PENHORA
CRÉDITO
VENCIMENTO
CUSTAS
Sumário

I – No âmbito da penhora de créditos – entre os quais figuram os vencimentos ou salários enunciados no artº. 779º, do CPC -, cumprida a notificação do devedor (secundário) inscrita no nº. 1, do artº. 773º, do mesmo diploma, e nada declarando a entidade patronal notificada, ocorre reconhecimento tácito da obrigação, nos exactos termos da indicação do crédito à penhora por parte do credor/exequente (o nº. 4, do mesmo normativo) ;
II - tal reconhecimento configura-se como um efeito cominatório da omissão de pronúncia sobre o crédito penhorado, o qual, de forma ficta, tem-se por confessado, com consequente presunção da sua existência e amplitude indicadas no requerimento de penhora (admissão da sua existência qualitativa e quantitativa, conforme indicação aposta no requerimento de indicação à penhora) ;
III - todavia, caso o exequente venha a instaurar execução própria contra o terceiro devedor (entidade patronal), pode este, na competente oposição à execução (embargos), impugnar ou excepcionar o crédito (ou seja, o alegado crédito do devedor sobre si, que não o crédito do exequente sobre o executado originário), quer no que concerne à própria existência, quer no que concerne á sua configuração ou quantum, admitindo-se a invocação de todos os meios de defesa que tenha contra a pretensão executiva ;
IV - ou seja, a aludida presunção acerca da existência do crédito, assente no silêncio da entidade patronal (terceira devedora), é ilidível ;
V - todavia, formando-se, nos termos do nº. 3, do artº. 777º, e nº. 4, do artº. 773º, ambos do CPC, um título executivo judicial impróprio – título executivo de formação complexa, constituído pela certificação da notificação da entidade patronal e seu subsequente silêncio -, a prestação que o exequente pode exigir, na aludida execução derivada, é aquela em que a entidade patronal é faltosa, a qual não se confunde com a prestação em dívida pelo executado, objecto dos autos de execução ;
VI - ou seja, a obrigação da entidade patronal circunscreve-se ou delimita-se, enquanto devedora do executado, à entrega daquilo que ficou obrigada a depositar no processo executivo, na sequência da concretizada penhora ;
VII - a aludida notificação do devedor, nos termos do nº. 1, do artº. 773º e nº. 1, do artº. 779º, ambos do CPC, deve ter-se por válida mediante a indicação dos elementos suficientes à identificação do crédito, o que se preenche mediante a indicação do devedor (entidade patronal) e o montante máximo peticionado, definido pelo valor da quantia exequenda ;
VIII - pelo que, caso a entidade patronal nada diga dentro do prazo inscrito no nº. 2, do artº. 773º, negando ou configurando, de forma diferenciada, a sua obrigação periódica de natureza laboral, tal implica que a aceitou nos exactos termos em que ocorreu a sua nomeação à penhora ;
IX -  porém, constituindo tal reconhecimento uma presunção ilidível, sempre pode o terceiro devedor (entidade patronal), para além de negar a existência do crédito, discutir o seu montante, apresentando nos autos de embargos toda a factualidade susceptível de afectar a preliminar indicação feita quanto à quantia exequenda ;
X - e, não possuindo o exequente informação acerca do montante do crédito penhorado (decorrente do incumprimento, por parte da entidade patronal, do dever de informação inscrito no nº. 2, do artº. 773º, do CPC), nada o impede de efectuar a notificação da entidade patronal devedora com referência à totalidade da dívida exequenda na execução movida contra o suposto titular de tal crédito, cabendo então à entidade patronal devedora vir apresentar oposição à execução contra ela instaurada, invocando, para o efeito, que o valor da sua obrigação é inferior àquele montante ;
XI - nomeadamente, alegando e expondo todos os elementos factuais que permitam delimitar, de forma diferenciada, a obrigação exequenda, fazendo-a coincidir com o valor real da obrigação da entidade patronal devedora, através da indicação do valor do salário e data do vencimento deste.
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil

Texto Integral

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:

I – RELATÓRIO
1 – A …, S.A., com sede na Praça … - …, nº. …, Porto, instaurou acção executiva, sob a forma de processo ordinário, contra:
§ C …, residente na Rua …, …, … - Direito, Amadora,
peticionando o pagamento da quantia total liquidada de 25.728,69 €.
Alegou, em súmula, o seguinte:
§ a Exequente é dona e legítima portadora de livrança ora dada à execução, com data de emissão em 27/09/2019 e de vencimento em 01/06/2023, com o valor de € 25.607,37 €, subscrita pelo Executado ;
§ apresentada a pagamento na data do respetivo vencimento, a mesma não foi paga, nem posteriormente, apesar de interpelado o Executado para o efeito, em 31/03/2023 e 12/05/2023 ;
§ a livrança ora dada à execução constitui título executivo bastante, de acordo com o artigo 703º/1 c) do Código de Processo Civil, sendo a dívida certa, líquida e exigível ;
§ são devidos os juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, e sobre esses juros incide e é devido ainda o Imposto de Selo, até efetivo e integral pagamento ;
§ pelo exposto, requer a Exequente o pagamento por parte do Executado, da quantia global de € 25.728,69 € referente ao capital, juros vencidos até à data de entrada da presente execução, assim como do respetivo Imposto de Selo, conforme melhor identificado na liquidação da obrigação.
§ Mais requer o pagamento dos juros vincendos até efetivo e integral pagamento.
§ ao valor constante na livrança, no montante de € 25.607,37, acrescem os juros de mora, à taxa de 4%, desde a data de vencimento, em 01/06/2023, até à presente data (12/07/2023), que totalizam a quantia de € 116,66, bem como o Imposto de Selo, à taxa de 4% sobre os juros devidos, no montante de € 4,67, tudo perfazendo a quantia global de € 25.728,69.
§ São, ainda, devidos os juros de mora, bem como o Imposto de Selo, vincendos até efetivo e integral pagamento.
A presente execução foi instaurada em 12/07/2023.
2 – Conforme despacho de 04/10/2023, foi ordenada a citação do Executado para, em 20 dias, pagar ou apresentar oposição à execução.
3 – Em 12/12/2023, o Sr. Agente de Execução enviou notificação para a B …, LDA., da qual consta, no que ora releva, o seguinte teor:
“Fica(m) V. Exa(s). pela presente notificado(s), nos termos e para efeitos do disposto no artigo 779º do Código Processo Civil (C.P.C.), na qualidade de entidade patronal/entidade pagadora, para a penhora dos respetivos abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos devidos ao executado adiante indicado, nomeadamente indemnização ou compensação que aquele tenha a receber, até que seja atingido o limite previsto também adiante indicado.
No prazo de DEZ DIAS deve(m) declarar qual o vencimento do referido funcionário (ver informações complementares para melhor esclarecimento).
Nos termos do artigo 738º do CPC são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado. Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.
A impenhorabilidade atrás referida tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.
VALOR TOTAL PREVISTO
29.264,87 Euros
IDENTIFICAÇÃO DO EXECUTADO
C…, NIF: …; BI:
COMINAÇÃO / ADVERTÊNCIAS
Se nada disser, entende-se que reconhecem a existência da obrigação (nº 4 do artigo 773º do CPC).
Se faltarem conscientemente à verdade incorrem na responsabilidade do litigante de má-fé (nº5 do artigo 773º do CPC).
Não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.
Nos termos do Artigo 417.º do CPC, a falta de colaboração pode ser sancionada com multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis.
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
Como responder à presente notificação:
 A resposta à presente notificação é prestada por meio de termo ou de simples requerimento dirigido ao signatário, no prazo de DEZ dias, juntando para o efeito o último recibo de vencimento do executado (do qual conste o salário ilíquido, descontos e retenções bem assim as demais regalias, incluindo subsidio de refeição, deslocação, etc), devendo do recibo ser previamente rasurados os dados pessoais do executado, ou , em alternativa, discriminar todos os créditos e débitos que constam do recibo vencimento.
Se o executado não for trabalhador devem informar de tal facto, esclarecendo se este nunca o foi ou a data em que terminou o vínculo laboral.
Se assim o pretenderem, podem solicitar ao Agente de Execução que determine o valor a ser penhorado.
No sítio de internet www.solicitador.org/CE está disponível um simulador para cálculo da penhora.
Como fazer o pagamento:
O pagamento do valor que venha a ser retido ao trabalhador deverá ser pago mensalmente através da referência multibanco supra indicada ou ao balcão de qualquer Agência do Millennium BCP”.
4 – Tendo tal notificação sido recepcionada em 13/12/2023.
5 – Atenta a falta de resposta da entidade patronal do Executado, o Sr. Agente de Execução, em 10/01/2024, remeteu-lhe nova notificação, com o seguinte teor:
“OBJETO E FUNDAMENTO DA NOTIFICAÇÃO
Não tendo V.Exª(s) respondido à notificação para penhora de salários (de que se junta cópia), ficam pela presente notificados, nos termos e para efeitos do disposto no nº 4 do artigo 773º do Código Processo Civil, para procederem ao pagamento do valor global de 28.301,56 euros, utilizando para o efeito as referências de pagamento constantes do documento junto.
REQUERIDO(S)
C…, NIF: …; BI:
ADVERTÊNCIAS
O devedor que não a haja contestado é obrigado a depositar a respetiva importância em instituição de crédito, à ordem do agente de Execução (ver informações complementares quanto ao pagamento).
Mais se adverte nos termos do n.º 3 do artigo 777.º do Código do Processo Civil, "não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
Como fazer o pagamento:
Deverão proceder ao pagamento do respetivo valor, através de Multibanco, utilizando a referência constante do documento anexo. Sendo o valor superior a 99999.99 €, o pagamento terá de ser feito no balcão do Millennium BCP através de cheque visado.
ANEXOS
Cópia da notificação de penhora e respetivo AR
NOT - penhora de salários e transferência - Ref.
Folha de Suporte - Anexo PE 2164.pd”.
6 – Não tendo a identificada entidade patronal do Executado, pelo menos até 29/01/2024, respondido ou dado qualquer informação.
7 – Em 31/01/2024, a Exequente veio apresentar novo requerimento executivo, em cumulação, contra a identificada entidade patronal do Executado – B …, LDA. -, alegando o seguinte:
“1 – A Exequente intentou a presente acção executiva, dado que é dona e legítima portadora da livrança ora dada à execução.
2 – Assim, os Executados são devedores do montante de capital de € 25.607,37, e acresce juros de mora de 4%, sendo que, à data da entrada da execução, a quantia exequenda totalizava a quantia global de €25.728,69.
3 - No âmbito da presente execução, foi requerida a penhora de vencimento do Executado C …, junto da Entidade Patronal B …, LDA..
4- A dita Entidade Patronal foi notificada pelo Agente de Execução a 12.12.2023, nos termos do artigo 779º do Código de Processo Civil, notificação esta recebida a 13.12.2023, conforme documento nº1.
5 - A 10.01.2024, tendo em consideração que a referida Entidade Patronal continuou sem prestar qualquer informação, o Agente de Execução notificou a mesma nos termos do número 4 do artigo 773º para proceder ao pagamento de € 28.301,56, conforme documento nº1.
6 – Tudo ainda conforme certidão lavrada pelo Senhor Agente de Execução, que se junta como documento nº 2.
7 - No entanto, a entidade patronal continuou sem proceder a qualquer comunicação, pelo que vem o Exequente A …, S.A., exigir nestes autos a prestação devida, contra a B …. LDA
A Executada é responsável pelo pagamento da quantia pelo qual foi notificada, de €28.301,56, à qual deverão acrescer juros vincendos e vencidos até integralmente pagamento”.
8 – Em 06/02/2024, foi proferido o seguinte DESPACHO:
“Ref.ª … 85 do p. e. (31.01.2024): atento o previsto no n.º 3 do art. 777.º do CPC e os documentos anexos, admite-se o prosseguimento da execução contra a B …, LDA., para cobrança coerciva da parte penhorável dos créditos remuneratórios penhorados (cfr. artigo 738.º e n.º 1 do artigo 779.º do CPC) que se venceram desde a data de notificação da devedora (13.12.2023), indeferindo-se liminarmente o requerimento executivo na parte que excede o valor desses créditos remuneratórios (cfr. al. a) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 726.º do CPC).
Notifique e d.n.
Comunique ao Sr. AE.”.
9 – Inconformada com o decidido, a Exequente interpôs recurso de apelação, em 14/02/2024, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
“A. Em 31 de Janeiro da 2024 o ora Recorrente, por cumulação à acção executiva, requereu o prosseguimento da instância executiva contra a Entidade Patronal do Executado, nos termos do número 3 do artigo 777º do Código de porquanto a mesma não respondeu às notificações do Agente de Execução para penhora de vencimento do Executado.
B. A 7 de Fevereiro de 2024, o Tribunal a quo proferiu despacho, indeferindo parcialmente o requerido, decretando o prosseguimento da execução contra a entidade patronal apenas para cobrança coerciva da parte penhorável dos créditos remuneratórios que se venceram desde a data de notificação da devedora.
C. O ora Recorrente não se conforma com este entendimento.
D. É claro que, incumprindo com a sua obrigação a entidade patronal notificada para promover a penhora do vencimento, o Exequente apenas poderá exigir a prestação que lhe é devida, ou seja os descontos no vencimento do Executado.
E. Acontece que “desconhecendo o exequente o montante do salário do devedor, é de considerar satisfeito o dever de identificação do crédito penhorado mediante a identificação do credor seguida do montante máximo da execução, definido pelo valor da quantia exequenda, pelo que se, nessas circunstâncias, devidamente notificada, a entidade patronal nada esclarece a respeito do penhorado crédito e não procede, subsequentemente, ao depósito da quantia correspondente à indicada na penhora, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 860.º do Código de Processo Civil, na versão anterior a 01-09-2013, presume-se que o seu débito corresponde ao valor indicado na notificação que para o efeito lhe foi efectuada” (Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães, Processo nº 3060/14.3T8VNF-B.G1, de 11-01-2018).
F. Assim, salvo o devido respeito, que é muito, não se poderá concordar com o despacho recorrido, visto que, constando na nota de citação que a entidade empregadora ficava advertida de que se nada dissesse se entendia que reconhecia a existência da obrigação, ficando obrigada ao pagamento integral do valor em dívida, sendo certo que a referida Entidade Patronal foi regularmente notificada com observância das formalidades prescritas para a citação.
G. Assim, a Entidade Patronal não respondeu ao senhor Agente de Execução e não juntou aos autos quaisquer comprovativos de descontos efetuados nas remunerações do Executado.
H. Desconhecendo o Exequente qual a prestação devida pela Entidade Patronal, porque desconhecendo o vencimento do Executado, não a conseguirá quantificar, pelo que presume-se que o seu débito corresponde ao valor indicado que para o efeito foi efetuada, ou seja, € 28.301,56.
I. Assim sendo, deverá o despacho proferido ser substituído por outro, decretando o prosseguimento da execução contra a entidade patronal, B …, LDA., nos mesmos termos do Executado, ou seja, pelo montante pelo qual foi notificada, de € 28.301,56, sendo o presente recurso julgado procedente”.
Conclui, no sentido da procedência do recurso e, consequentemente, pugna pela alteração da decisão recorrida.
10 – Não constam dos autos terem sido apresentadas contra-alegações.
11 – O recurso foi admitido por despacho datado de 12/03/2024, como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
12 – Constatado, no presente Tribunal, não ter o Tribunal a quo observado o prescrito no nº. 7, do artº. 641º, do Cód. de Processo Civil, por despacho do Relator de 28/05/2024, foi determinada a baixa dos autos à 1ª instância, de forma a determinar-se tal cumprimento, ou esclarecer o motivo pelo qual se entende não dever ser o mesmo cumprido.
13 – O cumprimento da citação legalmente determinada, observada nos autos executivos, foi consignado por despacho de 17/12/2024.
14 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
“1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pelo Recorrente Exequente, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se em determinar, no âmbito da penhora de créditos, incumprindo o devedor a obrigação de depósito do crédito penhorado, qual a amplitude ou âmbito da prestação exigível pelo exequente, nos termos do nº. 3, do artº. 777º, do Cód. de Processo Civil.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade a considerar é a que resulta do iter processual supra exposto.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A decisão apelada ajuizou, no essencial, mediante o seguinte argumentário:

  • Nos termos do nº. 3, do artº. 777º, do Cód. de Processo Civil, foi admitido o prosseguimento da execução contra a entidade patronal do Executado, para cobrança coerciva da parte penhorável dos créditos remuneratórios penhorados (artigos 738º, nº. 1 e 779º, ambos do Cód. de Processo Civil) ;
  • Limitando-se aos que se venceram desde a data da notificação da ora devedora (entidade patronal), ou seja, 13/12/2023 ;
  • Indeferindo-se liminarmente o requerimento executivo na parte que excede o valor desses créditos remuneratórios (artº. 726º, nºs. 2, alín. a) e 3, do Cód. de Processo Civil).
    Em sede recursória, enuncia o Apelante Exequente que:
    - Entendeu a decisão apelada que o prosseguimento da execução contra a entidade patronal do Executado seria apenas para cobrança coerciva da parte penhorável dos créditos remuneratórios penhorados que se venceram desde a notificação da devedora (entidade patronal) ;
    - Consta da nota de citação efectuada à entidade patronal que esta ficava advertida de que, caso nada dissesse, reconhecia a existência da obrigação, ficando obrigada ao pagamento integral do valor da dívida ;
    - Nada dizendo a mesma entidade patronal, desconhecendo o Exequente qual a prestação devida pela entidade patronal, porque desconhece o vencimento do Executado, presume-se que o seu débito corresponde ao valor indicado na notificação que para o efeito lhe foi efectuada, ou seja, € 28.301,56.
    Vejamos.
    Prescreve o nº. 5, do artº. 10º, do Cód. de Processo Civil, que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
    Por sua vez, procedendo à enunciação das espécies de títulos executivos – consagrando o princípio da tipicidade dos títulos executivos -, estatuem as alíneas a) e d), do nº. 1, do artº. 703º, do mesmo diploma, que, entre o mais, “à execução apenas podem servir de base:
    a) as sentenças condenatórias ;
    (….)
    d) os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”.
    Prevendo a propósito da delimitação da indicação dos créditos penhoráveis, referencia a 1ª parte, do nº. 3, do artº. 724º, do Cód. de Processo Civil (ulteriormente identificado como CPC), que “quando se pretenda a penhora de créditos, deve declarar-se, tando quanto possível, a identidade do devedor, o montante, a natureza e a origem da dívida, o título de que constam, as garantias existentes e a data do vencimento”.
    Estatuindo acerca da penhora de créditos, prescrevem os nºs. 1 a 5, do artº. 773º, do CPC, que:
    “1 - A penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução.
    2 - Cumpre ao devedor declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução.
    3 - Não podendo ser efetuadas no ato da notificação, as declarações referidas no número anterior são prestadas por escrito ao agente de execução, no prazo de 10 dias.
    4 - Se o devedor nada disser, entende-se que ele reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora.
    5 - Se faltar conscientemente à verdade, o devedor incorre na responsabilidade do litigante de má-fé” (sublinhado nosso).
    Acrescentam os nºs. 1 a 3, do artº. 777º, do mesmo diploma, prevendo acerca do depósito ou entrega da prestação devida, que:
    “1 - Logo que a dívida se vença, o devedor que não a haja contestado é obrigado:
    a) A depositar a respetiva importância em instituição de crédito à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução sejam realizadas por oficial de justiça, da secretaria; e
    b) A apresentar o documento do depósito ou a entregar a coisa devida ao agente de execução ou à secretaria, que funciona como seu depositário.
    2 - Se o crédito já estiver vendido ou adjudicado e a aquisição tiver sido notificada ao devedor, a prestação é entregue ao respetivo adquirente.
    3 - Não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito” (sublinhado nosso).
    Por fim, equacionando especificamente no que concerne à penhora de rendas, abonos, vencimentos ou salários, estatuem os nºs. 1 e 2, do artº. 779º, ainda do CPC, que:
    “1 - Quando a penhora recaia sobre rendas, abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos, incluindo prestações sociais e pensões, é notificado o locatário, o empregador ou a entidade que os deva pagar para que faça, nas quantias devidas, o desconto correspondente ao crédito penhorado e proceda ao depósito em instituição de crédito.
    2 - As quantias depositadas ficam à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, mantendo-se indisponíveis até ao termo do prazo para a oposição do executado, caso este se não oponha, ou, caso contrário, até ao trânsito em julgado da decisão que sobre ela recaia” (sublinhado nosso).
    Referencia Rui Pinto – A Ação Executiva, AAFDL, Lisboa, 2ª reimpressão, 2020, pág. 578 e 582 a 587 – que o legislador, ao prever acerca da penhora de direitos, pretende referir-se “à penhora de qualquer posição jurídica ativa que não seja tratada em sede de penhora de imóveis ou em sede de penhora de móveis”, constituindo-se, assim, como “uma categoria legislativa residual”.
    Assim, operando-se a notificação, pelo agente de execução, nos termos do transcrito nº. 1, do artº. 773º, pode o terceiro adoptar “comportamentos processuais diferentes, sendo certo que está vinculado a um dever de boa fé processual”, conforme expressamente enunciado no nº. 5, do mesmo normativo.
    Deste modo, pode o terceiro, “no ato da notificação ou no prazo de 10 dias”, e “por termo ou simples requerimento:
    a. reconhecer que o crédito existe como alegado, de modo tácito ;
    b. reconhecer que o crédito existe como alegado, de modo expresso, simples ou com reservas ;
    c. contestar a existência do crédito”.
    Ora, a situação de reconhecimento tácito da obrigação “nos precisos termos em que foi indicada à penhora (cf. artigo 773º nº. 4), é um efeito cominatório pleno da omissão de pronúncia sobre o crédito.
    Tem-se, fictamente, a dívida por confessada, embora apenas para efeitos daquele concreto processo executivo. Portanto, não há aqui valor de caso julgado, mas um valor de preclusão, ou seja, de caducidade do direito de defesa quanto a uma questão concreta e apenas no âmbito de eficácia da execução pendente”.
    Desta forma, aduz, “liberto do ferrolho do caso julgado, o debitor debitoris pode sempre impugnar em outra ação a «existência do crédito ou alegar contra ele qualquer exceção»”, citando Teixeira de Sousa, tal como implicitamente admite o nº. 4 do artº. 773º: “se vier a ser instaurada, pelo exequente ou pelo adquirente, execução própria contra o terceiro devedor, pode este, na competente oposição à execução, impugnar ou excecionar o crédito, com as consequências que ali se determinam de verificação da respectiva inexistência. Compreende-se: a execução em questão não é de sentença, mas de título diverso de sentença – a notificação efectuada e a falta de declaração (cf. artigo 777º, nº. 3) -, beneficiando o executado dos fundamentos gerais do artigo 731º”.
    Assim, “em caso de não cumprimento pelo terceiro devedor pode ser proposta acção executiva pelo exequente ou pelo adquirente do crédito, nos termos do artigo 777º nº. 3, consoante o crédito ainda esteja penhorado ou já tenha sido vendido”.
    Assim, “se a execução for proposta pelo exequente, o título executivo é o documento demonstrativo da ocorrência da confissão de dívida, (i) expressa ou (ii) tácita, conforme o artigo 777º nº. 1. A saber, nos termos do nº. 3 do mesmo artigo: (i) a declaração de reconhecimento do devedor ou a (ii) notificação efectuada acompanhada do termo no processo de falta de declaração, se o reconhecimento resultou da não contestação (cf. artigo 773º nº. 4).
    Portanto, configura-se a relevância extraprocessual da confissão, expressa ou ficta, da dívida”.
    Acrescenta o mesmo Autor que a “execução do crédito do executado contra o seu devedor é tradicionalmente vista como formalmente autónoma, mas o artigo 777º nº. 3 vem expressamente admitir – opcionalmente, diríamos – que ela corra «nos próprios autos da execução». Obviamente, não se confunde com a própria execução pendente da sua própria dívida, sendo diversas tanto a dívida, como as partes”.
    Citando o douto aresto da RP de 27/05/2008 – Relatora: Cristina Coelho, Processo nº. 0821601 -, aduz que “ao exequente é lícito exigir a prestação – a prestação em que a entidade patronal é faltosa e só essa – não se confundindo a mesma com a prestação em dívida pelo executado e objecto da execução” e, por isso, se a entidade patronal entregou ao solicitador de execução (por este se ter recusado a fazer o cálculo das prestações em dívida) cheque no montante da quantia exequenda e custas, para evitar a penhora em bens seus (e não para fazer cessar a execução),  tal não equivale a pagamento voluntário da quantia exequenda determinante da extinção da execução” (sublinhado nosso).
    Acrescentam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa – Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, pág. 162 e 163 – que “caso o terceiro devedor não cumpra a sua prestação, poderá ser executado nos próprios autos de execução pelo exequente ou pelo adquirente, constituindo título executivo, consoante as circunstâncias, a certificação da declaração do seu reconhecimento do crédito, a certificação da sua notificação e subsequente silêncio (art. 773º, nº. 4) ou o título de aquisição do crédito (art. 827º, nº. 1)”.
    Acrescentam que tal execução contra o terceiro devedor “é incidental e instrumental relativamente à execução originária, estando dependente das vicissitudes que nesta aconteçam, de modo que a extinção, total ou parcial, da execução principal altera o objeto da execução incidental ou fá-la mesmo perder a sua utilidade (…)”.
    Deste modo, a prestação a que o nº. 3, do artº. 777º se reporta “não é do executado perante o exequente mas antes a do terceiro perante o próprio executado”.
    Decorrente do título executivo judicial impróprio que assim se forma, “na execução que lhe for movida ao abrigo do nº. 3, o debitor debitoris que se tenha remetido ao silêncio pode, em sede de oposição à execução (arts. 728º, nº. 1 e 731º), impugnar a existência do crédito ou deduzir exceções perentórias contra o mesmo, com as consequências daí advenientes. É, pois, ilidível a presunção acerca da existência do crédito assente no silêncio do terceiro devedor (art. 773º, nº. 4), sendo admitido a invocar todos os meios de defesa que tenha contra a pretensão executiva, incluindo os que tinha à data da penhora e que então omitiu” (sublinhado nosso).
    Por sua vez, referenciam Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre – Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, 3ª Edição, Almedina, pág. 633 a 637 – que, vencida a obrigação e não cumprindo o terceiro devedor, a quantia em dívida pode ser exigida em execução contra ele movida pelo exequente, “em substituição processual do executado”.
    Tal execução tem por base “um título executivo judicial impróprio”, constituído nos termos do nº. 3, do artº. 777º, pelo que, se o devedor nada disser, “o título executivo é de formação complexa: constitui-o a notificação efetuada ao devedor (art. 773-1) e a falta de declaração, verificada no processo”.
    Acrescentam que “na oposição à execução que contra ele é movida, não está o terceiro devedor limitado pelos fundamentos do art. 729, aplicando-se, sim, o art. 731: pode ser invocado qualquer fundamento, relativamente à sua dívida para com o executado (e não, obviamente, quanto à dívida deste para com o exequente (….)), que pudesse ser invocado em ação declarativa”.
    Por fim, referenciam que “o terceiro devedor não é garante da obrigação do executado, nem a outro título responsável pelo seu pagamento, limitando-se a sua obrigação à entrega do que, dada a sua qualidade de devedor do executado, ficou obrigado a depositar no processo executivo por via da apreensão feita” (sublinhado nosso).
    Lebre de Freitas, a solo e em diferenciada obra – A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª Edição, Gestlegal, pág. 287 -, defende que na penhora de direito de crédito, pode o devedor, no prazo de 10 dias após a notificação prevista no nº. 1, do artº. 773º, “nada fazer, o que tem o efeito cominatório de equivaler ao reconhecimento do crédito, nos termos constantes da indicação do crédito à penhora (art. 773-4), se a houver, e transmitidos ao terceiro devedor no ato da notificação, constituindo título executivo a notificação efectuada e a falta de declaração (art. 777-3) ; mas, se, não pagando o terceiro devedor, contra ele for proposta execução, é-lhe ainda possível, em oposição, provar que o crédito não existia, com o que a penhora do direito de crédito se extingue e a venda, a ter tido lugar, é anulada, sem prejuízo do direito do exequente a haver do terceiro devedor uma indemnização, que pode ser feita valer na própria oposição (art. 777-4)”.
    Em termos jurisprudenciais, vejamos, exemplificativamente, como tem sido entendida a penhora de créditos de salários, bem como a constituição do título executivo (todos in www.dgsi.pt).
    No douto Acórdão da RL de 12/05/2011 – Relatora: Ondina Carmo Alves, Processo nº. 2-C/2002.L2-2 –, reportado ao enquadramento normativo antecedente à Lei nº. 41/2013, de 26/06, referenciou-se que “se o crédito que se pretende penhorar é de salários, essa penhora consuma-se com a notificação à entidade patronal de que o crédito do trabalhador pelos salários que tenha a receber e de quem a entidade patronal é, ou será, devedora, fica á ordem do tribunal de execução”.
    Desta forma, a “pessoa singular ou colectiva indicada como entidade patronal do executado, logo que notificada para iniciar os descontos decorrentes da penhora de um crédito sobre o salário ou vencimento desse seu empregado, tem o dever de dar cumprimento a essas obrigações que sobre si pendem, nos termos do n.º 2 do citado artigo, sob pena da cominação prevista no n.º 3, ou seja, de se vir a entender que o devedor reconhece a existência da obrigação nos termos estabelecidos na nomeação do crédito á penhora”.
    Assim, “o reconhecimento da dívida resultante da inacção do terceiro devedor do executado - entidade patronal - nos termos do citado nº 3 do artigo 856.º do CPC assenta numa presunção, ilidível em sede de oposição à execução, vindo a traduzir-se na inversão do ónus da prova. Esta orientação que era já acolhida na doutrina e em alguma jurisprudência, veio a ter expressa consagração no actual nº 4 do artigo 860º do CPC, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.
    Tal significa que a omissão de qualquer declaração do terceiro devedor não impede que esse terceiro possa, em momento posterior, na oposição à execução acessória, por via da formação do título executivo ao abrigo do artigo 860º, nº 3 do CPC, invocar qualquer fundamento de impugnação ou de excepção peremptória que lhe fosse possível invocar na acção declarativa”.
    Com efeito, justifica, “o terceiro devedor do crédito penhorado, in casu, - salários que o executado viesse a receber após Março de 2007 - não sendo, efectivamente, parte processual nessa primitiva acção executiva, é, todavia, um colaborador compulsivo da execução, o qual está adstrito ao dever de colaboração com o Tribunal, implicando, aliás, a imposição de um ónus que excede os limites normais do dever de colaboração de um vulgar terceiro em processo civil” (sublinhado nosso).
    No douto aresto da RP de 05/11/2015 – Relator: Amaral Ferreira, Processo nº. 567/14.6T2AGD-A.P1 -, ajuizando acerca dos meios de defesa de que o terceiro devedor pode lançar mão contra a pretensão executiva, relativamente à existência dos direitos de crédito, sumariou-se que “sendo a acção executiva baseada em titulo judicial impróprio, formado pala notificação efectuada e a falta de declaração do terceiro devedor, não está este impedido de deduzir, por embargos, os meios de defesa que tenha contra a pretensão executiva, incluídos os que tinha à data da penhora, relativamente à existência do direito de crédito, por não estar sujeito, no que respeita aos fundamentos dos embargos, à enunciação restritiva do direito adjectivo civil”.
    A propósito do reconhecimento da obrigação e da presunção daí decorrente, sumariou-se no douto Acórdão da RG de 24/11/2016 – Relator: João Diogo Rodrigues, Processo nº. 1148/14.0T8VNF-A.G1 – que “na penhora de créditos, se o devedor nada disser no prazo estipulado, entende-se que ele reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora”, constituindo, todavia, este reconhecimento “uma presunção que é ilidível, não na ação executiva propriamente dita, mas em sede de oposição à execução” (sublinhado nosso).
    E, citando aresto da RP de 01/03/2005 – Processo nº. 0427011 -, referencia que “este reconhecimento, no entanto, não pode ser encarado como um reconhecimento inabalável, fundado numa presunção “juris et de jure” decorrente de um cominatório pleno ou semipleno como o existente entre partes processuais, pois é bastante diferente da inacção de quem, sendo parte na causa, e estando citado para a acção, pura e simplesmente se não quis defender de factos que lhes eram directamente imputáveis.
    Na cominação entre as partes, o sujeito cominado conhecia a causa de pedir e o pedido contra ele era formulado, e poderia logo equacionar as consequências dessa omissão comportamental em toda a sua extensão, havendo assim uma relação de conhecimento directo, que justifica a proporcionalidade entre a falta de acção e as consequências.
    Aqui, pelo contrário, estamos perante uma sanção imposta a quem é estranho à causa, que não conhece os exactos termos dela” (a propósito da constitucionalidade da solução legal de presumir a existência de um direito de crédito e de um verdadeiro e legítimo título executivo, cf., o douto Acórdão do STJ de 04/10/2007, Relator: Santos Bernardino, Processo nº. 07B2557).
    No douto Acórdão da RE de 25/05/2017 – Relator: Sílvio Sousa, Processo nº. 329/14.0TBPS-E.E1 -, evidenciando-se a legal solução de formação de título executivo, fundante da execução contra o terceiro devedor, nas situações em que ocorre reconhecimento expresso ou tácito do crédito, em consequência da notificação do devedor para a penhora, consignou-se expressamente não ser razoável aceitar “notificações para efeitos de penhora de créditos, com efeito continuada, ou ad aeternum. Não é admissível a penhora de créditos futuros e incertos.
    O crédito tem de existir, aquando da penhora”.
    No douto Acórdão do STJ de 22/06/2021 – Relator: Fernando Samões, Processo nº. 5836/15.5T8VNF-C.G1.S1 -, após o equacionar do quadro legal, concluiu-se, em síntese, no que se reporta ao regime da penhora de créditos, formalidades observandas e conteúdo da notificação a dirigir ao terceiro (eventual devedor do executado) que (ignoram-se as notas de rodapé):
     “- a penhora faz-se por via de notificação dirigida ao terceiro;
    - tal notificação realiza-se nos termos e com as formalidades da citação pessoal, com remessa ou entrega da documentação pertinente (documentação que alude ao crédito objecto de penhora);
    - a notificação deve advertir o terceiro de que o crédito penhorado fica à ordem do agente de execução;
    - a notificação deve indicar expressamente o prazo, referido no nº 3 do art. 773º do CPC, de que o terceiro dispõe para prestar declarações na execução acerca do crédito penhorado;
    - a notificação deve indicar expressamente a cominação prevista no nº 4 do art. 773º do CPC, para a eventualidade de o terceiro nada dizer na sequência da penhora;
    - firmada na acção executiva a existência do crédito penhorado, seja por ter sido reconhecido expressamente pelo terceiro, seja por este se ter remetido ao silêncio, fica o terceiro obrigado, assim que a dívida se vença, a depositar a respectiva quantia em instituição de crédito à ordem do agente execução e a comprovar esse depósito nos autos, conforme prescreve o nº 1 do art. 777º do CPC;
    - caso o terceiro assim não proceda, sujeita-se a ser objecto de execução destinada a obter a quantia cujo depósito omitiu, podendo tal execução (execução derivada) ser instaurada pelo exequente original (ou por quem haja adquirido o crédito, se este já tiver sido vendido ou adjudicado), havendo título executivo nos termos definidos no nº 3 do art. 777º do CPC.
    O quadro acabado de enunciar é totalmente pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência.
    Nesta conformidade, considerando a própria evolução legislativa de que se deu conta supra, é importante assinalar que “o acto de penhora de créditos na acção executiva não integra:
    i) a menção expressa do regime de ineficácia de actos de disposição ou extinção do crédito penhorado;
    ii) a menção expressa do dever de proceder ao depósito”.
    Mais recentemente, reiterando o entendimento que vimos expondo, defendeu-se no douto Acórdão da RP de 05/02/2024 – Relatora: Eugénia Cunha, Processo nº. 19628/22.1T8PRT-A.P1 – que quer a Doutrina, quer a Jurisprudência, vêm entendendo que o reconhecimento da dívida resultante da inação do terceiro devedor do executado, nos termos do nº. 3, do artº. 777º, do Cód. de Processo Civil, assenta numa presunção, ilidível em sede de oposição à execução.
    Consigna-se, expressamente, que a doutrina vem entendendo que “a omissão de declaração do terceiro devedor não o impede de, em momento posterior, em oposição à execução que seja instaurada com base em título executivo formado ao abrigo supra mencionado artigo, invocar fundamento de impugnação ou de exceção perentória que lhe fosse possível invocar na ação declarativa. Assim, não fica, precludida a dedução dos meios de defesa que o terceiro tenha contra a pretensão executiva, seja invocando facto extintivo, impeditivo ou modificativo, seja impugnando do facto constitutivo da obrigação – vide neste sentido Lebre de Freitas, in O silêncio do Terceiro Devedor, ROA, 2002, ano 2002, II, 402 e segs..
    Também João Paulo Remédio Marques entende que, ainda que o terceiro não tenha respondido à notificação de penhora de crédito, nada o impede de “questionar posteriormente, fora da acção executiva, a existência do crédito ou contra ele invocar alguma exceção (…) na eventual execução que contra ele seja posteriormente movida pelo exequente”.
    Lebre de Freitas in O silêncio do terceiro devedor, in ROA, ano 62º, vol. II, abril 2002, e in Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, vol II, ob. Cit. Pag 334, defende que o terceiro devedor não está impedido “de invocar qualquer fundamento de impugnação ou de excepção perentória que lhe fosse possível invocar na acção declarativa, não estando precludida a dedução dos meios de defesa que tenha contra a pretensão executiva (invocação de facto extintivo, impeditivo ou modificativo, ou impugnação do facto constitutivo da obrigação). Compreende-se que assim seja: não houve sentença condenatória que, com as garantias da defesa no processo declarativo e em contrariedade, tenha apreciado o direito de crédito do executado contra o terceiro; não há, consequentemente, caso julgado que, absorvendo as preclusões produzidas ao longo do processo, impeça a posterior dedução dos meios de defesa na disponibilidade do devedor” (sublinhado nosso).
    Acrescenta-se que tal orientação é seguida pela Jurisprudência.
    Assim, no “Acórdão da Relação do Porto de 5/11/2015, Processo 567/14.6T2AGD-A.P1 considerado foi (sendo os preceitos referidos do anterior CPC) que na “acção executiva baseada em título judicial impróprio, formado pela notificação efectuada e a falta de declaração do terceiro devedor, não está este impedido de deduzir, por embargos, os meios de defesa que tenha contra a pretensão executiva, incluídos os que tinha à data da penhora, relativamente à existência do direito de crédito, por não estar sujeito, no que respeita aos fundamentos dos embargos, à enunciação restritiva do direito adjectivo civil”.
    Nele se refere “Como dá pertinentemente conta o acórdão da RL de 23/11/2011, citado na decisão recorrida e disponível em www.dgsi.pt., perante estes preceitos legais, surgiram na jurisprudência duas posições.
    Uma dessas posições é no sentido de que a falta de declaração do terceiro devedor, notificado nos termos do disposto no artº 856º, nº 3 do Código de Processo Civil, implicava que se considerasse definitivamente aceite a existência do crédito, obstando a que ele viesse a contestar tal existência, tanto em sede de oposição à execução que lhe fosse movida nos termos do art° 860°, n°3, como em sede de oposição à penhora (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ, de 24/03/2004, de 07/10/2004, e de 04/10/2007, Proc. 07B2645 (relatora Cons. Maria dos Prazeres Beleza), e deste Tribunal da Relação do Porto, de 18/11/2008, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
    Diversamente entende outra jurisprudência, com cuja fundamentação se concorda, como é o caso, entre outros, dos acórdãos do STJ de 4/10/2007, Proc. nº 07B2557 (relator Cons. Santos Bernardino), da RL de 12/05/2011 e o citado de 23/11/2011, e deste Tribunal de 01/03/2005, de 28/03/2001 e de 2/5/2013 (este relatado e subscrito como adjunto pelos aqui adjuntos), todos disponíveis no referido sítio da Internet.
    Para tanto, nela se pondera que se está perante uma sanção imposta a quem é estranho à causa, que não conhece os exactos termos dela, pelo que é razoável entender que essa anterior redacção do artº 856º, nº 3, do CPC, teria apenas em vista estabelecer uma presunção juris tantum, como sanção para o terceiro - suposto credor do executado - que não quis aproveitar o momento próprio para declarar que a dívida não existia (....), quando notificado para proceder aos descontos no indicado funcionário, no processo executivo movido contra este”.
    Equacionando questão concreta próxima á controvertida nos presentes autos, referenciemos os seguintes arestos:
    - da RP de 08/03/2016 – Relatora: Anabela Dias da Silva, Processo nº. 2181/12.1TBPVZ-E.P1 -, no qual se consignou que “a falta de qualquer declaração por parte do notificado, ou seja, o seu silêncio acerca da existência do crédito e suas características significa que o devedor confessou a existência do crédito tal qual foi definido pelo credor, admitindo que ele existe qualitativa e quantitativamente, conforme foi apresentado pelo exequente, aquando da nomeação à penhora.
    Por outro lado, o título executivo assim formado - a notificação efectuada e a falta de declaração do notificado - configura um título judicial impróprio, cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 459, contra o devedor do executado na execução primitiva. Opera-se, deste modo, a substituição do executado — credor do terceiro devedor pelo exequente, cfr. Lebre de Freitas, in “A acção executiva depois da Reforma da Reforma”, pág. 249.
    O devedor do crédito penhorado passa a executado, destinando-se o produto desta execução à satisfação do crédito do exequente (….)”.
    Assim, surge com evidência que “a instauração de execução contra o terceiro devedor nos termos do antigo art.º 860.º n.º 3, hoje art.º 777.º n.º 3, do C.P.Civil, não implica a cessação da execução primitiva.
    Assim sendo, podemos concluir que a execução movida contra o terceiro devedor configura-se como incidente da primitiva acção executiva, dela estando estritamente dependente, pois as vicissitudes desta, designadamente a sua extinção ou o pagamento parcial do crédito exequendo, não deixam, de se repercutir naquela. Nessa medida, podemos afirmar que a execução movida nos termos do antigo art.º 860.º n.º 3 e actual art.º 777.º n.º3 do C.P.Civil, é instrumental relativamente à execução inicialmente movida (….)”.
    Donde, conclui-se, “é para nós manifesto que a responsabilidade do terceiro devedor há-de ser sempre limitada à medida do valor da sua obrigação, relativamente ao primitivo executado e não relativa à divida do primitivo executado perante o exequente. Quer dizer que a “prestação” a que o antigo art.º 860.º n.º3, actual 777.º n.º3 do C.P.Civil se reporta não é a devida pelo executado ao exequente mas antes a devida pelo terceiro devedor do executado a este. Ou como se disse na decisão recorrida “A responsabilidade de cada um dos executados, nasceu no momento em que foram notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 856.º, do anterior C.P.Civil. E é face a esse incumprimento, que ao exequente é lícito exigir a prestação, não se confundindo a mesma com a quantia exequenda devida pela executada”” (sublinhado nosso) ;
    - da RG de 11/01/2018 – Relatora: Margarida Sousa, Processo nº. 3060/14.3T8VNF-B.G1 -, no qual, após citação do antecedente aresto, consigna não se questionar que “o requisito da exequibilidade intrínseca da quantia exequenda significa que a obrigação exequenda deve ser exigível, certa e líquida (art. 802º CPC) e que a certeza e liquidação são condições respeitantes à possibilidade da execução, dado que, sem se determinar e quantificar a prestação devida, não é possível proceder à sua realização coativa, porquanto a ação executiva pressupõe que o direito inscrito no título dado à execução está definido e acertado, determinando o título executivo o fim e os limites da execução”.
    Assim, sendo o crédito a penhorar o de salários, esta “penhora consuma-se com a notificação à entidade patronal de que o crédito do trabalhador pelos salários que tenha a receber e de quem a entidade patronal é, ou será, devedora, fica à ordem do tribunal de execução”, pelo que, a entidade patronal do executado, logo notificada para iniciar os descontos decorrentes da penhora do crédito salarial daquele seu empregado, tem o dever ou encargo de dar cumprimento ao determinado, nos termos do nº. 2, do transcrito artº. 773º, sob pena da cominação prevista no nº. 4, isto é, “de se vir a entender que ele reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora” (sublinhado nosso).
    Acrescenta-se neste aresto existir “quem entenda que “deverá o exequente cumprir escrupulosamente o disposto na alínea c) do n.º5 do art.º 810.º, aquando da indicação do crédito à penhora” e que “tendo o Exequente dúvidas acerca da existência e do montante do crédito pode, antes de proceder à sua indicação, solicitar a colaboração do terceiro-devedor (art.º 519.º n.º 1)” (cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 5.ª edição, Almedina, pág. 212)”.
    Todavia, indaga-se: “será efetivamente obrigatória a concretização do montante do crédito, por parte do Exequente, no ato da notificação do devedor, com a consequente “nulidade do título executivo” que se vier a formar com base numa notificação em que não conste o salário do primitivo executado? Ou, pelo menos, como agora sustenta a Recorrente, tornando-se necessário, nessas circunstâncias, proceder à liquidação na correspondente oposição?
    Para responder a esta questão, não se pode esquecer que, como referia o art. 810.º, nº 5, c), (correspondente ao atual art. 724.º, n.º 3, do CPC) “quando se pretenda a penhora de créditos, deve declarar-se, tanto quanto possível a identidade do devedor, o montante, a natureza e a origem da dívida, o título de que constam, as garantias existentes e a data do vencimento” (sublinhado original).
    Como se sublinha no Acórdão da Relação de Lisboa de 16.01.2013, “a expressão “tanto quanto possível”, demonstra que a menção dos vários elementos identificativos do crédito é meramente exemplificativa, não sendo, por conseguinte, obrigatório que do requerimento executivo constem todos os referidos elementos”, pelo que “a notificação ao devedor deverá considerar-se válida sempre que sejam indicados os elementos suficientes para que este possa identificar o crédito” e que tal se satisfaz com a indicação do devedor e do montante máximo peticionado, de molde a que aquele pudesse dar cumprimento ao disposto no citado art.º 856.º, n.º 2 (atual art. 773.º, n.º2)”.
    Continuando a citar o identificado aresto, acrescenta que “se ao devedor notificado incumbe prestar todas as informações relativas ao crédito que possam interessar à execução, “não fazer sentido impor ao Exequente o ónus de averiguar exaustivamente todas as circunstâncias relativas ao crédito, recorrendo até ao disposto no art.º 519.ºdo CPC (actual art.º 417.º), com prejuízo da celeridade processual e pondo em causa a eficácia da execução, tendo em conta a demora a que daria origem tal exigência”.
    Como ali se diz, “em última análise, a identificação do credor é talvez o único elemento verdadeiramente essencial para a identificação do crédito, seguido do montante máximo da execução, definido pelo valor da quantia exequenda”, sendo, por isso, de entender que, “caso o crédito seja inferior (ao valor indicado pelo exequente), ao terceiro devedor caberá informar qual seja esse valor pois, evidentemente, a responsabilidade do terceiro devedor há-de ser sempre limitada à medida do valor da sua obrigação, relativamente ao primitivo executado”.
    Pelo que, e contrariamente, “não tendo a entidade empregadora do Executado, apesar de notificada nos termos do artigo 856.º, nº 1, do Código de Processo Civil, negado ou configurado de maneira diversa a existência dessa sua obrigação periódica de índole laboral e retributiva, como no caso sucedeu, tal implica a sua aceitação nos exatos moldes da sua indicação à penhora, nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 856.º (cf. ainda artigos 858.º e 859.º).
    Em tais circunstâncias, se a aludida entidade não procede, subsequentemente, ao depósito da quantia correspondente à indicada na penhora, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 860.º do Código de Processo Civil, coloca-se numa situação de incumprimento de um débito seu que, por força da ausência de qualquer esclarecimento da sua parte, se presume corresponder ao valor indicado na notificação que para o efeito lhe foi efetuada, sendo, pois, essa, sem prejuízo do que a seguir se dirá, a exata quantia exequenda correspondente ao título assim formado”.
    Porém, complementa-se, “o aludido efeito cominatório de reconhecimento do crédito nos exatos moldes da sua indicação à penhora, como bem se assinala no último dos citados Acórdãos, “não pode ser encarado como um reconhecimento inabalável, fundado numa presunção “juris et de jure” decorrente de um cominatório pleno ou semipleno como o existente entre partes processuais, pois é bastante diferente da inacção de quem, sendo parte na causa, e estando citado para a acção, pura e simplesmente se não quis defender de factos que lhes eram directamente imputáveis”, certo que “na cominação entre as partes, o sujeito cominado conhecia a causa de pedir e o pedido contra ele era formulado, e poderia logo equacionar as consequências dessa omissão comportamental em toda a sua extensão, havendo assim uma relação de conhecimento directo, que justifica a proporcionalidade entre a falta de acção e as consequências. Aqui, pelo contrário, estamos perante uma sanção imposta a quem é estranho à causa, que não conhece os exactos termos dela”.
    Donde, constituindo tal reconhecimento uma presunção ilidível, pode o terceiro devedor, na execução que lhe for movida, impugnar a existência do crédito, pois o seu antecedente silêncio “só fez precludir o direito de negar a existência do crédito na pendência da execução principal contra o executado: já não o de o discutir na oposição à execução acessória, contra si proposta.
    Do mesmo modo, não pretendendo negar a existência do crédito, poderá, o devedor (entidade patronal) discutir o seu montante, apresentando na oposição todos os factos relativos ao dito crédito que possam afetar a preliminar indicação feita quanto à quantia exequenda”.
    Donde, em súmula, “não tendo o exequente informação sobre o montante do crédito, nada impede que o mesmo efetue a notificação ao devedor com referência à totalidade da dívida exequenda na execução movida contra o suposto titular de tal crédito, cabendo ao devedor, vir apresentar oposição à execução contra ele, entretanto, instaurada, invocando, para o efeito, que o valor da sua obrigação é inferior àquele valor, alegando, nessa oportunidade, todos os elementos que permitam restringir a obrigação exequenda ao real valor da aludida obrigação, nomeadamente, quando em causa esteja uma remuneração laboral, o valor do salário e a data do respetivo vencimento” (sublinhado nosso).
    Aqui chegados, enunciemos as directrizes ou princípios extraíveis do plasmado:
    - No âmbito da penhora de créditos – entre os quais figuram os vencimentos ou salários enunciados no artº. 779º, do CPC -, cumprida a notificação do devedor (secundário) inscrita no nº. 1, do artº. 773º, do mesmo diploma, nada declarando a entidade patronal notificada, ocorre reconhecimento tácito da obrigação, nos exactos termos da indicação do crédito à penhora por parte do credor/exequente (o nº. 4, do mesmo normativo) ;
    - tal reconhecimento configura-se como um efeito cominatório da omissão de pronúncia sobre o crédito penhorado, o qual, de forma ficta, tem-se por confessado, com consequente presunção da sua existência e amplitude indicadas no requerimento de penhora (admissão da sua existência qualitativa e quantitativa, conforme indicação aposta no requerimento de indicação à penhora) ;
    - todavia, caso o exequente venha a instaurar execução própria contra o terceiro devedor (entidade patronal), pode este, na competente oposição à execução (embargos), impugnar ou excepcionar o crédito (ou seja, o alegado crédito do devedor sobre si, que não o crédito do exequente sobre o executado originário), quer no que concerne à própria existência, quer no que concerne á sua configuração ou quantum, admitindo-se a invocação de todos os meios de defesa que tenha contra a pretensão executiva ;
    - ou seja, a aludida presunção acerca da existência do crédito, assente no silêncio da entidade patronal (terceira devedora), é ilidível ;
    - todavia, formando-se, nos termos do nº. 3, do artº. 777º, e nº. 4, do artº. 773º, ambos do CPC, um título executivo judicial impróprio – título executivo de formação complexa, constituído pela certificação da notificação da entidade patronal e seu subsequente silêncio -, a prestação que o exequente pode exigir, na aludida execução derivada, é aquela em que a entidade patronal é faltosa, a qual não se confunde com a prestação em dívida pelo executado, objecto dos autos de execução ;
    - ou seja, a obrigação da entidade patronal circunscreve-se ou delimita-se, enquanto devedora do executado, à entrega daquilo que ficou obrigada a depositar no processo executivo, na sequência da concretizada penhora ;
    - a aludida notificação do devedor, nos termos do nº. 1, do artº. 773º e nº. 1, do artº. 779º, ambos do CPC, deve ter-se por válida mediante a indicação dos elementos suficientes à identificação do crédito, o que se preenche mediante a indicação do devedor (entidade patronal) e o montante máximo peticionado, definido pelo valor da quantia exequenda ;
    - pelo que, caso a entidade patronal nada diga dentro do prazo inscrito no nº. 2, do artº. 773º, negando ou configurando, de forma diferenciada, a sua obrigação periódica de natureza laboral, tal implica que a aceitou nos exactos termos em que ocorreu a sua nomeação à penhora ;
    - porém, constituindo tal reconhecimento uma presunção ilidível, sempre pode o terceiro devedor (entidade patronal), para além de negar a existência do crédito, discutir o seu montante, apresentando nos autos de embargos toda a factualidade susceptível de afectar a preliminar indicação feita quanto à quantia exequenda ;
    - e, não possuindo o exequente informação acerca do montante do crédito penhorado (decorrente do incumprimento, por parte da entidade patronal, do dever de informação inscrito no nº. 2, do artº. 773º, do CPC), nada o impede de efectuar a notificação da entidade patronal devedora com referência à totalidade da dívida exequenda na execução movida contra o suposto titular de tal crédito, cabendo então à entidade patronal devedora vir apresentar oposição à execução contra ela instaurada, invocando, para o efeito, que o valor da sua obrigação é inferior àquele montante ;
    - nomeadamente, alegando e expondo todos os elementos factuais que permitam delimitar, de forma diferenciada, a obrigação exequenda, fazendo-a coincidir com o valor real da obrigação da entidade patronal devedora, através da indicação do valor do salário e data do vencimento deste.
    Aplicando-se os enunciados princípios ou directrizes ao caso concreto, verificamos não ser sustentável a decisão apelada.
    Com efeito, concretizada a penhora do vencimento do Executado, mediante a notificação da alegada devedora entidade patronal, nos termos do nº. 1, do artº. 773º, do CPC, esta nada declarou, remetendo-se ao silêncio.
    O que, de acordo com o prescrito no nº. 4, do mesmo normativo, configura reconhecimento da existência da obrigação.
    Incumprida a obrigação de depósito do vencimento objecto de penhora, o Exequente, munido do título executivo judicial impróprio previsto no nº. 3, do artº. 777º, veio impulsionar a execução contra a entidade patronal devedora, ou seja, veio requerer o prosseguimento da execução contra aquela terceira devedora, fixando como quantia exigível a correspondente ao valor exequendo que reclama do Executado originário.
    Ora, não possuindo o Exequente informação acerca do montante do crédito penhorado, o que ocorreu em virtude da entidade patronal notificada ter incumprido o dever de informação prescrito no nº. 2, do artº. 773º, do CPC, nada o impedia de efectuar a notificação da entidade patronal devedora (ora terceira Executada) com referência à totalidade da dívida exequenda reclamada na execução movida contra o suposto titular de tal crédito, cabendo então à entidade patronal devedora vir eventualmente apresentar oposição à execução contra ela instaurada, invocando, para o efeito, que o valor da sua obrigação é inferior àquele valor. O que poderá fazer enunciando facticiamente elementos que permitam balizar, de forma diferenciada, o valor da quantia exequenda ora exigível à entidade patronal devedora, nomeadamente a indicação do valor do salário e sua data de vencimento.
    Donde, resulta injustificado o juízo de indeferimento liminar feito constar na decisão sob apelo, que, deste modo, num juízo de procedência das conclusões recursórias, merece juízo de revogação, substituindo-a por decisão liminar que, nos termos do nº. 6, do artº. 726º, do CPC, determina a notificação (com observância das regras da citação) da Executada entidade patronal para, no prazo de 20 dias, pagar ou opor-se à execução – acerca da necessidade/pertinência desta notificação/citação, não sendo bastante a prolação de um mero despacho a determinar o prosseguimento da execução, cf., o douto Acórdão da RE de 16/12/2021, Relator: Manuel Bargado, Processo nº. 3229/15.3T8LLE-A.E1.
    *
    Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo o Apelante obtido vencimento no recurso interposto, e não tendo a Apelada contra-alegado nem tomado posição relativamente à questão apreciada oficiosamente na decisão recorrida, as custas da presente apelação serão suportadas pela(s) parte(s) vencida(s) a final.
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    IV. DECISÃO
    Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
    a) julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Recorrente/Apelante A …, S.A., em que figura como Recorrida/Apelada B …, LDA. ;
    b) consequentemente, revoga-se o despacho apelado/recorrido, o qual se substitui por decisão liminar que, nos termos do nº. 6, do artº. 726º, do CPC, determina a notificação (com observância das regras da citação) da Executada entidade patronal para, no prazo de 20 dias, pagar ou opor-se à execução ;
    c) Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo o Apelante obtido vencimento no recurso interposto, e não tendo a Apelada contra-alegado nem tomado posição relativamente à questão apreciada oficiosamente na decisão recorrida, as custas da presente apelação serão suportadas pela(s) parte(s) vencida(s) a final.
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    Lisboa, 30 de Janeiro de 2025
    Arlindo Crua
    Rute Sobral
    Pedro Martin Martins (vencido, relativamente ao segmento da tributação, cf., voto infra)

    VOTO de VENCIDO:
    Fico vencido quanto à decisão na parte das custas:
    Todos os processos – e um recurso é um processo autónomo para este efeito - estão sujeitos a custas.
    Não há qualquer norma legal que permita que se deixe a determinação do responsável pelas custas de um recurso para um momento futuro, para mais no âmbito de uma execução em que a recorrida não é a executada original.
    A recorrida entidade patronal é prejudicada com a procedência do recurso, logo, apesar de não ter contra-alegado, porque não quis, deve ser condenada desde já nas custas do mesmo, na vertente de custas de parte.
    Neste sentido, veja-se, por exemplo, a anotação, entre muitas outras, de Salvador da Costa de 22/10/2020 ao ac. do TRG de 23/04/2020 (custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final): https://drive.google.com/file/d/1oc0UvAL2z8mzLXR-Vv2EtMAR7H7CfCiM/view. No mesmo sentido, os acórdãos do STJ de 06/10/2021, proc. 1391/18.2T8CSC.L1.S1: Para efeitos de custas, cada recurso passou, pelo RCP (art. 1.º/2), a ser considerado como um "processo autónomo", pelo que, quando é proferido acórdão, tem, em função do que no recurso ocorreu, que ser decidida, em definitivo, a responsabilidade pelo pagamento das respetivas custas, ou seja, tem que se proceder à definitiva aplicação do art. 527.º do CPC e proceder - aplicando o princípio da causalidade ou o princípio do proveito - à condenação respeitante às custas do recurso (e não relegá-la para final).; e de 29/10/2024, proc. 1199/20.5T8AGD-A.P2.S1: I - Para efeitos de custas, cada recurso é considerado como um “processo autónomo”, pelo que, quando é proferido acórdão, tem, em função do que no recurso ocorreu, que ser decidida, em definitivo, a responsabilidade pelo pagamento das respetivas custas, ou seja, tem que se proceder à condenação respeitante às custas do recurso (e não relegá-la para final). II - O princípio da causalidade, previsto no n.º 2 do art. 527.º do CPC, imputa a responsabilidade das custas a quem for vencido no processo (in casu, no recurso). Tal princípio é aplicável em todas as espécies processuais previstas no n.º 1 do art. 527.º, ainda que a parte vencida não tenha deduzido oposição, incluindo as contra-alegações no recurso.
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    [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.