I – De acordo com o previsto no art. 497.º n.º 1 do Cód. Civil, no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos é solidária a sua responsabilidade.
II – Tratando-se de uma obrigação solidária, não obstante cada um dos devedores ser responsável pela totalidade da dívida, como resulta implícito do art. 519.º do Cód. Civil, os mesmos podem ser acionados individual ou coletivamente, ficando essa opção na disponibilidade do credor.
III – Ainda que a desistência do pedido relativamente a um dos devedores pudesse ser vista como renúncia, como decorre do art. 527.º do Cód. Civil, tal não prejudica o direito do credor quanto ao outro obrigado, conservando quanto a ele o direito a exigir a prestação por inteiro.
(Sumário elaborado pelo Relator)
I-Relatório
AA, residente em Rua ..., ... ...,
intentou contra
BB, residente na ...., ... ...
e
CC, residente na Rua ..., ..., ..., ... ...,
a presente ação declarativa, de condenação, sob a forma comum, pedindo, na procedência da ação, a condenação solidária dos RR. a pagarem ao A. a quantia de € 7.539,75, “a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados, acrescida dos juros moratórios legais”.
Alegou, em síntese, terem os RR., no dia 02.06.2027, arrombado a porta do seu quarto, agredido o A. a soco e a pontapé, causando-lhe as lesões e os danos que especificou e quantificou.
*
O R. CC contestou a ação, peça processual na qual, no que aqui interessa, excecionou a violação da obrigação legal de dedução do pedido de indemnização no processo criminal, o que determina a incompetência material do tribunal, com a consequente absolvição do R. da instância.
*
Também o R. BB contestou, impugnando a totalidade dos factos alegados na p.i., incluindo os danos reclamados.
*
Na resposta o A. defendeu a possibilidade de dedução do pedido de indemnização civil em separado, quer porque ainda não tinha conhecimento do montante do dano relativo ao tratamento dentário à data do julgamento no processo crime, quer porque o procedimento criminal estava dependente de queixa ou acusação particular.
*
Na audiência prévia foi julgada improcedente a exceção relativa ao incumprimento da obrigação de adesão/incompetência, nos termos e com os seguintes fundamentos:
“O R. CC invocou a excepção da incompetência material do presente tribunal por violação do princípio da adesão, invocando, para o efeito, que o art.º 71º do Código Processo Penal - Princípio de adesão – estabelece que o lesado está obrigado a deduzir a sua pretensão na acção penal, sob pena de ver precludida a arrogada indemnização; por seu turno, nenhuma das exceções previstas no âmbito do art. 72.º se aplicam, no caso subjudice, ao princípio da adesão, pelo que o presente pedido de indemnização cível, resultando de danos que já eram conhecidos à data da acusação, devia ter sido deduzido nos prazos que para o efeito o CPP prevê, determinando a absolvição do Réu/AA da instância, nos termos dos artigos 96°, alínea a), 99º, n.º 1, 576°, n.º 2, 577.°, alínea a) e 578º, todos do Código de Processo Civil.
Respondeu o A., pugnando pela improcedência da invocada excepção, porquanto o artigo 72º CPP indica quais as situações em que o pedido de indemnização civil pode se deduzido em separado, perante o tribunal civil, das são aplicáveis à situação concreta, as alíneas c) e d) do n.º 1, a saber: quando o procedimento depender de queixa ou de acusação particular; e não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão. Como resulta da própria petição inicial, os danos sofridos pelo Autor, que exigiram intervenção e tratamento continuado a nível dentário, eram de montante total desconhecido pelo ofendido à data da audiência de julgamento penal, razão pela qual não formulou então o correspondente pedido cível. Portanto, nos termos do disposto do artigo 72º, n. 1, alínea c) do CPP, nas situações em que o procedimento depender de queixa, assiste ao eventual queixoso, presuntivo titular do direito de indemnização, a faculdade de recorrer ao tribunal civil para exercer esse direito.
Como excepção ao princípio da adesão, está consagrada na alínea c), do nº 1, do art. 72º do CPP a do procedimento criminal depender de queixa ou de acusação particular.
Com efeito, o crime de ofensa à integridade física, em que os RR. foram condenados em consequência da prática dos factos aqui invocados, é um crime semi-público, ou seja, depende de queixa (cfr. art. 143.º, n.º 2, do Código Penal). Pelo que, não tendo, o A. deduzido no processo-crime o pertinente pedido cível, podê-lo-ia fazer em separado, perante o tribunal cível, enquadrando-se, tal circunstância, na apontada previsão da c).
A dedução de pedido cível em acção autónoma, previamente à queixa-crime, equivale à renúncia ao direito de queixa, não estando, contudo, prevista qualquer cominação para o caso em que se deduz o pedido cível posteriormente à queixa-crime, pelo que o titular do direito à indemnização civil por crime cujo procedimento dependa de queixa, pode sempre exercê-lo perante o tribunal civil – neste sentido, vd., entre outros, o Ac. dp Tribunal da Relação de Coimbra de 28-06-2022, Proc. n.º 4303/20.0T8VIS.C1, publicado em www.dgsi.pt.”.
No despacho aí proferido foi também, ao demais, identificado, o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
“julgo a presente acção procedente, por provada, e consequentemente, condeno o Réu BB a pagar ao Autor AA:
- a quantia de € 2.429,75 (dois mil quatrocentos e vinte e nove euros e setenta e cinco cêntimos) e
- a quantia correspondente ao custo para o A. da reposição estética e funcional da dentição danificada, a apurar em liquidação de sentença, até ao montante de € 5.000,00 (cinco mil euros),
acrescida de juros vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento, absolvendo-o quanto ao mais peticionado”.
*
Irresignado, o R. BB interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever:
(…).
*
Não foi apresentada resposta ao recurso.
*
Foram colhidos os vistos, realizada conferência, e obtidos os votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.
*
II-Questão prévia:
Entre os demais fundamentos invocados em sede de recurso, o recorrente manifestou o entendimento que não é admissível a formulação do pedido de indemnização nestes autos porquanto o “Pedido de Indemnização Civil tem obrigatoriamente de ser deduzido no processo crime e nas circunstâncias estabelecidas no artº 77º do Código do Processo Penal, não mais podendo ser deduzido, mormente como o foi em processo autónomo e independente, razão pela qual não poderia o mesmo ser aceite, o que se deverá reconhecer” (conclusão 5).
Essa exceção, a da inadmissibilidade de dedução do pedido de indemnização civil, na decorrência do princípio da adesão consignado no art. 71º do CPP, a implicar a incompetência material do tribunal recorrido, já havia sido suscitada anteriormente - não pelo R. recorrente mas pelo originariamente corréu CC[2]-, foi apreciada no despacho saneador, tendo sido julgada improcedente.
Ora, não tendo essa decisão sido objeto de apelação autónoma, tal como previsto no art. 644.º, n.º 2, b) do CPC, transitou em julgado (art. 620.º do CPC), já não podendo ser impugnada com o recurso da decisão final (cfr. art. 644.º, n.º 3 do CPC).
Em conformidade, por se tratar de matéria já decidida nos autos e sobre que recai caso julgado formal, não se irá tomar conhecimento desse fundamento do recurso.
III-Objeto do recurso
Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (arts. 635, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC).
No caso, perante as conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
Saber se
a) foram incorretamente julgados os factos relativos ao computador e seu valor, tabuleiro de xadrez, rasgão no casaco de cabedal e botas (conclusões 1 a 4);
b) O recorrente só pode ser responsabilizado pelos danos provocados na placa e não já pela substituição da placa e dentes partidos por implantes (conclusões 9 a 11)
e se,
c) tendo havido desistência do pedido quanto a um dos RR., o A. prescindiu do recebimento de metade do valor reclamado a título de reparação dos danos (conclusões 6 a 8).
*
IV-Fundamentação
Com vista à incursão nas questões objeto de recurso, importa, antes de mais, transpor a factualidade que na decisão recorrida foi dada como provada e não provada.
Assim, na decisão recorrida consta a este propósito o seguinte:
“São os seguintes os factos provados com relevância para a decisão da causa:
1- No Processo Comum Singular n.º 662/17.... que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Criminal de Coimbra - Juiz ..., em que foi assistente o aqui A. e arguidos os ora RR., foi proferida decisão, confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, já transitada em julgado, que condenou os RR. nos seguintes termos:
a) o Réu BB, pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo art. 143º, n.º 1 do Código Penal; pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art. 190.º, n.º 1 do Código Penal; pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de coacção, p. e p. pelo art. 154.º, n.º 1 do Código Penal, o que, procedendo ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, conduziu à sua condenação na pena única de 370 (trezentos e setenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a multa de € 2.775,00 (dois mil setecentos e setenta e cindo euros).
b) o Réu CC, pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo art. 143º, n.º 1 do Código Penal; pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art. 190.º, n.º 1 do Código Penal; pela prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de coacção, p. e p. pelo art. 154.º, n.º 1 do Código Penal; em que, procedendo ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, levou à sua condenação na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a multa de € 1.950,00 (mil novecentos e cinquenta euros).
2- Em data não concretamente apurada, R. BB, arrendou ao A. AA, para habitação, que dele tomou de arrendamento, um quarto num apartamento localizado no 2º andar dto., do prédio sito na ..., ..., em ..., pertença do arguido, fixando nesse quarto o A. a sua residência.
3- No dia 02 de Junho de 2017, tal contrato de arrendamento mantinha-se em vigor, residindo o A. no supra identificado quarto.
4- No dia 02 de Junho de 2017, a hora não concretamente apurada, mas situada entre cerca das 00.00 horas e a 1.10 horas, o A. AA encontrava-se a dormir, na sua residência, supra identificada em 2).
5- Nessas circunstâncias de tempo e lugar, os RR. BB e CC contra a vontade do A. AA abriram a porta desse quarto onde este residia, e introduziram-se no mesmo.
6- Ali, ambos os RR., em comunhão de esforços, agrediram o A. AA a murro e palmadas, atingindo-o em diversas partes do corpo, designadamente na face e no braço esquerdo, e subjugando-o.
7- Aí, enquanto o R. CC segurava o A. AA, o R. BB começou a retirar do lugar onde se encontravam arrumados, os pertences do A., colocando-os à porta, do lado de fora, do apartamento onde se situava o quarto onde o A. residia.
8- Depois, os RR. expulsaram o A. AA, que se encontrava calçado e de pijama, da sua habitação, e obrigaram-no a colocar os seus pertences fora do prédio, na rua.
9- Como consequência directa e necessária da actuação dos RR. supra descrita em 6), o A. AA sentiu dores e sofreu ferimentos nas partes do corpo atingidas, designadamente: na face: avulsão dos dentes 11 e 21; mobilidade do 23; equimose arroxeada na face mucosa do lábio superior, medindo 4cmx2cm; escoriação na face pilosa do lábio superior esquerdo, medindo 1 cm de comprimento; na face pilosa do hemilábio inferior esquerdo, equimose arroxeada medindo 2cmx1,5cm, sobre a qual assenta escoriação medindo 0,7 cm de comprimento; no membro superior esquerdo: na face antero-medial do braço, área de pontuado hemorrágico, medindo 5cmx1,5cm; no terço médio da face anterior do antebraço equimose arroxeada medindo 5cmx5cm.
10- As referidas lesões determinaram um período de doença fixável em 30 (trinta) dias, com afectação da capacidade de trabalho geral de 30 (trinta) dias.
11- As referidas lesões determinaram para o A. a perda de duas peças dentárias 11 e 21 e mobilidade acentuada do 23, sendo que do ponto de vista funcional tal perda afecta a capacidade de mastigação e desfigura o A., sendo que se submetido a reabilitação implanto suportada este dano poderá ser minimizado ou mesmo anulado.
12- Já depois de terem forçado o A. AA a abandonar a sua habitação, o R. BB disse-lhe que se “livrasse de chamar a polícia”, que “já lá estão dois à minha conta no cemitério da ...”, e que “quando o visse na rua para mudar de passeio”, com o propósito de o intimidar e assustar de forma a constrangê-lo a não chamar a polícia e a não apresentar queixa crime, fazendo-o temer pela sua integridade física, o que provocou medo e temor no A.
13- Os RR. agiram livre, deliberada e conscientemente, em conjugação de esforços, com a intenção concretizada de ofender o corpo e a saúde do A., provocando-lhe temor e dor, bem como de lhe provocar medo e receio.
14- Os RR. sabiam que as suas condutas causariam medo e intimidação ao A., levando a que este agisse em conformidade com as suas indicações e não de acordo com a sua livre vontade.
15- O arguido BB sabia que a sua conduta, ao proferir as palavras supra referidas em 12), causaria medo e intimidação ao A., querendo que este agisse em conformidade com as suas indicações e não de acordo com a sua livre vontade, não chamando a polícia e não apresentando queixa, o que não conseguiu, por razões alheias à sua vontade.
16- No dia 2-6-2017, o A. tinha, no interior do seu quarto, entre outros, os seguintes bens de sua pertença:
- uma televisão de marca Samsung 4k JE40 JU6000), com cerca de um ano, que custara cerca de € 500,00;
- um computador era de marca ASUS Dual core T3200, 2.00GHz, com cerca de um ano, que custara cerca de € 600,00;
- um tabuleiro de xadrez de madeira, adquirido pelo A. cerca de dez anos antes, por valor não concretamente apurado, não inferior a € 80,00;
- um leitor de DVD e colunas surround (5 e subwoofer);
- roupa interior e pijamas;
- um casaco de cabedal de marca C17, no valor de € 350,00;
- um par de botas de cabedal, de valor não concretamente apurado, mas não inferior a € 140,00;
17- No dia 2-6-2017, o A. tinha, na cozinha da casa onde residia, artigos de mercearia e produtos de limpeza não concretamente apurados.
18- Ao retirar os pertences do A. do lugar onde se encontravam arrumados, o R. BB derrubou o computador do A. da mesa sobre a qual o mesmo estava pousado, tendo, em consequência da queda, o mesmo deixado de ligar.
19- Ao retirar os pertences do A. do lugar onde se encontravam arrumados, o R. BB partiu o tabuleiro de xadrez.
20- Ao retirar os pertences do A. do lugar onde se encontravam arrumados, o R. BB fez um rasgão num casaco de cabedal pertença do A.
21- Quando, obrigado pelos RR. a colocar os seus pertences na rua, o A. transportava a sua televisão pela escadaria do prédio, bateu com uma esquina daquele aparelho na parede, quebrando-a, bem como ao respectivo ecrã, tendo a mesma deixado de funcionar.
22- Quando, obrigado pelos RR. a colocar os seus pertences na rua, o A. transportava o seu leitor de DVD e colunas surround, deixou cair uma das colunas, danificando-a.
23- O A. continua a usar o leitor de DVD.
24- Na ocasião referida em 8), o A. deixou a sua roupa interior e pijamas no interior do apartamento localizado no 2º andar dto., do prédio sito na ..., ..., em ..., não mais tendo procurado recuperá-los.
25- Na ocasião referida em 8), o A. deixou os produtos de mercearia e de limpeza no interior do apartamento localizado no 2º andar dto., do prédio sito na ..., ..., em ..., não mais tendo procurado recuperá-los.
26- Na ocasião referida em 8), o A. deixou o par de botas no interior do apartamento localizado no 2º andar dto., do prédio sito na ..., ..., em ..., não mais tendo procurado recuperá-lo.
27- O Autor gastou em tratamentos para reparar provisoriamente os danos sofridos a quantia de 30,00€.
28- O Autor despendeu em medicamentos a quantia de 9,75€”.
A- Saber se a decisão da matéria de facto deve ser modificada nos termos pretendidos pelo recorrente.
(…).
B – Erro da decisão no tocante à reparação do dano relativo à dentição
Para pagamento do tratamento necessário para a reparação dos “danos provocados na sua boca” o A. havia reclamado o montante de € 5.000.
Na decisão recorrida, depois de se concluir que o A. tem direito à reparação do dano, face à existência “de várias técnicas e materiais adequados à reposição estética e funcional da dentição danificada e, no caso concreto, desconhece-se quais são aqueles que o A. pode (até na perspectiva clínica) e irá executar”, relegou-se para o incidente respetivo a liquidação do valor necessário ao ressarcimento do dano, com o limite de € 5.000.
No recurso apresentado o R. defende que, tendo sido “dado como provado que apenas dois dentes foram partidos e o outro ficou a abanar (…) Como que os dentes danificados o foram na placa que o recorrido já usava antes destes incidentes (…) Só pode ser responsabilizado pelos danos provocados na placa, não podendo ser responsabilizado pela substituição da placa e dentes partidos por implantes, sob pena de enriquecimento ilícito”(conclusões 9 a 11).
No que concerne a esta matéria resultou provado que
“Como consequência directa e necessária da actuação dos RR. (…) o A. AA (…) sofreu (…) avulsão dos dentes 11 e 21; mobilidade do 23” (facto 9);
“As referidas lesões determinaram para o A. a perda de duas peças dentárias 11 e 21 e mobilidade acentuada do 23, sendo que do ponto de vista funcional tal perda afecta a capacidade de mastigação e desfigura o A., sendo que se submetido a reabilitação implanto suportada este dano poderá ser minimizado ou mesmo anulado” (facto 11).
Ou seja, contrariamente ao defendido em sede de recurso, não apenas a ação ilícita não se limita “ao partir de dentes em placa”, havendo que reparar também o dente que passou a apresentar mobilidade acentuada (23) e, por outro lado, na sentença recorrida não se determinou que o tratamento fosse por implante.
O que foi decidido, repetindo os dizeres da sentença, foi relegar para liquidação no incidente respetivo o valor necessário à reparação do dano, face à existência “de várias técnicas e materiais adequados à reposição estética e funcional da dentição danificada”.
Será aí, e apenas aí, que o recorrente poderá contraditar o montante atinente ao tratamento em causa, designadamente por do mesmo resultar uma melhoria face à situação que o A. apresentava anteriormente.
Improcede, por isso, também nesta parte, o recurso interposto.
C – Erro da decisão quanto ao montante exigível ao R./Recorrente
Sustenta o recorrente que a desistência do A. quanto ao outro R. tem como consequência o prescindir de metade do peticionado, pelo que apenas pode ser condenado a reparar metade dos danos provocados (conclusões 7 e 8).
Não obstante, este entendimento ignora a natureza da obrigação em causa.
Estamos perante uma obrigação solidária (solidariedade que resulta da lei).
Na verdade, de acordo com o previsto no art. 497.º n.º 1 do Cód. Civil, no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos é solidária a sua responsabilidade.
O art.º 512.º n.º 1 do Cód. Civil dá-nos a noção de obrigação solidária: “A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles”.
Tratando-se de uma obrigação solidária, não obstante cada um dos devedores seja responsável pela totalidade da dívida, como resulta implícito do art. 519.º do Cód. Civil, os mesmos podem ser acionados individual ou coletivamente, ficando essa opção na disponibilidade do credor.
Ainda que a desistência do pedido relativamente a um dos devedores pudesse ser vista como renúncia, como decorre do art. 527.º do Cód. Civil, tal não prejudica o direito do credor quanto ao outro obrigado, conservando quanto a ele o direito a exigir a prestação por inteiro.
Ou seja, respondendo os dois RR. pela prática de facto ilícito, a obrigação de reparação do dano é solidária, continuando, no caso de ocorrer desistência do pedido quanto a um deles, a ser exigível ao outro corréu o ressarcimento da totalidade do dano.
*
Sumário[3]
(…).
*
IV - DECISÃO.
Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso, e, consequentemente, confirmar integralmente a decisão recorrida.
*
Custas pelo apelante (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC).
*
Coimbra, 28 de janeiro de 2025
(Paulo Correia)
______________________
(Catarina Gonçalves)
_______________________
(Chandra Gracias)
[1] Relator – Paulo Correia
Adjuntos – Catarina Gonçalves e Chandra Gracias
[2] - O ter sido invocada por outro R. apresenta-se, no caso, indiferente, posto que a incompetência absoluta do tribunal se traduz numa exceção dilatória de conhecimento oficioso.
[3] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC).