I – O incidente da assistência não é o meio adequado para o sócio, invocando a existência de um conflito de interesses entre o sócio gerente e a sociedade/Ré por este representada e eventual conluio com a requerente/credora, se substituir à sociedade/devedora, ou assumir a sua representação nos autos.
II – Sendo a Sociedade/Requerida revel à data da apresentação do requerimento de constituição de assistente, a intervenção da ré nos autos, no dia seguinte, mediante a junção de procuração e a apresentação de requerimento a confessar os factos e a sua situação de insolvência, sempre impediria a manutenção do requerente na posição de substituto da Requerida (artigo 329ºCPC), tornando ineficaz a oposição por si deduzida.
III – No processo de insolvência contra si instaurado, a apresentação de requerimento a confessar os factos e a sua situação de insolvência por parte do devedor, não é equiparável à sua apresentação à insolvência, nos termos dos arts. 18º/28º CIRE.
IV – A confissão dos factos alegados na petição inicial (por ausência de oposição, ou por confissão expressa) não envolve necessariamente a prolação de uma sentença declaratória – o juiz deve verificar se os factos confessados são de molde a consubstanciar algumas das hipóteses configuradas nas alíneas do nº1 do art.20º, e só em caso afirmativo declarará a insolvência.
V – A existência de um só crédito, embora de valor elevado, vencido dias antes da apresentação do pedido de insolvência e que não é satisfeito por alegada falta de liquidez nos meses seguintes, não integra um incumprimento que evidencie a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
(Sumário elaborado pela Relatora)
1º Adjunto: José Avelino Gonçalves
2º Adjunto: Chandra Gracias
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO
AA instaurou o presente processo especial de insolvência contra a sociedade A..., Lda.,
Alegando, em síntese,
é credora da requerida no montante de 76.500,00 €, a título de honorários, para cujo pagamento interpelou a Ré por carta de 15 de julho de 2024, na sequência da qual a devedora lhe comunicou não dispor nos próximos meses de capacidade financeira para liquidar os seus honorários o que não lhe permite cumprir tal obrigação;
a devedora tem outros credores, nomeadamente o contabilista, não lhe sendo conhecidos bens ou rendimentos que permitam a liquidação do passivo reclamado.
Proferido despacho inicial a determinar a citação da requerida, veio BB, deduzir incidente de intervenção de terceiros, e, em simultâneo, apresentar contestação, requerendo:
i) seja admitida a sua intervenção como assistente da Requerida, com os direitos e obrigações que lhe são conferidos pelos artigos 328º a 332º, do CPC;
ii) deve ser julgada procedente a exceção de erro na forma de processo, declarado nulo todo o processado e a Requerida absolvida da instancia;
sem conceder,
iii) deve ser julgada totalmente improcedente, por não provada, a ação de insolvência apresentada pela Requerente contra a Requerida e, em consequência, não se declarada a insolvência desta.
Uma vez citada, a sociedade requerida apresentou requerimento, confessando os factos alegados na petição inicial, referindo que, no momento em que foi citada, se encontrava a preparar a apresentação da sociedade à insolvência, por a sociedade se encontrar na situação de insolvência – cf. requerimento de 30.08.2024.
O Requerente responde, alegando aceitar a confissão dos factos feita pela devedora, em consequência do que se encontra prejudicada a apreciação do pedido de intervenção de assistente e da contestação apresentada, pugnando ela sua rejeição ou por que a mesma seja dada por finda.
A 09/09/2024, pelo juiz a quo foi proferido Despacho a:
a) Indeferir a requerida assistência.
Seguido da prolação de Sentença a:
b) Julgar a presente ação especial de insolvência procedente, e em consequência, declarando a insolvência da A..., Lda..
A 10-09-2008, o requerente a assistente veio apresentar novo requerimento, o qual concluiu, nos seguintes termos:
a) Deve a confissão apresentada pela representante legal da sociedade requerida ser considerada inválida e, em consequência, não produzir quaisquer efeitos nos presentes autos;
b) Sem conceder, deferido o pedido de assistência deve ser conhecida a contestação apresentada pelo requerente;
c) Sem prescindir, por força do princípio do inquisitório, previsto no artigo 11.º do CIRE, deve o Tribunal conhecer e ponderar os factos alegados e a prova apresentada pelo requerente nos presentes autos.
(…).
1ª Apelação – Intervenção de terceiros – Assistência
Tendo o BB, na qualidade de sócio da devedora, A..., Lda., vindo requerer a sua intervenção como assistente, sobre o mesmo incidiu o seguinte despacho:
“Previamente, mais concretamente no dia 29.08.2024, o sócio BB requereu a sua intervenção processual na qualidade de assistente, nos termos do disposto no artigo 326.º do Código do Processo Civil, em virtude de, à data, a requerida ainda não ter deduzido contestação e, nesse seguimento, aduz um conjunto de factos, opondo-se à declaração de insolvência.
Ora, não obstante se mostrassem, em tese, reunidos os pressupostos de que a lei faz depender a admissão da assistência, na medida em que o sócio BB tinha o interesse jurídico a que alude o artigo 326.º, n.º1 do Código do Processo Civil, todavia, nesta parte, e considerando que a requerida se vincula mediante a assinatura de um único gerente, neste caso da sócia CC, que, como se viu, confessou os factos da petição inicial, afigura-se-nos, neste momento, inadmissível a intervenção do requerente como assistente por força do preceituado no artigo 331.º do Código do Processo Civil e de acordo com o qual “a assistência não afeta os direitos das partes principais, que podem livremente confessar, desistir ou transigir, findando em qualquer destes casos a intervenção”.
Isto é, ainda que tivesse sido admitida a assistência, a mesma findaria por força do citado preceito legal.
De modo que, em razão do exposto, indefere-se a requerida assistência”
1. não tendo conhecido dos factos alegados no requerimento de assistência por si deduzidos, atinentes ao referido conflito de interesses entre a gerente da sociedade, em representação desta e os seus interesses pessoais e a situação de conluio entre aquela e o requerente da insolvência, bem como da invalidade da confissão, a decisão é nula por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº1, al. d), do CPC;
2. deve o tribunal conhecer da invalidade da confissão, e face aos factos alegados pelo requerente e prova documental por este junta, dar-se como não provados os factos alegados na petição de insolvência;
3. como tal, não podia o tribunal ter indeferido o requerimento de assistência, considerando o mesmo inútil face à confissão dos factos alegados na p.i., devendo o incidente de assistência ser deferido e a contestação conhecida.
4. encontrando-se a sociedade revel aquando da dedução do incidente, o assistente, ao abrigo do art. 329º substituiu a posição processual da requerida que, durante todo o prazo para deduzir contestação, não assumiu qualquer posição processual, quer no sentido de confessar, quer no sentido de contestar.
5. a confissão dos factos nos termos operados nos presentes autos, não determina que a assistência se dê por finda, pois o que a lei determina, ao abrigo do disposto no art. 283º, nº1. é que o réu pode, a todo o tempo confessar todo ou parte do pedido, quando aqui estamos perante a confissão de factos.
Passemos à análise de cada uma das questões invocadas pelo Apelante, pelas quais pretende ver revogada a decisão que indeferiu o incidente de assistência, não conhecendo da oposição por si deduzida ao pedido de declaração de insolvência da sociedade requerida.
1. Nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº1, al. d), relativamente aos factos alegados no requerimento de constituição de assistente e de oposição à declaração de insolvência.
Invoca o apelante a nulidade da decisão de indeferimento da constituição de assistente, por omissão de pronúncia, nos termos do arts. 615º, nº1, al. d), do CPC:
- encontrando-se reunidos os pressupostos de admissibilidade da assistência requerida pelo recorrente, no incidente de assistência por intentado, como fundamento do diferimento do mesmo, o recorrente alegou o série de factos demonstrativos do conflito de interesses existente entre a representante legal da sociedade requerida e esta ultima, bem como de conluio existente entre o requerente da insolvência e a gerente da sociedade da sociedade em apreço;
- o tribunal encontrava-se obrigado a pronunciar-se sobre os mesmos, bem como sobre os factos que tornam inválida a confissão dos factos junta aos autos pela requerida, questões que foram submetidas à apreciação do tribunal.
Constituindo nulidade da sentença, a omissão de pronúncia de questões que o juiz devesse apreciar [artigo 615º, nº1, al. d)], a decisão sobre se o tribunal se deveria, ou não, ter pronunciado sobre tais factos, e sobre se os mesmos acarretariam a invalidade da confissão contida no requerimento apresentado pela sociedade/recorrida, depende da configuração a dar à assistência, enquanto incidente de intervenção de terceiros, e do estatuto processual do assistente.
Com efeito, embora se aceite que, tal como o entendido na decisão recorrida, o recorrente, na qualidade de sócio da Sociedade/Requerida, tenha interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a esta, o que lhe conferiria a legitimidade para a assistência, nos termos previstos no nº1 do artigo 326º, do CPC, o âmbito da sua intervenção encontra-se delimitado pelo estatuto processual que lhe é conferido pelos arts. 326º a 332º do Código de Processo Civil.
A assistência – incidente de intervenção de terceiros –, encontra-se regulamentada no Código de Processo Civil, pela seguinte forma:
Artigo 326º
1. Estando pendente uma causa entre duas pessoas, pode intervir nela como assistente, para auxiliar qualquer das partes, quem tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a essa parte.
(…)
Artigo 327º
1. O assistente pode intervir a todo o tempo, mas tem de aceitar o processo no estado em que se encontrar”.
2. O pedido de assistência pode ser deduzido em requerimento especial ou em articulado ou alegação que o assistido estivesse em tempo de oferecer.
Artigo 328º
1. Os assistentes têm no processo a posição de auxiliares de uma das partes principais.
2. Os assistentes gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres que a parte assistida, mas a sua atividade está subordinada à da parte principal, não podendo praticar atos que esta tenha perdido o direito de praticar nem assumir atitude que esteja em oposição com a do assistido; havendo divergência insanável entre a parte principal e o assistente, prevalece a vontade daquela.
(…)”
Refletindo sobre a configuração de tal intervenção espontânea de terceiros, afirma Lopes do Rego:
“O assistente não faz valer através da sua intervenção, um direito próprio, mas apenas um interesse em auxiliar a parte assistida, pelo que a assistência não implica alargamento do objeto da lide: a relação jurídica invocada pelo assistente surge apenas como fundamento da sua legitimidade para intervir e não como questão a ser decidida no âmbito do «thema decidendum»[1]”.
Quando à legitimidade da assistência, o “interesse jurídico” em intervir (atual artigo 326º, nº1) pode ter na sua base uma de duas soluções[2]:
I – Um fenómeno de conexão ou dependência de situações jurídicas, invocando o assistente a titularidade de uma situação cuja consistência jurídica é afetada pela decisão a proferir sobre a relação controvertida entre as partes principais;
II – Uma situação de mera dependência pratica ou económica, invocando o assistente um interesse patrimonial em que a decisão a proferir sobre a relação jurídica objeto da ação seja favorável à parte principal que se propõe auxiliar.
Perante tais critérios, tal como foi entendido pelo tribunal a quo, a qualidade de sócio do requerente, abstratamente falando, atribuir-lhe-ia o interesse em intervir exigido pelo nº1 do artigo 326º do CPC: peticionada a declaração de insolvência da sociedade da qual é sócio, a procedência da ação afetará diretamente a sua situação jurídica, enquanto sócio, afetando igualmente a consistência económica de tal relação jurídica.
Não é, assim, ao nível da legitimidade que se colocam os impedimentos à sua intervenção, mas aos fins visados com a mesma e ao papel que o requerente nela pretende assumir.
O requerente faz assentar o seu interesse em intervir na ação, não apenas na qualidade de sócio (e no natural interesse pessoal em que não seja declarada a insolvência da sociedade), mas em todo um circunstancialismo fáctico – respeitante à existência de conflito de interesses na procedência do pedido de insolvência da sociedade ré, entre a respetiva gerente e a sociedade ré, e de conluio entre o autor e a gerente da ré –, como fundamento para lhe ser dada a possibilidade de apresentar contestação em nome desta.
Sustentando que a atual gerente não defende os interesses da sociedade, pretende fazer prevalecer a sua vontade, assumindo, ele próprio, a representação da Ré, a título principal.
Configurado o assistente como parte acessória, afirma Miguel Teixeira de Sousa[3]: a) o assistente defende interesses alheios para defender interesses próprios. (b) o assistente atua em nome próprio e com fundamento em interesses próprios, isto é, não pode ser considerado um representante do assistido.
O estatuto do assistente – traduzido na posição de auxiliar de uma das partes principais –, rege-se pelos princípios de equiparação ao assistido em direitos e deveres, e da subordinação da atividade do assistente à da parte assistida.
Sendo uma das suas caraterísticas essenciais, a subordinação da atividade do assistente à atividade da parte principal, é assim densificada por José Lebre de Freitas[4]:
“A atividade da parte assistida (autor ou réu) pode assim ser completada pela do assistente, mas não suprida, (mediante pratica de atos que o assistido não pratique, tendo o ónus de praticar) nem contrariada mediante a assunção de atitude divergente da do assistido”.
Segundo tal autor, o assistente pode:
- apresentar articulados que completem os do assistido, nomeadamente na sequência de convite oficioso (art. 590º-2-b), ou alegar, por outro modo admissível, factos que completem os por ele alegados, mas não contestar em vez dele, invocar causa de pedir ou deduzir exceção que este não invoque ou deduza, ou impugnar factos principais que o assistido não impugne;
- alegar em 1ª instância (art. 604º-3-e) e contra-alegar em recurso (art. 638º-5), mesmo que o assistido não alegue;
-apresentar alegação de recurso que complete a do assistido, mas não recorrer por este, seja em via ordinária, seja em via extraordinária, ressalvado apenas o recurso de revisão interposto por terceiro, nos termos do art 696º, al. g) (art. 631º, nº3), nem extravasar, na alegação, o âmbito definido pelas conclusões da alegação do assistido (art.639º).
A acentuar tal característica da subordinação, afirma Salvador da Costa[5]:
“Assim, se o assistente, ignorando a atitude que o assistido irá adotar na contestação, a ele se antecipa, apresentando articulado e contestação não subordinado aos fundamentos de oposição deduzidos pelo segundo, deles exorbitando, impõe-se a decisão que declare não escrito o afirmado pelo assistente em desconexão com o afirmado pelo assistido.
Mas o assistente pode, em termos complementares, oferecer articulados próprios no prazo em que o assistido os pode apresentar, (…). O que o assistente não pode, em regra, é contestar em vez do assistido, invocar factos integrantes da causa de pedir ou de exceção por aquele não invocados, impugnar factos essenciais que aquele não impugne, nem interpor por ele algum recurso ordinário ou extraordinário de revisão, nem extravasar do âmbito das suas conclusões de alegação”.
No caso de o assistido ser revel (exigindo-se a revelia absoluta), o assistente é considerado como seu substituto processual, mas sem lhe ser permitida a realização de atos que aquele tenha perdido o direito de praticar (artigo 329º).
De qualquer modo, a substituição dura enquanto o réu não intervier no processo. Logo que intervenha, o substituto passa à posição de assistente, com o estatuto decorrente dos ns. 1 e 2 do art. 328º[6].
Face a tal configuração, e ainda que pudesse reunir os demais requisitos para intervir como assistente (como foi reconhecido na decisão recorrida), nunca o Requerente/Apelante poderia intervir nos autos, invocando que a defesa da sociedade/ré não pode ser assegurada pela sua sócia gerente, assumindo uma posição totalmente oposta à da sociedade/requerida, pretendendo retirar qualquer valor à intervenção da ré, substituindo-se à mesma e contestando em seu lugar.
Vejamos o circunstancialismo fáctico em que ocorre a sua intervenção.
Tem razão o Apelante quando afirma que o articulado, pelo qual a A... declara confessar-se em situação de insolvência, foi apresentado fora do prazo previsto para a dedução de oposição ao pedido da sua insolvência (o que, para o caso é perfeitamente irrelevante, uma vez que, em tal requerimento, a devedora/requerida não deduziu qualquer oposição ao pedido de insolvência).
Mas também o seu requerimento, pelo qual requer a sua constituição de assistente e apresenta contestação, é junto aos autos depois de decorrido o prazo para dedução de oposição ao pedido de insolvência:
- a citação da Sociedade ocorreu a 13/08/2024 (data de assinatura do aviso de receção junto aos autos), pelo que, o prazo de 10 dias (artigo 30º do CIRE), mais os 3 dias, durante os quais o ato pode ser praticado mediante o pagamento de multa (art. 139º, nº5, CPC), terminou a 28/09/2024;
- como tal, o requerimento de constituição de assistente e de contestação (29/09/2024), foi apresentado depois de decorrido o prazo concedido para a dedução de oposição à declaração de insolvência;
- quanto ao requerimento da sociedade Requerida, pelo qual veio confessar os factos alegados no requerimento inicial, apresentado a 30/09/24, é irrelevante que o mesmo tenha sido apresentado depois de decorrido o prazo para deduzir oposição, pois o reu/requerido pode confessar os factos ou o pedido, em qualquer altura, até ao trânsito julgado da decisão final (artigo 283º, nº1, do CPC).
À data em que o Apelante apresenta o seu requerimento de intervenção como assistente, pretendendo deduzir contestação em nome da Sociedade/Requerida, havia já decorrido o prazo para dedução de oposição ao pedido de declaração de insolvência, encontrando-se precludido tal direito.
Como tal, ainda que inexistisse a posterior confissão expressa por parte da sociedade/Requerida, os factos alegados na petição inicial encontravam-se já confessados como consequência da ausência de oposição no prazo legal, por força do artigo 30º, nº5, do CIRE, cujos efeitos se haviam já consolidado nos autos.
Ainda que a requerida se pudesse, à data, considerar revel, o requerente, ao intervir nos autos, teria de aceitar o processo no estado em que se encontrava (artigo 327º, nº1), não lhe sendo permitido praticar atos que a sociedade requerida já tivesse perdido o direito de praticar (artigo 329º do CPC), como era o caso da dedução de oposição.
De qualquer modo, ainda que assim não fosse e que, em tal data, ainda que se encontrasse a decorrer o prazo para o efeito, a eficácia da oposição que apresentasse encontrar-se-ia dependente da ausência de apresentação de contestação por parte da sociedade/requerida, ou, vindo esta a assumir a sua (o)posição nos autos, o alegado pelo requerente a assistente só manteria a sua relevância, na medida em que não fosse contrariado pela versão da Sociedade/Requerida.
Como nos diz a última parte do nº2 do artigo 328º, qualquer oposição entre o assistente e a parte assistida é resolvida pela prevalência da posição desta parte.
Como tal, nem a posição que a Requerida assumiu nesse requerimento, nem a contestação deduzida pelo requerente a interveniente, poderiam produzir quaisquer efeitos nos autos, seja por intempestividade da dedução da oposição, seja por envolver a assunção de posição completamente oposta à da devedora/requerida. Ainda que se lhe reconheça legitimidade para intervir como assistente, toda a matéria que contraria a posição da requerida haveria de ter-se por não escrita.
O incidente da assistência não é o meio adequado para o sócio, invocando a existência de um conflito de interesses entre o sócio gerente e a sociedade/Ré por este representada e eventual conluio com a requerente/credora, se substituir à devedora, ou assumir a sua representação nos autos.
Aqui chegados, torna-se claro que o tribunal a quo não tinha de se pronunciar sobre os factos alegados pelo recorrente, como fundamento para a sua intervenção como assistente – demonstrativos do referido conflito de interesses entre o represente legal da sociedade e a sociedade Ré e de conluio entre a gerente o requerente e que, no entender do Apelante, importariam a invalidade da confissão contida no articulado apresentado pela sociedade Ré – por envolverem a assunção de uma posição processual não permitida pelo estatuto da assistência.
Assim como, não teria de os conhecer enquanto fundamento da invalidade da confissão contida no articulado apresentado pela Ré, invalidade esta que é invocada pelo Recorrente em requerimento apresentado posteriormente à prolação da decisão recorrida.
De qualquer modo, uma eventual invalidade da confissão da requerida, em nada aproveitaria, nesta sede, ao Apelante, não assumindo qualquer consequência quanto à sua pretensão de se substituir à Sociedade Ré (ou na sua representação), na dedução de oposição ao pedido de insolvência desta.
Concluindo, improcede a invocada nulidade da decisão de indeferimento do pedido, nos termos do artigo 615º, nº1, al. d) do CPC.
2. Se o incidente de assistência devia ser deferido e a contestação conhecida
Em conformidade com o exposto, embora a sua qualidade de sócio da sociedade Requerida, abstratamente falando, lhe atribuísse legitimidade para requerer a sua intervenção como assistente, configurando-se este como um mero auxiliar da parte principal, tal pedido não podia ser deduzido com a finalidade se substituir a esta (ou em sua representação), apresentando contestação autónoma, com vista a assumir posição contrária à (que sabe ser) do assistido.
Por fim, quanto à alegação do Apelante, de que a confissão dos factos operada nos autos pelo Requerimento apresentado pela sociedade/Ré, não determinaria que se desse por finda a assistência, pois o artigo 331º do CPC reporta-se à confissão do pedido (arts. 283º do CPC), quando aqui estamos perante a confissão de factos, em nada altera a decisão de indeferimento do pedido de assistência e de não valoração da sua contestação.
Sendo a Sociedade Requerida revel à data da apresentação do requerimento de constituição de assistente, a intervenção da ré nos autos, no dia seguinte, mediante a junção de procuração, sempre impediria a assunção da posição de substituto da Requerida, nos termos do art. 329º, e a apresentação de requerimento a confessar os factos e o pedido, sempre tornariam ineficaz a sua dedução de oposição (caso o não fosse, por intempestiva).
Mais uma vez se realça que o incidente de intervenção como assistente não é o meio adequado para um terceiro vir invocar nos autos vícios na representação da parte a que se pretende associar (ou um eventual conluio desta com a parte contrária), com vista a anular a posição assumida por esta parte.
É, assim, de confirmar a decisão de não admissão do incidente.
A 1ª Apelação é de improceder.
O juiz a quo julgou a ação procedente, declarando a insolvência da requerida, com a seguinte fundamentação que aqui se reproduz, na íntegra:
“Com interesse para a decisão a proferir, considera-se provada, por confissão e por recurso à prova documental junta com a respetiva petição inicial, toda a factualidade alegada na petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzida.
Ora, não obstante, nos presentes autos, a insolvência da requerida tenha sido requerida por AA importa, porém, não ignorar que aquela, no requerimento de 30.08.2024, não só confessou os factos alegados na petição inicial como esclarece que se encontrava a preparar a apresentação da sociedade à insolvência, por se encontrar insolvente.
Dispõe o artigo 3.º, n.º1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.”
Acrescenta o artigo 28.º do CIRE a apresentação à insolvência por parte do “devedor implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência”.
Acresce que nos termos do disposto no artigo 3º, nº 4 do mesmo diploma legal, “equipara-se à situação de insolvência atual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência”.
Decorre, assim, dos identificados preceitos que a apresentação à insolvência por banda do devedor implica o reconhecimento da situação de impossibilidade de cumprimento de obrigações ou de insuficiência do ativo em relação ao passivo, estados estes que caracterizam a situação de insolvência nos termos do artigo 3º do CIRE.
Ora, face ao teor do requerimento apresentado no passado dia 30.08.2024, com a requerida a reconhecer que se encontra efetivamente em situação de insolvência, impõe-se, pois, sem mais, declarar a insolvência da requerida A..., Lda.”
Apoia o Apelante as suas discordâncias com o decidido, nas seguintes ordens de razões:
1. Nulidade de todo o processo por existência de erro na forma do processo, porquanto a serem devidos os honorários reclamados pelo requerente, devia ter intentado ação judicial de honorários apensa a cada um dos processos judiciais em que representou a sociedade requerida.
2. A confissão dos factos pela Requerida não pode equiparar-se à situação de apresentação à insolvência por parte do devedor e/ou ao reconhecimento por parte da sociedade requerida de estar em situação de insolvência, encontrando-se o tribunal obrigado a averiguar se algum dos factos índice por si invocados – os previstos nas als. a) e b), do nº1 do artigo 20º do CIRE.
3. O tribunal deve ainda, ao abrigo do princípio do inquisitório, ponderar os factos alegados e a prova apresentada nos autos pelo recorrente, designadamente toda a documentação cujo conhecimento é público, no qual se inclui a Declaração de IES da sociedade Requerida, referente ao ano de 2023, na qual consta quantificado ativo no valor de 252,975 €;
4. A matéria de facto alegada na petição inicial deve ser dada como não provada, improcedendo a ação.
5. A sentença recorrida é nula por não especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, nos termos da al. d) do nº1 do art. 615º do CPC.
6. Os factos alegados pela Requerente da insolvência não configuram nenhum dos factos índices por si invocados, nomeadamente os previstos nas als. a) e b), do nº1 do art. 20º do CIRE.
Passamos à análise de cada uma das questões colocadas pelo Apelante.
A criação de ao pensamento de ajustar a forma ao objeto da ação, de estabelecer correspondência harmónica entre os tramites do processo e a configuração do direito que se pretende fazer reconhecer e efetivar[7].
A forma de processo a adotar é determinada pela petição inicial, no confronto entre o pedido formulado pelo autor e o tipo de pedido abstratamente previsto na lei para determinado processo especial.
Instaurando o Requerente a presente ação contra a A..., Lda., da qual alega ser credor de honorários e que a Requerida se encontra impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações, pedindo a declaração de insolvência desta sociedade, dúvidas não podem existir quanto à adequação processual da pretensão do requerente face à forma de processo escolhida.
A sua qualidade de credor é mero pressuposto de legitimidade para a formulação do pedido de declaração de insolvência (artigo 20º, nº1, do CIRE).
De qualquer modo, ainda que assim não fosse, quer a invocação de erro na forma do processo pela parte, quer o seu conhecimento oficioso, sempre se teriam por intempestivos, nesta sede (cfr., artigos 193º, 198º, nº1, CPC – só pode ser invocado pelas partes até à contestação – e 200º, nº2 –, só podendo ser conhecido até à sentença final).
Da leitura da decisão recorrida, constata-se que, o juiz a quo, não só, teve por relevante a confissão dos factos, expressa no requerimento apresentado pela A..., Lda., a 30-08-2024, como, socorrendo-se da alegação aí contida de que “no momento em que foi citada encontrava-se a preparar a apresentação da sociedade à insolvência, por a sociedade se encontrar na situação de insolvência, nomeadamente por não ter possibilidade de cumprir as obrigações vencidas, art. 3º, nº1, do CIRE” – fez equiparar tal declaração à sua apresentação à insolvência, limitando-se a declará-la ao abrigo do artigo 28º do CIRE.
Insurge-se o Apelante contra tal apreciação – e com razão –, alegando que inserindo-se a confissão dos factos no disposto no art. 352º do Código Civil, não podia o tribunal, ter equiparado tal confissão à situação de apresentação à insolvência ou ao reconhecimento por parte da sociedade requerida de estar em situação de insolvência.
Antes de mais, como já atrás foi referido, os factos alegados na petição inicial, já se encontrariam confessados por força da ausência de dedução de oposição no prazo legal, nos termos do artigo 30º, ns. 1 e 5, do CIRE.
Tal ausência de oposição dá lugar ainda a que “a insolvência é declarada no dia útil seguinte ao termo do prazo referido no nº1, se tais factos preencherem a hipótese de alguma das alíneas do nº1 do artigo 20º”.
A confissão dos factos aí prevista não envolve necessariamente a prolação de uma sentença declaratória – o juiz deve então verificar se os factos confessados são de molde a consubstanciar algumas das hipóteses configuradas nas alíneas do nº1 do art.20º e só nesse caso é que declarará a insolvência[8].
Catarina Serra vai ainda mais longe no poder/dever de indagação que atribuiu ao tribunal. Considerando que, embora à luz do artigo 30º, nº1, os factos índices do nº1 do artigo 20º pareçam funcionar como condições suficientes e conduzir diretamente à declaração de insolvência, a inércia do devedor não dispensará a apreciação da insolvência pelo juiz: “o facto alegado indicia apenas a insolvência, não devendo esta ser declarada sem que o juiz esteja convencido que ela existe[9]”.
Por outro lado, encontrando-nos no campo das relações jurídicas indisponíveis[10], a confissão, não já dos factos, mas do próprio estado de insolvência, não pode ser efetuada fora dos trâmites dos artigos 18º/28º do CIRE.
No processo de insolvência contra si instaurado, não é permitido à devedora a confissão do pedido (o que se imporia, pela aplicação do artigo 289º do CPC, que não permite a confissão que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis)[11] (assim como, não lhe é permitido a desistência do pedido ou da instância, quando é ela a apresentar-se à insolvência[12]).
Já no âmbito do processo de insolvência previsto no Código de Processo Civil de 1929, discutindo-se o valor do reconhecimento do seu estado de insolvência pela apresentação do devedor, Pedro de Sousa Macedo[13] defendia que tal apresentação, embora constitua um elemento de prova, não deve ser considerada prova plena do estado de insolvência.
Tal entendimento, permanece válido face ao regime da apresentação do devedor à insolvência constante do CIRE (artigos 23º, 24º, 27º e 28º),
Se o devedor se apresentar à insolvência, essa atitude não poderá deixar de envolver, para ele, o reconhecimento da existência da situação de impossibilidade de cumprimento de obrigações ou, nos casos aplicáveis, de insuficiência do ativo em relação ao passivo.
Contudo, como salientam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[14], “em rigor, da imputação do reconhecimento não resulta nenhuma consequência prática autónoma relevante, nem mesmo no que respeita à necessidade imperativa e estrita, de prolação da sentença declaratória”.
Se, na normalidade das situações, apresentando-se o devedor à insolvência, é a mesma declarada pelo juiz, este não se encontra dispensado de analisar se os factos alegados pelo devedor integram uma situação de insolvência iminente ou atual ou se o requerimento se encontra devidamente instruído, com os documentos previstos no nº2 do artigo 24º CIRE.
Como prevê no nº1 do artigo 27º do CIRE, sob a epigrafe “Apreciação liminar”, no próprio dia da distribuição, ou até ao 3ª dia útil, o juiz:
a) indefere liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente, ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis de que deve conhecer oficiosamente;
b), concede ao requerente, sob pena de indeferimento, o prazo máximo de cinco dias para corrigir os vícios sanáveis da petição, designadamente quando esta careça de requisitos legais ou não venha acompanhada dos documentos que hajam de instruí-la, nos casos em que tal falta não seja devidamente justificada.
No que respeita ao processo de insolvência, manteve-se sempre a necessidade de apreciação liminar para todos os casos, seja o processo instaurado por apresentação do devedor, seja por requerimento de outro legitimado, o que se justifica, tendo nomeadamente em conta que há casos em que a insolvência é declarada sem que, em rigor, haja qualquer discussão sobre a causa (cfr., arts. 28º e 30º, nº5)[15].
A apresentação do devedor à insolvência, embora envolva o reconhecimento da sua situação de insolvência, não, é assim, valorada como se uma confissão do pedido se tratasse, mas apenas como um reconhecimento dos factos que alega e da sua situação de insolvência, sem que tal dispense uma análise por parte do juiz sobre se tais factos refletem uma situação de insolvência e o controle sobre os documentos que devem necessariamente acompanhar a apresentação do devedor à insolvência.
Por outro lado, a declaração posterior da requerida a confessar os factos, bem como a reconhecer a sua situação de insolvência, não equivale à sua apresentação à insolvência, tal como se encontra prevista no art. 23º nº1 e com os efeitos previstos no artigo 28º.
A validade de tal apresentação à insolvência entra-se dependente da junção de uma série de documentos – entre os quais, i) a relação de todos os credores, com indicação da data de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem; ii) relação e identificação de todas as ações e execuções; iii) relação de bens e respetivo valor; tendo o devedor contabilidade organizada, as contas anuais relativas ao último exercício – elementos estes que permitirão ao juiz, além do mais, uma aferição liminar sobre se a situação reconhecida pela apresentante, configura, ou não, uma situação de insolvência.
Concluindo, a posição assumida pela Requerida apenas podia ser valorada enquanto confissão dos factos alegados no requerimento inicial.
Assim sendo, o juiz a quo não se encontrava dispensado, desde logo, de analisar se os factos alegados pelo requerente – e confessados pela Requerida (seja por ausência de oposição, seja pela sua posterior confissão expressa), preenchiam algum das alíneas a) e b), do artigo 20º CIRE.
E, nesta sede, não podemos dar razão à apelante quando invoca a nulidade da sentença por falta de especificação dos factos em que fundamenta a decisão, nos termos do artigo 615º, nº1, al. b), do CPC.
A consideração na sentença dos factos dados como provados, ainda que por remissão para o alegado na petição inicial de insolvência, podendo corresponder a uma técnica menos correta – nomeadamente se na petição não há uma clara separação entre os factos e o direito –, não integra a nulidade da alínea b).
Cabendo ao juiz especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão, há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação[16].
De qualquer modo, ainda que se adote a tese menos restritiva de Rui Pinto, de que “a falta de fundamentação a que refere a al. d) do nº1 do artigo 615º ocorre seja quando não há nenhuma fundamentação (de direito ou de facto) da parte dispositiva, seja quando falte em termos funcionais e efetivos a fundamentação exigida pelos ns. 3 e 4, do artigo 607”[17], tal não se observa no caso em apreço, sendo percetível qual a materialidade tida em consideração na decisão recorrida.
São os seguintes os factos alegados no requerimento inicial, com relevância para a decisão em apreço:
1. A requerida é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à «promoção e gestão imobiliária, construção civil e obras públicas, administração, compra e venda e revenda de bens imobiliários adquiridos para esse fim, arrendamento de bens próprios e subarrendamentos» – vide Doc. 1;
2. A sociedade, aqui requerida, é representada pela gerente CC, divorciada, contribuinte n.º ...96, com domicílio profissional na Av. ..., ... ... – vide Doc. 1;
3. O requerente exerce a profissão de advogado, sendo conhecido em juízo e portador da cédula profissional ...75... – vide Doc. 2;
4. No exercício da sua atividade profissional, a requerente foi procurada pela referida gerente, para que patrocinasse a requerida no âmbito de diversos assuntos, designadamente, nos seguintes processos:
- Tribunal: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu Processo: 3585/21...., Juízo Central Cível de Viseu - Juiz ... Estado: Findo Espécie: Procedimento Cautelar (CPC2013) Valor: 87655,77 € Data Autuação: 07/10/2021
- Tribunal: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu Processo: 3585/21...., Juízo Central Cível de Viseu - Juiz ... Estado: Findo Espécie: Recurso Apelação em Separado Valor: 87655,77 € Data Autuação: 23/11/2021
- Tribunal: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu Processo: 3585/21...., Juízo Central Cível de Viseu - Juiz ...
Estado: Findo Espécie: Reclamação - artº 643 CPC Valor: 87655,77 € Data Autuação: 30/03/2022
- Tribunal: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu Processo: 4920/21...., Juízo de Comércio de Viseu - Juiz ... Estado: Pendente Espécie: Destituição de Gerente Valor: 30000,01 € Data Autuação: 11/12/2021
- Tribunal: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu Processo: 5186/21...., Juízo de Comércio de Viseu - Juiz ... Estado: Pendente Espécie: Anulação de Deliberações Sociais Valor: 30000,01 € Data Autuação: 31/12/2021
- Tribunal: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu Processo: 101/22...., Juízo de Comércio de Viseu - Juiz ...
Estado: Pendente Espécie: Anulação de Deliberações Sociais Valor: 30000,01 € Data Autuação: 07/01/2022
- Tribunal: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu Processo: 569/22...., Juízo de Comércio de Viseu - Juiz ...
Estado: Pendente Espécie: Ação de Processo Comum Valor: 30000,01 € Data Autuação: 05/02/2022
- Tribunal: Tribunal Judicial da Comarca de
Viseu Processo: 844/22...., Juízo de Comércio de Viseu - Juiz ... Estado: Pendente Espécie: Anulação de Deliberações Sociais (Ordinária) Valor: 30000,01 € Data Autuação: 22/02/2022
- Tribunal: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu Processo: 844/22...., Juízo de Comércio de Viseu - Juiz ... Estado: Pendente Espécie: Procedimento Cautelar-Suspensão Delib.Sociais (CPC2013) Valor: 30000,01 € Data Autuação: 29/05/2024
- Tribunal: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu Processo: 1916/22...., Juízo de Comércio de Viseu - Juiz ...
Estado: Findo Espécie: Anulação de Deliberações Sociais (Sumária) Valor: 30000,01 € Data Autuação: 30/04/202
5. O requerente disponibilizou-se a analisar e estudar os processos e a fazer as diligências necessárias e possíveis para a defesa dos interesses que lhe foram confiados, e melhor discriminados no documento 3 e 4, que aqui se junta e dá por integralmente reproduzido;
6. Na sequência desta relação que se estabeleceu entre as partes, a requerida constituiu-se devedora da quantia de 76.500,00€ (setenta e seis mil e quinhentos), cfr. documento 3 e 4.
7. Por carta datada de 15 de julho de 2024, o requerente comunicou à requerida as respetivas contas de honorários, cfr. documento 3.
8. A 16 de julho, e após receber a missiva, a gerente, em representação da requerida, informou o requerente que a sociedade requerida não dispunha nos próximos meses de meios líquidos para liquidar os honorários.
9. Nesse seguimento, o recorrente envia nesse mesmo dia carta datada de 16 de julho de 2024, com a nota de honorários completa, cfr documento 4.
10. A gerência da requerida respondeu, à suprarreferida missiva, por carta datada de 18 de julho de 2024, na qual confessa a integralidade da dívida que tem para com o requerente, conforme o documento 5, que ora se junta e dá por integralmente reproduzido.
11. Contudo, na mesma carta, a gerência dá a conhecer a atual situação financeira da requerida, isto é, que a mesma se encontra numa situação de falta de liquidez, que não lhe permite cumprir a obrigação de pagamento dos honorários devidos pelo serviço que o requerente lhe prestou.
12. Nestes termos, é o requerente credor e a requerida devedora, da quantia acima referida, nomeadamente, € 76.500,00 (setenta e seis mil e quinhentos euros).
13. Ora, sabe a requerente que, além de si, a requerida tem outros credores, nomeadamente o contabilista certificado, DD, que, igualmente, prestou serviços à referida sociedade.
14. Não sendo conhecidos quaisquer bens de que a requerida seja proprietária ou titular que permitam a liquidação do passivo reclamado no prazo de vencimento da dívida.
15. Assim, como se desconhece a existência de qualquer rendimento penhorável.
Quanto ao mais alegado, é de natureza conclusiva (impossibilidade de efetuar a cobrança coerciva da quantia em dívida e que, manifestamente, a sociedade não tem liquidez para proceder ao pagamento da dívida), pelo que, não será tido em consideração.
Segundo o Apelante, a materialidade invocada pelo credor/requerente, não configura nenhum dos factos-índice invocados, contidos nas als. a) e b), do artigo 20º:
- A dívida de honorários alegada pelo requerente da insolvência não existe, é inexigível e não está vencida, pois não juntou aos autos prova de que faturou os honorários à sociedade requerida;
- na carta datada de 18-07-2024, a gerente da sociedade requerida não reconhece a situação de insolvência da sociedade, tendo apenas referido que “nos próximos meses a sociedade não dispõe de meios líquidos para pagar o montante referido”;
- a falta de liquidez momentânea não se confunde com a insolvência da sociedade em apreço;
- além disso, o requerente alega a existência de outros credores da sociedade/requerida, nomeadamente o contabilista, sem qualquer concretização de tais dívidas e seus montantes e vencimento.
Desde já se adianta, não podermos, nesta parte e em termos globais, deixar de dar razão ao Apelante.
O critério definidor da situação de insolvência do devedor é-nos dado pelo nº1 do artigo 3º do CIRE, considerando em situação de insolvência o devedor que se encontre “impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.
A declaração de insolvência do devedor pode ser requerida pelos credores, verificam-se alguns dos factos elencados no nº1 do artigo 20º, CIRE, nomeadamente:
“a) suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) falta de pagamento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstancias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”.
O artigo 20º, nº1, do CIRE, contém um elenco de factos que constituem, não só, requisitos de legitimidade para que os sujeitos aí referidos (entre os quais algum credor) possam requerer a declaração de insolvência, mas, igualmente, fatores índices ou presuntivos da insolvência, tendo precisamente em conta a circunstancia de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações[18].
Cumprindo o nº1 do artigo 20, nº1, do CIRE, a função de enumerar factos-índice da insolvência, a verificação de apenas um deles é condição indispensável para a iniciativa processual de todos os legitimados, com exceção do devedor, permitindo presumir a insolvência e facilitando a respetiva prova. Para além do facto-índice, deverá também em princípio, trazer ao processo todos os elementos que manifestem que ele indicia, realmente, a insolvência[19].
Regressando à factualidade alegada e dada como provada, temos, de relevante que:
- tendo a partir de 2021, prestado serviços forenses à sociedade ré em vários processos judiciais, através de cartas datadas de 15 e 16 de julho de 2024, o requerente enviou à Sociedade Ré a “conta de honorários” no valor de 76.500 €, solicitando o respetivo pagamento no prazo de oito dias;
- por carta datada de 18 de julho, a sociedade ré responde, reconhecendo os valores em dívida, afirmando: “reitero que nos próximos meses a sociedade não dispõe de meios líquidos para pagar o montante referido”;
- a 03 de agosto de 2024, o credor dá entrada do presente pedido de declaração de insolvência da requerida;
Mais alega o requerente a existência de “outros credores”, nomeadamente do contabilista da ré, sem qualquer concretização quanto a montantes ou datas de vencimento.
De tal factualidade, não se pode retirar a verificação de “um incumprimento generalizado das suas obrigações vencidas”: na melhor das hipóteses, temos uma única dívida acabada de vencer, acompanhada da declaração da sociedade/devedora de que, nos próximos meses, não terá meios líquidos para pagar tal montante.
Não temos, assim, elementos de facto para considerar preenchido o facto-índice da alínea a).
Vejamos agora a verificação do facto-índice previsto na al. b).
Uma dívida só pode integrar um incumprimento generalizado, se, pelo seu montante e demais circunstancialismo do crédito revelar uma impossibilidade cumprir.
A insolvência não depende do número de incumprimentos, podendo manifestar-se através do incumprimento de uma só obrigação, estando o devedor insolvente, sempre que as circunstancias em que faltou ao cumprimento dessa única obrigação revelem a sua impossibilidade de cumprir[20].
“O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante[21]”.
“Em rigor, a impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas não significa que tenha de se fazer a prova de que o devedor está impossibilitado de cumprir todas e cada uma dessas obrigações. Basta a prova de que o devedor não consegue cumprir obrigações vencidas que demonstrem não ter possibilidade de cumprir as restantes[22].
No caso em apreço, o circunstancialismo que rodeia a reclamação deste crédito – apresentação de uma nota de honorários, no valor de 75.600 €, relativa a uma série de processos judiciais, alguns dos quais ainda nem sequer se encontram findos, a pagar num curto prazo de oito dias –, e a imediata formulação de pedido de declaração de insolvência da requerida, desacompanhado de outras circunstâncias (eventual existência de ações executivas pendentes, anteriores tentativas goradas de cobrança parcial da dívida ou de atrasos no pagamento provisões), que deem alguma consistência a uma eventual inutilidade em proceder a prévias tentativas extrajudiciais ou judiciais de cobrança, ou, até em esperar uns meses para que a sociedade requerida recupere a capacidade de liquidez, não nos reflete essa ideia de incumprimento generalizado por parte da sociedade ré, das generalidade das suas obrigações vencidas.
Tendo, embora, um valor elevado, o facto de se tratar de um crédito acabado de vencer e que não é satisfeito por falta de liquidez nos próximos meses, tal incumprimento não representa um evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Concluindo, não sendo os factos alegados, e demonstrados, suficientes para preencher qualquer um dos factos-índice previstos, no nº1 do art. 20º do CIRE, nomeadamente nas suas alíneas als. a) e b), o pedido declaração de insolvência é de improceder.
A Apelação é, nesta parte de proceder, com a sequente revogação da sentença recorrida, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões invocadas pelo Apelante a tal respeito.
Embora o Apelante termine as suas alegações de recurso, formulando pedido de condenação do Requerente da insolvência e da Sociedade Requerida como litigantes de má-fé, inexiste qualquer referência à fundamentação de tal pedido, de facto ou de direito, no corpo ou nas conclusões das suas alegações.
É de indeferir a sua pretensão, sendo que, dos factos apurados, não resulta qualquer má-fé na conduta processual da requerente ou da recorrida.
Custas da 1ª Apelação a suportar pelo Apelante.
Custas da ação a suportar pelo requerente da insolvência, sendo as custas da 2ª Apelação a suportar pelo Apelante e por ambos os Apelados, na proporção de 1/8 e 7/8, respetivamente.
Coimbra, 28 de janeiro de 2025
V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
(…).
[1] Lopes do Rego, “Os Incidentes de Intervenção de Terceiros em Processo Civil – VII Assistência”, Revista do Ministério Público, Ano 5, Vol. 22, p. 30.
[2] Lopes do Rego, revista e local citados, pp. 30-32.
[3] Blog do IPPC, anotação ao artigo 328º do CPC, disponível in https://drive.google.com/file/d/1REL4D8gdisAcNY6oY8Ip7f6vfLRFy2S3/view.
[4] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, p. 642.
[5] “Os Incidentes da Instância”, 5ª ed., Almedina, p.166.
[6] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, 1º Vol., 3ª ed., Coimbra Editora, p. 644.
[7] José Alberto dos Reis, “Processos Especiais”, Vol. I – Reimpressão, Coimbra Editora – 1982, p. 2.
[8] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª ed., QUID JURIS,
[9] “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, p. 124.
[10] Cfr., neste sentido, Pedro de Sousa Macedo, “Manual do Direito das Insolvências”, Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra – 1964, pp.322-323.
[11] Só quando o processo é impulsionado por iniciativa dos credores, do Ministério Publico e de responsável legal pelas dívidas do insolvente, é possível a desistência do pedido e da instancias, só sendo operante até ser proferida a sentença (artigo 21º CIRE). Tal limitação justifica-se pela tutela do interesse geral, presente no processo de insolvência, que transcende o do próprio insolvente e mesmo o da coletiva dos credores, ou globalmente considerados - Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª ed., p. 213.
[12] Catarina Serra, “A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito – O Problema da Natureza do Processo de Liquidação Aplicável à Insolvência no Direito Português”, Coimbra Editora, p. 332.
[13]Segundo Pedro de Sousa Macedo, tal solução impor-se-ia, não apenas pela natureza dos direitos em jogo, mas ainda, porque a confissão só se referiria aos factos e o estado de insolvência representa uma conclusão de direito, sendo que, o pedido de falência pode ser feito de má-fé ou simuladamente, para se conseguir um eventual acordo com os credores – cfr., local citado, pp. 322-323.
[14] “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, nota 2 ao artigo 28º, pp. 238-239.
[15] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª ed., p. 234.
[16] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 735-736.
[17] Rui Pinto, “Manual do Recurso Civil”, AAFDL Editora, pp. 81-82
[18] Luís A. Carvalho Fernandes e Luís Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª ed., Quid Juris, p. 201. Nas palavras de Catarina Serra, os factos enunciados no nº1 são indícios ou sintomas da situação de insolvência: “É através deles que, normalmente, a situação de insolvência se manifesta ou se exterioriza. Por isso, a verificação de qualquer um deles permite presumir a situação de insolvência do devedor e é condição necessária para a iniciativa processual de certos sujeitos, nomeadamente dos responsáveis legais pelas dívidas do devedor, dos credores e do Ministério Público – “O Novo Regime Português da Insolvência”, Almedina, 2012, 5ª ed., pág. 38.
[19] Catarina Serra, “A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito”, Coimbra Editora, p. 255-258.
[20] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, Lisboa 2013, nota 6 ao artigo 3º, p. 85.
[21] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, Lisboa 2013, nota 6 ao artigo 3º, p. 85.
[22] Alexandre Soveral Martins, “Um Curso de Direito da Insolvência”, 2016, 2ª ed., Almedina, p. 48.