AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
CONTAS BANCÁRIAS
FACTOS COMPLEMENTARES
ACORDO PARA INCLUSÃO DOS NOVOS FACTOS
DEPOIMENTO DE PARTE
VALOR PROBATÓRIO
Sumário

I – Numa ação de prestação de contas em que se pede a condenação das rés a prestar contas da administração das contas bancárias tituladas pelos falecidos, os factos atinentes à existência, não de uma, mas de duas contas bancárias na Caixa Geral de Depósitos, constituem factos complementares dos já alegados na petição inicial e que se limitam a concretizar cada uma das contas tituladas pelo falecido e às quais as rés teriam acesso, na qualidade de cotitulares ou autorizadas, contas que os autores só não identificaram devidamente na petição inicial, por não terem acesso aos respetivos elementos.
II – A necessidade de acordo da parte beneficiada com a inclusão dos novos factos [artigo 5º, nº1, al. b), CPC], encontra-se preenchida pela pronúncia sobre os mesmos, que pode ser anterior ou posterior ao surgimento dos factos no processo, se retirará o acordo (expresso ou tácito), na sua alegação.
III – Constituindo o depoimento de parte um meio processual através do qual se pode provocar a confissão da parte de factos que lhe são desfavoráveis, caso dele não resulte confissão integral, ou tal confissão não reúna os requisitos necessários enquanto meio de prova plena, as declarações emitidas pela parte mantêm valor probatório, sendo apreciadas livremente pelo tribunal.
IV – Para além dos casos em que obrigação de prestação de contas se encontra expressamente consagrada na lei, tal obrigação pode ainda derivar de negócio jurídico ou mesmo do principio geral da boa fé, podendo surgir no âmbito de relações de natureza obrigacional, real, familiar ou sucessória, existindo sempre que alguém administre património ou trate de negócios alheios.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Chanda Gracias

2º Adjunto: José Avelino Gonçalves

                  

                                                                             

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

AA e BB, intentam a presente ação especial de prestação de contas nos termos dos arts. 941º e ss. do CPC, contra CC e DD,

Alegando em síntese:

Autores e rés são irmãos entre si, sendo únicos e universais herdeiros da herança dos seus falecidos pais, composta por imóveis e contas bancárias;

no âmbito de processo de autorização para suprimento do consentimento da sua esposa, intentado pelo pai das partes, foi conferida judicialmente autorização de venda de prédio da propriedade daqueles últimos, pelo preço de € 77.500,00, que foi depositado numa das contas bancárias dos mesmos, tendo em vista fazer face às despesas que ambos tinham na instituição residencial para idosos onde residiam, designadamente as mensalidades e outros encargos, porquanto os únicos rendimentos que tinham eram as pensões de reforma;

falecidos a mãe em novembro de 2014 e o pai em 2017, o valor ou produto de tais contas bancárias nunca foram partilhados, e o que foi recebido pelas vendas foi depositado e administrado pelas rés, gestão que é levada a cabo por estas desde 2011, sem nunca terem prestado contas.

Em consequência, pedem:

A condenação das rés:

- a prestar contas respeitantes à administração e gestão das contas bancárias, tituladas pelos falecidos EE e FF;

- no pagamento do saldo que se vier a apurar, a favor dos autores, de acordo com os seus quinhões hereditários.

As Rés apresentam contestação, impugnando a obrigação de prestar contas, negando terem administrado ou gerido quaisquer contas dos seus pais, as quais, pese embora solidárias (a pedido do próprio pai FF), foram sempre administradas e geridas por aquele último, até ao respetivo decesso, pugnando pela improcedência da presente ação.


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Realizada audiência de julgamento, foi proferida Sentença, que culmina com a seguinte:

VI. Decisão:

Nestes termos, ao abrigo das disposições legais supra citadas, o Tribunal decide:

a) Julgar totalmente procedente, por provada, a ação intentada e, em consequência, condenar as Rés CC e DD a prestar contas da administração e gestão das contas bancárias tituladas por FF e EE, entre 17-11-2011 e 07-06-2021;

b) Ordenar que, após trânsito desta sentença, sejam as Rés CC e DD notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 942.º n.º 5 do Código de Processo Civil.

c) Custas pelas Rés CC e DD – artigo 527.º do Código de Processo Civil.


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Não se conformando com tal o decidido, as Rés dela interpõem recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

(…).


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Os autores apresentam contra-alegações ao recurso interposto pelas rés, concluindo no sentido da sua improcedência.

Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.


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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir seriam as seguintes:
1. Nulidade da sentença pela não especificação concreta dos factos não provados e sua concreta motivação, por reporte aos artigos 154º, 607º, nº4, e 615º, nº1, b) e c) do C.P.C
2. Impugnação da decisão proferida em sede de matéria de facto:
a) se os pontos 9., 8., parte do ponto 7., 19. da matéria de facto dada como provada, devem ser eliminados, por se tratar de factos não alegados;
b) a assim não se entender, se os factos contantes do ponto 19 deviam ser dados como “não provados”;
c) aditamento da matéria alegada no art. 22º da contestação, que deve ser dado como provado.
3. Se o tribunal errou ao reconhecer a existência da obrigação de prestação de contas por parte das rés, relativamente às duas contas bancárias de que eram titulares juntamente com os falecidos pais.
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III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Nulidade da sentença pela não especificação concreta dos factos não provados e sua concreta motivação, por reporte aos artigos 154º, 607º, nº4, e 615º, nº1, b) e c) do C.P.C

Alegam as Apelantes que, tendo-se a decisão recorrida limitado a afirmar que “ “[não] resultou como provada qualquer outra factualidade com relevância para a discussão da presente causa”, referindo, posteriormente, que “[a] restante matéria alegada em sede de petição inicial e contestação considerou-se desprovida de relevância para a decisão da causa, ou tratar-se de matéria probatória, de jaez conclusivo ou de Direito ou ainda contrária à factualidade tida por demonstrada”, verifica-se uma omissão de indicação dos factos que o tribunal a quo considerou não provados e da respetiva fundamentação, determinando a nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, nº 1, al. b), do CPC.

Não podemos dar razão às Apelantes.

A “não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, cuja omissão a al. d), do nº1 do artigo 615º, do Código de Processo Civil (CPC), comina com a nulidade da sentença, só se tem por verificada “quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito”, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação[1].

No caso em apreço, a decisão recorrida, depois de elencar cada um dos factos que considerou como provados, explicando o porquê da sua convicção, indicou, também, claramente quais os factos que considerava “não provados”: nenhuns. E justificou tal opção, esclarecendo que os demais factos alegados na petição inicial e na contestação, ou não tinham interesse ou eram meros factos probatórios.

O juiz a quo fez uma seleção dos factos que considerou relevantes para a decisão da causa e sobre eles proferiu decisão, dando-os (a todos) como provados. Não há aqui qualquer omissão ou deficiência no julgamento sobre a matéria de facto.

Se as Rés apelantes, entendiam que algum dos demais factos alegados tinha interesse para a decisão em apreço, bastava, em sede de recurso, requererem que o mesmo fosse tido em consideração pelo tribunal e quais os meios de prova que o impunham (tal como o vieram a fazer nas suas alegações de recurso), sem que se imponha ao juiz qualquer dever de se pronunciar sobre todos e cada um dos factos ou considerações das partes, constantes dos respetivos articulados.

Improcede a invocada nulidade da sentença.


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Matéria de facto

• Factos provados:

Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1. FF, filho de GG e de HH, faleceu em 10 de Dezembro de 2017, no estado de viúvo de EE.

2. EE, filha de II e de JJ, faleceu 17 de Novembro de 2014, no estado de casada com FF.

3. AA nasceu em ../../1955 e encontra-se registado como filho de FF e de EE.

4. KK nasceu em ../../1958 e encontra-se registada como filha de FF e de EE.

5. BB nasceu em ../../1966 e encontra-se registado como filho de FF e de EE.

6. DD nasceu em ../../1969 e encontra-se registada como filha de FF e de EE.

7. A conta de depósitos à ordem n.º ...036, sobre o Banco 1... era titulada por FF, CC, BB e EE, foi aberta em 7 de Dezembro de 2011, e tendo o último movimento ocorrido em 12 de Abril de 2015.

8. A conta bancária n.º 0...400, sobre o Banco 2..., era titulada por FF, CC e BB, foi aberta em 21 de Novembro de 2014 e encerrada em 5 de Fevereiro de 2018.

9. A conta bancária n.º ...900, sobre o Banco 2..., era titulada por FF, com autorização de movimentação concedida a CC e a BB e foi aberta em 28 de Janeiro de 1988 e encerrada em 5 de Abril de 2016.

10. Em data não concretamente apurada, mas em Agosto do ano de 2008, FF e EE ingressaram no Lar de Idosos da Associação de Melhoramentos de ..., para ali passarem a residir, o que sucedeu até à data dos respetivos falecimentos.

11. Pelo internamento no lar identificado 10. era devida uma mensalidade por cada utente, que em 2009 ascendia a € 395,00, sendo as despesas de medicamentos, produtos de higiene e vestuário pagos à parte.

12. FF e EE eram reformados, auferindo pensão de reforma.

13. Por carta registada com aviso de receção datada de 14 de Outubro de 2009, o Lar de Idosos da Associação de Melhoramentos de ... comunicou aos Autores e às Rés que FF e EE estavam com dificuldades financeiras para honrar as mensalidades devidas para com a aludida Associação, tendo apenas capacidade financeira para cumprir mais duas mensalidades de € 395,00 cada, mais solicitando que entre os filhos fosse encontrada a melhor solução no sentido de não haver interrupção da prestação de serviços.

14. Por sentença datada de 2 de Junho de 2011, em ação de autorização para a prática de ato, no âmbito do processo 325/11...., intentada por FF, foi decidido autorizar-se aquele último, em representação da sua mulher EE, a proceder à venda do imóvel urbano localizado em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito no artigo matricial ...49 daquela freguesia e concelho, pertença de ambos, para que com o produto da venda se pudesse fazer face às despesas com o internamento de EE.

15. Por escritura pública datada de 7 de Dezembro de 2011, FF e mulher procederam à venda do prédio urbano descrito em 12. pelo preço global de € 77.500,00, valor que receberam.

16. Na decorrência da venda, em 7 de Dezembro de 2011 foi depositado o cheque n.º ...04, no valor de € 69.500,00, na conta ...036 do Banco 1... e foi transferida a verba de 8.000 euros para a conta da Banco 2......900.

17. A Ré CC apresentou comprovativo de participação de transmissões gratuitas, por óbito de FF, junto da Autoridade Tributária em 23-10-2019, na qualidade de cabeça-de-casal.

18. O dinheiro existente nas contas bancárias acima identificadas era de FF e de EE.

19. Pelo menos desde Dezembro de 2011, as Rés movimentaram as contas bancárias supra mencionadas, levantando dinheiro, fazendo pagamentos e compras diversas, utilizando para o efeito cartão bancário.

20. No âmbito da entrega de comprovativo de participação de transmissões gratuitas, relativo ao decesso de FF, foram indicados como bens do falecido cinco imóveis rústicos sitos em ..., com os artigos matriciais n.ºs ...62, ...10, ...17, ...90 e ...91.

21. As Rés diligenciaram por tratar do funeral de FF e respetivo pagamento, o qual, pelo menos em parte, foi efetuado com dinheiro daquele.


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2. Se os pontos 9., 8., parte do ponto 7., e 19., da matéria de facto dada como provada, devem ser eliminados, por se tratar de factos não alegados

Insurgem-se as rés Apelantes contra a decisão proferida em sede de matéria de facto, sustentando ter o tribunal conhecido de matéria não alegada, com os seguintes fundamentos:

Os AA. invocaram, como causa de pedir, que são, juntamente com as Recorrentes, os únicos e universais herdeiros dos falecidos EE e FF e que, para além dos prédios referidos no artigo 6º da petição inicial, faziam parte das heranças a conta de depósitos à ordem n.º ...036 da Banco 1... e conta da Banco 2..., cujo número desconheciam, valor e/ou produto das contas bancárias que nunca foram partilhadas e que, tendo em conta os valores detidos pelos falecidos e o que foi recebido pelas vendas, foi depositado e administrado pelas Rés.

Assim, relativamente à conta bancária n.º ...900, sobre o Banco 2..., titulada por FF, com autorização de movimentação concedida a CC e a BB, aberta em 28 de Janeiro de 1988 e encerrada em 5 de Abril de 2016, nada foi alegado pelos Recorridos na petição inicial, razão pela qual este facto dado como provado no ponto 9) deve ser eliminado de tal matéria.

O mesmo sucede quanto ao ponto 8) da matéria de facto dada como provada, cuja factualidade, por não ter sido invocada na petição inicial nos termos em que se encontra assente, deve ser eliminado tudo o que vá para além da referência à Banco 2....

Já quanto ao ponto 7) da matéria de facto dada como provada, para além da conta com o número ...36 da Banco 1..., nada mais pode ser dado como provado, ou seja, deve ser expurgado de tal ponto a matéria de que “era titulada por FF, CC, BB e EE, foi aberta em 7 de Dezembro de 2011, e tendo o último movimento ocorrido em 12 de Abril de 2015”, por esta factualidade não ter sido alegada na petição inicial.

tais factos ancoraram-se nos documentos bancários aduzidos aos autos, os quais, no entanto, não poderiam ser considerados uma vez que “[a] junção dos ditos documentos não supre a falta de alegação, pois estes são meros meios de prova que devem acompanhar o articulado onde é feita a alegação dos factos”

Relativamente ao ponto 19) da matéria de facto dada como provada, ou seja, que “Pelo menos desde Dezembro de 2011, as Rés movimentaram as contas bancárias supra mencionadas, levantando dinheiro, fazendo pagamentos e compras diversas, utilizando para o efeito cartão bancário”, corresponde a factualidade não alegada pelos Recorridos, razão pela qual deve ser eliminado.

Ao julgar esses factos como provados, o tribunal a quo incorreu em violação dos princípios do dispositivo e do contraditório, violando frontalmente o disposto nos artigos. 5º, n.º 1, e 607º, n.ºs 3 e 4 do CPC, o que determina que se imponha ao Tribunal ad quem, eliminar, ainda que oficiosamente, essa matéria do elenco dos factos provados.

Desde já, adiantamos não ser de dar razão aos Apelantes.

Encontrando-nos perante uma ação de prestação de contas, e impugnando as rés a obrigação legal de prestação de contas, nesta fase, apenas se discute se as rés se encontram, ou não, obrigadas a prestar contas da administração e gestão das contas bancárias tituladas por ambas as rés e pelos seus pais, das quais identificam duas contas bancárias, uma, na Banco 1..., com o número ...036, e uma outra da Banco 2..., cujo número alega desconhecer (juntando um extrato da mesma, onde consta ter sido depositada a quantia de 8.000,€), contas onde terá sido depositado o produto da venda dos prédios dos pais. Mais requerem a notificação das rés para juntarem cópia da ficha de abertura das contas bancárias em referência e dos respetivos extratos, desde 17-06/2011, até à presente data.

As rés, na oposição que deduziram à ação, não suscitaram quaisquer dúvidas relativamente a que contas bancárias se reportavam os autores, reconhecendo que “As contas bancárias referidas no art. 12º da p.i. eram contas solidárias com as aqui Rés e o seu pai”.

Na resposta que os AA. apresentam à oposição, voltam a insistir que, caso as Rés não procedam à respetiva junção, seja oficiada à Banco 1... e à Banco 2..., para virem juntar cópia da ficha de abertura das contas bancarias em referencia e respetivos extratos desde 1706.2011, até à presente data.

Como tal, os pontos 7. e 8. só trazem como novidade, relativamente à matéria alegada – resultantes da junção dos documentos juntos pelas rés na sequência de notificação por parte do tribunal – a data de abertura e de encerramento de tais contas, factos estes que, além do mais são irrelevantes para a decisão prévia aqui em questão.

Quanto ao ponto 19. “Pelo menos desde Dezembro de 2011, as Rés movimentaram as contas bancárias supra mencionadas, levantando dinheiro, fazendo pagamentos e compras diversas, utilizando para o efeito cartão bancário” – não se pode afirmar que se trate de factos “novos”, mas apenas uma diferente redação de factos já alegados nos arts. 24 a 29º, da petição inicial:

24º. Porém, são ambas as rés que fazem a administração e gestão de facto da conta bancária (ou contas bancárias) em referência.

25º. Aliás, já antes do falecimento dos seus pais, eram as rés quem fazia essa administração e gestão.

26º. Uma vez que os pais se encontravam internados na referida Associação, foram sempre as Rés que procederam ao pagamento das mensalidades,

27º. E pagamento de outras despesas.

28º. Gerindo e administrando as contas bancárias tituladas por ambas as rés e pelos seus pais.

29º. O que acontece desde, pelo menos, 17-12-2011”.

Já quanto ao ponto 9, respeita a uma conta não concretamente identificada pelos AA. na petição inicial. Contudo, não se pode dizer que a existência de tal conta extravase a causa de pedir da presente ação, uma vez que o pedido dos autores abarca a prestação de contas relativamente “às contas bancárias tituladas pelos falecidos”, embora só tenham conseguido identificar aquelas duas contas.

A existência de uma terceira conta envolve, ainda assim, a existência de factos novos, ainda que em conexão com os já alegados no requerimento inicial, podendo afirmar-se que os complementam ou concretizam.

Vejamos, assim, a que regime se encontram os mesmos sujeitos ao nível do ónus de alegação.

Quanto à conformação da ação especial de prestação de contas afirma José Alberto dos Reis: “Na petição inicial deve o autor invocar o ato ou o facto que justifica o pedido; esse ato ou facto constituiu a causa de pedir. Quer dizer, o autor há de dizer a razão porque pede as contas ao réu, ou por outras palavras, a razão por que se julga no direito de exigir a prestação de contas e por que entende que o réu tem a obrigação de as prestar[2]”.

Cabendo àquele que invoca o direito à prestação de contas o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos, nos termos do artigo 342º, nº1 do Código Civil, apenas é necessário alegar que o autor tem direito à prestação de contas e que o réu tem a obrigação de as prestar, envolvendo o pedido de prestação de contas um pedido de condenação no eventual saldo final.

Quanto ao ónus de alegação, o artigo 5º, do Código de processo Civil, distingue entre: i) factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções, ii) factos instrumentais, iii) factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado, iv) factos notórios e factos de que o juiz tenha conhecido por virtude do exercício das suas funções.

Cabendo às partes a conformação da ação, o ónus de alegação é circunscrito pelo nº1 do artigo 5º aos factos essenciais que constituem a causa de pedir ou integram exceção invocada, não existindo qualquer ónus de alegação quanto aos factos instrumentais, que o juiz pode conhecer, desde que resultem da instrução da causa. Assim como, não há preclusão relativamente àqueles factos (essenciais) que sejam complementares ou concretizadores de outros inicialmente alegados (al. b), nº2, art. 5º), desde que “resultem da instrução da causa” e “desde que sobre eles as partes tenham tido a oportunidade de se pronunciar”.

Dentro dos factos essenciais, o legislador distingue, assim, entre os factos essenciais nucleares – desempenhando uma função individualizadora da causa de pedir cuja omissão acarreta a ineptidão da petição inicial – e os factos essenciais complementares e concretizadores – factos que, integrando a causa de pedir ou a exceção, interessam à (im)procedência da ação[3].

Os factos complementares ou concretizadores, completam uma causa de pedir (ou uma exceção) complexa, tendo por função pormenorizar ou explicitar o quadro fáctico exposto, sendo exatamente essa pormenorização dos factos anteriormente alegados que se torna fundamental para a procedência da ação (ou da exceção)[4].

Factos complementares, podem ser circunstancias de facto subordinadas, sem sentido autónomo, que permitem densificar o facto essencial alegado, até um nível de concretização exigido pela norma substantiva para que o direito invocado, com o âmbito pedido, possa ser reconhecido (factos concretizadores)[5].

No caso em questão, os factos atinentes à existência, não de uma, mas de duas contas bancárias, na Banco 2..., tituladas pelo falecido, constituem factos complementares dos já alegados na petição inicial e que se limitam a concretizar cada uma das contas tituladas pelo falecido FF e às quais as rés teriam acesso, na qualidade de cotitulares ou autorizadas, contas que os autores só não identificaram devidamente na petição inicial, por não terem acesso aos respetivos elementos.

Factos completares, dos quais claramente os autores se quiseram aproveitar e que foram objeto de instrução, precisamente a seu pedido –, visando descobrir qual a conta para a qual teria sido transferidos os 8.000,00 €, que correspondiam a parte do produto da venda dos imóveis, requerem os Autores: “Presumimos, em face à documentação junta, que haverá duas contas diferentes, porquanto a conta nº ...400 terá apenas sido aberta em 21-011-2014, Termos em que se requer a V. Exª. Se digne ordenar a notificação da ré para virem informar, de forma cabal, qual o numero da conta bancária da Banco 2... onde foi depositado o valor de 8.000€, em conformidade com o indicado doc. 15. Após ser prestada tal informação, requer-se a notificação da Banco 2... (…) para virem juntar cópia da ficha de abertura  da indicada conta bancária e dos respetivos extratos com os movimentos da mesma, desde 17-06-2011 até à presente data (…)[6].

Reconhecendo-se a necessidade de acordo da parte beneficiada com a inclusão dos novos factos [artigo 5º, nº1,, al. b)], da pronúncia sobre os mesmos, que pode ser anterior ou posterior ao surgimento dos factos no processo, se retirará o acordo (expresso ou tácito), na sua alegação[7].

E, no caso em apreço, as rés puderam e vieram exercer o contraditório, tendo-se pronunciado sobre a (in)admissibilidade do alargamento da instrução a tais factos –alegando terem já juntado aos autos os documentos das contas bancárias tituladas por ambas e por seus pais, cuja abertura ocorreu relativamente à Banco 1... em 07.12.2011 e em 01.11.2014, no que diz respeito à Banco 2..., acrescentam que, em momento algum, seja na petição inicial seja na resposta, os AA. requereram em sede de requerimento probatório “a identificação da conta onde foram depositados 8.000,00 €, conforme doc. 15”[8].

Não se reconhece, assim, a existência de violação do princípio do dispositivo ou do principio do contraditório, nos termos invocados pelas Apelantes.

Concluindo, independentemente da sua não (completa) alegação por parte dos autores na petição inicial, resultando os factos, respeitantes à existência de duas contas na Banco 2..., da instrução da causa, podia o tribunal conhecê-los, improcedendo o pedido da respetiva eliminação, bem como o pedido de eliminação dos demais factos, formulado pelas rés.


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2. Impugnação da decisão proferida em sede de matéria de facto

Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.


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As Rés/Apelantes deduzem impugnação à decisão proferida quanto à matéria de facto contida no ponto 19 dos factos provados:

“19. Pelo menos desde Dezembro de 2011, as Rés movimentaram as contas bancárias supra mencionadas, levantando dinheiro, fazendo pagamentos e compras diversas, utilizando para o efeito cartão bancário.”

Sustentam as Apelantes que tal ponto deve ser julgado como “não provado”, porquanto:

baseando-se o tribunal nas declarações das próprias rés, o depoimento de parte destina-se a obter a confissão das partes, podendo ser apreciado livremente pelo tribunal, sendo que, tratando-se de litisconsórcio necessário, a confissão de um dos litisconsortes é ineficaz (arts. 33º, nº2, e 353º do CPC); como tal, a confissão da Recorrente CC é ineficaz, não podendo ser apreciada livremente pelo tribunal;

quanto aos demais meios de prova nada aditam quanto à prova do ponto 19.

Não assiste qualquer razão aos autores.

O tribunal a quo explanou pelo seguinte modo, a convicção por si formada relativamente à matéria em causa:

“Debruçando-nos sobre o facto descrito em 19., diremos desde já que o mesmo resulta das declarações das próprias Rés. Na verdade, DD referiam que ela e a irmã movimentavam as contas dos pais se o pai a isso autorizasse ou a seu pedido, para fazer pagamentos ou compras para o mesmo ou auxilia-lo em levantamentos ou operações bancárias. No mais, referiu que na sequência de ajudas financeiras que deu ao seu pai enquanto o mesmo não vendeu o imóvel em 2011, aquele quis devolver-lhe o dinheiro, o que fez e ela aceitou.

CC outrossim mencionou que ajudou os progenitores a nível económico antes da venda da quinta em 2011, com dinheiro que adiantou e que o pai lho devolveu mais tarde, já após a venda do imóvel. Em concomitância, a Ré explicou que fazia movimentos bancários na conta do pai na Banco 2..., como levantamentos de dinheiro, pagamentos ou compras de bens ou produtos de que aquele carecesse. Afirmou, inclusivamente, que por vezes nas compras que fazia para o pai iam englobados produtos seus, mas que devolvia sempre as verbas ao progenitor em dinheiro vivo.

Mais adiantou que por vezes eram transferidos valores entre contas – do Crédito Agrícola para a Banco 2..., de forma a aprovisionar esta última de verba para o pagamento do lar e outras despesas.

No mais, temos que o Autor BB, as testemunhas LL e MM, NN e OO referiram que FF tinha dificuldades em lidar com as questões bancárias, e mesmo com a conversão do escudo para o euro e os valores que daí advinham, necessitando e ajuda para as desempenhar e levar a cabo, tanto mais que na zona do lar não existia multibanco próximo, pelo que invariavelmente teria que ir acompanhado.

A testemunha PP, marido da Ré CC, também aludiu a que auxiliava o sogro nas lides bancárias e que este último, em conjunto com as filhas, geriam o dinheiro das contas bancárias; referiu, ademais, que as Rés compravam, as mais das vezes, produtos de que o pai precisasse, por vezes com cartão de conta deste.”

 De tal motivação, resulta que, embora considerando conterem as declarações da Ré CC, prestadas em depoimento de parte, uma confissão (cujo teor reduziu a escrito, invocando o disposto no artigo 463º do CPC), o tribunal a quo terá valorado as declarações de cada uma das rés, enquanto meio de prova livre, nos termos do artigo 605º, nº7, do Código de Processo Civil (de tal modo que, para dar tais factos como provados, se sentiu na necessidade de completar a sua motivação com o que, a tal respeito, foi declarado pelas testemunhas LL e MM e pelo Autor BB).

Ao contrário do sustentado pelas Apelantes, constituindo o depoimento de parte um meio processual através do qual se pode provocar a confissão da parte de factos que lhe são desfavoráveis, tal não significa que, caso daí não resulte confissão integral, ou tal confissão não reúna os requisitos necessários enquanto meio de prova plena, as declarações emitidas pela parte não possam ser valoradas pelo tribunal.

Desde logo, é o legislador que o afirma, ao dispor, que:

- A confissão judicial que não seja escrita é apreciada livremente pelo tribunal (artigo 358º, nº4 do Código Civil);

- O reconhecimento dos factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente (artigo 361º o Código Civil).

Como afirma Rita Barbosa Cruz, “pode configurar-se como enquadrada nesta previsão normativa a confissão feita por um dos litisconsortes em caso de litisconsórcio necessário, a declaração confessória a que falte algum dos requisitos do artigo 353º, nomeadamente a feita por incapaz ou por quem não tenha poderes de disposição do direito a que o facto confessado se refere, a confissão de factos relativos a direitos disponíveis, bem como o depoimento de parte que não redunde em confissão[9]”.

Em termos gerais, na parte em que as declarações da parte não integrem qualquer declaração confessória (tal como para tal é disposto relativamente às declarações de parte) ou, integrando, lhe falte algum requisito para a sua eficácia, é apreciado livremente pelo tribunal.

Nas palavras de José Lebre de Freitas, “a confissão com valor de prova livre constituiu um ato distinto do da confissão com valor de prova plena, que tem requisitos de forma e pressupostos, necessários à sua validade, mais amplos do que os daquela. A sua eficácia probatória exige que o juiz a confronte com outros meios de prova produzidos sobre o facto confessado para que tire a sua conclusão sobre se este se verificou ou não[10]”.

Se na vigência do anterior Código de Processo Civil, uma corrente jurisprudencial[11], numa interpretação alargada do artigo 361º do Código Civil, defendia já que o depoimento de parte – no que exceder a confissão de factos que lhe são desfavoráveis – constitui meio de prova de livre apreciação pelo tribunal, a consagração no atual Código das declarações de parte como um novo e autónomo meio de prova (artigo 466º), vieram consolidar tal entendimento.

Constituindo as declarações das Rés um meio de prova válido, apreciado livremente pelo tribunal, e confirmado o seu teor pelas demais testemunhas citadas, nenhuma censura nos merece a decisão contida no ponto 19. dos factos provados.


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Invocam as Apelantes que o tribunal incorreu em vícios de deficiência no julgamento da matéria de facto, por não se ter pronunciado quanto ao alegado no artigo 22º da contestação, facto que deve ser dado como provado, face ao documento nº2, que o comprova, quer com base no depoimento das testemunhas QQ e nas declarações do Autor, BB:

“Em 17 de agosto de 2015, após o falecimento de sua mãe, os Autores enviaram uma carta, através do seu Ilustre Mandatário, ao seu pai, na qualidade de Cabeça de Casal, onde, sob o assunto Prestação de contas aos Herdeiros de EE, solicitam informações sobre “o extrato das contas bancárias na qual se encontram depositado o valor resultante das vendas das propriedades (para os mesmos ficarem descansados que as suas despesas e encargos se encontram assegurados)”.

É de indeferir o requerido, desde logo, pela absoluta irrelevância do mesmo para a decisão a proferir quanto à questão de determinar se as rés se encontram, ou não, obrigadas a prestar contas da administração e gestão de tais contas (sendo que de tal carta só resulta que eles as pediram e não que as mesmas lhe tenham sido então prestadas), ou sequer, quanto à posterior fase do processo, de prestação de contas de tal administração.


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B. SUBSUNÇÃO DOS FACTOS AO DIREITO.

A sentença sob recurso condenou as rés a prestar contas da administração e gestão das contas bancárias tituladas por FF e EE, entre 17/11/2011 e 07/06/2021, apoiando-se no seguinte circunstancialismo factual:

durante o período em que os pais residiram em estrutura residencial para idosos, as Rés geriram, ainda que parcialmente – porque de alguma forma em conjunto com pai, embora em actos separados – a vida financeira e patrimonial daqueles, movimentando contas bancárias cujo saldo pertencia aos progenitores, fazendo levantamentos, pagamentos, compras com as verbas ali existentes. Numa palavra, geriram/administravam, pelo menos em parte, tanto as contas como os valores ali depositados e transferidos.

Note-se ainda que, tal como ficou comprovado, as mesmas tinham acesso directo às contas, conferido pelos titulares do dinheiro e porque, em verdade, eram também titulares e/ou autorizadas das contas, estando assim autorizadas a movimentá-las.

E ainda que se diga que a obrigação, ou visto de outro prisma, o direito de informação e prestação de contas competiria, em primeira linha, ao progenitor das partes, por também ser ele quem geria e (era auxiliado na gestão), a verdade é que entendemos, de todo o modo e sem prescindir do que supra se aludiu, que a obrigação de prestar contas reveste natureza patrimonial, sendo, por isso, transmissível pela via sucessória.”

Insurgem-se as Apelantes contra o decidido, com os seguintes fundamentos:

- falecida EE a 17.11.2014, a quem competia a administração dos bens da herança era ao cabeça de casal FF, sendo ele quem, nos termos do art. 2093º, do CC, teria de prestar contas anualmente, pelo que era sobre este que impendia a obrigação de informação e de prestação de contas;

- sendo o direito a tal informação transmissível, as contas deverão ser prestadas aos mesmos que tem de prestar contas, por via hereditária, verificando-se uma situação de confusão, nos termos do art. 868º do CC.:

- a informação quanto aos movimentos efetuados sobre as contas bancárias, podia ser obtida diretamente pelos recorridos junto das instituições de crédito, sem necessidade de recorrer à instauração de prestação de contas, não estando configurada uma situação de administração de bens;

- não se encontra demonstrado nos autos que as rés, primeiro de seus pais e depois, de seu pai, enquanto cabeça de casal da herança de EE, poderes para em seu nome, praticar atos ou administrar bens e interesses daqueles, da herança desta e do património de FF enquanto foi vivo;

- os requeridos tinham que provar, como elemento constitutivo do seu direito de obrigar os recorrentes a prestar contas, que os levantamentos tinham sido efetuados sem conhecimento ou autorização dos falecidos;

- a conta de depósitos à ordem n.º ...036, sobre o Banco 1... era titulada por FF, CC, BB e EE, tendo sido aberta em 7 de dezembro de 2011 e o último movimento ocorreu em 12 de abril de 2015; e a conta bancária n.º 0...400, sobre o Banco 2..., era titulada por FF, CC e BB, foi aberta em 21 de novembro de 2014 e encerrada em 5 de fevereiro de 2018.

- assim sendo, não integrava a herança o direito à quantia de 69.500,00 € depositados na conta ...036 do Banco 1..., e, para que se considerasse que a herança integrava esse direito, era necessário demonstrar que as Recorrentes, em vida dos autores das heranças, se tinha ilicitamente apropriado dela, o que não foi feito.

- o facto de as contas de depósitos em causa serem solidárias resulta que as Recorrentes, tal como os seus pais, estavam autorizadas a movimentá-las, dela levantando o que entendessem, não estando, por conseguinte, configurada uma situação de administração de bens ou interesses alheios de que resulte uma obrigação de prestar contas.

Mais uma vez, a razão não se encontra do lado das Apelantes.

Encontrando-se a ação de prestação de contas consagrada no artigo 941º e ss. do CPC, inexiste uma norma legal que, de um modo genérico, determine quando há lugar à prestação de contas.

Para além dos casos em que a obrigação de prestação de contas se encontra expressamente consagrada na lei, tal obrigação pode ainda derivar de negócio jurídico ou mesmo do principio geral da boa fé, podendo surgir no âmbito de relações de natureza obrigacional, real, familiar ou sucessória[12].

Pode afirmar-se o princípio geral de que quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração[13].

Dada a frequência com que a lei a estabelece e a regra da boa fé, Vaz Serra[14] retira a regra de que esta obrigação tem lugar todas as vezes que alguém trate de negócios alheios, ou de negócios, alheios e próprios.

Mais afirmando a tal respeito[15], “Não importa a fonte da administração: o que importa é o facto da administração de bens alheios, seja qua for a sua fonte”.

“Para a obrigação de prestação de contas, não importa tanto se na sua base encontramos um determinado negócio jurídico, mas se efetivamente ocorreram atos de gestão de bens e interesses alheios ou, simultaneamente próprios e alheios, uma vez que é da prática destes que emana aquela obrigação.

Pode entre as partes ter sido celebrado um determinado contrato, como o de mandato, sem que exista obrigação de prestação de contas, se nenhum ato de gestão foi praticado; e pode a obrigação de prestação de contas emanar de mera administração de facto, sem que exista um negócio causal, subjacente, obrigação que decorre do princípio geral da boa fé[16].

No caso em apreço, embora invocando a sua qualidade de herdeiros para justificarem o seu direito à obtenção das informações em causa, a obrigação de prestação de contas que os autores fazem impender sobre as rés baseia-se, não no facto de estas terem sido representantes dos seus pais por via de algum negócio jurídico que lhes tenha atribuído tais poderes de representação, mas de uma situação de facto, decorrente de os seus pais se encontrarem num lar desde 2011, e de na sequência de terem aberto duas contas bancárias em que também as Rés figuram como co-titulares, e uma outra em que a Ré CC se encontra como autorizadas, terem sido elas, quem procedeu à movimentação de tais contas procedendo a depósitos e a pagamentos.

Tal obrigação existirá, ainda que, algum desses movimentos tenha sido do conhecimento do seu falecido pai e sem necessidade de alegação de qualquer ato de apropriação por parte das rés.

E não se diga que uma simples consulta dos extratos bancários é suficiente para os autores ficarem a par das receitas e despesas, uma vez que, dos mesmos constam apenas movimentos de débito e a crédito, sem que deles se possa apurar o destino dado a tais quantias.

Tendo dado entrada em tais contas, a quantia de 77.000,00 € respeitante ao produto da venda de prédios do falecido, ao fim e ao cabo, pretendem os réus saber o destino da mesma.

Assim como, não se verifica qualquer confusão de pessoas entre aqueles que têm de prestar contas e aqueles que tem direito de as exigir:

- as rés são obrigadas a prestar contas pelo facto de terem administrado determinadas contas bancárias de que os seus pais eram titulares (e que elas reconhecem que o dinheiro que lá cai e aí foi sendo depositado era dos falecidos);

- os AA. fazem assentar o seu direito à prestação de contas, na qualidade de herdeiros do falecido.

A Apelação é de julgar improcedente.


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IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas da Apelação a suportar pelas Rés                  

Coimbra, 28 de janeiro de 2025                                             

V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.

(…).


[1] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 735-736.
[2] “Processos Especiais, I Vol. Reimpressão – 1982, Coimbra Editora, p.321.
[3] Cfr. Paulo Pimenta, “Ónus de alegação e de impugnação das partes e poderes de cognição do tribunal”, in II Colóquio de Processo Civil de Santo Tirso, 2016, Almedina, pp. 92-96, e José Lebre de Feitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 3ª ed., Coimbra Editora, pp. 13-14.
[4] Paulo Pimenta, artigo e local citados, p. 95.
[5] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, p. 44.
[6] Cfr. Requerimento de 31-05-2022.
[7] Mariana França Gouveia, “O principio do dispositivo e a alegação de factos em processo civil: a incessante procura da flexibilidade processual”, in “Estudos em Homenagem aos Professores Palma Carlos e Castro Mendes, p. 615, artigo igualmente disponível in www.oa.pt/upl/%7Bede93150-b3ab-4e3d-baa3-34dd7e85a6ef%7D.pdf.
[8] Cfr. resposta de 03-06-2022.
[9] Comentário ao Código Civil, Parte Geral”, Universidade Católica Editora, p. 842.
[10] Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, Ana Prata Coord., Almedina, anotação ao artigo 361º, pp. 450.
[11] Cfr., Acórdãos do STJ de 02-10-2003, relatado por Ferreira Girão, de 02-01-2004, relatado por Azevedo Ramos, do TRP de 04-04-2002, relatado por Moreira Alves, Ac. TRG de 22-11-2011, relatado por Araújo de Barros, todos disponíveis in www.dgsi.pt
[12] Luís Filipe Pires de Sousa, “Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas”, 2016, Almedina, pp. 117-120.
[13] José Alberto dos Reis, Processos Especiais, I Vol., Reimpressão – 1982, Coimbra Editora, p. 303.
[14] “Obrigação de prestação de contas e outras obrigações de informação”, in BMJ nº 79, pp.149-150.
[15] Adriano Vaz Serra, Parecer, Sciencia Iuridica, 1969, p. 115.
[16]Acórdão do TRL de 21-11-2019, relatado por Susana Leandro, disponível in https://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=5693&codarea=58.