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DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PRESSUPOSTOS
CONDUTA NEGLIGENTE
FUNÇÃO COMPULSÓRIA
APROVEITAMENTO DOS ATOS
Sumário
I – Para que possa declarar-se deserta a instância, impõe-se que se verifiquem os seguintes requisitos ou pressupostos: que o prosseguimento da instância dependa do impulso das partes oneradas com o impulso processual; que a ausência desse impulso processual se mantenha por período de mais de seis meses; que tal ausência do impulso processual ocorra por negligência das partes – que deve ser avaliada casuisticamente; para se apurar ocorrência de negligência das partes, ao juiz compete analisar o comportamento processual das partes no âmbito do processo, isto é, se a parte (ou partes) demonstraram no processo as dificuldades em impulsionar os autos, as diligências necessárias para remover os eventuais obstáculos com que se tem deparado para afastar a causa que levou à suspensão, e, inclusive, solicitar o contributo do tribunal para que as razões impossibilitadoras do prosseguimento normal dos autos sejam afastadas ou se a parte (ou partes) se manteve numa inação total, desinteressando-se do prosseguimento normal dos autos - Acórdão do STJ, de 20.4.21, proferido o processo nº 27911.4T8LSB.L1.S1 e pesquisável em www.dgsi.pt. II – A conduta negligente deve consubstanciar-se numa situação de inércia imputável à parte, ou seja, em que esteja em causa um acto ou actividade unicamente dependente da sua iniciativa, sendo o caso mais flagrante o da suspensão da instância por óbito de alguma das partes, a aguardar a habilitação dos sucessores - António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2020, 2ª edição, Almedina, pág. 348. III – Sendo inequívoca a diversidade de factos que podem beliscar com o normal andamento da causa na apreciação do condicionalismo da deserção da instância é importante que se ponderem globalmente as diversas circunstâncias, quer as de ordem legal, quer as que se ligam ao comportamento da parte onerada com a iniciativa de dinamizar a instância - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, obra acima citada, pág. 348. IV – Apresentando o instituto da deserção um custo – a perda da atividade que se exerceu no processo – e um rendimento – libertação de processos parados e estimulação das partes a ser diligentes e ativas, induzindo-as a promover o andamento dos autos –, a ponderação de tais vantagens e desvantagens deverá levar a que se reduza o mais possível o custo, sem prejudicar fundamentalmente o rendimento. Realizando a deserção uma função compulsória – à ordem jurídica interessa que seja praticado determinado ato processual –, uma vez este praticado e ainda que nesse momento se encontrassem reunidas as condições para tal declaração nos termos da norma do art.º 281.º, n.º 1, se e enquanto tal declaração não tiver ocorrido, deverá tal acto ser aproveitado, admitindo-se o prosseguimento do processo – neste preciso sentido, por ex. o Acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra de 2.5.2023, pesquisável em www.dgsi.pt. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
1.Relatório
Por ofício do agente de execução, datado de 26.02.2024, inserido nos autos com a ref.ª citius 3517174, foi a exequente notificada para requerer o que tivesse por conveniente, nomeadamente a adjudicação dos bens penhorados, sendo a mesma alertada de que os autos ficariam a aguardar impulso processual, mais tendo sido referido no mesmo ofício que, nos termos do n.º 5 do artigo 281.º, a instância considerava-se deserta, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
Por despacho judicial de 29.02.2024, com a ref.ª citius 36927385, constatou-se que os autos se encontravam a aguardar o impulso processual por parte da exequente, tendo-se alertado esta expressamente de que, caso nada fosse dito, os autos ficariam a aguardar nos termos do disposto no artigo 281.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, a contar da data em que a exequente se considerava notificada do referido ofício do Sr. Agente de Execução, de 26.02.2024, sem necessidade de qualquer contraditório decorrido tal prazo. A exequente foi notificada de tal despacho por ofício de 29.02.2024, com a ref.ª citius 36939156. Em 21.03.2024, com a ref.ª citius 3545045, a exequente remeteu requerimento ao Sr. Agente de Execução mediante o qual requereu o seguinte: “atento o lapso de tempo decorrido desde a decisão de venda, requerer a V. Exa. que informe, em relação à Fração E do Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...08, qual o valor mínimo pelo qual a Exequente poderá a adjudicar o bem, uma vez que poderá existir interesse da n/parte.”
Até à presente data, nada mais foi dito ou requerido pela exequente.
*
Pela julgadora do Juízo Local Cível de Castelo Branco - Juiz ... foi proferida a seguinte decisão:
“Em face do exposto, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, julgo extinta a presente instância, por deserção.
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Custas pela exequente, que deu causa à presente decisão (cfr. artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Valor da acção: 21.659,12€.
Registe, notifique e comunique.
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A Juíza de Direito”.
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A..., S.A., Exequente nos autos supra referidos e neles identificado, não se conformando com tal decisão, interpõe o seu recurso, assim concluindo:
(…).
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O Ministério Público, em representação dos Executados AA e BB ao abrigo do disposto nos artigos 4.º, n. º 1, alínea b) e 9.º, n. º 1, alínea c) do Estatuto do Ministério Público, notificado que foi do recurso interposto pela Exequente “A..., SA.”, vem nos termos do disposto no e do 638.º, n.º 5 do Código Processo Penal, apresentar a sua RESPOSTA, assim concluindo:
(…).
*
2. Do objecto do recurso
O Apelante baliza-o nestes termos:
“B. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo fez uma errónea aplicação do Direito aos factos, nomeadamente dos artigos artigo 277.º, alínea c), e 281º, n.º 5, do Código de Processo;
C. Em 26-02-2024, através de “Notificação ao Exequente”, veio o Agente de Execução do processo, Dr. CC, dizer que “não tendo sido possível encontrar interessados na compra dos bens imóveis penhorados e decorrido que foi o prazo previsto no artigo 796º do CPC, fica pela presente notificado para requerer o que tiver por conveniente, nomeadamente a adjudicação dos referidos bens, ficando os presentes autos a aguardar impulso processual.”;
D. O normativo legal a que o Agente de Execução alude – “Artigo 796.º - Termos em que pode ser efetuado” – encontra-se dentro da SECÇÃO V do Código de Processo Civil, referente a Pagamento, e da SUBSECÇÃO I - Modos de pagamento, não sendo, portanto, aplicável ao que está em causa no caso sub judice, designadamente às diligências de venda que o Agente de Execução tem obrigação de encetar;
E. Não obstante a bizarria desta notificação, vem a Exequente, em 21-03-2024, através de Comunicação do Mandatário a Agente de Execução, e “atento o lapso de tempo decorrido desde a decisão de venda”, requerer informação sobre o valor mínimo pelo qual a Exequente poderia a adjudicar o bem;
F. A esta comunicação não foi dada qualquer resposta pelo Agente de Execução, sendo certo que a decisão de venda nos autos é de 2018, decorrendo do senso comum que, em seis anos (!!!) o valor dos bens imóveis pode ter – e tem certamente – alterações significativas; G. Era ónus do Agente de Execução responder à comunicação do Exequente, não só pelo exercício das suas funções, bem como em obediência aos seus deveres deontológicos de probidade e cortesia;
H. Devendo aliás ter procedido a nova notificação para indicação de modalidade de venda e valor base, notificando as partes para se pronunciarem – repete-se – atento o lapso de tempo decorrido desde a decisão de venda;
I. Face à inércia do Agente de Execução, foram encetadas tentativas de contacto telefónico - nunca atendeu o seu telefone – e foi enviada nova comunicação enviada, via e-mail, pela mandatária da Exequente, datada de 21 de maio de 2024 10:46, dirigida ao seu endereço registado em Citius, ...@solicitador.net, insistindo por uma resposta à sua comunicação;
J. O Agente de Execução NUNCA respondeu, por nenhuma via, sendo que a Exequente a aguardou resposta, por entender absolutamente necessário para o processo seguir seus termos;
K. Não se pode considerar apenas e tão só como impulso processual, se a Exequente “oferecer uma proposta séria”, sendo que a Exequente estava e está, seriamente, a pretender ver o seu crédito pago, com a necessária – mas inexistente neste caso – colaboração do Agente de Execução;
L. Não se mostram verificados os pressupostos da deserção da instância, prevista no art. 281º, estando afastado o pressuposto de natureza objetiva, que se traduz na demora superior a 6 meses no impulso processual, porque, como se viu, não só houve um impulso comprovado nos meses de março e maio, além de variadíssimos telefonemas, como a parte sobre quem recaía o ónus de resposta era o Agente de Execução”.
O que dizem os autos:
1. Em 22.07.2010, a Exequente (anteriormente designada Banco 1...) celebrou com a Executada B... - Unipessoal, Lda. um Contrato de Empréstimo, através do qual a primeira concedeu à segunda um empréstimo de € 30.000,00 (trinta mil euros), nos termos e condições previstas no contrato que se junta como documento n.º 1.
2. Exequente é dona, possuidora e legítima portadora de uma livrança, emitida em 22.07.2010, vencida em 15.03.2013, sacada sobre a Executada B... - Unipessoal, Lda., avalizada pelos Executados AA e BB, no valor de € 21.633,04 (vinte e um mil seiscentos e sessenta e três euros e quatro cêntimos). 3. A exequente deu entrada do requerimento executivo em 27.3.2013, tendo indicado à penhora, além do mais, uma fracção autónoma: Terceiro andar, destinado a habitação, tipologia "T-Quatro" e arrecadação n.º4, identificada pela letra "E", sita na Quinta ..., ..., na freguesia ..., concelho ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...08 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...15.
4. Por despacho proferido a 6.7.2015 foi determinado o levantamento da suspensão da instância executiva quanto à sociedade Executada, B... – Unipessoal, Ld.ª.
5.O Ministério Público, representante legal dos executados BB e AA nos presentes autos, notificado para se pronunciar quanto à modalidade da venda e valor base do bem a vender, requer a 21.6.2017, que se proceda à venda do bem penhorado por proposta em carta fechada, desconhecendo-se o valor do mesmo, mas devendo corresponder pelo menos ao valor patrimonial tributário, nos termos dos artigos 811º, n.º 1, al. a) e 816.º, do Código de Processo Civil.
6. Por despacho de 11.1.2018 foi solicitada, novamente, ao Senhor Agente de execução o envio de informação relativa ao estado de cumprimento das diligências que se encontram a seu cargo, com a advertência de que, caso nada diga dentro do prazo de dez dias, será condenado no pagamento de multa, por falta de colaboração com o Tribunal (cfr. artigo 417º, n.º 1 e 2, do CPC), que a prestou a 2.2.2018: CC, Agente de Execução nos presentes autos, vem muito respeitosamente informar que se encontram em curso as diligências para venda dos bens penhorados. - Notificação da Decisão para modalidade de venda, que inicia, como venda mediante propostas em carta fechada, no dia 7.5.2018 -Valor Base de Venda (verba 1): 25.000,00 Euros (vinte e cinco mil euros);Valor Base de Venda (verba 2): 90.819,58 Euros (noventa mil e oitocentos e dezanove euros e cinquenta e oito cêntimos); Valor Base de Venda (verba 3): 7.335,13 Euros (sete mil e trezentos e trinta e cinco euros e treze cêntimos); Serão aceites propostas iguais ou superiores a 85% do valor de base.
7. Por despacho de 22-01-2019 foi determinado que se aguardem os autos pela tomada de decisão quanto à venda dos bens penhorados, a proferir pelo Exmo. Sr. Agente de Execução, e a 7-1-2020 foi notificado o Exmo. Sr. Agente de Execução, com cominação de condenação em multa por violação do dever de colaboração com o tribunal, do estado em que se encontram os autos, mormente, dos resultados das diligências de penhora bem como do teor da decisão de venda dos bens penhorados (cfr. ref.ªs 1868303 e 30807281, datadas respetivamente de 18 e 22.01.2019).
8. A 22.4.2020 foi determinado:
“Nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 6, alínea b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03.2020, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 4-A/2020, de 06.04.2020, encontram-se suspensos, até à declaração de cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, “Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.”Atenta a fase processual em que estes autos se encontram, eventuais diligências de penhora ou de venda encontram-se suspensas pelo que, nada há, por ora, a determinar. Uma vez declarada cessada a situação excecional supra referida, conclua.”
9. A 17.6.2020 o Agente de Execução, notificado a fls_(V/Ref. 32235141) vem informar, que se está a promover ás diligencias de venda do bem imóvel penhorado nos autos.
10. A 23.3.2021 foi proferido o seguinte despacho:
Assim, aguardem os autos até ao levantamento da suspensão da prática de actos vigente. Levantada a suspensão, notifique novamente a Sr.ª AE para, no prazo de 10 dias, mas desta feita com a cominação de multa por falta de colaboração (art.ºs 417º do CPC e 27º do RCP), informar do estado da execução, mormente do estado da venda dos bens penhorados à ordem dos vertentes autos.
11. É marcada a abertura de propostas para o dia 13.05.2021; por ausência de propostas o processo prossegue para venda por negociação particular.
12. A 20.2.2024, ou seja, quase três anos após a determinação para venda por negociação particular, é notificado o Sr. Agente de Execução para que venha esclarecer quais as concretas diligências que têm vindo a ser realizadas, com vista ao fim último da presente execução, devendo fazer um resumo dessas diligências.
Prazo: 10 dias.
13. Por ofício do agente de execução, datado de 26.02.2024, inserido nos autos com a ref.ª citius 3517174, foi a exequente notificada para requerer o que tivesse por conveniente, nomeadamente a adjudicação dos bens penhorados, sendo a mesma alertada de que os autos ficariam a aguardar impulso processual, mais tendo sido referido no mesmo ofício que, nos termos do n.º 5 do artigo 281.º, a instância considerava-se deserta, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
14.Por despacho judicial de 29.02.2024, com a ref.ª citius 36927385, constatou-se que os autos se encontravam a aguardar o impulso processual por parte da exequente, tendo-se alertado esta expressamente de que, caso nada fosse dito, os autos ficariam a aguardar nos termos do disposto no artigo 281.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, a contar da data em que a exequente se considerava notificada do referido ofício do Sr. Agente de Execução, de 26.02.2024, sem necessidade de qualquer contraditório decorrido tal prazo.
15.A exequente foi notificada de tal despacho por ofício de 29.02.2024, com a ref.ª citius 36939156.
16.Em 21.03.2024, com a ref.ª citius 3545045, a exequente remeteu requerimento ao Sr. Agente de Execução mediante o qual requereu o seguinte: “atento o lapso de tempo decorrido desde a decisão de venda, requerer a V. Exa. que informe, em relação à Fração E do Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...08, qual o valor mínimo pelo qual a Exequente poderá a adjudicar o bem, uma vez que poderá existir interesse da n/parte.”
17.Até à presente data, nada mais foi dito ou requerido pela exequente, sendo que o agente de execução não respondeu ao requerido pela exequente.
Avaliando.
De acordo com o art.º 281. °, n.º 1, do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem -, a instância da acção declarativa considera-se deserta quando, por negligência das partes - a conduta negligente conducente à deserção da instância consubstancia-se numa situação de inércia imputável à parte, ou seja, em que esteja em causa um acto ou actividade unicamente dependente da sua iniciativa -, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, sendo que ao julgador compete promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes - art.º 6.º, n.º 1.
Nas palavras do Acórdão do STJ de 18.06.2024, pesquisável em www.dgsi.pt, a deserção da instância declarativa tem por pressuposto não só o decurso do prazo de seis meses e um dia, mas também um juízo sobre a falta de diligência da parte (culpa da parte) onerada com o impulso processual em promover os termos do processo ou incidente durante tal período. E só se pode falar em ónus de impulsionar os autos quando a lei assim o prever, como ocorre, v.g., com a habilitação de herdeiros. Não prevendo a lei a necessidade de impulso dos autos, para os mesmos prosseguirem os seus regulares termos, incumbe ao juiz diligenciar pelo seu andamento célere, em conformidade com o estatuído no artº 6º, nº1 do CPC.
Assim, para que possa declarar-se deserta a instância, impõe-se que se verifiquem os seguintes requisitos ou pressupostos: que o prosseguimento da instância dependa do impulso das partes oneradas com o impulso processual; que a ausência desse impulso processual se mantenha por período de mais de seis meses; que tal ausência do impulso processual ocorra por negligência das partes – que deve ser avaliada casuisticamente; para se apurar ocorrência de negligência das partes, ao juiz compete analisar o comportamento processual das partes no âmbito do processo, isto é, se a parte (ou partes) demonstraram no processo as dificuldades em impulsionar os autos, as diligências necessárias para remover os eventuais obstáculos com que se tem deparado para afastar a causa que levou à suspensão, e, inclusive, solicitar o contributo do tribunal para que as razões impossibilitadoras do prosseguimento normal dos autos sejam afastadas ou se a parte (ou partes) se manteve numa inação total, desinteressando-se do prosseguimento normal dos autos - Acórdão do STJ, de 20.4.21, proferido o processo nº 27911.4T8LSB.L1.S1 e pesquisável em www.dgsi.pt.
Por isso, apenas há lugar à declaração da extinção da instância, por deserção, quando o processo aguarda há mais de seis meses a prática de qualquer acto processual que legalmente compete a uma das partes e desde que se demonstre a negligência dessa parte na respetiva conduta omissiva - Não basta o mero decurso do prazo de seis meses para que ocorra a deserção da instância, é necessário, também, apurar-se se o processo está parado por negligência das partes.
A conduta negligente deve consubstanciar-se numa situação de inércia imputável à parte, ou seja, em que esteja em causa um acto ou actividade unicamente dependente da sua iniciativa, sendo o caso mais flagrante o da suspensão da instância por óbito de alguma das partes, a aguardar a habilitação dos sucessores - António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2020, 2ª edição, Almedina, pág. 348.
Sendo inequívoca a diversidade de factos que podem beliscar com o normal andamento da causa na apreciação do condicionalismo da deserção da instância é importante que se ponderem globalmente as diversas circunstâncias, quer as de ordem legal, quer as que se ligam ao comportamento da parte onerada com a iniciativa de dinamizar a instância - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, obra acima citada, pág. 348.
Apresentando o instituto da deserção um custo – a perda da atividade que se exerceu no processo – e um rendimento – libertação de processos parados e estimulação das partes a ser diligentes e ativas, induzindo-as a promover o andamento dos autos –, a ponderação de tais vantagens e desvantagens deverá levar a que se reduza o mais possível o custo, sem prejudicar fundamentalmente o rendimento. Realizando a deserção uma função compulsória – à ordem jurídica interessa que seja praticado determinado ato processual –, uma vez este praticado e ainda que nesse momento se encontrassem reunidas as condições para tal declaração nos termos da norma do art.º 281.º, n.º 1, se e enquanto tal declaração não tiver ocorrido, deverá tal acto ser aproveitado, admitindo-se o prosseguimento do processo – neste preciso sentido, por ex. o Acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra de 2.5.2023, pesquisável em www.dgsi.pt.
Ora, mostram os autos que por ofício do agente de execução, datado de 26.02.2024, inserido nos autos com a ref.ª citius 3517174, foi a exequente notificada para requerer o que tivesse por conveniente, nomeadamente a adjudicação dos bens penhorados, sendo a mesma alertada de que os autos ficariam a aguardar impulso processual, mais tendo sido referido no mesmo ofício que, nos termos do n.º 5 do artigo 281.º, a instância considerava-se deserta, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses – e ao agente de execução compete a verificação da ocorrência dos pressupostos da extinção por deserção (cf. art.º 849º nº 1 al. f))/o nº 3 do artigo 849º determina que a extinção será depois comunicada, por via eletrónica, ao tribunal, sendo assegurado pelo sistema informático o arquivo automático e eletrónico do processo, sem necessidade de intervenção judicial ou da secretaria.
Mais, por despacho judicial de 29.02.2024 - três dias após a notificação, com o mesmo teor, por parte do agente de execução -, com a ref.ª citius 36927385, constatou-se que os autos se encontravam a aguardar o impulso processual por parte da exequente, tendo-se alertado esta expressamente de que, caso nada fosse dito, os autos ficariam a aguardar nos termos do disposto no artigo 281.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, a contar da data em que a exequente se considerava notificada do referido ofício do Sr. Agente de Execução, de 26.02.2024, sem necessidade de qualquer contraditório decorrido tal prazo. A exequente foi notificada de tal despacho por ofício de 29.02.2024, com a ref.ª citius 36939156. Em 21.03.2024,ou seja, muito antes de terminar o prazo de seis meses, com a ref.ª citius 3545045, a exequente remeteu requerimento ao agente de execução mediante o qual solicitou que atento o lapso de tempo decorrido desde a decisão de venda, requerer a V. Exa. que informe, em relação à Fração E do Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...08, qual o valor mínimo pelo qual a Exequente poderá a adjudicar o bem, uma vez que poderá existir interesse da n/parte, nada tendo sido dito pelo agente de execução.
Resulta do disposto no artigo 719.º n.º 1 que cabe ao agente de execução efectuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos/ o agente de execução pratica actos executivos e profere decisões sobre a relação processual e ainda sobre a realização coactiva da prestação, que podem ser vinculados, discricionários ou de mero expediente.
Ora, foi no âmbito de tais funções que o agente de execução lavrou o despacho em causa - ao agente de execução compete verificar não só se o processo se encontra a aguardar impulso processual por mais de seis meses, como se tal paralisação se deve a negligência das partes, pois só nesta assenta a consequência de se declarar deserta a instância, por deserção, sendo que, dai não decorre que esteja absolutamente vedado ao juiz declarar tal deserção em qualquer situação -, notificando o exequente para, nas suas palavras, requerer o que tivesse por conveniente, nomeadamente a adjudicação dos bens penhorados, o que a exequente fez em 21.03.2024, remetendo requerimento ao agente de execução mediante o qual solicitou o seguinte: Atento o lapso de tempo decorrido desde a decisão de venda, requerer a V. Exa. que informe, em relação à Fração E do Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...08, qual o valor mínimo pelo qual a Exequente poderá a adjudicar o bem, uma vez que poderá existir interesse da n/parte.
Nada foi dito pelo agente de execução ao que a exequente, neste momento processual, entendeu por conveniente requerer, sendo que a instância executiva deu entrada no dia 27.3.2013 eandou a marinar, para se efectuar a venda dos bens penhorados (é certo que em parte devida à pandemia do COVID), desde 7.5.2018.
Por isso, salvo o devido respeito pelo decidido na 1.ª instância, considerando o andamento processual dos autos, referidos nos pontos 3 a 12, entendemos que tal requerimento, por parte da exequente, arreda a necessária negligência para que se extinga a instância ao abrigo da citada norma do artigo 281.º.
A deserção da instância funda-se no princípio da auto responsabilidade das partes, pelo que pressupõe, desde logo, que sobre a parte recaia um ónus de impulso processual. Efetivamente, a deserção da instância visa evitar que nos tribunais permaneçam pendentes e parados processos em virtude do mero desinteresse de quem a eles recorreu para fazer valer o direito que entendem assistir-lhes.
Nessa medida, entendemos que só nos casos em que decorre directamente da lei que naquela fase do processo os autos aguardam por um acto que cumpria à parte praticar - ou nos casos sem que a parte foi alertada pelo juiz da necessidade da prática de determinado acto necessário para o desenvolvimento do processo, no âmbito dos poderes de gestão do processo - é que a omissão da prática desse acto se pode considerar como a falta ao dever de acção que em concreto se impunha e cuja falta conduz à deserção da instância. Ou seja, alargar o âmbito do dever de impulsionar a execução à prática de todos os actos que indirectamente podem conduzir ao seu andamento (como o controle dos atrasos dos agentes de execução ou outros), sem que exista uma obrigação directamente imposta por lei para a prática desse acto ou convite judicial nesse sentido, seria onerar os exequentes pelas omissões dos outros intervenientes processuais e eventualmente até serviços, para além do que pode conter a noção de negligência da parte que fundamenta a deserção.
Para além disso, o comportamento omissivo da parte a quem incumbe a prática do acto não se confunde, nem importa, de forma automática, a sua imputação a título de negligência, já que para além de ter de estar em causa uma paragem relativa à falta de um acto imposto pelo cumprimento de um ónus, que impeça o normal prosseguimento dos autos; tem tal omissão que, em concreto, evidenciar uma atitude negligente da parte, ou seja, uma atitude omissiva reveladora da falta de diligência normal e exigível em face das circunstâncias do caso concreto, a qual deve ser aferida em face dos dados conferidos pelo processo.
Mais, é ao juiz que incumbe dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo as diligências que se afigurem necessárias ao normal prosseguimento da acção – nos termos da norma do artigo 6.º, n.º 1, do CPC cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto por lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório, e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. Como alega o Apelante/Exequente, em 21-03-2024, através de Comunicação do Mandatário a Agente de Execução, e “atento o lapso de tempo decorrido desde a decisão de venda”, requereu informação sobre o valor mínimo pelo qual a Exequente poderia a adjudicar o bem; F. A esta comunicação não foi dada qualquer resposta pelo Agente de Execução, sendo certo que a decisão de venda nos autos é de 2018, decorrendo do senso comum que, em seis anos (!!!) o valor dos bens imóveis pode ter – e tem certamente – alterações significativas; G. Era ónus do Agente de Execução responder à comunicação do Exequente, não só pelo exercício das suas funções, bem como em obediência aos seus deveres deontológicos de probidade e cortesia; H. Devendo aliás ter procedido a nova notificação para indicação de modalidade de venda e valor base, notificando as partes para se pronunciarem – repete-se – atento o lapso de tempo decorrido desde a decisão de venda; I. Face à inércia do Agente de Execução, foram encetadas tentativas de contacto telefónico - nunca atendeu o seu telefone – e foi enviada nova comunicação enviada, via e-mail, pela mandatária da Exequente, datada de 21 de maio de 2024 10:46, dirigida ao seu endereço registado em Citius, ...@solicitador.net, insistindo por uma resposta à sua comunicação; J. O Agente de Execução NUNCA respondeu, por nenhuma via, sendo que a Exequente a aguardou resposta, por entender absolutamente necessário para o processo seguir seus termos; K. Não se pode considerar apenas e tão só como impulso processual, se a Exequente “oferecer uma proposta séria”, sendo que a Exequente estava e está, seriamente, a pretender ver o seu crédito pago, com a necessária – mas inexistente neste caso – colaboração do Agente de Execução; L. Não se mostram verificados os pressupostos da deserção da instância, prevista no art. 281º, estando afastado o pressuposto de natureza objetiva, que se traduz na demora superior a 6 meses no impulso processual, porque, como se viu, não só houve um impulso comprovado nos meses de março e maio, além de variadíssimos telefonemas, como a parte sobre quem recaía o ónus de resposta era o Agente de Execução; M. E também não está preenchido o pressuposto de natureza subjetiva, que consiste na inércia imputável a negligência da parte, o que, in casu, em relação à Exequente, claramente não ocorreu. Procede, pois, a apelação com a revogação do despacho proferido pelo Juízo Local Cível de Castelo Branco - Juiz ..., e determina-se o prosseguimento dos autos ordenando-se que o Agente de Execução responda ao requerimento apresentado pela Exequente.
As conclusões (sumário):
(…).
*
Assim, na procedência da instância recursiva, revogamos a decisão proferida pelo Juízo Local Cível de Castelo Branco - Juiz ..., determina-se o prosseguimento dos autos, ordenando-se a notificação do Agente de Execução para responder ao requerimento apresentado pela Exequente.