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INVENTÁRIO
PROCESSO DE INVENTÁRIO
VALOR
AVALIAÇÃO
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
Sumário
SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC) I – No processo de inventário iniciado em março de 2018 num Cartório notarial e que foi remetido ao Tribunal judicial competente em setembro de 2022 (já após terem sido apresentadas as relações de bens por óbito dos dois inventariados), podem ser alterados, na conferência de interessados, os valores que foram atribuídos aos bens imóveis relacionados (correspondentes aos valores matriciais), com a possibilidade de virem a ser adjudicados ou sorteados por outros valores diferentes, mediante acordo dos interessados na composição dos quinhões, podendo ainda ser requerida pelos interessados a avaliação de bens até à abertura das licitações (cf. artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013 e artigos 1111.º e 1114.º do CPC). II – Com efeito, por razões pragmáticas, o legislador facultou aos interessados a possibilidade de apresentarem o seu pedido de avaliação dos bens até ao início das licitações, incluindo, pois, na conferência de interessados, convocada nos termos do art. 1110.º do CPC e com o objeto indicado no 1111.º do mesmo Código, desde que ainda não tenha havido abertura das licitações (cf. art. 1113.º do CPC). III – A tanto não obsta a circunstância de ter sido anteriormente ordenada uma avaliação, a requerimento de alguns Interessados, e essa diligência não ter sido efetuada, por falta de pagamento dos encargos devidos (cf. art. 23.º do Regulamento das Custas Processuais), não fazendo isso precludir o direito de a Cabeça de casal requerer uma tal avaliação. IV – Decidindo-se, no presente recurso, revogar o despacho que indeferiu a avaliação oportunamente requerida na conferência de interessados pela Cabeça de casal para que possa ser realizada, e uma vez que o deferimento do requerimento de avaliação suspende as licitações até à fixação definitiva do valor dos bens, não podem deixar de ser anulados os atos subsequentes que foram praticados e dependam absolutamente dessa avaliação, nos termos do art. 195.º, n.º 2, do CPC, aplicável analogicamente.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
A … e B … interpuseram o presente recurso de apelação do despacho que indeferiu a realização de avaliação dos bens imóveis relacionados no processo de inventário instaurado por óbito de C … e D … e em que aqueles Apelantes são Interessados (Cabeça de casal e Requerente, respetivamente).
Os autos tiveram início em 26-03-2018, mediante Requerimento apresentado pelo referido B …, num Cartório Notarial de Ponta Delgada, tendo sido nomeada para exercer as funções de cabeça de casal a aludida A … (após substituição de outras duas interessadas - cf. despacho de 09-03-2020).
A Cabeça de casal prestou declarações pela forma constante do requerimento apresentado em 23-07-2020 (com a retificação requerida a 09-06-2022), referindo que o inventariado faleceu em 22-04-1982, tendo deixado a suceder-lhe a viúva, ora inventariada, que veio a falecer em 24-01-2016, e os nove filhos do casal, que também são os herdeiros da inventariada, a saber:
1. E …;
2. C … (o qual, por sentença proferida em 02-04-2024, no apenso A, foi também habilitado como cessionário, para ocupar a posição dos interessados F …, G … e E …, por aquisição dos quinhões hereditários destes nas heranças dos inventariados);
3. T …;
4. F …;
5. G …;
6. A …;
7. H … (que veio a falecer na pendência da ação, sucedendo-lhe as filhas I …, J …, L … e M …);
8. N … (entretanto falecida, sucedendo-lhe os filhos O …, P …, Q …, R … e S …);
9. B ….
Em 27-05-2022, a Cabeça de casal apresentou as Relações de bens, da qual constam, no que ora importa, como verbas I e II da relação de bens por óbito do inventariado e como verbas IV e V da relação de bens por óbito da inventariada:
- o prédio urbano, composto por casa de r/c destinada a despejo com quintal, sito na Travessa …, n.º …, freguesia da Ribeira Seca, concelho da Ribeira Grande, com a área total de 157,00 m2, a área coberta de 74 m2 e a área descoberta de 83 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Grande sob o n.º … da Ribeira Seca e inscrito na matriz predial urbana sob o art. …, com o valor patrimonial tributário de 20.746,00 €;
- o prédio urbano, composto por casa sem quintal de r/c com duas divisões destinada a habitação, sito na Travessa …, n.º …, freguesia da Ribeira Seca, concelho da Ribeira Grande, com a área total de 197,83 m2, a área coberta de 45,64 m2 e a área descoberta de 152,19 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Grande sob o n.º … da Ribeira Seca e inscrito na matriz predial urbana sob o art. …, com o valor patrimonial tributário de 27.181,70 €;
A Cabeça de casal juntou certidões do registo predial, bem como as cadernetas prediais destes prédios, das quais constam os referidos valores patrimoniais tributários, determinados no ano 2021.
A requerimento da Cabeça de casal, o processo foi remetido o processo para o Tribunal judicial, em 29-09-2022.
Foram citados os interessados.
Em 08-02-2024, foi proferido despacho de saneamento que, atenta a inexistência de oposições, impugnações ou reclamações, determinou o prosseguimento dos autos nos termos do art. 1110.º do CPC, fixou o valor da causa em 80.466,15 €, dispensou a realização da audiência prévia e determinou a notificação dos interessados nos termos do art. 1110.º, n.º 1, al. b), do CPC.
O Requerente e a Interessada E … pronunciaram-se sobre a forma à partilha conforme consta do requerimento de 22-02-2024.
Mediante emails enviados a 01-03-2024, vieram as Interessadas Q …, O … e P … requerer se “seria possível enviar um avaliador para avaliar as duas casas”, pois, em sua opinião, “o preço é muito baixo”.
Por carta manuscrita, apresentada em 14-03-2024, veio o Interessado T … comunicar que preferia que fossem avaliadas as casas, por considerar baixa a avaliação.
Em 25-03-2024, foi proferido despacho sobre a forma da partilha das heranças, mais tendo sido decidido, no que ora importa, o seguinte: “Os interessados Q … (documento com referência citius …), O … e P … (documento com referência citius …) e T … (documento com referência citius …) vieram requerer fossem avaliados os bens imóveis constante da relação de bens. Por legal e tempestivo defere-se o pedido de avaliação (cf. artº 1114º, nº 1 do Código de Processo Civil) das verbas I e II (Imóveis) da relação de bens, a saber: prédio urbano sito na Travessa …, nº …, Ribeira Seca, Ribeira Grande, e prédio urbano sito na Rua …, nº …, Ribeira Seca, Ribeira Grande. A avaliação será realizada por Perito Único, a nomear pela Secção de entre a lista de Peritos Avaliadores, o qual deverá proceder à entrega do competente Relatório no prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar da data da adjudicação. A avaliação terá por objecto a determinação do valor real e de mercado das verbas I e II (Imóveis) da relação de bens. A cabeça de casal colaborará com o Sr. Perito em tudo o que se revelar necessário para a realização da avaliação, obrigando-se os demais interessados a colaborarem em tudo o que lhes for solicitado para o efeito. Deverão ser remetidos ao Sr. Perito os documentos relativos aos imóveis que se encontrem nos autos, bem como os contactos do Ilustre Mandatário da cabeça de casal. Mostrando-se junto aos autos o Relatório de Avaliação, abra conclusão (…) Não se agenda, para já, data para a realização da Conferência de Interessados, uma vez que a melhor realização da mesma dependerá de previamente se mostrar realizada a avaliação determinada supra.”
Foi auscultado perito da lista oficial sobre se aceitava desempenhar as funções de perito e, na positiva, apresentar orçamento, tendo o mesmo vindo informar, conforme consta do email de 28-03-2024.
As partes foram notificadas desse orçamento e nada disseram.
Em 19-04-2024 foram emitidas guias para pagamento antecipado de encargos e notificados os Interessados P …, O …, Q …, e T … para procederem ao pagamento dos mesmos, no prazo constante da guia anexa, bem como da consequência da falta desse pagamento.
Em 07-05-2024, foi junto aos autos um email em que as Interessadas Q …, O … e P … informaram que não queriam “pagar a conta” e que pretendiam o prosseguimento dos autos “sem avaliador”.
Em 08-05-2024, foi proferido despacho que determinou a notificação do Interessado T …, com cópia desse requerimento, para, no prazo de 10 dias, informar se também desistia do pedido de avaliação dos imóveis ou se mantinha interesse na avaliação, caso em que teria de suportar a totalidade dos respetivos “preparos” (no valor de 946,56 €).
Em 08-05-2024, a Interessada E … apresentou requerimento em que, além do mais, disse aguardar a avaliação por perito.
Em 19-06-2024 foi proferido despacho em que, no que ora importa, se determinou a notificação do Interessado T … para informar se mantinha interesse na avaliação requerida, com a cominação de que, nada dizendo, se concluiria que desistia da mesma.
Deste despacho foram notificados todos os interessados, tendo o Interessado T … vindo informar que desistia do pedido de avaliação dos bens.
Em 03-09-2024, foi proferido despacho do qual consta, na parte que ora interessa, que “Atento que os requerentes da avaliação dos imóveis constantes da relação de bens vieram desistir de tal pretensão, fica a mesma sem efeito”, tendo sido designada data para realização da conferência de interessados.
Na data agendada, 14-10-2024, no início da diligência, foi pedida a palavra pelo Mandatário da Cabeça de Casal, tendo requerido que fosse realizada a avaliação aos dois imóveis das relações de bens juntas aos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1114.º do CPC, porquanto, segundo alegou, os imóveis estavam relacionados pelo seu valor patrimonial tributável, o qual será muito inferior ao valor de mercado, encontrando-se desfasado.
Dada a palavra ao Mandatário do Interessado C … para, querendo, se pronunciar quanto à avaliação requerida, pelo mesmo foi dito entender que a requerida avaliação deveria ser realizada.
Após, foi proferido o DESPACHO (recorrido) com o seguinte teor: «Foi requerida pelo cabeça de casal a avaliação dos imóveis constantes da relação de bens. A avaliação já tinha sido requerida e deferida por despacho de 25-03-2024, o qual foi notificada a todos os interessados. Posteriormente e após terem sido notificados para pagamento dos respetivos preparos, os requerentes da avaliação vieram transmitir aos autos não pretenderem mais que a avaliação fosse realizada. Por despacho de 03-09-2024 todos os interessados foram notificados de que a avaliação requerida tinha ficado sem efeito por desistência da mesma por parte dos então requerentes. Nenhum interessado, nem a ora requerente cabeça de casal se pronunciaram então quanto à avaliação, isto é, se tinham interesse na sua realização e, em caso disso procedessem nos termos do art.º 23.º, n.º 3 do R.C.P., último momento que, em tese, poderia ser ainda realizada a avaliação. Quanto a este último ponto de salientar que, na nossa interpretação, as partes/ interessados não são notificadas do não pagamento, por parte dos requerentes da avaliação, das guias que são remetidas para os mesmos, por inexistir comando legal para o efeito. Sabe-se ainda que o desenho do processo especial de inventário encerra, em si, fases processuais diferenciadas e autónomas entre si, vigorando o princípio da preclusão quanto aos atos correspondentes a cada fase. Assim, e nos termos do disposto no art.º 23, n.º 3 do R.C.P. bem como do disposto no art.º 1114.º, n.º 1 do C.P.C. à contrário (por entendermos que, não obstante, tal norma referir “até à abertura das licitações”, a avaliação pode ser requerida em momento anterior à da realização da conferencia de interessados, como foi (cfr. despacho de 25-03¬2024)), consideramos extemporâneo o pedido de avaliação de bens, por preclusão do direito à mesma nos termos supra expostos. Mais se adianta que em processo de inventário conferir a cada um dos interessados o direito de requerer a avaliação de bens relacionados, em qualquer fase do processo (com o limite do disposto no art.º 1114.º, n.º 1 do C.P.C.) poder requerer a avaliação de bens quando a avaliação anterior fica sem efeito pelo não pagamento dos respetivos preparos ou mesmo desistência, significaria, na prática, uma entropia na tramitação do processo de inventário, o que se entende não ter sido pretendido pelo legislador ao estabelecer as fases do processo de inventário e os efeitos preclusivos das mesmas. Notifique.»
Seguidamente, foi ainda proferido o seguinte despacho: “Uma vez que não se encontram presentes todos os interessados, consigna-se não ser possível estabelecer quaisquer dos acordos previstos no art.º 1111.º, n.º 2 do C.P.C.. Entende-se neste seguimento, devia ter lugar a licitação prevista no art.º 1113.º do C.P.C.. Dá-se a palavra aos interessados para se pronunciarem sobre as licitações e, designadamente, se pretendem licitar sobre bens relacionados e, em caso afirmativo, por que bens e por que valor.” Notifique.”
Após, nada tendo sido requerido, foram declaradas abertas as licitações, tendo o Mandatário do Interessado C … declarado que este pretende licitar a verba com o n.º 1 da herança de C … e n.º 4 da herança de D …, correspondente ao prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão, sita na Travessa …, n.º …, freguesia de Ribeira Seca, concelho de Ribeira Grande, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ribeira Grande sob o número …/ Ribeira Seca e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …, pelo valor de 20.746,00 € (valor indicado na relação de bens).
De seguida, foi proferido o seguinte despacho: “Pretendendo o interessado licitar, foi perguntado aos interessados se pretendiam concorrer sobre a licitação quanto às verbas n.º 1 da herança de C … e verba n.º 4 da herança de D …, H … e N … (prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão, sita na Travessa …, n.º …, freguesia de Ribeira Seca, concelho de Ribeira Grande, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ribeira Grande sob o número … /Ribeira Seca e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …), ninguém se tendo apresentado a licitar juntamente com o interessado C …. Assim e pelo valor patrimonial tributável de € 20.746,00 (valor indicado na relação de bens), fica adjudicado por arrematação ao interessado C ….”
Pelos Interessados presentes foi dito não pretenderem licitar sobre qualquer outra verba.
Por último, foi proferido despacho que, no que ora importa, tem o seguinte teor: “No que toca aos bens não licitados ficam os mesmos adjudicados a todos os interessados, em comum e na proporção dos seus quinhões, nos termos do disposto no art.º 1117.º, n.º 2, alínea b) do C.P.C.. Notifique os interessados nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1120.º, n.º 1 do C.P.C..”
Inconformados com a citada Decisão que indeferiu a realização de avaliação, vieram o Requerente e a Cabeça de casal interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1º Vem o presente recurso da douta decisão proferida na Conferência de Interessados que indeferiu, por extemporâneo, o requerimento de realização de perícia para avaliação dos Bens Imóveis que fazem parte do acervo hereditário em partilha no presente Processo de Inventário, apresentado pela Cabeça de Casal na Conferência de Interessados, e que ordenou o prosseguimento da diligência com a realização de licitações; 2º Indeferimento esse que assentou no entendimento de que o direito a tal avaliação se encontrava precludido pela circunstância de os herdeiros interessados que haviam previamente requerido tal avaliação terem desistido da mesma e os demais interessados, inclusive a Cabeça de Casal, não terem então manifestado interesse na sua realização nem terem procedido nos termos do disposto no art.º 23º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais (RCP); 3º Sendo essa douta decisão fundamentada pelo disposto no citado art.º 23º, n.º 3 do RCP e pelo disposto a contrario no art.º 1114º. N.º 1 do CPC; 4º No caso concreto, a avaliação dos bens imóveis da herança já havia sido requerida pelos Interessados Q …, O …, P … e T … ainda antes da prolação do despacho sobre o modo de organização da partilha; 5º Os então requerentes da referida avaliação vieram a desistir da mesma também em momento anterior ao douto despacho que designou data para a realização da Conferência de Interessados; 6º A consequência do despacho ora recorrido foi muito grave e prejudicial para os demais herdeiros interessados que não tinham capacidade financeira para licitar e o imóvel com mais valor foi adjudicado a um dos herdeiros pelo Valor Patrimonial Tributário, que é muito inferior ao do seu real valor de mercado, porque, sem avaliação, é esse o valor que serve de base à licitação; 7º A nova lei que veio regulamentar o processo de inventário procurou instituir um novo paradigma com o objetivo de assegurar uma maior eficácia e celeridade processuais, introduzindo um princípio de concentração associado a um princípio de preclusão; 8º A circunstância de o exercício de determinadas faculdades estar inserido no perímetro de certa fase ou momento processual implica igualmente que, salvo superveniência (nos apertados limites em que esta é considerada relevante, na parte geral do CPC e na regulamentação do processo comum de declaração), qualquer requerimento, pretensão ou oposição tem obrigatoriamente de ser deduzido no momento processual tido por adequado pela lei de processo, sob pena de preclusão; 9º Porém, no que ao caso vertente interessa e no que toca ao requerimento do meio de prova pericial de avaliação dos bens da herança, foi opção do legislador, vertida no disposto no artigo 1114º, n.º 1 do CPC, que o último momento processual tido por adequado para requerer a avaliação de bens da herança fosse até à abertura das licitações; 10º É certo que a avaliação foi requerida primeiramente ainda antes do despacho determinativo da forma de organização da partilha e também antes do despacho a designar dia para realização da conferência de Interessados, mas não foi realizada por desistência dos requerentes da avaliação manifestada antes do despacho que designou data para realização da Conferência de Interessados; 11º Mas o que também é certo é que a lei (artigo 1114º, n.º 1 do CPC) prevê que a avaliação possa ser requerida na própria Conferência de Interessados até ao momento da abertura de licitações, pelo que, sendo esse o momento limite para requerer a avaliação, não poderá haver efeito cominatório de preclusão desse direito por desistência de anterior pedido de avaliação feito por outros Interessados; 12º Haveria tal preclusão se o primeiro pedido de avaliação tivesse sido feito na Conferência de Interessados e depois os requerentes da avaliação desistissem da mesma e os demais interessados não fizessem o pagamento dos encargos de modo a que a avaliação fosse feita, pois que aquele momento (a Conferência de Interessados) é o que corresponde ao termo da faculdade de requerer a avaliação; 13º Já não será assim no caso vertente, em que a avaliação foi pedida muito antes da Conferência de Interessados e os requerentes dela desistiram também antes dessa Conferência; 14º Prevendo a lei que a avaliação possa ser requerida depois na própria Conferência de Interessados, o direito de pedir a realização da avaliação nesse momento não ficou precludido para os outros interessados pelo facto de os iniciais requerentes da avaliação não terem pago as guias com os encargos e terem desistido da mesma sem que os outros interessados tenham feito esse pagamento e declarado logo (repita-se: antes da Conferência de Interessados) que pretendiam a avaliação; 15º Não existindo comando legal que determine o efeito cominatório de preclusão do direito de requerer avaliação por parte de interessado que, em momento anterior à Conferência de Interessados não se pronunciou sobre a realização de avaliação requerida por outro interessado que dela desistiu, não pode o julgador aplicar semelhante efeito cominatório quando a lei prevê que esse mesmo interessado possa, como fez, requerer a avaliação na própria Conferência de Interessados e até à abertura de licitações; 16º Ou seja, a preclusão a que se reporta a norma ínsita no artigo 23º, n.º 3 do RCP não se aplica no caso dos autos, porquanto a faculdade de requerer a avaliação no caso concreto foi exercida dentro dos prazos legais; 17º Logo, não se poderá considerar precludido o direito da cabeça de casal de se manifestar no processo e/ou de praticar certos atos processuais dentro dos prazos legais, como fez com o seu requerimento de avaliação dos bens imóveis pertença da herança; 18º Mas ainda quando assim se não entendesse, o certo é que, nem a cabeça de casal, nem os demais interessados foram, jamais, notificados de que, face à desistência da avaliação apresentada pelos requerentes da mesma, a sua falta de imediata manifestação de interesse na mesma e a sua falta de pagamento dos respectivos encargos, teriam como efeito cominatório a preclusão do seu direito a requerer a avaliação em momento posterior, nomeadamente na Conferência de Interessados e até à abertura das licitações conforme lhes é facultado pelo disposto no artigo 1114º, n.º 1 do CPC; 19º Motivo pelo qual, e no limite, sempre se deverá considerar como ilegal o douto despacho ora recorrido; 20º Aliás, a vingar o entendimento propugnado no douto despacho recorrido e apesar de, em seu abono, se pretender evitar uma “entropia” na tramitação do processo de inventário, o que daí resulta, na verdade, é o abrir das portas a “tropelias” processuais por parte do herdeiro interessado a quem não interessa a avaliação dos bens da herança e que, para conseguir esse desiderato, requer a avaliação em momento muito anterior à Conferência de Interessados para, logo de seguida, desistir da mesma sem que os demais Interessados se apercebam de que, posteriormente e já na Conferência de Interessados, já lhes estará vedada a faculdade de requerer essa avaliação; 21º Donde e por tudo, a douta decisão recorrida, ao indeferir o requerimento de avaliação dos bens imóveis da herança apresentado pela cabeça de casal na Conferência de Interessados antes da abertura das licitações e ao ordenar o prosseguimento dos autos com a realização de licitações, violou e fez errada interpretação do disposto no artigo 23º, n.º 3 do RCP e no artigo 1114º, n.º 1 do CPC.
Terminaram os Apelantes requerendo que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, proferido Acórdão que:
I. revogue a decisão recorrida, anulando todo o processado subsequente à apresentação daquele requerimento, incluindo a licitação feita na Conferência de Interessados e todos os atos subsequentes; e que, em consequência,
II. ordene a realização da perícia requerida pela Cabeça de Casal para avaliação dos Bens Imóveis que fazem parte do acervo hereditário em partilha no presente Processo de Inventário, seguindo-se os demais termos até final.
Foi apresentada alegação de resposta pelo Interessado C …, em que defendeu que se mantenha a decisão recorrida, concluindo designadamente que: (…) 3) Tal pedido de avaliação já tinha sido requerido e aceite pelo Tribunal “a quo”, sem contudo os preparos para a referida avaliação terem sido pagos. 4) Importa focar que para além dos requerentes da avaliação, os restantes interessados foram notificados da falta de pagamento dos preparos para a realização da avaliação. 5) Certo é que qualquer um dos interessados na partilha poderia ter procedido ao pagamento dos preparos para a realização da referida avaliação, o que não aconteceu. 6) Nesta medida, o Tribunal “a quo” aplicou e bem o efeito cominatório previsto no nº 3 do art. 23º do C.C.J.. 7) Ao não decidir como o Tribunal “a quo” decidiu seria fazer tábua rasa do efeito cominatório previsto no art. 23º do Código das Custas Judiciais, nomeadamente: (…) 8) Com o novo regime do processo de inventário, de antecipação / concentração na suscitação de questões prévias à partilha ou meios de defesa, associado ao estabelecimento de cominações e preclusões, pretende-se evitar que a colocação tardia de questões – que podiam perfeitamente ter sido suscitadas em anterior momento ou fase processual – ponha em causa o regular e célere andamento do processo, acabando por inquinar irremediavelmente o resultado de atos e diligências já aparentemente sedimentados, tendentes, nomeadamente, à concretização da partilha obrigando o processo a recuar várias casas, com os consequentes prejuízos ao nível da celeridade e eficácia na realização do seu fim último. (…) 10) Apesar do art. 1114º do C.P.C. referir que “(…)”, certo é que tal pedido de avaliação foi efetuado em período anterior à conferência, foi comunicado a todos os interessados, todos tiveram conhecimento do não pagamento dos preparos, e nada fizeram, razão pela qual e após melhor análise à situação, parece-me, com o devido respeito que o Tribunal a quo decidiu com acerto ao não deferir a realização de nova avaliação, pois caso contrário seria subverter os princípios do novo regime processual de inventário.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
A única questão a decidir é a de saber se não devia ter sido indeferida a realização da avaliação dos bens imóveis relacionados requerida na conferência de interessados.
Os factos com relevância para o conhecimento do objeto do recurso são os que constam do relatório.
O presente processo de inventário teve início em data anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, que, além do mais, alterou o Código de Processo Civil, em matéria de processo executivo, recurso de revisão e processo de inventário, revogando o regime jurídico do processo de inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março, e aprovando o regime do inventário notarial.
Determina o art. 11.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 117/2019, que o disposto na mesma se aplica apenas aos processos iniciados a partir da data da sua entrada em vigor, bem como aos processos que, nessa data, estejam pendentes nos cartórios notariais mas sejam remetidos ao tribunal nos termos do disposto nos artigos 11.º a 13.º; o regime jurídico do processo de inventário, aprovado em anexo à Lei n.º 23/2013, de 5 de março, continua a aplicar-se aos processos de inventário que, na data da entrada em vigor da presente lei, estejam pendentes nos cartórios notariais e aí prossigam a respetiva tramitação. A remessa dos inventários notariais para os tribunais judiciais encontra-se prevista nos artigos 12.º e 13.º da Lei n.º 117/2019, estabelecendo o n.º 3 do art. 13.º que é aplicável à tramitação subsequente do processo remetido a juízo nos termos dos números anteriores o regime estabelecido para o inventário judicial no Código de Processo Civil.
Logo, considerando a data em que o processo foi remetido ao tribunal, é aplicável às Relações de bens apresentadas o disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, estando designadamente previsto, nos n.ºs 1 e 3 do art. 25.º, que “(O)s bens que integram a herança são especificados na relação por meio de verbas, sujeitas a uma só numeração, pela ordem seguinte: direitos de crédito, títulos de crédito, dinheiro, moedas estrangeiras, objetos de ouro, prata e pedras preciosas e semelhantes, outras coisas móveis e bens imóveis. (…) 3 - A menção dos bens é acompanhada dos elementos necessários à sua identificação e ao apuramento da sua situação jurídica.”; e no art. 26.º, n.ºs 1 e 2, que: “1 - Além de os relacionar, o cabeça de casal indica o valor que atribui a cada um dos bens. 2 - O valor dos prédios inscritos na matriz é o respetivo valor matricial, devendo o cabeça de casal apresentar a respetiva certidão.”
Assim sucedeu no presente processo, que prosseguiu, sem que nenhum dos interessados tivesse deduzido oposição, impugnação ou reclamação nos termos do art. 1104.º do CPC.
Veio a ser convocada conferência de interessados, sendo que, conforme previsto no art. 1111.º do CPC: “1 - Na conferência, o juiz deve incentivar os interessados a procurar uma solução amigável para a partilha, ainda que parcial, dos bens, sensibilizando-os para as vantagens de uma autocomposição dos seus interesses. 2 - Os interessados podem acordar, por unanimidade e com a concordância do Ministério Público que tenha intervenção principal, que a composição dos quinhões se realize por algum dos modos seguintes: a) Designação das verbas que vão compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um dos interessados e os valores por que são adjudicados; b) Indicação das verbas ou lotes e respetivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objeto de sorteio entre os interessados; c) Acordo na venda total ou parcial dos bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados. 3 - Aos interessados compete ainda deliberar sobre o passivo e a forma do seu pagamento, bem como sobre a forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança. 4 - A deliberação dos interessados presentes vincula os que não comparecerem, salvo se não tiverem sido notificados com esta cominação.”
Significa isto que os valores atribuídos aos bens na relação de bens são passíveis de alteração, na conferência de interessados, com a possibilidade de virem a ser adjudicados ou sorteados por outros valores diferentes, mediante acordo dos interessados na composição dos quinhões.
Determina o art. 1113.º, n.ºs 1 a 3, do CPC que, na falta de acordo entre os interessados nos termos dos artigos anteriores, se procede, na própria conferência de interessados, à abertura de licitação entre eles, devendo cada verba ser licitada separadamente, salvo se todos concordarem ou o juiz determinar a formação de lotes, com vista a possibilitar uma repartição tendencialmente igualitária do acervo hereditário, tendo a licitação a estrutura de uma arrematação, sendo apenas admitidos a licitar os interessados diretos na partilha, salvos os casos em que, nos termos da lei, também devam ser admitidos os donatários e os legatários.
Segue-se, com crucial relevo para a resposta a dar à questão que nos ocupa, o art. 1114.º do CPC, preceituando, sob a epígrafe “Avaliação”, que: “1 - Até à abertura das licitações, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído. 2 - O deferimento do requerimento de avaliação suspende as licitações até à fixação definitiva do valor dos bens. 3 - A avaliação dos bens é, em regra, realizada por um único perito, nomeado pelo tribunal, salvo se: a) O juiz entender necessário, face à complexidade da diligência, a realização de perícia colegial; b) Os interessados requererem perícia colegial e indicarem, por unanimidade, os outros dois peritos que vão realizar a avaliação dos bens. 4 - A avaliação dos bens deve ser realizada no prazo de 30 dias, salvo se o juiz considerar adequada a fixação de prazo diverso.”
No presente processo, a avaliação foi requerida pelas Interessadas Q …, O …, P …, bem como pelo Interessado T …, tendo sido determinada e, posteriormente, dada sem efeito, mediante despacho com o seguinte teor: “Atento que os requerentes da avaliação dos imóveis constantes da relação de bens vieram desistir de tal pretensão, fica a mesma sem efeito”.
Face ao teor deste despacho (dando sem efeito a avaliação por os Interessados terem desistido da mesma sem nada mencionar quanto à falta de pagamento dos encargos), não parece que se tenha estribado no disposto no art. 23.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), nos termos do qual: “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o não pagamento dos encargos nos termos fixados no n.º 1 do artigo 20.º implica a não realização da diligência requerida. 2 - A parte que não efectuou o pagamento pontual dos encargos pode, se ainda for oportuno, realizá-lo nos cinco dias posteriores ao termo do prazo previsto no n.º 1 do artigo 20.º, mediante o pagamento de uma sanção de igual valor ao montante em falta, com o limite máximo de 3 UC. 3 - À parte contrária é permitido pagar o encargo que a outra não realizou, solicitando guias para o depósito imediato nos cinco dias posteriores ao termo do prazo referido no número anterior.”
No entanto, não se nos afigura que estivesse na disponibilidade dos Interessados desistir de uma diligência probatória que havia sido requerida e já determinada, pelo que não podia deixar de se cumprir o que havia sido primeiramente determinado, considerando o caso julgado formal dessa primeira decisão (cf. art. 625.º do CPC), o que significa que a não realização da diligência requerida e ordenada acaba por constituir, efetivamente, uma decorrência da aplicação do disposto no art. 23.º do RCP.
A questão que se coloca é, pois, a de saber se, pretendendo ainda uma outra Interessada requerer a realização de avaliação, ficou precludido fazê-lo, sendo extemporâneo o requerido, conforme entendeu o Tribunal a quo.
Vejamos.
Quanto ao prazo perentório, preceitua o art. 139.º, n.º 3, do CPC que o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato.
Ora, uma vez que a avaliação dos bens em apreço não chegou a ser realizada, estando previsto na lei que podia ser requerida por qualquer interessado até à abertura das licitações, o que ainda não acontecera no início da conferência de interessados, teremos à partida de considerar, numa interpretação literal do referido art. 1114.º do CPC, que a Cabeça de casal estava em tempo para requerer a avaliação (não nos parecendo que a circunstância de ser cabeça de casal, responsável pela apresentação da relação de bens, lhe retirasse legitimidade, tanto mais que, como vimos, a lei determina que o valor dos prédios inscritos na matriz é o respetivo valor matricial).
Contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, não nos parece que dos elementos sistemático e teleológico de interpretação resulte afastada, por preclusão, a aplicabilidade do art. 1114.º do CPC à situação em apreço, em virtude de a cabeça de casal (ou o Requerente) não ter aproveitado a oportunidade de efetuar o pagamento antecipado dos encargos que os outros interessados não realizaram, nos termos do art. 23.º, n.º 3, do RCP, deixando o processo prosseguir até à fase da conferência de interessados.
Com efeito, diversamente de outras situações que têm sido apreciadas na jurisprudência (cf. a título exemplificativo, o ac. RC de 12-03-2019, proc. n.º 141/16.2T8PBL-A.C1, e o ac. RP de 21-10-2024, proc. n.º 54450/22.6YIPRT.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt), não estamos perante uma situação em que o ato (requerimento de avaliação) não tenha sido praticado dentro do período previsto na lei – se assim fosse, sem dúvida teria ficado precludida a possibilidade de ser praticado posteriormente (após a abertura das licitações).
À avaliação dos bens da herança em processo de inventário [incluindo a prevista no art. 1118.º, n.º 3, do CPC, no âmbito do incidente de inoficiosidade, e no art. 1128.º, n.º 2, al. b), do CPC, a respeito da composição do quinhão ao herdeiro preterido] aplicam-se, além das disposições especiais, as disposições gerais e comuns atinentes à perícia constantes dos artigos 467.º a 489.º do CPC ex vi do art. 549.º, n.º 1, 1.ª parte, do mesmo Código, muito embora a avaliação não sirva como meio de prova, numa fase processual de instrução, antes visando a adequada determinação do valor dos bens da herança para uma correta partilha, podendo ter lugar após apresentação da relação de bens e até ao momento da abertura das licitações.
Nesse sentido, insere-se na atual tramitação do processo de inventário judicial, resumidamente explicada por Lopes do Rego, in “A recapitulação do inventário”, Julgar Online, dezembro de 2019: “Este novo modelo procedimental parte de uma definição de fases processuais relativamente estanques, envolvendo apelo decisivo a um princípio de concentração, propiciador de que determinado tipo de questões deva ser necessariamente suscitado em certa fase procedimental (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte; e assim, o modelo procedimental instituído para o inventário na Lei n.º 117/19 comporta: I) Uma fase de articulados (em que as partes, para além de requererem a instauração do processo, têm obrigatoriamente de suscitar e discutir todas as questões que condicionam a partilha, alegando e sustentando quem são os interessados e respetivas quotas ideais e qual o acervo patrimonial, ativo e passivo, que constitui objeto da sucessão) – abrangendo a fase inicial e a fase das oposições e verificação do passivo. (…) Após despacho liminar (em que o juiz verifica se o processo está em condições de passar à fase subsequente), inicia-se a fase seguinte, da oposição ou do contraditório, exercendo os interessados citados o direito ao contraditório, cabendo-lhes impugnar concentradamente no próprio articulado de oposição tudo o que respeite à definição do universo dos interessados diretos e respetivas quotas hereditárias, à competência do cabeça de casal e à delimitação do património hereditário, incluindo o passivo (cuja verificação é, deste modo, antecipada – do momento da conferência de interessados – para o da dedução de oposição e impugnações); II) Uma fase de saneamento, em que o juiz, após realização das diligências necessárias, e com a possibilidade de realizar uma audiência/conferência prévia, deve decidir, em princípio, todas as questões ou matérias litigiosas que condicionam a partilha e a definição do património a partilhar, proferindo também, nesse momento processual – e após contraditório das partes – despacho contendo a forma à partilha (também ele agora antecipado para esta fase de saneamento, anterior à conferência de interessados), em que define as quotas ideais dos vários interessados na herança, antes de convocar a conferência de interessados; III) Um procedimento específico para a verificação e redução de eventuais inoficiosidades, através de um incidente com a estrutura de uma ação enxertada no inventário, compreendendo a formulação pelo herdeiro legitimário de um pedido, explícito e fundamentado, de redução de liberalidades e o exercício subsequente do contraditório pelos requeridos/ beneficiários das liberalidades alegadamente inoficiosas, culminando, após produção de prova, numa decisão que decreta ou rejeita a pretendida redução por inoficiosidade – incidente este que deve iniciar-se até ao momento do início das licitações; IV) A fase da partilha, consubstanciada, desde logo, nas diligências e atos que integram a conferência de interessados, em que devem realizar-se todas as diligências que culminam na consumação ou realização concreta da partilha: frustrando-se o acordo (por unanimidade dos interessados, nos termos da lei civil e por exigência do princípio da intangibilidade da legítima), a partilha do acervo hereditário resultará das licitações (que pressupõem a necessária estabilização do valor dos bens, já que funciona como momento terminal para o pedido de avaliação precisamente o início das licitações), que estão compreendidas no âmbito dos atos que integram a própria conferência de interessados, devendo ser também nela deduzidas as oposições a um eventual excesso de licitação por algum dos herdeiros; e, subsidiariamente, terão cabimento as diligências da formação de lotes igualitários, do sorteio ou – como ultima ratio – da adjudicação de bens em contitularidade. Só depois de encerradas estas diligências se passa à elaboração do mapa da partilha, concretizando, na sequência do resultado dessas várias diligências anteriores, os bens que integram o quinhão hereditário de cada interessado – e encerrando-se naturalmente o processo com a prolação de sentença homologatória da partilha. 6. Esta estruturação sequencial e compartimentada do processo envolve logicamente a imposição às partes de cominações e preclusões, anteriormente inexistentes, levando naturalmente – em reforço de um princípio de auto responsabilidade das partes na gestão do processo – a que (como aliás constitui princípio geral em todo o processo civil) as objecções, impugnações ou reclamações tenham de ser deduzidas, salvo superveniência, na fase procedimental em que está previsto o exercício do direito de contestação ou oposição. Assim, do regime estabelecido no art. 1104.º CPC decorre obviamente um princípio de concentração no momento da oposição de todas as impugnações, reclamações e meios de defesa que os citados entendam dever deduzir perante a abertura da sucessão e os elementos adquiridos na fase inicial do processo, em consequência do conteúdo da petição de inventário, eventualmente complementada pelas declarações de cabeça de casal; e isto quer tais impugnações respeitem à tradicional oposição ao inventário e à impugnação da legitimidade dos citados ou da competência do cabeça de casal, quer quanto às reclamações contra a relação de bens e à impugnação dos créditos e dívidas da herança (instituindo-se aqui explicitamente um efeito cominatório, conduzindo a revelia ao reconhecimento das dívidas não impugnadas, salvo se se verificarem as circunstâncias previstas no n.º 2 do art. 574.º CPC). Ou seja, adota-se, na fase de oposição, um princípio de concentração na invocação de todos os meios de defesa idêntico ao que vigora no art. 573.º do CPC: toda a defesa (incluindo a contestação quanto à concreta composição do acervo hereditário, ativo e passivo) deve ser deduzida no prazo de que os citados beneficiam para a contestação/oposição, só podendo ser ulteriormente deduzidas as exceções e meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo atuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição, dando origem à apresentação de um verdadeiro articulado superveniente), que a lei admita expressamente passado esse momento (como sucede com a contestação do valor dos bens relacionados e o pedido da respetiva avaliação, que, por razões pragmáticas, o legislador admitiu que pudesse ser deduzido até ao início das licitações) ou com as questões que sejam de conhecimento oficioso pelo tribunal.”
Portanto, o funcionamento do princípio da preclusão não contende com a possibilidade de ser requerida a avaliação dos bens relacionados, ainda que numa fase mais adiantada do processo, como a conferência de interessados, convocada nos termos do art. 1110.º e com o objeto indicado no 1111.º do CPC, desde que ainda não tenha havido abertura das licitações (cf. art. 1113.º do CPC,) ante a previsão legal expressa constante do art. 1114.º, n.º 1, do CPC, tendo o legislador, por razões pragmáticas, facultado aos interessados a possibilidade de apresentarem o seu pedido de avaliação dos bens até ao início das licitações.
Compreende-se, aliás, esta opção, mormente por razões de economia e celeridade processual, já que, como vimos, a avaliação tem custos e pode ser um fator de demora na tramitação do processo, só numa fase mais adiantada do mesmo se vindo a mostrar necessária, atenta a possibilidade de as partes, na conferência de interessados, chegarem a acordo quanto a aspetos como o valor dos bens a adjudicar/sortear.
Assim, não vemos motivo para considerar que tenha operado a preclusão do direito a requerer a avaliação (que foi oportunamente requerida pela Cabeça de casal), procedendo em parte as conclusões da alegação de recurso, ao qual será concedido provimento, com a revogação da decisão recorrida, de modo a que seja realizada a avaliação requerida.
Uma vez que o deferimento do requerimento de avaliação suspende as licitações até à fixação definitiva do valor dos bens, impõe-se igualmente, com o trânsito em julgado do presente acórdão, a anulação dos atos subsequentes que foram praticados e dependam absolutamente dessa avaliação, nos termos do art. 195.º, n.º 2, do CPC aplicável analogicamente e com as devidas adaptações, o que se irá determinar, conforme requerido pela Apelante (neste sentido, sobre as consequências da revogação de despacho interlocutório em processo de inventário judicial para partilha de bens em consequência de divórcio, veja-se, a título exemplificativo, o ac. da RL de 21-11-2024, no proc. n.º 1284/23.1T8PDL.L1-2, disponível em www.dgsi.pt).
Vencido o Apelado C …, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
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III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e determina-se, em substituição, que seja realizada a avaliação dos bens imóveis relacionados, conforme requerido pela Cabeça de casal e Apelante A …, com a anulação dos atos subsequentes que foram praticados e dependam absolutamente dessa avaliação.
Mais se decide condenar o Apelado C … no pagamento das custas do recurso.
D.N.
Lisboa, 30-01-2025
Laurinda Gemas
Susana Mesquita Gonçalves
Fernando Caetano Besteiro