor global de 64.000€ e que o mesmo se apropriou desse valor, em proveito pessoal ou de terceiros, em detrimento da integração desse montante no património da sociedade insolvente ou em seu benefício, prejudicando assim os credores da insolvente e agravando o estado da insolvência”. 15. Pelo que este facto deverá ser considerado como provado e deve ser aditado à matéria de facto, alterando-se a matéria de facto assente e consequentemente a sentença. 16. Consequentemente ainda, quanto à matéria de direito, preenchidas se verificam as alíneas a) e d) do n.º 2 do art. 186º CIRE, porquanto o gerente dissipou em parte património da insolvente, em seu proveito pessoal ou de terceiros, nos 3 anos anteriores à declaração da insolvência, provocando assim um estado de agravamento da insolvência e prejudicando os credores. 17. Por tudo o alegado, deverá a insolvência de B..., UNIPESSOAL LDA, ser julgada como culposa e por ela afetado o requerido AA relativamente ao qual o tribunal deverá decretar as inibições, perda de créditos e condenação a indemnizar os credores da insolvente tal como determina o disposto nas alíneas b) a e) do nº 3 do art.º 189.º do CIRE. 18 – Posto isto, o tribunal a quo, ao proferir a sentença na forma que o fez, violou o disposto nos arts. 186.º, nºs 1, 2 alíneas a) e d) do CIRE, 607º CPC, e 342º CC. Concluiu, pedindo que a douta sentença seja revogada e substituída por outra que fixe a matéria de facto do modo supra indicado e qualifique a insolvência de B... UNIPESSOAL LDA como culposa, julgando por ela afetado AA, com as consequências estabelecidas nas alíneas b), c), d), e e) do nº 2 do art.º 189.º do CIRE. 9. AA apresentou contra-alegações pugnando pela confirmação do julgado e requereu a ampliação do objecto do recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES I. Tendo a Sentença proferida pelo Tribunal a quo qualificado como fortuita a Insolvência da “B... Sociedade Unipessoal Lda” e absolvido todos os requeridos dos pedidos de afetação, veio o Recorrente recorrer da Sentença proferida alegando resultar provado facto que devia ser aditado à Sentença, no sentido de que o Recorrido se apropriou desse valor, em detrimento da integração desse montante no património da sociedade insolvente ou em seu benefício. II. Além de tal facto não ter resultado provado, conforme explanado nas contra-alegações apresentadas, tal facto não pode sequer ser considerado porque constituiu uma alteração da causa de pedir, um facto essencial totalmente novo que não se encontrava no parecer do MP, libelo acusatório no qual a Insolvente e os Requeridos do pedido de afetação se basearam para proceder às Oposições apresentadas. III. Destarte, acautelando eventual procedência do recurso do Requerente e ponderação de tal facto e apreciação do recurso nesta vertente, o Requerido requer a ampliação do âmbito do recurso, nos termos e com os fundamentos que seguidamente expenderá. IV. A Insolvência da sociedade “B... Sociedade Unipessoal, Lda” foi declarada por Sentença proferida a 15.11.2013, tendo o presente incidente de qualificação da insolvência como culposa sido requerido a 12.02.2014. V. Ora, os requerimentos dos credores “Banco 1...) S.A.” e “Banco 2..., PLC” (únicos dois credores que requereram o respetivo incidente), juntamente com o parecer do Administrador da Insolvência e do MP, foram rececionados pela Insolvente, juntamente com uma panóplia de documentos, muitos deles repetidos, fora de ordem e neles não sendo constatável o nº das folhas dos autos a que concernem, que se tentaram ordenar para assim lograr alcançar os fundamentos e documentos de suporte à tese da culposidade da insolvência, tendo-se extraído os seguintes FACTOS: - não apresentação à insolvência de forma livre e espontânea dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da insolvência; - não manter contabilidade organizada; -que a empresa instalada nas instalações da insolvente, G..., UNIPESSOAL, LDA, tem sede social na residência particular do sócio-gerente da insolvente (Av. ..., ... Bragança); -venda em 01-02-2011 à C..., LDA. do prédio descrito na CRP Bragança sob o n.º ...; -venda em 03-02-2011 à C..., LDA. dos prédios descritos na CRP Bragança sob o n.º ... e ...; - incumprimento do dever de colaboração; - que é AA quem dirige os negócios de revenda de combustível e pneus em Bragança na G..., que explora as outras instalações da insolvente; - que os bens em locação financeira locados pelo Banco 1... não foram recuperados pelo locador. VI. Ao mesmo tempo que decorria o presente incidente, correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de Bragança – J1, sob o nº 1008/16.0T8BGC, ação cível de simulação para anulação da venda dos prédios que eram propriedade da Insolvente, melhor identificados nos factos 11 e 11 da Sentença Recorrida, e processo criminal no Juízo Local Criminal de Valongo – J2, sob o nº 758/14.0TAVLG, onde se investigava o crime de insolvência dolosa. VII. E já daqui resulta que a tese do Ministério Público e do Administrador da Insolvência sempre foi a de que as vendas realizadas à C..., LDA. dos prédios descritos na CRP Bragança sob os n.ºs ..., ... e ..., teriam sido simuladas. VIII. No âmbito dos anteditos processos foram realizadas perícias, cujos Relatórios Periciais resultantes se encontram juntas aos autos, sendo que, quanto Processo Criminal nº 758/14.0TAVLG, encontra-se junta aos presentes autos CERTIDÃO JUDICIAL da douta Sentença absolutória bem como do RELATÓRIO PERICIAL de contabilidade/auditoria do Sr. Perito Dr. JJ, membro da Lista Oficial de Peritos da Ordem dos Contabilistas Certificados nomeado pelo Tribunal datado de 7 de fevereiro de 2020 e respetivo “Complemento ao Relatório de Perícia” do mesmo sr. Perito de 29 de novembro de 2020 – refª citius 30215466 de 15/10/2021. IX. Concluiu a peritagem elaborada no referido processo criminal que o preço foi pago pelo comprador não se tratando de negócio ficticiamente arquitetado, sendo que os imóveis ainda se mantêm na propriedade da sociedade adquirente, não obstante o hiato temporal, entretanto, decorrido, o que, de acordo com as regras da experiência comuns, permite logicamente concluir que não houve qualquer simulação, veja-se o seguinte excerto da mesma transcrita na Alegação 11) que se dá por reproduzida. X. Ora, é a partir daqui que vem o Ministério Público do Tribunal do Comércio, numa tentativa infundamentada de responsabilizar os Requeridos a qualquer custo, alterar a sua tese, passando a defender não que o negócio tenha sido simulado, mas que o dinheiro recebido em virtude do negócio não foi utilizado em proveito da Insolvente, o que constitui uma clara alteração da causa de pedir! XI. Em lado algum dos requerimentos e pareceres apresentados foi alegado que o gerente AA se terá apropriado do valor de 64.000€, em proveito pessoal ou de terceiros, em detrimento da integração desse montante no património da sociedade insolvente ou em seu benefício, prejudicando assim os credores da insolvente e agravando o estado da insolvência! XII. Só o vem alegar agora perante o resultado das perícias efetuadas nos processos criminal e cível - que NÃO TIVERAM SEQUER POR OBJETO A TESE DA APROPRIAÇÃO - vendo que toda a sua tese descabida de que as vendas realizadas pela Insolvente à C... tinha sido destruída, pedido do qual a Massa Insolvente desistiu no processo cível que instaurara. XIII. Pior: o MP recorre de factos referentes ao “período entre 21.03.2011 a 10.01.2012” pelos quais o Recorrido nunca foi acusado, nem neste processo nem nos processos crime e cível, e por alegada falta de prova do Afectado 13 anos e meio depois! XIV. Posto que, não pode agora o Ministério Público querer alterar completamente os factos valendo-se de supostos factos alheios ao objeto do presente processo e que nunca se encontraram sequer sob investigação nem no processo criminal nem no processo cível, em que a tese era a da simulação e não a da apropriação, não podendo o MP recorrer de factos que não foram alegados, quer porque tal se revela extemporâneo, nos termos do art. 188º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, quer porque não estamos aqui perante factos instrumentais ou complementares, estamos perante uma causa de pedir completamente nova, com qual o aqui Requerido não podia contar. XV. Ora, no caso em apreço, a alteração da matéria de facto pugnada pelo recorrente MP trata de factos essenciais, uma vez que “per se” fundam toda a pretensão recursória formulada pelo Recorrente, no sentido de o julgamento do Tribunal a quo ser completamente alterado e a insolvência em causa vir a ser qualificada como culposa. XVI. Assim e desde logo, os factos em apreço, aqueles em que fundamenta a referida qualificação da insolvência, configuram-se como factos essenciais, cuja não alegação não pode ser suprida pelo Juiz - cfr. citado artigo 5º nº 1. XVII. Todavia, ainda que se entenda estarmos perante a consideração de factos complementares do anteriormente alegado – que claramente o não são -, também, ainda assim, não poderão os mesmos relevar. XVIII. No caso em apreço, como já referido, o recorrente descreveu os factos que no seu entender acarretam a qualificação da insolvência como culposa, ao que os requeridos contestantes opuseram um conjunto de factos e circunstâncias que, no seu entender, conduzem a que a insolvência seja de considerar como fortuita, mas sem que, como já assinalado, o requerente tenha alegado os concretos factos que agora pretende sejam relevantes e a considerar. XIX. Ou seja, in casu é manifesto que não estamos sequer no domínio de deficiente/incompleta narração dos factos no requerimento inicial e os factos “considerados” se integram na relação jurídica atinente, completando-a/esclarecendo-a. XX. Assim, reitera-se, só considerando-se que se tratam de factos que são mero complemento do já alegado, pode o julgador, nos termos assinalados, deles fazer-se prevalecer, com respeito pelo princípio do contraditório, mas tal não é sequer o caso face à novidade da tese da APROPRIAÇÃO em detrimento da tese alegada da SIMULAÇÃO. XXI. Posto isto e atento a que os factos em apreço nesta questão do presente recurso são essenciais para a decisão da pretensão jurídica solicitada e que não foram anteriormente alegados, não podem agora ser tidos em conta, nem na Sentença nem no recurso – cf. artigo 5º nº 1 do NCPC. XXII. Efetivamente, salvo o devido respeito (e seguindo, como supra referido, o por nós já alegado anteriormente), o que se acha previsto no art. 5.º/2 do NCPC não tem o significado que o ora recorrente parece lhe querer dar, isto é, que, por derivar do depoimento de uma testemunha ou do teor de um documento, um certo facto – mas que nem sequer deriva! -, não obstante não ter sido alegado, tem, agora, de ser levado em consideração. XXIII. Nada há na lei actual, salvo melhor opinião, que permita dizer ou pensar que o regime da qualificação da insolvência previsto no CIRE e o NCPC “escancaram a porta” à desordem e surpresa processuais; aliás, a própria estrutura acusatória da Qualificação da Insolvência, em tudo se assemelhando à estrutura processual penal, a tal se opõe. XXIV. E a novel tese do MP foi de tal forma artificial trazida aos autos que, em abono da mesma, tenta o Recorrente prevaler-se do depoimento de um Revisor Oficial de Contas (Dr. HH) que interveio na peritagem efetuada no processo cível (e não neste) que NÃO TEVE SEQUER POR OBJETO A TESE DA APROPRIAÇÃO MAS TÃO-SOMENTE A DA SIMULAÇÃO! XXV. Os Requeridos nem imputados foram por tais “factos”, supostos “factos” que nem sequer são factos, são conclusões as asserções pretendidas pelo MP de “ocultou/dissipou o preço (...) em proveito seu ou de terceiros” e “o mesmo se apropriou desse valor, em detrimento da integração desse montante no património da sociedade insolvente ou em seu benefício”, o MP nem sabe que tese defender pois pretende que fique sentenciada a alternativa “ou” em ambos os casos, “factos” alternativos pelos quais os Requeridos nunca foram imputados, nem neste processo nem nos processos crime e cível, fundando a sua pretensão de alteração da matéria de facto provada com base em alegada falta de prova produzida ... pelo Afectado/Recorrido ...13 anos e meio depois da sua suposta prática! XXVI. Tudo isto para, encurtando razões, dizer e concluir que não assiste qualquer razão ao recorrente, aqui apelante, nas suas conclusões recursais, no que a esta questão respeita, uma vez que, sem ter feito a respetiva e oportuna alegação, pede que os mesmos sejam dados como provados; ou seja, pede que seja dado como provado algo que não foi antes idoneamente introduzido/alegado no processo. XXVII. Nestes termos, considerando o Tribunal tal facto alegado pelo Recorrente em sede recursiva, estaremos perante uma clara violação do princípio do contraditório, plasmado nos termos do art. 3º nº 3 do CPC e com previsão constitucional nos termos do art. 32º nº 2 da CRP. Concluiu pedindo I)Deverá a Apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, ser confirmada a douta Sentença recorrida, com todos os efeitos legais; II)Subsidiariamente, ser julgada procedente a Ampliação do âmbito do recurso nos termos requeridos, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 636º do CPC.
10. O Magistrado do MP respondeu à ampliação do recurso apresentada pelo Apelado.
11. Foram observados os Vistos.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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As questões a decidir são as seguintes: 1ª Questão- Se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada; 2ª Questão- Se a insolvência deve ser qualificada como culposa.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Pelo tribunal de 1ª Instância foram considerados provados os seguintes factos:
1-A insolvente B..., Lda., com NIPC ..., foi constituída a 12.07.2001.
2-Tendo como objeto social a comercialização de combustíveis, lubrificantes, automóveis e acessórios auto.
3- Com capital social no valor de € 100 000,00 repartido em três quotas: € 80 000,00 titulada por AA, e duas nos valores de € 10 000,00 tituladas cada uma por CC e BB.
4-À data da sua constituição todos os sócios foram designados gerentes, obrigando-se a sociedade com a assinatura do gerente AA, ou a assinatura conjunta dos outros dois gerentes, CC e BB.
5-Pela Ap. ... foi registado o aumento do capital social para € 330 000,00, sendo a primeira quota (264,000,00€) titulada por AA e as duas tituladas por CC (33.000,00€) e BB (33.000,00€).
6-Pela Ap. ... foi registada a renúncia de CC à gerência da sociedade.
7-Pela Ap. ... foi registada a renúncia de BB à gerência da sociedade.
8-Pela Ap. ... foi registada a transformação da insolvente em sociedade unipessoal por quotas e a alteração da firma, passando a designar-se “B..., Sociedade Unipessoal, Lda.” e a alteração da sua sede para a Avenida ..., ..., Bragança, obrigando-se com a assinatura do seu gerente único AA.
9-Pela Ap. ..., foi registada alteração de firma para a designação “B..., Unipessoal, Lda.” e a alteração da sua sede para a Rua ..., ..., Valongo.
10-Desde a data da constituição da sociedade referida em 1. era AA quem angariava clientes, celebrava contratos, recebia pagamentos, assinava faturas e conduzia a gestão do quotidiano da empresa.
11- Por escritura pública, datada de 01.02.2011, a insolvente declarou vender à sociedade "C..., Lda.", que declarou comprar o prédio descrito na conservatória de registo predial sob o n.º ..., pelo valor de € 250 000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), local onde é explorado posto de combustível e comercialização de pneus.
12-Por escritura pública, datada de 03.02.2011, a insolvente declarou vender a "C... Lda.", que declarou comprar, os prédios descritos na conservatória do Registo Predial de Bragança sob os n.ºs ... e ..., pelo valor de € 246.000,00 (duzentos e quarenta e seis mil euros), local onde é explorado um posto de combustível e efetuada a comercialização de pneus.
13-A atividade de revenda de combustível e venda de pneus levada a cabo nos imóveis referidos em 11. e 12. são, atualmente, desenvolvidas pela sociedade "G... Unipessoal Lda." com sede na Avenida ..., ..., Bragança.
14-O valor total de € 496.000,00 referente aos negócios mencionados em 11. e 12. foi pago pela empresa “G..., Unipessoal Lda.”, dos quais € 420.565,61 através de nove cheques sacados da conta com IBAN ... do Banco 4....
15-As sociedades “C..., Lda.” e a "G..., Lda." têm como único sócio o GG.
16-Pelo Dep. 34/2011-02-02 foi registada a transmissão da quota de AA à "C..., Lda." representada por GG.
17-Pelo Dep. 35/2011-02-02 foi registada a transmissão da quota de CC à "C..., Lda." representada por GG.
18-Pelo Dep. 36/2011-02-02 foi registada a transmissão da quota de BB à "C..., Lda." representada por GG.
19-Em 10.02.2013 foi requerida a declaração de insolvência da “B... Unipessoal, Lda.” que correu os seus termos pelo 1.º Juízo de Comércio do Tribunal de Vila Nova de Gaia, processo n.º 186/12.1TYVNG, a qual foi, por sentença datada de 14.02.2013, julgada improcedente, por não estarem verificados os pressupostos, à data, da situação de insolvência.
20-A 21.06.2013 pela credora “A..., S.A.” foi requerida a declaração da insolvência da “B... Sociedade Unipessoal, Lda.”, vindo a mesma a ser decretada por sentença proferida a 15.11.2013.
21-Correu termos pelo Juízo Central Cível e Criminal de Bragança – J1 correu termos, sob o n.º 1008/16.0T8BGC, a ação de simulação para anulação da venda dos prédios referidos em 11. e 12. intentada pela massa insolvente, que veio a terminar com sentença homologatória de transação.
2.O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
a) AA celebrou ficticiamente os negócios de venda de imóveis referidos nos factos provados n.ºs 11 e 12, no total de € 496.000,00 (quatrocentos e noventa e seis mil euros) ou ocultou/dissipou o preço pago pela adquirente, em proveito seu ou de terceiros.
b) Desde 2011 que a insolvente não tem contabilidade organizada e incumpre obrigações fiscais declarativas e de registo na Conservatória de Registo Comercial.
c) Pelo menos desde 2011 a insolvente encontrava-se em situação de incumprimento perante os credores, e tinha o dever de apresentar-se à insolvência, o que decidiu não fazer.
d) Não obstante a mudança de sede para Valongo tal como descrito no facto n.º 9, é AA que continua a dirigir os negócios de revenda de combustível e pneus em Bragança.
e) Em 12-06-2012, a insolvente declarou vender o veículo de marca Toyota modelo ... de matrícula ..-EN-.., à “C..., Lda.”, que o declarou comprar.
f) A insolvente declarou entregar a quantia de € 3 000 000,00 (três milhões de euros) à sociedade comercial “H... Lda.”, então, gerida por AA, que a declarou receber, mediante a devolução de, pelo menos, igual quantia em prazo não concretamente apurado.
g) Os requeridos violaram o dever de apresentação da sociedade à insolvência.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, sob pena de rejeição, a seguinte especificação:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[1]
São as conclusões das alegações de recurso que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, de modo que na impugnação da decisão sobre a matéria de facto devem constar das conclusões de recurso necessariamente os concretos pontos de facto impugnados, pese embora a decisão alternativa que o recorrente propõe para cada um dos factos impugnados (AUJ nº 12/2023 de 14.11), bem como a análise pormenorizada dos concretos meios probatórios possa constar apenas do corpo das alegações ou motivação propriamente dita, tal como as concretas passagens das gravações ou transcrições dos depoimentos de que o recorrente se socorra.
Analisadas as conclusões deste recurso concluímos que o Apelante fez alusão nas conclusões de recurso ao ponto dos factos não provados que impugnava (Conclusão 2), à decisão alternativa (Conclusão 5) e aos concretos meios de prova que em seu entender sustentam a pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto impugnada, fazendo referência aos exactos segmentos da gravação dos depoimentos testemunhais de que se socorreu, articulando-os com prova pericial e documental (Conclusão 4), considerando-se cumpridos os ónus previstos no art. 640º do CPC para que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto possa ser por nós conhecida.
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
No âmbito do recurso de impugnação da decisão de facto, o Tribunal da Relação pode e deve realizar uma efectiva reapreciação da prova produzida, levando em consideração, não só os meios de prova indicados no recurso, como outros que relevem para a decisão relativa aos pontos da matéria de facto impugnada, com vista a formar a sua própria convicção, mas sem que isso culmine num segundo julgamento, destinando-se apenas a aferir se resulta evidente algum erro de apreciação dos factos controvertidos à luz das regras do ónus da prova, das regras de experiência comum ou de prova vinculada.
O Apelante impugnou parcialmente o ponto a) dos factos não provados quanto ao seguinte segmento “AA (…) ocultou/dissipou o preço pago pela adquirente, em proveito seu ou de terceiros”, defendendo que houve erro de apreciação da prova porquanto os depoimentos prestados em Audiência de Julgamento, mormente do AI, II Passagem– sessão 23.11.2023, 14h33m04s a 15h01m35 s - e da testemunha HH - sessão 13.06.2024 14h31m24 s a 14h58m 14 s - conjugados com a prova pericial e demais documentação junta aos autos (elementos bancários com ref.38797601, de 18.04.2024, ref. 38637898, de 03.04.2024. ref. 37615864 de 19.12.2023, e exames periciais do processo de Bragança (referencias 37359218 de 22.11.2023 e ref. 30377758 de 02.11.2021), impõem uma conclusão distinta da extraída pelo tribunal a quo
Sustentado nos referidos meios probatórios o Apelante defende que, face à prova produzida em audiência de julgamento, deveria ter sido dado como provado, concretamente, o seguinte facto: “No período entre 21.03.2011 a 10.01.2012, AA procedeu ao levantamento dos cheques infra mencionados, do Banco 3..., emitidos por “C... Lda”, para pagamento do preço devido pela compra e venda do imóvel pertencente à insolvente, identificado nos autos: 1) n.º ..., no valor de 10.000€; 2) n.º ..., no valor de 9.000€; 3) n.º ... no valor de 15.000€; 4) n.º ... no valor de 10.000€; 5) ... no valor de 10.000€; 6) n.º ... no valor de 10.000€ 7) ..., no valor de 10.000€, no valor global de 64.000€ e que o mesmo se apropriou desse valor, em proveito pessoal ou de terceiros, em detrimento da integração desse montante no património da sociedade insolvente ou em seu benefício, prejudicando assim os credores da insolvente e agravando o estado da insolvência”, peticionando que fique a constar tal segmento na matéria de facto dada como provada.
A este propósito veio o Apelado apresentar ampliação do recurso sustentando que esse facto não pode ser atendido pelo tribunal porque consubstancia um facto essencial que não fora alegado (art. 5º nº 2 do CPC), acarretando uma alteração da causa de pedir e mesmo que se considere eventualmente consubstanciar um facto concretizador, não pode ser considerado por não ter sido sujeito a contraditório.
Os argumentos aduzidos pelo Apelado não obstaculizam à eventual alteração da matéria de facto por três simples ordens de razões:
i. a primeira e primordial razão é porque o art. 11º do CIRE constitui uma regra processual específica do processo de insolvência, que afasta o princípio do dispositivo previsto no art. 5º do CPC, consagrando antes o princípio do inquisitório também em relação aos factos, permitindo que a decisão do juiz possa ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes, regra essa aplicável expressamente ao incidente de qualificação de insolvência, como é o caso dos presentes autos.
Tal como escrevem Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões “o princípio do inquisitório contrapõe-se ao princípio dispositivo, tendo ambos como objetivo determinar o que é que deve ser trazido ao processo pelas partes e aquilo de que o juiz pode conhecer oficiosamente, mesmo que as partes não tenham introduzido na acção. A regra geral do Código de Processo Civil é a de que vigora o princípio dispositivo em relação aos factos (artigo 264º; artigo 5º do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho) e o princípio do inquisitório em relação à prova (artigo 265º, nº 2; artigo 6º, nº 2, do novo CPC).
Esta regra é afastada por este preceito, uma vez que aqui se estabelece que o juiz pode decidir com base em factos que não tenham sido alegados pelas partes. O interesse público e o interesse de terceiros em relação às partes podem justificar esta solução, procurando-se que a decisão reflita tanto quanto possível a realidade subjacente. Privilegia-se, assim, a orientação para a justiça material, que constitui uma das vertentes do princípio fundamental do processo equitativo, consagrado no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, págs 415 e 416).
O tribunal não fica, pois, limitado pelos factos alegados pelas partes, o que significa que tem mais liberdade na orientação das diligências probatórias, podendo formar a sua convicção em relação a qualquer facto que possa ser relevante para a decisão. Pode ser utilizado como fundamento para a decisão qualquer facto que, no momento em que esta deva ser proferida, o tribunal entenda que se encontra provado.”[2]
ii. a segunda razão é que a alteração pretendida traduz-se na eliminação parcial do ponto a) dos factos não provados, com inclusão de matéria a ele atinente nos factos provados, pelo que nada mais se pretende do que fazer transitar dos factos não provados para os factos provados matéria de facto já tomada em consideração pelo tribunal a quo, apesar de na sugerida nova redação se pretender incluir alguns elementos de facto meramente complementares, quanto a nós até desnecessários como se verá.
Não há qualquer alteração de causa de pedir porquanto a qualificação da insolvência já estava pedida à luz do art. 186º nº 2 al. a), tendo sido aduzidos factos sobre uma ocultação ou dissipação de património da insolvente com as vendas dos imóveis identificadas nos pontos de facto 11 e 12, dissipação essa que se consubstanciaria no não recebimento de qualquer preço pelas referidas alienações por terem sido vendas simuladas, e o que se pretende ver dado como provado está contido naquela alegação factual inicial pois que se traduz no não recebimento pela insolvente de parte daquele preço por acto de ocultação do seu administrador;
iii. por último, o objectivo pretendido pelo Apelante é passível de ser alcançado fazendo transitar para os factos provados parte do que constava na al. a) dos factos não provados ainda que com pequenas concretizações resultantes da prova produzida nos autos e também ela mencionada na própria motivação da sentença recorrida, consubstanciando matéria de facto sobre a qual o Apelado teve oportunidade de se pronunciar, exercendo o direito de defesa, que de algum modo o próprio já antecipara na sua oposição apresentando justificação do destino por si dado ao preço recebido pelas referidas alienações (art. 55 da oposição), matéria factual verdadeiramente contraditada pelo Apeladotambém no decurso da produção da prova, conforme se pode confirmar pela audição das várias sessões de julgamento.
Em suma, contrariamente ao defendido pelo Apelado em sede de ampliação do recurso, nada obsta ao conhecimento da impugnação apresentada pelo Apelante.
O tribunal a quo considerou não provado sob a alínea a) (ponto de facto impugnado) que “AA celebrou ficticiamente os negócios de venda de imóveis referidos nos factos provados n.ºs 11 e 12, no total de € 496.000,00 (quatrocentos e noventa e seis mil euros) ou ocultou/dissipou o preço pago pela adquirente, em proveito seu ou de terceiros.”
Este ponto da matéria de facto, na verdade, contempla mais do que uma asserção de facto, a primeira é que não resultou provado que “AA celebrou ficticiamente os negócios de venda de imóveis referidos nos factos provados n.ºs 11 e 12, no total de € 496.000,00 (quatrocentos e noventa e seis mil euros)” e, a segunda é que não resultou provado que “AAocultou/dissipou o preço pago pela adquirente, em proveito seu ou de terceiros”.
E é contra esta última asserção que o Apelante não se conforma, defendendo que foi produzida prova de que o Apelado se apropriou de parte do preço pago pela adquirente do imóvel, no valor global de 64.000€, em proveito pessoal ou de terceiros, em detrimento da integração desse montante no património da sociedade insolvente ou em benefício desta, prejudicando assim os credores da insolvente e agravando o estado da insolvência.
Isto é, o Apelante defende que apesar de não ter sido produzida prova de que os negócios de venda dos imóveis pertencentes à insolvente tenham sido negócios fictícios (tendo sido invocada inicialmente a simulação)- conformando-se com essa parte da decisão- no seu entender não deixa de ter havido ocultação/dissipação de uma parte do preço porque foi recebido pelo Apelado, sem que tenha dado entrada no património da insolvente e sem que tenha sido produzida prova de que tenha sido utilizado em benefício da insolvente, mormente para pagar dívidas aos seus credores, justificação essa que havia sido apresentada para tal comportamento pelo Apelado na oposição à qualificação da insolvência (art. 55 desse articulado).
O Apelante quando fez menção aos concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnado diversa da recorrida, não fez mais do que lançar mão precisamente dos meios de prova de que se socorreu o tribunal a quo para fundamentar a alínea a) dos factos não provados, evidenciando o erro de julgamento dessa matéria de facto ao alegar que os depoimentos prestados pelo AI II e pela testemunha HH conjugados com a prova pericial e demais documentação junta aos autos (elementos bancários com ref.38797601, de 18.04.2024, ref. 38637898, de 03.04.2024. ref. 37615864 de 19.12.2023, e exames periciais do processo de Bragança (referencias 37359218 de 22.11.2023 e ref. 30377758 de 02.11.2021), impõem uma conclusão distinta da extraída pelo tribunal a quo, não aduzindo novos meios probatórios mas pugnando pela errada apreciação pelo tribunal a quo dos meios probatórios de que se socorreu.
E é precisamente quanto a este ponto que se nos afigura ter o Apelante total razão, resultando inclusivamente afirmada como demonstrada a asserção de facto impugnada na própria fundamentação vertida na sentença recorrida, o que ocorreu é que, a nosso ver, não foi devidamente extraída da apreciação daquela prova tal matéria de facto impugnada em conformidade com o ónus de prova decorrente da aplicação do art. 186º do CIRE, como melhor explicitaremos em sede de apreciação de direito apesar de resumidamente ser necessário contextualizar o erro de julgamento também nesta sede da decisão sobre este ponto de facto impugnado.
O erro de julgamento em que incorreu o tribunal a quo quando deu como não provado que “AAocultou/dissipou o preço pago pela adquirente, em proveito seu ou de terceiros” emerge do enfoque que deu à questão de as vendas não terem sido fictícias por existir prova de ter sido efectivamente pago pela adquirente o preço mencionado nas escrituras de compra e venda, tendo sido desvalorizada a questão (apesar de esmiuçada em sede de audiência de julgamento) quanto ao efectivo recebimento pela insolvente da totalidade do preço, se todo ele dera efectivamente entrada no património da sociedade insolvente, e se servira para dar pagamento aos credores como havia justificado o Apelado, ou se havia sido por este recebido e não dera entrada em contas da insolvente nem revertido a favor desta.
Ora, resulta demonstrado nos autos à saciedade, como inclusivamente se fez menção na motivação da sentença, que pelo menos uma parte do preço pago pela adquirente- na importância de €64.000,00- nunca chegou a dar entrada no património da insolvente pois o seu legal representante- aqui Apelado- levantou os cheques emitidos pela adquirente ao balcão do banco- “à boca da caixa”- dando-lhes um destino que ocultou, isto é, tendo-o feito desaparecer.
O próprio Apelado admite na Conclusão 11 da resposta ao recurso que “concluiu a peritagem elaborada no referido processo criminal que: (…) verificou-se o pagamento através de 7 cheques no montante global de 74.000,00€ pela empresa C..., Lda, em que 6 dos cheques no montante total de 64.000,00€ foram levantados por AA”.
Afigura-se-nos que, para além de aquele acto de ocultação estar demonstrado de forma profícua nos meios de prova mencionados pelo Apelante a cuja reapreciação procedemos (leitura dos relatórios periciais juntos por certidão, articulados com o depoimento muito seguro, assertivo e conhecedor da testemunha HH a cuja audição da gravação procedemos), também não existe um único meio de prova consistente e seguro de que tal acto- ocultação de uma parte do património da insolvente- não tenha sido praticado pelo Apelado, único meio de defesa que a lei lhe permitia que alegasse e provasse para afastar a presunção de insolvência culposa consagrada no art. 186º nº 2 al. a) do CIRE.
Aquele segmento de facto que foi impugnado só consta da alínea a) dos factos não provados porque o tribunal a quo considerou, como refere expressamente na sua motivação, que “não ficou demonstrado (…) que o preço da venda dos imóveis não foi utilizado em proveito da insolvente”, quando o que deveria ter considerado, em conformidade com as regras do ónus da prova, é que não ficara demonstrado que aquela parte do preço da venda dos imóveis que havia sido recebido pelo legal representante da insolvente, dera entrada nas contas da insolvente ou fora utilizado em proveito da insolvente, prova essa que recaía necessariamente sobre o Apelado e que este não logrou fazer.
Que parte do preço foi recebido pelo Apelado e não entrou nas contas da insolvente resulta abundantemente dos autos, daí resultando um acto objectivo de desaparecimento de parte do património da insolvente (aquela parte do preço dos imóveis vendidos) levado a cabo pelo legal representante da insolvente, pois que só assim não seria se este tivesse logrado demonstrar que apesar daquele procedimento anómalo o dinheiro acabara por ter sido utilizado para pagar aos credores da insolvente (como alegara) revertendo em benefício da insolvente.
Ora, essa falta manifesta de prova está lapidarmente exposta na motivação da decisão sobre a matéria de facto, só que dela não foram retiradas as conclusões devidas.
Senão vejamos.
O tribunal a quo concluiu que “no que concerne à factualidade não provada a) o Tribunal ponderou criticamente a prova reunida e produzida, tendo concluído que não existem elementos que permitam afirmar que AA tenha “destruído, danificado, inutilizado, ocultado ou feito desaparecer (…) património do devedor”, para efeitos do artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.”
No entanto o mesmo tribunal a quo afirmou que “De facto, resulta do relatório pericial [junto aos autos a fls. 269 e seguintes e 1079 e seguintes] elaborado no processo que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de Bragança, Tribunal Judicial da Comarca de Bragança - Juiz 1, sob o n.º 1008/16.0T8BGC, que: “A conta bancária do Banco 4... (…) da 2.ª Ré, a sociedade “C..., Lda.”, evidencia saídas de dinheiro no ano de 2013, sacado através de cheques, cuja cópia dos canhotos dos cheques não tivemos acesso, não sendo possível aferir se os mesmos tiveram como destino a insolvente B..., Unipessoal, Lda. e também não correspondem à modalidade, valores e prazos constantes nas respetivas escrituras de compra e venda (…).”. No que respeita ao recebimento do preço, pago, ainda que parcialmente, através de cheques sacados à ordem da “C...”, o relatório pericial complementar a fls. 1080, conclui que: “No extrato da conta corrente da 2.ª Ré, sociedade C..., Lda., foram lançados 3 pagamentos de € 19.320,04, € 5.000,00 €4.500,00, em 28/02/2011, 31/03/2011 e 30/06/2011, respetivamente, mas deles não apresentou provas de pagamento. Ainda no referido extrato de conta foram lançados entre 30/09/2011 a 31/10/2011, pagamentos por cheque alegadamente efetuados pela sociedade G..., Unipessoal, Lda., no montante total de € 392.653,26, mas dos quais só o cheque n.º ... foi confirmado pelo Banco 5... como depositado na conta da insolvente. Seguidamente, e ainda em análise ao referido extrato de conta corrente, verifica-se o lançamento dos cheques constantes do quadro abaixo, mas a resposta do Banco 3..., S.A. (…) vem confirmar que 7 dos 8 cheques acima identificados foram pagos “à boca de caixa” a AA, no período entre 21/03/2011 e 10/01/2012 e não em Março de 2013 como consta no extrato de conta corrente da 2.ª Ré, sociedade C..., Lda., no montante global de € 64.000,00, sendo que, relativamente ao cheque n.º ..., no montante de € 10.000,00, o Banco 3..., S.A., não conseguiu a sua localização nos arquivos.”. (…) Assim, o Tribunal pode concluir que o preço terá, pelo menos na sua maioria, sido pago pelo comprador não se tratando de negócio ficticiamente arquitetado. Ademais, a testemunha confirmou que os imóveis ainda se mantêm na propriedade das sociedades adquirentes, não obstante o hiato de tempo, entretanto, decorrido. De acordo com a normalidade do acontecer e as regras da experiência comuns é frequente que um negócio que visa ocultar património do devedor para que este se frustre ao pagamento das suas dívidas seja revertida a titularidade das propriedades para o devedor, indício que no presente caso não se verificou. Partindo desta prova no que respeita ao pagamento do preço pelo adquirente, cumpre atentar na questão do seu recebimento efetivo pela insolvente “B... Unipessoal Lda.”. Ora, é certo que o recebimento efetivo do preço e o seu destino a favor da insolvente e não em proveito próprio do gerente ou de terceiros, em particular o levantamento de cheques “à boca de caixa” pelo gerente AA, não ficou demonstrado. Todavia, não resultou provada qualquer conduta do gerente que permita ao Tribunal concluir em sentido diverso, como se explicará abaixo. De acordo com o depoimento da testemunha GG os cheques do ano de 2013 não foram depositados devido ao processo de insolvência que tinha intentado contra a insolvente (processo n.º 186/12.1TYVNG que correu termos no 1.º Juízo de Comércio do Tribunal de Vila Nova de Gaia, em 2012), o qual foi julgado improcedente, por não estarem verificados os pressupostos, à data, da situação de insolvência. Explicou a testemunha, de forma que nos afigurou credível e sincera, que os cheques não depositados na conta da insolvente e levantados “à boca de caixa” terão tido como destino o pagamento a fornecedores, tendo especificado, ainda que sem certezas, que os principais fornecedores eram as empresas “D...”, “E...” e “F...”. No que respeita aos cheques do ano de 2011 acrescentou que foram endossados às empresas petrolíferas. No que a esta matéria respeita, o Senhor Administrador de Insolvência afirmou desconhecer se os cheques tiveram como destino o pagamento a fornecedores, tendo confirmado que “alguns cheques foram levantados à boca de caixa do banco”. Acrescentou que desconhecia se tais cheques foram levantados no imediato ou apenas mais tarde. A testemunha HH, pessoa idónea, perito no processo n.º 1008/16.0T8BGC, Contabilista Certificado e professor universitário, esclareceu que analisada a contabilidade constatou que a insolvente AA reconhece o direito a receber o preço e reconhece o recebimento de cheques. Mais esclareceu que não teve acesso a extrato bancário, mas apenas à contabilidade e, nessa medida, apenas pôde constatar aquilo que foi refletido contabilisticamente. Confirmou esta testemunha que parte do preço terá sido pago entre setembro/outubro de 2011 no valor de € 420.565,61, e que o remanescente terá sido pago pela G... (e não pela C...) não tendo sido depositados, mas levantados “à boca de caixa” por AA no valor total de € 64.000,00. Asseverou, também, que “a evidência que temos é que o preço foi pago, só não há registo que foi depositado”, justificando tal facto com a circunstância de haver possibilidade de que tais valores tivessem ficado retidos na conta bancária caso fossem depositados, dadas as notórias dificuldades pelas quais a empresa passava. (…) Nessa medida, atento que não ficou demonstrado que o preço da venda dos imóveis descritos por qualquer meio não foi recebido ou não foi utilizado em proveito da insolvente, o Tribunal deu como não provada a factualidade a).”
Correcto é afirmar-se que não ficou provado que todo o preço da venda dos imóveis foi recebido pela insolvente e utilizado em seu proveito, porque para além de nenhuma prova segura e consistente ter sido produzida nesse sentido, provou-se precisamente o contrário, que parte do preço não entrou no património da insolvente e não foi feita prova que apesar disso tenha sido utilizado em proveito da insolvente, pois que apenas a testemunha GG referiu que terá sido utilizado para pagamento de credores, designadamente fornecedores de combustíveis, sem contudo ter qualquer conhecimento directo e pessoal do destino dado àquele dinheiro pelo Apelado limitando-se a alvitrar hipótese que lhe fora dita pelo próprio Apelado, sendo esse destino inverosímil pois que na altura já havia créditos vencidos e reclamados por esses fornecedores e caso tivesse sido pago algum montante haveria seguramente comprovativos desses pagamentos.
Se quisermos ser ainda mais rigorosos diríamos que, tal como a testemunha HH referiu no seu depoimento, não há qualquer evidência bancária de que a esmagadora maioria dos valores pagos pela adquirente tenham entrado nas contas da insolvente (com excepção de um cheque de 40.000,00 depositado no Banco 6...), não há documentação bancária que o ateste, e coincidência ou não, não há contabilidade da insolvente que o possa demonstrar, apenas um extracto contabilístico da parte da compradora em que a insolvente reconhece o direito a receber o preço e reconhece os recebimentos, não deixando de ser muito estranho de acordo com as regras da experiência comum que a insolvente não tenha disponibilizado qualquer informação bancária de entrada no seu património de tão elevados valores, pelo que teremos de concluir que, utilizando as palavras desta testemunha, não se sabe o destino dado ao dinheiro que foi pago como preço pelas vendas dos imóveis da insolvente, nem há informação sobre se foram pagos alguns credores, porque a parca informação que foi possível recolher foi apenas do lado da compradora.
Quanto ao mais, considera-se que apesar de ter ficado demonstrado que o Apelado fez desaparecer aquele montante que era da insolvente, desconhecendo-se o destino que lhe deu não se pode com segurança afirmar que dele dispôs em proveito pessoal ou de terceiros, sendo também despicienda a menção concreta dos cheques ou a conclusão de que o Apelado tenha prejudicado assim os credores da insolvente e agravado o estado da insolvência pois que bastará aquele acto de ocultação para que tais presunções se tenham por adquiridas à luz do art. 186º nº 2 al a) do CIRE como melhor veremos de seguida.
Deste modo, reapreciada a prova invocada pelo Apelante (também ela abordada na motivação da sentença recorrida) impõe-se alterar a decisão da matéria de facto, do seguinte modo:
1- eliminar do ponto não provado sob a alínea a) a parte impugnada, ficando como não provado sob aquela alínea a) apenas o seguinte:
a) AA celebrou ficticiamente os negócios de venda de imóveis referidos nos factos provados n.ºs 11 e 12, no total de € 496.000,00 (quatrocentos e noventa e seis mil euros);
2- aditar aos factos provados o ponto 22 com o seguinte teor: 22- Na sequência da realização dos negócios referidos em 11 e 12, AA fez desaparecer parte do preço pago pela adquirente, na importância de €64.000,00, não tendo tal montante dado entrada no património da sociedade insolvente nem sido utilizado embenefício da insolvente.
Em suma, procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto nos moldes acima determinados. Qualificação da insolvência
Em sede de incidente de qualificação da insolvência, foi proferida a sentença recorrida que concluiu pela não qualificação da presente insolvência como culposa, declarando-a fortuita.
O Apelante insurge-se contra a qualificação da insolvência como fortuita, sustentando que se mostram verificadas as alíneas a) e d) do nº 2 do art. 186º do CIRE porquanto o gerente dissipou em parte património da insolvente, em seu proveito pessoal ou de terceiros, nos 3 anos anteriores à declaração da insolvência, provocando assim um estado de agravamento da insolvência e prejudicando os credores.
O enquadramento jurídico discorrido na sentença recorrida sobre o incidente da qualificação da insolvência e o modo de enquadramento das situações nas hipóteses legais de insolvência culposa previstas no art. 186º do CIRE, em função dos diferentes tipos de presunções legais nele contempladas nos nº 2 e 3, foi correctamente abordado.
Não obstante, a decisão recorrida não se poderá manter por força da alteração da decisão sobre a matéria de facto a que procedemos nesta instância de recurso, conforme explicitaremos de seguida.
A insolvência é culposa, segundo o art. 186º nº 1 do CIRE, quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
A qualificação da insolvência como culposa tem sempre como pressupostos (i) o facto, por acção ou omissão, praticado pelos administradores (de facto ou de direito); (ii) cometido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; (iii) que tenha criado ou agravado a situação de insolvência; (iv) com dolo ou culpa grave.
Retirando-se o conceito da insolvência culposa do art. 186º nº 1 do CIRE, seguem-se, no nº 2 do referido preceito legal, situações-tipo concretizadoras de tal qualificação- na sua esmagadora maioria são actos aptos a causar ou a agravar uma situação de insolvência porque prejudicam a situação patrimonial da devedora- perante a verificação das quais a declaração da insolvência culposa será inevitável.
Isto é, verificados os dois primeiros pressupostos acima mencionados- um dos factos taxativamente previstos no art. 186º nº 2 do CIRE praticado pelo administrador da insolvente, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência- a insolvência do devedor considera-se sempre culposa por se presumir que tenha sido praticado aquele facto com dolo ou culpa grave e que o mesmo tenha criado ou agravado a situação de insolvência, não tendo de ser demonstrada a culpa do administrador nem o nexo de causalidade entre o facto e a situação de insolvência.
Ainda que em termos necessariamente breves, porque se corrobora o enquadramento jurídico feito na sentença recorrida, bem como as referências doutrinais e jurisprudenciais, que nos dispensamos de repetir, reforçamos que é um dado adquirido e consolidado na doutrina[3] e na jurisprudência[4], que no nº 2 do art. 186º do CIRE prevêem-se presunções iuris et de iure de insolvência culposa, pelo que, demonstrado o acto previsto na situação-tipo, presume-se a insolvência culposa, não sendo admitida prova em contrário.
Alegados e provados os factos que servem de base a uma daquelas previsões, a insolvência será, sempre, considerada como culposa.
A alínea a) e d) do nº 2 do art. 186º do CIRE, convocadas pelo Apelante para sustentar a qualificação da presente insolvência como culposa, preveem as seguintes situações:
“2 - Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
(…)
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;”
A lei claramente consagra neste nº 2 do art. 186º do CIRE presunções de carácter absoluto (presunções inilidíveis), não só de culpa, mas também de nexo de causalidade, considerando que os actos nele elencadosautomaticamente, sem admitirem prova em contrário, ainda que em concreto possam não ter sido causa única dessa insolvência, desencadeiam os efeitos da insolvência culposa.
Já no que se refere às situações previstas no nº 3 do art. 186º do CIRE, a nova redação dada pela Lei nº 9/2022 de 11.01, que entrou em vigor em 11.04.2022 e que é aplicável aos processos de insolvência pendentes (art. 10º nº 1), como é o caso dos autos, veio clarificar aquilo que já era o entendimento maioritário da jurisprudência e doutrina, que a presunção aí estabelecida, contrariamente à presunção estabelecida no nº 2, é unicamente da existência de culpa grave (não abrangendo também o nexo de causalidade da criação ou agravamento da situação de insolvência), assumindo natureza de presunção iuris tantum (ilidível, mediante prova em contrário).
Iniciaremos a apreciação do objecto do presente recurso pela verificação ou não da situação prevista na al. a) do nº 2 do art. 186º do CIRE pois que, se se concluir pela sua verificação no caso concreto, a insolvência é inexoravelmente culposa, tornando-se consequentemente inútil a apreciação da verificação da situação prevista na al. d) do nº 2 do referido preceito legal.
A esse propósito, na sentença recorrida afastou-se a qualificação da insolvência como culposa com base naquela al. a) do nº 2 do art. 186º do CIRE, do seguinte modo: “(…)De acordo com a factualidade elencada supra o Tribunal tem por não verificada estas normas, dado que resultou não provado que o gerente tivesse ocultado o preço pago pelos negócios de compra e venda de imóveis, ou tivesse simulado a sua venda.”
Como escreve Maria do Rosário Epifânio, as alíneas do nº 2 do art. 186º podem ser agrupadas em três categorias fundamentais, a saber: 1) atos que afetam, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; 2) atos que, prejudicando a situação patrimonial, em simultâneo trazem benefícios para o administrador que os pratica ou para terceiros; 3) incumprimento de certas obrigações legais.
(…)O proémio do nº 2 do art. 186º prevê um elenco de presunções iuris et de iure, considerando “sempre culposa a insolvência” quando se preencha alguma das suas alíneas.”[5]
No mesmo sentido, entre outros, José Engrácia Antunes, O Âmbito Subjectivo do Incidente de Qualificação da Insolvência, Revista de Direito da Insolvência, 2017, pág.83; Carvalho Fernandes e João Labareda, A Qualificação da Insolvência e a Administração da Massa Insolvente pelo Devedor, Themis, 2005, pág. 95 e Carina Magalhães, Incidente de qualificação da insolvência. Uma visão geral, Estudos de Direito da Insolvência, 2015, pág. 118.
Deste modo, é entendimento consolidado que relativamente a todas as alíneas do nº 2 do art. 186º do CIRE, é dispensada a prova do nexo causal entre os factos aí previstos e a criação ou agravamento da situação de insolvência. Demonstrado o acto previsto na situação-tipo (na al. a) do art. 186º nº 2 do CIRE), presume-se a insolvência culposa, não sendo admitida prova em contrário.
A alínea a) do nº 2 do art. 186º do CIRE contempla as hipóteses mais comuns de dissipação pelo administrador, no todo ou em parte considerável, do património da sociedade devedora (normalmente património imobiliário), através de vendas simuladas ou mesmo vendas ao desbarato, no período de 3 anos anteriores ao início do processo no qual a sociedade vem a ser declarada insolvente, presumindo-se que naquele hiato temporal um acto que faz desaparecer do espólio da sociedade, no todo ou em parte, o património que responde pelas suas dívidas, consubstancia um comportamento praticado com dolo ou culpa grave pelo administrador que criou ou agravou a situação de insolvência.
Muito embora aquelas sejam as situações mais comuns, não se quer com isto afirmar que não tendo resultado provado que os negócios de venda dos imóveis da sociedade tenham sido simulados e que o preço que foi pago não se afastou do valor real de mercado (ausência de simulação), não possa haver mesmo assim um acto enquadrável naquela alínea, como acontecerá se o preço correspondente à alienação do património imobiliário da sociedade que deveria ter dado entrada nas contas da alienante ter sido feito desaparecer pelo administrador, sem que tenha revertido em benefício da sociedade alienante.
Essa conduta ficou demonstrada no ponto 22 dos factos provados (matéria de facto aditada nesta instância de recurso) e traduz-se na prática de um acto por parte do administrador da sociedade que vem a ser declarada insolvente, de ocultação ou desaparecimento de parte considerável do património daquela, uma vez que ficou depauperada pois para além de a sociedade ter ficado sem património imobiliário (uma das principais garantias dos credores) não reverteu para o seu património uma parte do preço de venda dos imóveis, numa importância que não é despicienda se considerarmos que nenhum outro património apresentava à data da declaração de insolvência.
A verificação, no caso sub judice, da prática pelo Apelado do acto previsto na referida alínea a) do nº 2 do art. 186º do CIRE, no hiato temporal previsto no nº 1 do mesmo preceito legal (nº 2 que como vimos consabidamente consagra uma presunção inilidível de culpa e de nexo de causalidade), impede-lhe a prova da ausência de culpa ou da ausência de nexo de causalidade, pelo que restava-lhe a prova de que não praticara o acto que lhe fora imputado, isto é, impunha-se-lhe que tivesse demonstrado que todo o preço das vendas que levara a cabo dos imóveis da sociedade dera entrada no património da mesma ou fora por si utilizado em benefício da sociedade entretanto declarada insolvente.
Ciente disso mesmo o Apelado não se limitou a impugnar a invocada simulação daqueles negócios, alegou também que “o valor realizado com as vendas foi afecto a pagar valores aos seus credores, tendo integralmente sido afecto a salários, aos Bancos e às fornecedoras de combustíveis” (art. 55 da oposição), matéria de facto essa destinada a provar que não praticara qualquer acto integrável na alínea a) do nº 2 do art. 186º do CIRE,única forma de escapar à qualificação da insolvência como culposa, matéria essa que não logrou provar.
Neste sentido, refere Maria do Rosário Epifânio, que “tratando-se de presunções inilidíveis, quando se preencha algum dos factos elencados no nº 2 do art. 186º, a única forma de escapar à qualificação da insolvência como culposa será a prova, pela pessoa afetada, de que não praticou o acto.”
De igual modo escreve Carina Magalhães, que “perante presunções iuris et de iure, pela gravidade que evidenciam, dispensa-se a verificação do nexo causal. Assim, a insolvência irá sempre considerar-se culposa, a não ser que o afetado prove que não praticou o ato censurável,visto que não lhe é admitido provar que esse ato não criou ou agravou a situação de insolvência.”[6]
A jurisprudência tem sufragado tal entendimento como se pode ler, entre outros, nos recentes Ac STJ de 16.11.2023, proferido no Proc. Nº1937/21.9T8CBR-A.C1.S1 e Ac STJ de 17.01.2023, Proc. Nº 14604/18.1T8LSB-A.L2.S1, (consultáveis em www.dgsi.pt).
Também assim defende Carneiro da Frada, que a propósito da inadmissibilidade da prova em contrário nas situações referenciadas no nº 2 do art. 186º do CIRE, escreveu que “a inadmissibilidade dessa prova [prova em contrário] não é todavia (em geral) excessiva, enquanto puder justificar-se como forma enérgica de dissuadir ou prevenir condutas indesejáveis que, segundo a experiência, são susceptíveis de ocasionar insolvências e estão com elas intimamente ligadas. É isso que justifica a declaração da insolvência como culposa sem necessidade de mostrar a ligação entre a conduta censurada e a concreta insolvênciaocorrida (vedando a prova em contrário ou aceitando que a superveniência de elementos fortuitos que co-determinaram a insolvência não exclui essa insolvência culposa).”[7]
Em suma, perante a factualidade dada como provada sob o ponto 22 dos factos provados temos de concluir pela verificação da insolvência culposa fundamentada no art. 186º nº 1 e 2 al. a) do CIRE.
Tal como dispõe o art. 189º do CIRE a sentença qualifica a insolvência como culposa ou como fortuita e, sendo a insolvência qualificada como culposa, o juiz deve identificar as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, afectadas pela qualificação, isto é, não sendo qualificada a insolvência como fortuita, a qualificação como culposa afecta os titulares do órgão social que manifestam a vontade da sociedade- os administradores.
Maria do Rosário Epifânio diz-nos que “serão afetados pela qualificação da insolvência o devedor (pessoa singular) e os administradores do devedor. Se o devedor não for uma pessoa singular, os administradores, para efeitos do CIRE, são aqueles a quem incumbe a administração ou liquidação da entidade ou património em causa, designadamente os titulares do órgão social competente para o efeito (art. 6º, nº 1, al. a)).
(…) Para além disso, por estatuição expressa da lei (e num patente esforço de moralização), estão abrangidos não só os administradores de direito, mas também os administradores de facto. “[8]
No caso em apreço está pedido pelo Apelante que seja afectado pela qualificação da insolvência o aqui Apelado, sendo incontroverso ser o mesmo o administrador de direito da sociedade insolvente, administrador cujo comportamento conduziu à qualificação da insolvência como culposa, pelo que será ele a pessoa afectada por tal qualificação da insolvência.
Foi peticionado que a afectação do aqui Apelado fosse decretada com as consequências estabelecidas nas alíneas b), c), d) e e) do nº 2 do art. 189º do CIRE.
Relativamente ao período de inibição referenciado nas alíneas b) e c) do referido preceito legal, não tendo o Apelante concretizado qual o período adequado aduzindo factos necessários para a sua fixação, vai o mesmo fixado no mínimo de 2 (dois) anos, o qual se afigura proporcional à culpa e gravidade da conduta subjacente à qualificação da insolvência.
No que toca à indemnização consagrada na al. e) do mesmo preceito legal relega-se a sua quantificação para liquidação de sentença por este tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos efectivamente sofridos como permite o nº 4 do art. 189º do CIRE.
Não obstante, deverá estabelecer-se os critérios para a sua quantificação, pelo que a indemnização deverá ser calculada até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos após rateio e às forças do património do afectado, com o limite máximo de €64.000,00 por ser este o valor correspondente ao valor do dano causado pela conduta do afectado pela qualificação da insolvência.
No Ac RP de 13.07.2022 a esse propósito ficou decidido que, “ à luz do preceituado no artigo 189º nºs 2 al. e) e 4 do CIRE, a indemnização aos credores tem por limite a diferença entre o valor dos créditos reconhecidos e o que é pago pelas forças da massa insolvente, mas tem, ainda, de ser proporcional à gravidade da situação prejudicial criada pelo afectado pela insolvência, devendo, por isso, aproximar-se tendencialmente do valor dos danos efectivamente causados pela conduta que está na base da qualificação da insolvência.”[9]
Também no Ac RL de 4.07.2023 pode ler-se que “ a fixação da indemnização a que alude a al. e) do nº 2 do mesmo artigo 189º, deverá ser efectuada de forma casuística, atendendo, não apenas ao valor global do passivo (que não obteve satisfação através do activo da massa insolvente), mas também ao grau de culpa e de ilicitude da conduta da pessoa afectada, dessa forma se observando o princípio da proporcionalidade.”
Neste último aresto, a propósito da transmissão de um bem da devedora (veículo automóvel) sem pagamento de qualquer preço, quanto à medida da indemnização, esta veio a ser fixada no mesmo montante do valor do bem transmitido, tendo ficado exarado a esse propósito que “(…) não obstante os créditos reclamados e reconhecidos ascendam ao montante global de 83.679,93€, atendendo a que o referido veículo, à data da transmissão da sua titularidade, tinha um valor venal de 8.000,00€, sendo através do produto da sua venda que seria possível dar parcial pagamento aos credores, julga-se proporcionalmente ajustada a fixação da indemnização aos mesmos no correspondente a mesmo montante, por ser o correspondente ao valor do dano causado pela conduta da devedora”.[10]
Esse raciocínio é transponível para o caso sub judice, com as devidas adaptações, devendo atender-se na futura liquidação da indemnização prevista na alínea e) do art. 189º do CIRE ao valor do dano causado pela conduta do administrador da insolvente que veio a determinar a qualificação da insolvência como culposa, ponderando a gravidade do acto praticado, o prejuízo causado, tendo sempre como limite os créditos não satisfeitos após liquidação da massa insolvente nos moldes já explicitados.
Nesta medida, procedendo os argumentos recursivos impõe-se a revogação da sentença recorrida.
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V. DECISÃO: Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo Ministério Público, revogando-se a decisão recorrida e decidindo-se nos seguintes termos: a) Qualifica-se como culposa a insolvência de B... Sociedade Unipessoal, Lda; b) Declara-se AA afetado pela referida qualificação; c) Decreta-se a inibição de AA, pelo período de 2 (dois) anos, para administrar patrimónios de terceiros; d) Declara-se AA inibido, pelo período de 2 (dois) anos, para exercer o comércio e ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa; e) Determina-se a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por AA e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos eventualmente já recebidos em pagamento desses créditos; f) Condena-se o requerido AA a indemnizar os credores da insolvência no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do seu património, em valor a quantificar em liquidação de sentença nos termos do art. 189º nº 4 do CIRE. Oportunamente remeta-se certidão à Conservatória do Registo Civil competente, e Conservatória do Registo Comercial competente caso o afetado seja comerciante em nome individual, nos termos e para os efeitos previstos no art. 189º n.º 3 do CIRE. Custas do incidente a cargo da massa insolvente, nos termos do art.303º e 304º do CIRE, ficando as custas deste recurso a cargo do Apelado que ficou vencido. Notifique.
Porto, 28.01.2025
Maria da Luz Seabra
Maria Eiró
Pinto dos Santos
(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
_____________ [1] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência [2] CIRE Anotado, Almedina, 2013, pág. 38 [3] CIRE Anotado, Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, 2013, pág. 504 ss; Carina Magalhães, Estudos de Direito da Insolvência, 2015, pág. 116 ss; Maria Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 7ª edição, pág. 151 ss; Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 3ª edição, pág. 284 ss; L. Carvalho Fernandes e J Labareda, CIRE Anotado, pág. 610 ss [4] Entre outros, Ac RP de 28.2.2023, Proc. Nº 2493/20.0T8STS-C.P1; Ac RP de 7.2.2023, Proc. Nº 49/22.2T8AMT-A.P1; Ac RP de 24.1.2023, Proc. Nº 2237/21.0T8VNG-B.P1; Ac RP de 24.10.2022, Proc. Nº 1117/16.5T8AVR-E.P1; Ac RP de 13.7.2022, Proc. Nº 876/13.1TYVNG-A.P1; Ac RL de 4.7.2023, Proc. Nº 2556/18.2T8FNC-B.L1-1, www.dgsi.pt [5] Manual de Direito da Insolvência, 7ª edição, pág. 152/154 [6] Ob. Cit, pág. 121 [7] A Responsabilidade dos administradores na Insolvência, ROA, 66, II [8] Ob. cit, pág. 149/150 [9] Proc. Nº 876/13.1TYVNG-A.P1, www.dgsi.pt [10] Proc. Nº 2556/18.2T8FNC-B.L1-1, www.dgsi.pt