PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
NULIDADES
INCIDENTE DE DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO DO LOCADO
PEDIDO DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Sumário

(elaborado pela Relatora, nos termos do artigo 663, n.º 7, do Código de Processo Civil)
I - Só as nulidades incluídas no âmbito do art.º 615, n.º 1, do CPC, podem ser invocadas em recurso ordinário. As demais têm de ser reclamadas para o juiz do processo.
II - O incidente de diferimento da desocupação do locado a que alude o artigo 864º do CPC não se confunde com o pedido de suspensão da execução ao abrigo do disposto no art.º 863º, n.ºs 2 e 3, do CPC.

Texto Integral

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados:
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I. Relatório:
Z, S.A. instaurou o presente procedimento especial de despejo contra AA, peticionando a desocupação da fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao segundo andar esquerdo do prédio sito na Rua (…).
Para tanto e em síntese, alega que em 01.01.2015 o Fundo de Investimento Fechado para Arrendamento Habitacional – Solução Arrendamento (doravante apenas “Fundo”) celebrou com a Requerida um contrato de arrendamento para habitação permanente, com prazo certo, tendo por objeto a referida fração autónoma, com a duração inicial de 5 anos, renovável por 1 ano, salvo denúncia das partes, sendo a renda inicialmente prevista de € 400,00, a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior a que disser respeito.
A referida fração autónoma foi vendida à Requerente, encontrando-se efetuado o respetivo registo.
Por meio de cartas registadas com aviso de receção enviadas para o domicílio convencionado, a 1ª em 23.01.2023 e a 2ª em 18.03.2023, a Requerente - de acordo com o previsto no contrato e nos artigos 1096º e 1097º do Código Civil e no artigo 9º do NRAU (Lei 6/2006, de 27/02) - opôs-se à renovação do contrato de arrendamento.
Mais alegou que a Requerida não procedeu à entrega voluntária do imóvel locado, devoluto de pessoas e bens no término do contrato de arrendamento - 31 de abril de 2023.
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Notificada, a Requerida não apresentou oposição.
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O Requerimento de Despejo foi convertido em Título para Desocupação do Locado.
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Em 24.05.2024 foi proferida sentença, cujo segmento decisório aqui se reproduz:
VI. Decisão
Em face ao exposto, julga-se a acção procedente por provada e em consequência:
- Condena-se a Requerida AA (…) na entrega à Autora Z, S.A da fração autónoma designada pela letra “F”, (…), no prazo de 30 dias, valendo esta decisão, volvido tal prazo, como autorização imediata de entrada no domicílio.
Custas pela Requerida, cfr. artigo 527.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, Registe e notifique.
Registe, notifique às partes, ao agente de execução ou ao notário (cfr. artigo 15.º-EA, n.º 5, do NRAU) e comunique ao BAS (artigo 16.º da Portaria n.º 49/2024, de 15/02).
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Dessa sentença foi interposto recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual foi admitido por despacho proferido em 18.07.2024.
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Em 27.08.2024 (ref. 40243166) o Sr. Agente de Execução formulou o seguinte requerimento:
(…) vem requerer a V. Ex.a que se mande juntar aos autos Auto de Diligência negativo.
Mais requer que se digne autorizar para os efeitos do disposto no nº4 do art.º 757º e art.º 767º, ambos do Código do Processo Civil, a intervenção da força pública de segurança uma vez que se trata de entrada em imóvel para tomada de posse a realizar em domicílio”.
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Em 30.08.2024 (ref. 40265147), tendo tido conhecimento desse requerimento, a Requerida requereu que o mesmo fosse liminarmente indeferido, referindo para o efeito, em síntese, que a sentença proferida em 24.05.2024 ainda não transitou em julgado, já que dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, devendo os autos aguardar a decisão a proferir por esse Tribunal.
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Na sequência desse requerimento, em 02.10.2024 (ref. 40585685), o Requerente requereu que fosse proferido despacho de autorização de entrada no domicílio, para que o imóvel lhe fosse entregue.
Com esse requerimento juntou cópia do acórdão de 26.09.2024, proferido na sequência do pedido de reforma da decisão singular de 29.07.2024 - que julgou o recurso interposto pela Requerida totalmente improcedente -, através do qual o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu manter a decisão singular.
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Em 03.10.2024 (ref. 40596460), a Requerida veio informar que do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa foi por si interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, facto que refere ter sido propositadamente omitido pela Requerente para retirar proveito do auxílio de forças policiais, num despejo, sem que o processo tenha transitado em julgado, o que considera consubstanciar litigância de má-fé.
Mais refere que o requerimento apresentado pela Requerente (incidente ou reclamação) deveria ser objeto do pagamento de taxa de justiça. Assim, não tendo a Requerente procedido ao seu pagamento, deverá o mesmo ser desentranhado dos autos.
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Em 04.10.2024 foi proferido o seguinte despacho:
Requerimentos com a referência Citius 40265147 e 40585685
Na sequência do requerimento do Exmo. Sr. Agente de Execução com vista à autorização para auxílio das autoridades policiais para efetivar a posse do imóvel, veio a Requerida peticionar que o mesmo seja indeferido (cfr. referência Citius 40265147).
Para tanto, alegou que interpôs Recurso de Apelação da sentença proferida nos presentes autos, e que, em 12.08.2024, requereu a Reforma do Acórdão proferido em 29.07.2024, que julgou a apelação totalmente improcedente, razão pela qual entende não se verificar o trânsito em julgado daqueloutra sentença, devendo os autos aguardar pela decisão que vier a ser proferida.
Mediante requerimento com a referência Citius 40585685, veio a Requerente aduzir que foi notificada do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente o recurso interposto pela Requerida, peticionando seja proferido despacho de autorização de entrada no domicílio e locado.
Cumpre apreciar.
O Procedimento Especial de Despejo é o meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes (cfr. artigo 15.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 56/2023, de 06 de outubro, adiante NRAU).
O referido procedimento é composto por três fases: a fase de natureza administrativa, tendente à formação de um título de desocupação, da competência do Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS); a fase contenciosa, que ocorre perante juiz, se for deduzida oposição do requerido; e, uma fase executiva destinada à realização coativa do direito à entrega do locado, tendo lugar após a formação de título executivo.
Nos presentes autos, notificada do requerimento de despejo, a Requerida não deduziu oposição, tendo-se formado título de desocupação do locado, (cfr. referência Citius 39445978).
Bem assim, por força do preceituado no artigo 15.º-EA do NRAU veio o processo concluso ao juiz para proferir decisão judicial para entrada imediata no domicílio, a qual foi proferida em 24.05.2024, condenando a Requerida na entrega do imóvel à Requerente.
Por força do disposto no n.º 11 do artigo 15.º-I aplicável ex vi artigo 15.º-EA n.º 5 do NRAU, a decisão que julgue a ação procedente, condena o requerido a proceder à entrega do imóvel no prazo 30 dias, valendo tal decisão como autorização de entrada imediata no domicílio.
Preceitua o artigo 704.º do Código de Processo Civil que a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo.
A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (cfr. 628.º do Código de Processo Civil), constituindo recursos ordinários os recursos de apelação e de revista (cfr. 627.º do Código de Processo Civil).
Descendo aos presentes autos, constata-se que a Requerida tem vindo a impugnar as decisões proferidas, não tendo ainda o processo baixado à 1.ª instância nos termos do disposto no artigo 669.º do Código de Processo Civil, e, bem assim não se mostra ainda transitada em julgado a sentença proferida nos presentes autos em 24.05.2024.
Contudo, por força da segunda parte do supra citado artigo 704.º do Código de Processo Civil, a decisão constitui título executivo quando o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo.
Sobre o efeito do recurso da decisão judicial para desocupação do locado, regula o artigo 15.º-Q do NRAU.
Dispõe a referida norma que «Independentemente do valor da causa e da sucumbência, da decisão judicial para a desocupação do locado cabe sempre recurso de apelação, nos termos do Código de Processo Civil, o qual tem sempre efeito meramente devolutivo».
Bem assim, o recurso interposto da decisão tem necessariamente efeito meramente devolutivo, devendo o agente de execução deslocar-se imediatamente ao locado para tomar a posse do imóvel decorrido o prazo de trinta dias para entrega do imóvel.
De resto, ao recurso de apelação interposto pela Requerida, admitido por despacho de 18.07.2024, foi fixado o referido efeito meramente devolutivo (cfr. referência Citius 437336945).
Nestes termos, nada obsta a que o Exmo. Sr. Agente de Execução diligencie pelo auxílio das autoridades policiais a fim de efetivar a posse do imóvel.
Notifique.
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Requerimento do Sr. Agente de Execução com a referência Citius 40243166
Veio o Exmo. Sr. Agente de Execução requerer autorização para solicitar o auxílio de força pública de segurança para efetivar a posse do imóvel, por este se tratar de domicílio.
Para tanto, aduziu que tendo solicitado diretamente o auxílio às autoridades policiais, foi por estas informado que tal solicitação carece de despacho judicial prévio que explicitamente autorize a sua intervenção, nos termos do disposto no artigo 757.º n.º 4 e artigo 767.º do Código de Processo Civil.
Cumpre apreciar.
Nos presentes autos de procedimento especial de despejo, foi proferida sentença em 24.05.2024, a qual, julgando procedente a ação, condenou a Requerida AA na entrega à Autora Z, S.A, da fração autónoma designada pela letra “F” (…), no prazo de 30 dias, valendo esta decisão, volvido tal prazo, como autorização imediata de entrada no domicílio.
O procedimento especial de despejo é regulado pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro.
Estabelece do artigo 15.º-J n.º 1, 3 e 4 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 56/2023, de 06 de outubro que, «1 - Conferida autorização judicial para entrada no domicílio, o agente de execução ou o notário desloca-se imediatamente ao locado para tomar a posse do imóvel.
[…]
3 - O agente de execução ou o notário podem solicitar diretamente o auxílio das autoridades policiais sempre que seja necessário o arrombamento da porta e a substituição da fechadura para efetivar a posse do imóvel, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 6 do artigo 757.º do Código de Processo Civil.
4 - Quando a desocupação do locado deva efetuar-se em domicílio, a mesma só pode realizar-se entre as 7 e as 21 horas, devendo o agente de execução ou o notário entregar cópia da decisão judicial a quem tiver a disponibilidade do lugar em que a diligência se realiza, o qual pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança que, sem delonga, se apresente no local.»
Acresce que por força do preceituado no artigo 757.º n.º 2 e n.º 4 do Código de Processo Civil, tratando-se de domicílio, se for oposta alguma resistência, houver receio justificado de oposição de resistência ou for necessário proceder ao arrombamento de portas e substituição de fechaduras, o auxílio das autoridades policiais carece de prévio despacho judicial.
Resulta do «Auto de Diligência» junto aos autos, que não foi possível tomar posse do imóvel, porquanto a Requerida se recusou a desocupá-lo e a entregá-lo ao Exmo. Sr. Agente de Execução (cfr. referência Citius 40243166).
Em face do exposto, autoriza-se a colaboração policial para auxílio e para acautelar a segurança da diligência – art.º 15.º - L n.º 1 e 5, 15.º-J, n.ºs 1, 3 e 4 da Lei n.º 6/2006 de 27/02 e artigo 757.º, n.ºs 2, 4 e 5 do Código de Processo Civil.
Advirta-se que a desocupação do locado só pode realizar-se entre as 7 e as 21 horas, devendo a Sra. Agente de Execução entregar cópia da presente decisão judicial a quem tiver a disponibilidade do lugar, o qual pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança que, sem delonga, se apresente no local, nos termos artigo 15.º-J, n.º 4 15.º-L, n.º 5.
Notifique.
 (…)”.
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Desse despacho foi expedida notificação às partes em 07.10.2024.
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Em 21.10.2024 (ref. 40790750) a Requerida apresentou um requerimento nos autos no qual refere que “vem invocar e requerer a V. Exa., se digne determinar a suspensão imediato dos presentes autos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 863.º a 865.º do C.P.C., ex vi do Nº 1, DO artigo 15º M do NRAU, suscitando para o efeito “INCIDENTE DE DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO DE IMÓVEL ARRENDADO PARA HABITAÇÃO”, nos termos e pelos seguintes fundamentos:

Por douto despacho de Fls., determinou o Tribunal autorizar a colaboração da força pública “policial” para proceder-se ao despejo imediato do locado.

Sucede que, tal despacho foi notificado ao ora mandatário via citius no dia 07.10.2024 (Ref.ª Citius439021076).

Pelo que o ora mandatário se encontra regularmente notificado no dia 10.10.2024, correndo prazo de 10 dias para reclamar ou ainda prazo de 15 ou 30 dias para recorrer do mesmo, não tendo o mesmo ainda transitado em julgado.

Não obstante, na presente data, antes do transito em julgado do citado despacho, foi arrombada a porta da habitação/locado, sendo ainda mudada a fechadura da mesma com auxílio das forças policiais.
(Doc. 1 – Auto de diligência)

Ora, tendo tal diligência ocorrido antes de expirarem os prazos de reclamação ou recurso de tal decisão, a referida diligência padece de NULIDADE, devendo a mesma ser dada de nenhum efeito, anulando-se nos precisos termos.
(artigos 195.º e 196.º do C.P.C.)

Ora, perante a gravíssima violação e supressão de direitos e princípios fundamentais, com consagração constitucional “Tutela Jurisdicional Efetiva, legalidade, defesa, contraditório e habitação” invoca-se para todos os efeitos legais a sua ilegalidade e inconstitucionalidade.

Postergando-se o exercício do direito da requerida invocar o “INCIDENTE DE DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO DE IMÓVEL ARRENDADO PARA HABITAÇÃO”, conforme suscitado.

Já que tal exercício impõe a suspensão imediata do processo até o Tribunal decidir sobre a mesma.

De forma a evitar o desalojamento imediato desta família, no caso a requerida e uma filha de 18 anos de idade, que residem no locado.
10º
Pelo que se requer a V. Exa. se digne determinar a imediata entrega das chaves do imóvel à requerida de forma que a mesma possa pernoitar ainda hoje no locado e ter acesso livre aos seus bens.
11º
No qual reside um animal de estimação “gato” que carece de cuidados básicos.
12º
Fundamentam ainda o pedido de diferimento de entrega os seguintes factos:
13º
Desde logo por razões sociais imperiosas, já que não dispõe a requerida e a sua filha de uma habitação para residir no imediato.
14º
Sendo facto notório que são quase inexistentes na zona da Moita imóveis que estejam disponíveis no imediato para arrendamento.
15º
E dos “10” existentes, são pedidas quantias exorbitantes (caução + 2 ou 3 rendas) para o efeito, conforme resulta dos anúncios “idealista” publicados para o efeito.
(Doc. 2 – anúncios site idealista)
16º
Veja-se que o valor mais baixo para arrendamento (e único) perfaz a quantia de 670,00 €, sendo que o 2º imóvel passa imediatamente para o valor de 950,00 € mês.
17º
Pagando a requerente cerca de 400,00 € pelo arrendamento do locado objeto dos autos.
18º
Pelo que se encontrando a filha da requerida de 18 anos apenas a estudar, o único rendimento disponível pelo agregado familiar, corresponde ao salário mínimo nacional da requerente, porquanto tem o seu vencimento penhorado.
(Doc. 3 – Recibo de Vencimento)
19º
Inexistindo quaisquer apoios sociais ou camarários imediatos para solucionar tal situação limite.
20º
Pelo que a presente situação é de extrema precaridade e vulnerabilidade.
Acresce que,
21º
Os presentes autos ainda não transitaram em julgado.
22º
Conforme se invocou no anterior requerimento de Fls., a sentença e acórdão proferidos, foram objeto de recurso de “REVISTA EXCEPCIONAL” para o STJ, aguardando-se pela prolação de decisão quanto a este assunto.
(Doc. 4 – Alegações de Recurso de Revista)
(…)
28º
Pelo que, ainda que não seja o efeito suspensivo aplicável, não pode ficar o Tribunal indiferente a tal circunstancialismo, deferindo o deferimento de entrega do imóvel até ser conhecida tal decisão a proferir pelo STJ.
(…)
32º
Pelo que, desalojar uma família no imediato, sem lhe conceder prazo para o seu realojamento e perante tais evidências, é manifestamente despropositado, provocando danos irreversíveis no seu agregado.
Pelo exposto requere-se a V. Exa o seguinte:
A) Determinar a imediata suspensão do processo;
B) Declarar nula e de nenhum efeito a diligência levada a cabo na presente data, anulando-se nos precisos termos, por violação das garantias de defesa da requerida;
C) Serem entregues à requerida as chaves do imóvel, realojando-a no locado, onde poderá permanecer, devendo em consequência ser decretado o diferimento da desocupação do imóvel arrendado para habitação, até se conhecer a decisão do STJ sobre esta matéria;
D) Ser ainda acionado do Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, para fazer face a esta grave situação de cariz social e económico.
Juntou documentos e arrolou testemunhas.
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Em 21.10.2024 foi proferida a seguinte decisão:
Mediante requerimento com a referência Citius 40790750, veio a Ré deduzir incidente de diferimento da desocupação do locado, ao abrigo do disposto nos artigos 863.º a 865.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 15.º-M do Novo Regime do Arrendamento Urbano.
Para tanto alegou, em síntese, que mediante despacho que antecede, o Tribunal autorizou a colaboração da força pública para proceder-se ao despejo imediato do locado, e que tal despacho só foi notificado ao Il. Mandatário da Ré em 10.10.2024, correndo ainda o prazo de 10 dias para reclamar ou 15 ou 30 dias para recorrer do mesmo, não tendo transitado em julgado.
Aduziu que antes do trânsito em julgado do citado despacho foi arrombada a porta da habitação da Ré e mudada a fechadura com o auxílio de forças policiais, o que postergou o exercício do direito da requerida invocar incidente de diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação, que deve determinar a suspensão imediata do processo até à decisão da mesma.
Aduziu, ademais, que na habitação em causa reside a requerida com uma filha de 18 anos de idade e um “gato” que carece de cuidados básicos, não dispondo a requerida e filha de uma habitação para residir no imediato.
Alegou que na zona da Moita os imóveis são quase inexistentes os imóveis disponíveis para imediato arrendamento e pelos que existem são pedidas quantias exorbitantes, sendo que a Requerida paga cerca de €400,00 pelo arrendamento do locado objeto dos autos.
Mais alegou que o rendimento disponível do agregado familiar corresponde ao salário mínimo nacional auferido pela requerente, porquanto tem o seu vencimento penhorado, inexistindo apoios sociais ou camarários imediatos para solucionar tal situação, que aduz ser de extrema precaridade e vulnerabilidade.
Termina aduzindo que os autos não transitaram em julgado, por ter sido interposto recurso de revista excecional e que a 1.ª e 2.ª instância violaram o entendimento segundo o qual o artigo 1096.º n.º 1 do Código de Processo Civil tem carácter imperativo, sendo os contratos de arrendamento com prazo certo, quando renováveis, sujeitos a um prazo mínimo de renovação de três anos, motivo pelo qual não caducou o contrato de arrendamento objeto dos presentes autos.
Juntou documentos e arrolou testemunhas.
Cumpre apreciar.
A suspensão da execução e o diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação encontram previsão legal nos artigos 863.º e seguintes do Código de Processo Civil, sob o título IV «Da execução para entrega de coisa certa».
Assim, no âmbito de processo executivo para entrega de coisa certa, estabelece o n.º 1 do artigo 863.º que a execução se suspende se o executado requerer o diferimento da desocupação do local arrendado para habitação, motivada pela cessação do respetivo contrato.
No que tange ao diferimento da desocupação do locado, estabelece o artigo 865.º do Código de Processo Civil que a petição da desocupação deve ser liminarmente indeferida quando tiver sido deduzida fora do prazo; quando o fundamento não se ajustar a algum dos referidos no artigo anterior; ou, quando for manifestamente improcedente.
No que tange ao prazo para o requerimento, estabelece o artigo 15.º-D da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 56/2023, de 06 de outubro, que «O BAS expede imediatamente notificação para o requerido, por carta registada com aviso de receção, para, em 15 dias, este: […] b) Deduzir oposição à pretensão e ou requerer o diferimento da desocupação do locado, nos termos do disposto no artigo 15.º-M».
Mais dispõe o n.º 1 do artigo 15.º-F do mesmo diploma legal, que o requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação devendo, nos termos da alínea d) do n.º 3 identificar «qualquer das situações que motivem a suspensão e ou diferimento da desocupação do locado nos termos do artigo 15.º-M».
Ademais, prevê o artigo 15.º-M Lei da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 56/2023, de 06 de outubro, que «À suspensão e diferimento da desocupação do locado aplicam-se, com as devidas adaptações, o regime previsto nos artigos 863.º a 865.º do Código de Processo Civil».
Destarte, é inequívoco que o prazo para invocar e peticionar a suspensão e diferimento da desocupação do locado é de 15 dias a contar da notificação do requerido.
Ora, nos presentes autos de procedimento especial de despejo, a Requerida não deduziu oposição.
Conclusos que foram os autos, nos termos do disposto no artigo 15.º-EA, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, em 24.05.2024 foi proferida sentença, nos termos da qual se julgou a ação procedente e, em consequência, condenada a Requerida AA na entrega à Autora Z, S.A da fração autónoma designada pela letra “F”, (…), no prazo de 30 dias, valendo esta decisão, volvido tal prazo, como autorização imediata de entrada no domicílio (cfr. referência Citius 435821523).
Mediante requerimentos de 06.06.2024 e de 17.06.2024 veio a Requerida juntar procuração forense e interpor recurso da mencionada sentença (cfr. referências Citius 39586621 e 39663252), ao qual, tendo sido admitido, foi fixado efeito meramente devolutivo (cfr. referência Citius 437336945).
Lidos os referidos requerimentos, que em rigor constituem as primeiras intervenções da Ré nos presentes autos, constata-se que neles não foi formulado qualquer pedido de suspensão ou diferimento da desocupação do locado.
Mais acresce que mediante requerimento de 27.08.2024 veio o Sr. Agente de Execução requerer autorização para intervenção de força pública de segurança para auxílio na concretização da diligência de despejo (cfr. referência Citius 40243166).
Sobre tal requerimento pronunciou-se a Requerida em 30.08.2024 (cfr. referência Citius 40265147), não tendo no mesmo peticionado o diferimento de desocupação do locado.
Destarte, é inequívoco, não só, que há muito se mostra precludido o prazo de que a Requerida dispunha para peticionar o diferimento da desocupação do imóvel, como é inequívoco que a Requerida já interveio nos autos em diversas ocasiões, sem ter suscitado o referido incidente.
Deste modo, ao contrário do que alega a Requerida, afigura-se que a concretização do despejo antes do trânsito em julgado do despacho que autorizou a intervenção da força pública não postergou o exercício dos direitos da Requerida de invocar o diferimento do locado (uma vez que tal despacho não fez renascer o prazo para o efeito).
Bem assim, atento que a petição foi extemporaneamente deduzida, deve a mesma ser indeferida liminarmente nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 865.º do Código de Processo Civil.
Ainda que assim não fosse, sempre se diria que o fundamento invocado pela Requerida não se ajusta a qualquer dos fundamentos previstos no artigo 864.º do Código de Processo Civil, o que igualmente determina a indeferimento liminar da petição em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 865.º do Código de Processo Civil.
Com efeito, preceitua o artigo 864.º n.º 1 do Código de Processo Civil que no caso de imóvel arrendado para habitação, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas.
E mais dispõe o artigo 864.º n.º 2 que o diferimento da desocupação do locado é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal de acordo com os critérios ali previstos, só podendo, no entanto, ser concedido com dois fundamentos, a saber:
a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário (que deve presumir-se nos termos previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 864.º do Código de Processo Civil); e / ou
b) Que o arrendatário é portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.
Nos presentes autos está em causa o despejo com fundamento em caducidade do contrato de arrendamento em face de oposição à renovação, pelo que lhe é inaplicável o fundamento previsto na alínea a) do artigo 864.º n.º 2 do Código de Processo Civil-
Destarte, o único fundamento admissível para estear o diferimento da desocupação é o previsto na alínea b) do citado artigo 264.º n.º 2 do Código de Processo Civil, isto é, que o arrendatário seja portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.
A Ré não alega, nem consequentemente demonstra, ser portadora de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%, pelo que a petição não tem fundamento legal.
Em face de tudo o exposto, nos termos do preceituado no artigo 865.º n.º 1 alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, indefere-se liminarmente a petição de diferimento da desocupação.
Notifique.
Custas pela Requerida – cfr. artigo 527.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Moita, d.s.
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Em 23.10.2024 o Sr. Agente de Execução veio “comunicar a extinção do procedimento, com base no seguinte fundamento:
- a) Pela desocupação do locado”.
Nessa mesma data juntou aos autos o respetivo “Auto de Apreensão e Entrega”.
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Não se conformando com a decisão proferida em 21.10.2024, a Requerida dela veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões recursivas:
I – Os presentes autos ainda não transitaram em julgado, estando pendente apreciação de recurso “Revista Excecional” para o STJ, interposto pela recorrente em 01.10.2024.
II - Por requerimento de 02.10.2024, a recorrida, SEM LIQUIDAR A TAXA DE JUSTIÇA DEVIDA, suscitou perante o Tribunal “a quo”, “incidente de auxílio da força pública” para efetivar o despejo imediato do locado.
III - Por douto despacho de 04.10.2024, o Tribunal “a quo” julgou procedente por provado tal incidente, deferindo-o.
IV – ERRANDO, ao não apreciar a falta de pagamento da taxa de justiça devida, deixando o processo correr os seus tramites normais.
V - Tal despacho foi notificado eletronicamente via citius ao mandatário da recorrente em 07.10.2024.
VI – O prazo geral de 10 dias para reclamar do mesmo iniciou-se em 11.10.2024, terminando sem multa no dia 21.10.2024.
VII – No dia 21.10.2024, o Sr. Agente de Execução efetivou o despejo imediato, sendo arrombada a porta da habitação/locado e mudada a fechadura com a presença de dois agentes da GNR.
VIII – Na referida data a recorrente e a sua filha de 18 anos ficaram desalojadas e privadas dos seus bens e acesso à caixa de correio.
IX – Tal diligência é ILEGAL, porquanto foi concretizada antes de terminar o prazo de 10 dias para reclamar ou invocar nulidades, sendo violados garantias e direitos de defesa fundamentais.
X – No dia 21.10.2024 (dia do despejo) a recorrente solicitou ao Tribunal “a quo” a “SUSPENSÃO IMEDIATA das diligências de execução”, ao abrigo do disposto no artigo 863.º do C.P.C., Ex vi do Nº 1, do artigo 15º-M do “NRAU”.
XI – Deduzindo ainda “INCIDENTE DE DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO DE IMÓVEL ARRENDADO PARA HABITAÇÃO” (Artigos 864.º e 865.ºdo C.P.C.)
XII – O Tribunal “a quo” ERROU, já que estava obrigado a suspender de forma imediata a execução, e não o fez.
XIII - Contrariamente ao entendimento do Tribunal “a quo”, a suspensão da execução é admissível, encontrando-se preenchidos os seus requisitos legais para o efeito.
XIV – Designadamente a cessação do contrato de arrendamento para habitação e o facto da recorrente não ter intervindo no processo declarativo, estando em situação de “Revelia Operante”.
(Art.º 863.º, N.ºs 1 e 2 do C.P.C.)
XV - Razão pela qual foi convertido o requerimento de despejo em título para desocupação imediata do locado, por sentença de Fls.
XVI - A filha da recorrente de 18 anos, reside no imóvel, subsumindo-se à figura de detentora, não sendo ouvida no processo declarativo ou após.
XVII – Ao considerar-se que o contrato de arrendamento caducou em Abril de 2023, a recorrente deste tal data, assumiria a qualidade de detentora do mesmo.
XVIII - o Tribunal a quo, “confunde” a “suspensão das diligências de execução”, com o incidente previsto no artigo 864.º, “diferimento da desocupação do imóvel arrendado para habitação” sendo figuras jurídicas distintas.
XIX – No dia em que foi executado o despejo, a recorrente invocou o disposto no artigo 863.º, N.ºs 1 e 2 do C.P.C.
XX – O Sr. A.E. e o Tribunal “a quo”, não deram cumprimento ao disposto no artigo 863.º, Nºs 2, 4 e 5, “suspendendo as diligências executórias".
XXI - O Tribunal “a quo”, ERROU, por não ter apreciado a prova documental e testemunhal requerida pela recorrente ou fundamentado tal omissão.
XXII – A recorrente há cerca de 3 meses que deixou de pagar as rendas.
XXIII – Auferindo apenas o salário mínimo nacional, por penhora do seu vencimento, subsistindo com elevadas dificuldades económicas.
XXIV - Juntou tal documento no requerimento onde suscitou a suspensão da execução e o diferimento de desocupação do imóvel arrendado para habitação.
XXV - Tais factos consubstanciam “razões sociais imperiosas”, não apreciadas pelo Tribunal “a quo”,
(Art.º 864.º, N.º 1, do C.P.C.).
XXVI - Em situações similares à dos presentes autos, entendeu o TRL, por acórdão de 04.07.2023 no PROC. Nº 10798/22.0T8LRS-A.L1-7, in dgsi.pt, por UNANIMIDADE, “que o diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação admite aplicação analógica em face das razões sociais imperiosas decorrentes da apurada carência económica da inquilina.”
XXVII - O caso dos autos é enquadrável no âmbito de tal instituto, contrariamente à apreciação sumária e meramente literal efetuada pelo Tribunal “a quo” do disposto no artigo 864.º N.º 2, Al. a) do C.P.C.
XXVIII - A recorrente ficou irremediavelmente impedida de fazer prova, e ver ser-lhe aplicado o instituto contemplado no artigo 864.º, Nºs 1 e 2, Al. a) do C.P.C.
XXIX – Perante o exercício de tal direito, estava o Tribunal a quo obrigado a suspender imediatamente o processo, e posteriormente decidir sobre o seu mérito.
XXX - A recorrente deve ser realojada no locado entregando-se-lhe as chaves do imóvel, da caixa do seu correio, devendo ser decretado o diferimento da desocupação do imóvel arrendado para habitação.
XXXI - A douta sentença proferida, bem como o despacho que deferiu o recurso à força pública, são ambos nulos nos termos do disposto no artigo 615.º, N.º 1, Als. b), c) e d) do C.P.C.
XXXII - Em consequência deverão ser declarados nulos todos os atos praticados desde o requerimento apresentado pela recorrida de 02.10.2024 (incluindo este) anulando-se os mesmos nos precisos termos (Arts. 195.º e 196.º do C.P.C.)
XXXIII - Ocorrendo omissão de pronuncia e erro notório na apreciação dos factos e do direito aplicável, devendo em consequência tal sentença ser revogada e ser julgado procedente o presente recurso e substituído por acórdão que defira o peticionado pela recorrente.
A Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” padece de NULIDADE tendo violado o disposto nos artigos:
3º, Nº1, 4º, 8º, 145.º, 139.º,615.º, N.º 1, Als. b), c) e d), 642.º, Nºs 1 e 2, 863.º, Nºs 1, 2, al. a), 4 e 5, 864.º e 865.º do C.P.C., ex vi do Nº 1, do artigo 15º-M do “NRAU”, artigos 1º, 2º, 7º, N.º 4, 14º, Nº 1, Al. a) do Regulamento das Custas Processuais, violando igualmente o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deverá a Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, ser revogada e substituída por outra decisão que julgue totalmente procedente a pretensão deduzida pela recorrente, dando-se provimento ao presente recurso, como é de
JUSTIÇA”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi corretamente admitido.
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Foram os autos remetidos a este Tribunal e colhidos os vistos legais.
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II. Questões a decidir:
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante apenas designado de CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes:
- Da arguição de nulidades;
- Da verificação dos pressupostos para a suspensão da execução do despejo.
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 III. Fundamentação de Facto:
Os factos a considerar são os que constam do antecedente relatório.
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IV. Mérito do recurso:
- Da arguição de nulidades.
Refere a Recorrente/Requerida que a Recorrida/Requerente, através do requerimento de 02.10.2024 (ref. 40585685), suscitou perante o Tribunal a quo o “incidente de auxílio da força pública” para efetivar o despejo imediato do locado, o que fez sem proceder ao pagamento da respetiva taxa de justiça. O Tribunal a quo, por despacho de 04.10.2024, deferiu tal incidente, não se pronunciando sobre a falta de pagamento da taxa de justiça devida, deixando o processo correr os seus trâmites normais.
Refere igualmente que no dia 21.10.2024 o Sr. Agente de execução efetivou o despejo do locado, sendo arrombada a porta do locado e mudada a respetiva fechadura com a presença de dois agentes da GNR, o que fez antes de expirado o prazo de que a Recorrente dispunha para reclamar, recorrer do despacho proferido em 04.10.2024 - através do qual, como vimos, foi autorizada a intervenção da força pública na realização da referida diligência - ou requerer a suspensão da execução.
Defende a Recorrente que, em consequência do exposto, deverão ser declarados nulos todos os atos praticados desde o requerimento apresentado pela Recorrida em 02.10.2024 (incluindo este), anulando-se os mesmos nos termos dos artigos 195º e 196º do CPC.
Analisemos.
Nos termos do disposto no art.º 195º, n.º 1, do CPC, “(…) a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidades quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Alberto dos Reis, em “Comentário ao Código de Processo Civil”, 2º Vol., pág. 484, referindo-se ao artigo 201º do CPC revogado, correspondente ao atual artigo 195º do CPC em vigor, afirmava que “O que (neles) há de característico e frisante é a distinção entre infrações relevantes e infrações irrelevantes. Praticando-se um ato que a lei não admite, omitindo-se um ato ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infração, mas nem sempre esta infração é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos:
a) quando a lei expressamente a decreta;
b) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
No segundo caso, continua o mesmo Autor, “é ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entende que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa”.
A omissão do ato ou da formalidade prescrita influem no exame ou na decisão da causa quando se repercutem na sua instrução, discussão ou julgamento – cfr. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, 3ª Edição, pág. 381.
Posto isto, é regra assente que dos despachos recorre-se e das nulidades reclama-se.
Conforme explicava Alberto dos Reis, Ob. Cit., pág. 507, “a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente”.
Também Teixeira de Sousa, em “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, pág. 372, afirma que “(…) quando a reclamação for admissível, não o pode ser o recurso ordinário, ou seja, esses meios de impugnação não podem ser concorrentes; - se a reclamação for admissível e a parte não impugnar a decisão através dela, em regra está precludida a possibilidade de recorrer dessa mesma decisão”.
Por seu lado, Amâncio Ferreira, em “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8º edição, pág. 52, considera que “a nulidade da sentença exige que a violação da lei processual por parte do juiz, ao proferir alguma decisão, preencha um dos casos agora contemplados no n.º 1 do art.º 615”.
Abrantes Geraldes, em “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, pág. 26, entende que “sempre que o juiz, ao proferir a decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei, o meio de reação da parte vencida passa pela interposição de recurso fundado na nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615 n.º 1 d). Afinal, nesses casos, designadamente quando o juiz aprecie uma determinada questão que traduza uma decisão surpresa, sem respeito pelo princípio do contraditório previsto no art.º 3º, nº 3, a parte prejudicada nem sequer dispôs da possibilidade de arguir a nulidade processual emergente da omissão do acto, não podendo deixar de integrar essa impugnação, de forma imediata no recurso que seja interposto de tal decisão.
Concluindo, só as nulidades incluídas no âmbito do art.º 615, n.º 1, do CPC, podem ser invocadas em recurso ordinário. As demais têm de ser reclamadas para o juiz do processo.
Na situação dos autos, a invocada falta de pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente que a Recorrente entende ter sido deduzido pela Recorrida, bem como a ausência de pronúncia, no despacho proferido em 04.10.2024, sobre essa questão (despacho esse que não é sequer objeto do presente recurso), não se enquadram em nenhuma das alíneas do citado art.º 615, n.º 1 do CPC.
Igualmente não se enquadra em nenhuma das alíneas do n.º 1 do citado normativo a alegada realização, pelo Sr. Agente de Execução, da diligência de despejo com intervenção da força pública antes de esgotado o prazo de reclamação do despacho que autorizou essa intervenção (o já mencionado despacho proferido em 04.10.2024), bem como, diga-se ainda, a ausência de pronúncia, por parte do Tribunal a quo, sobre essa questão.
Em tais circunstâncias, tais questões não são passíveis de conhecimento em sede de recurso ordinário. A existir as invocadas nulidades, deveriam as mesmas ter sido objeto de reclamação para o Tribunal recorrido, em conformidade com o disposto no art.º 196º do CPC.
Atento o exposto, não se conhece das invocadas nulidades.
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Refere a Recorrente que no 21.10.2024 requereu ao Tribunal “a quo” a imediata suspensão das diligências de execução, nos termos do art.º 863º do CPC, ex vi do disposto no artigo 15º-M, n.º 1, do NRAU, deduzindo ainda o incidente de diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação.
Defende que o Tribunal a quo errou, já que estava obrigado a suspender de imediato a execução e não o fez, sendo que contrariamente ao entendimento desse Tribunal encontravam-se preenchidos os requisitos legais para o efeito, reportando-se ao art.º 863º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Conclui que a situação que descreve determina a nulidade da decisão recorrida.
Entendemos que não lhe assiste razão.
Conforme flui do exposto, o Recorrente entende que estavam reunidos os pressupostos previstos no art.º 863º, n.ºs 1 e 2 do CPC para a suspensão das diligências de execução, pelo que o Tribunal a quo errou ao assim não decidir.
Nos termos em que a Recorrente coloca a questão, a mesma não constitui fundamento para a invocação de nulidade da decisão recorrida, pois não integra nenhuma das situações tipificadas no art.º 615º, n.º 1, do CPC, mas antes para a invocação de erro de julgamento.
Assim sendo, conclui-se pela improcedência do recurso no que à invocada nulidade se refere.
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Refere a Recorrente que o Tribunal a quo errou ao proferir decisão sem ter apreciado a prova documental e testemunhal por si indicada no seu requerimento de 21.10.2024, o que fez sem que tenha fundamentado tal omissão.
Defende a Recorrente que a situação consubstancia a prolação de decisão surpresa, o que determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615º, n.º 1, d), do CPC.
Vejamos.
Lida a decisão recorrida, vemos que na mesma se concluiu pelo indeferimento liminar da petição de diferimento da desocupação, nos termos do art.º 865º, n.º 1, a) e b), do CPC, por se ter entendido que essa petição foi extemporaneamente deduzida (entendimento esse que se baseou nos elementos que resultam do próprio processo), ressalvando-se que, mesmo que assim não se entendesse, o fundamento invocado para o diferimento da desocupação também não se ajustaria a qualquer dos fundamentos previstos no art.º 864º do CPC.
Estando em causa uma decisão de indeferimento liminar, motivada por questões processuais e proferida em momento prévio àquele em que teria lugar a produção da prova indicada pela Recorrente - prova essa destinada à demonstração dos fundamentos nos quais a Recorrente alicerça o pedido que formula -, temos por seguro que face a essa decisão a produção dessa prova resulta naturalmente prejudicada. Ou seja, a não produção da prova indicada pela Recorrente resulta da própria decisão recorrida, constituindo consequência lógica da mesma.
Nesse sentido, a prolação da referida decisão sem prévia produção da prova indicada pela Recorrente e sem despacho que expressamente o declare e fundamente, não consubstancia qualquer decisão surpresa, muito menos constitui omissão de pronúncia geradora da nulidade da decisão proferida.
Quanto ao acerto dessa decisão - designadamente, no que concerne à invocada “confusão” entre a “suspensão das diligências de execução” e o incidente de “diferimento da desocupação do locado arrendado para habitação” -, a mesma apenas poderá ser questionada no plano do erro de julgamento.
Assim, também quanto a tal invocada nulidade improcede o presente recurso.
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- Da verificação dos pressupostos para a suspensão da execução do despejo.
Defende a Recorrente que se encontram preenchidos os requisitos legais para a suspensão da execução do despejo previstos no art.º 863º, n.ºs 1 e 2 do CPC, pelo que o Tribunal a quo errou ao não determinar essa suspensão.
Vejamos.
Determina o art.º 15-M, n.º 1, da Lei n.º 6/2006 de 27.02 (NRAU) que “À suspensão e diferimento da desocupação do locado aplicam-se, com as devidas adaptações, o regime previsto nos artigos 863.º a 865.º do Código de Processo Civil.
O art.º 863º do CPC, nos seus n.ºs 1 e 2, estipula o seguinte:
1 - A execução suspende-se se o executado requerer o diferimento da desocupação do local arrendado para habitação, motivada pela cessação do respetivo contrato, nos termos do artigo seguinte.
2 - O agente de execução suspende as diligências executórias sempre que o detentor da coisa, que não tenha sido ouvido e convencido na ação declarativa, exibir algum dos seguintes títulos, com data anterior ao início da execução:
a) Título de arrendamento ou de outro gozo legítimo do prédio, emanado do exequente;
b) Título de subarrendamento ou de cessão da posição contratual, emanado do executado, e documento comprovativo de haver sido requerida no prazo de 15 dias a respetiva notificação ao exequente, ou de o exequente ter especialmente autorizado o subarrendamento ou a cessão, ou de o exequente ter conhecido o subarrendatário ou cessionário como tal.
E o art.º 864º, n.º 1, do CPC, determina que “No caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três.”
Por seu lado, o art.º 865º, n.º 1, do CPC estipula o seguinte:
A petição de diferimento da desocupação assume carácter de urgência e é indeferida liminarmente quando:
a) Tiver sido deduzida fora de prazo;
b) O fundamento não se ajustar a algum dos referidos no artigo anterior;
c) For manifestamente improcedente.”  
Sendo este o quadro legal a considerar, comecemos por averiguar se a execução do despejo deveria ter sido suspensa ao abrigo do disposto no art.º 863º, n.º 1, do CPC.
Conforme decorre do citado art.º 863º, n.º 1, do CPC, a suspensão da execução prevista nesse normativo exige que seja requerido o diferimento da desocupação do local arrendado para habitação, motivada pela cessação do respetivo contrato, nos termos do art.º 864º do CPC.
Naturalmente, essa suspensão apenas terá lugar se a petição de diferimento da desocupação for recebida, já não no caso se a mesma ser liminarmente indeferida nos termos do art.º 865º, n.º 1, do CPC.
O Tribunal a quo, conforme claramente decorre da decisão recorrida, considerou que a petição de diferimento da desocupação foi extemporaneamente deduzida, indeferindo-a liminarmente, nos termos do art.º 865º, n.º 1, a), do CPC.
Essa extemporaneidade, com fundamento na qual foi proferida a decisão de indeferimento liminar da petição de diferimento da desocupação, não foi questionada pela Recorrente em ponto algum do seu recurso.
Ora, em tais circunstâncias, sendo a questão da tempestividade da petição de diferimento da desocupação prévia à questão da averiguação do preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 863º, n.º 1 e 864º do CPC, terá necessariamente de se concluir pela improcedência do presente recurso, pois apenas faria sentido averiguar do preenchimento desses pressupostos caso se concluísse pela tempestividade da referida petição.
Prosseguindo, cumpre averiguar se a execução do despejo deveria ter sido suspensa ao abrigo do disposto no art.º 863º, n.º 2, do CPC.    
Tal como bem refere a Recorrente, o incidente de diferimento da desocupação do locado a que aludem os artigos 863º, n.º 1 e 864º do CPC, não se confunde com o pedido de suspensão da execução ao abrigo do disposto no art.º 863º, n.ºs 2 e 3, do CPC.
Efetivamente, esse pedido de suspensão, traduzindo-se numa suspensão das diligências executórias a levar a cabo pelo agente de execução e a ser tramitado nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do art.º 863º do CPC, distingue-se do diferimento de desocupação previsto no art.º 864º, tramitado nos termos previstos no art.º 865º do CPC.
Ora, em 21.10.2024 a Recorrente apresentou nos autos o requerimento sobre o qual incidiu a decisão recorrida, cujo teor aqui se dá por reproduzido, no qual começa por referir que “vem invocar e requerer a V. Exa., se digne determinar a suspensão imediato dos presentes autos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 863.º a 865.º do C.P.C., ex vi do Nº 1, DO artigo 15º M do NRAU, suscitando para o efeitoINCIDENTE DE DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO DE IMÓVEL ARRENDADO PARA HABITAÇÃO”, nos termos e pelos seguintes fundamentos (…)” – sublinhado nosso.
Conforme claramente decorre do teor desse requerimento, a Recorrente apenas deduziu o incidente de diferimento da desocupação do locado, nos termos do art.º 864º do CPC, visando, designadamente, o efeito previsto no art.º 863º, n.º 1, do mesmo diploma, ou seja, a suspensão da execução que lhe está associada.
Em ponto algum desse requerimento é peticionada a suspensão da execução ao abrigo do disposto no art.º 863º, n.º 2, do CPC.
O Tribunal a quo também assim entendeu.
Efetivamente, a decisão recorrida começa por referir que “Mediante requerimento com a referência Citius 40790750, veio a Ré deduzir incidente de diferimento da desocupação do locado, ao abrigo do disposto nos artigos 863.º a 865.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 15.º-M do Novo Regime do Arrendamento Urbano (…)” - sublinhado nosso.
A questão da suspensão da execução ao abrigo do disposto no art.º 863º, n.º 2, do CPC, apenas foi suscitada em sede de recurso, constituindo, como tal, uma questão nova.
Em face do exposto, não pode este Tribunal de recurso pronunciar-se, e não se pronunciará, sobre tal questão nova, não suscitada perante o Tribunal a quo.
Improcede assim, quanto a tal matéria, o presente recurso
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V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível abaixo identificados em julgar improcedente o presente recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe.
Notifique.
*
Lisboa, 30/01/2025,
Susana Maria Mesquita Gonçalves
Laurinda Gemas
Rute Sobral