RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS
RECORRIBILIDADE
PROVAS
NULIDADES DA SENTENÇA
CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO
Sumário

I – Nos termos do artigo 630.º n.º 1 do Código do Processo Civil apenas não são recorríveis os despachos que se destinam a prover ao regular andamento do processo e que, em nada, interferem no conflito de interesses das partes – por isso, os despachos de mero expediente (tendentes a assegurar o andamento regular do processo) ou de agilização processual, proferidos nos termos do art.º 6.º, n.º 1, sendo irrecorríveis, são insusceptíveis de trânsito e, logo, de adquirir valor de caso julgado/arts. 619.º, n.º 1, 620.º, 628.º, 630.º, n.ºs 1 e 2.
II – Acusando-se a falta de bens na relação de bens apresentada, e negando-se a cabeça-de-casal a obrigação de os relacionar, o juiz, produzidas as provas oferecidas e por ele julgadas necessárias, decide se os bens devem ou não ser relacionados. Consagra--se, assim, uma ampla liberdade de produção de provas, admitindo-se quer a prova documental, quer de outra natureza – assim, e em regra, sempre que a questão prejudicial respeite apenas a bens que integram o acervo a partilhar é o juiz do processo de inventário quem deve dirimir as questões controvertidas suscitadas em obediência ao art.º 91º – o processo de inventário é hoje uma verdadeira acção, obrigando a que os interessados concentrem os meios de defesa no articulado que apresentam e indiquem aí todos os meios de prova, sob pena de preclusão.
III – Ainda que a Relação confirme a arguição de alguma das nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo. Ao invés, deve prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art.º 665º, nº 2. Logo, a anulação da decisão (v.g. por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objecto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários, já que só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral




Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:




1.Relatório

O Apelante apresentou reclamação à relação de bens - requerimento com a ref.ª 41291806 de 17.2.2022 -, nos seguintes termos:
“ 4.º Falta relacionar dinheiro em contas bancárias tituladas pelos de cujus e que são do conhecimento da cabeça de casal atentas as suas funções e por delas ter conhecimento, nomeadamente através de mapa do banco de Portugal (acessível à cabeça de casal com a senha das finanças atribuída à herança), além de que os inventariados residiam com a cabeça de casal, que são as seguintes:
Verba 1
Conta a prazo com o número PT ...06 5, da Banco 1..., SA., titulada pela inventariada AA, conforme extrato que se junta e dá como reproduzida para os devidos e legais efeitos, no valor 480,00€;
Verba 2
Conta á ordem com o número PT...60 0, da Banco 1..., SA., titulada pela inventariada AA, conforme extrato que se junta e dá como reproduzida para os devidos e legais efeitos, no valor de 475,00€;
Verba 3
Conta á ordem com o número PT...30 0, da Banco 1..., SA., titulada pelo inventariado BB conforme extrato que se junta e dá como reproduzida para os devidos e legais efeitos, no valor de 80,00€;
Verba 4
Conta á ordem com o número ...09, do Banco 2... SA.., titulada pelo inventariado BB conforme de extrato que se junta e dá como reproduzida para os devidos e legais efeitos, no valor de 170,00€;
7.º Nos termos e para os efeitos previstos no art.º 2086 n.º 1 a) e 2096 do código civil e art.1097, 1098 e 1105.º n.º 4 do CPC, falta relacionar legados e doações de ouro, bens móveis, imoveis e dinheiros, a descentes ( a filho, à filha cabeça de casal e aos filhos desta), que estão documentados em testamento, escritura de doação e em extractos bancários, sob pena de sonegação de bens que devem ser chamados à partilha, por ter que se determinar se ofendem a legitima e assim sendo têm de ser declaradas inoficiosas, o que desde já expressamente se invoca e requer, pelo que todos os bens/direitos/dinheiros doados têm de ser avaliados, atenta a data dos documentos mencionados, que fazem prova plena.
8.º No caso de ofender a legitima a lei prevê a chamamento à colação, conforme art.º 2104.º. 2105.º, 2162, 2168 e 2169 do código civil, procedendo-se à redução das liberalidades, pois que compõe a herança o património à data da morte, mais a doações, menos as dividas.
10.º Fizeram ainda os de cujus em vida doações de dinheiro à sua filha aqui cabeça de casal, conforme consta nos extratos bancários, das contas tituladas pelos falecidos, havendo levantamentos mensais de quantias de cerca de 1.801,06€, que não eram gastos por estes mas pela cabeça de casal e seus filhos.
11.º Além de que na aldeia da ... onde tiveram os inventariados a última residência não existe caixa de multibanco, e os inventariados atenta a idade, a instrução e a distância a ... e ... ou ... não faziam uso do cartão de multibanco.
12.º Nos extratos bancários que se juntam e se dão por reproduzidos, é possível verificar que foram feitos pagamentos, com cartão de multibanco, em lojas do centro comercial “Palácio do Gelo”, compras estas feitas por exemplo em lojas como “Levis”, “shop1one”, “Oscarparts unipessoal”, conforme discriminado em documento que segue junto.
13.º Por exemplo a “Oscarparts unipessoal”, trata-se de uma loja maioritariamente com vendas online do ramo automóvel, nomeadamente acessórios de alteração de veículos, conhecido como Tuning - ora o inventariado não era proprietário de nenhum veículo automóvel nem tão pouco adepto do Tunning.
14.º Já a loja da marca “Shop1one”, trata-se de roupas para jovens adolescentes e com um estilo que certamente não era do gosto do inventariado, e quanto à marca de roupa “Levis”, certamente que os inventariados não compravam calças de ganga com o preço praticado por esta superfície comercial.
15.º Há também a compra numa ourivesaria de uma peça que teve um custo de 510,00€, no dia 13/01/2020.
16.º São algumas das despesas que eram pagas com um cartão de débito ou crédito de contas tituladas pelo falecido BB feitas pela cabeça de casal, em seu proveito.
17.º Vão mencionadas nos documentos juntos e comprovados pelos extratos bancários as doações em dinheiro feito pelos inventariados à cabeça de casal CC e que esta aceitou e fez seu ou assim não sendo, sempre são dividas da cabeça de casal à herança, a relacionar:
Verba 1
quantia doada em 21/01/2013 e levantado da conta titulada pelo falecido no Banco 2..., SA no valor de--20.000,00€.
Verba 2
quantia doada em 11/03/2013 que foi levantado da conta titulada pelo falecido no Banco 2..., SA no valor de--20.000,00€.
Verba 3
quantia doada em 18/03/2013, que foi levantado da conta titula pelo falecido no Banco 2..., SA no valor de---35.000,00€.
Verba 4
Quantias doadas de 2012 a 2021 que foi levantado da conta titula pelo falecido no Banco 2..., SA no valor de ---50.802,25€.
Verba 5
Quantias doadas de 2016 a 2021, que foi levantado da conta titula pelo falecido na Banco 1..., SA, no valor de---13.398,12€.
Verba 6
Quantias doadas de 2010 a 2017, que foi levantado da conta titula pela falecida na Banco 1..., SA no valor de ---39.233,82€.
Verba 7
Quantia doada a 25/01/2017 através de cartão multibanco da instituição bancária do Banco 2..., SA. no valor de ---592,71€.
Verba 8
Quantia doada no dia 23/06/2017 através de cartão multibanco da instituição bancária do Banco 2..., SA. no valor de--- 162,82€
Verba 9 Quantia doada no dia 23/06/2017 através de cartão multibanco da instituição bancária do Banco 2..., SA, no valor de---- 262,00€
Verba 10 Quantia doada no dia 17/12/2017 através de cartão multibanco da instituição bancária do Banco 2..., SA,. no valor de------------------------------------------------------------- 91,97€
Verba 11 Quantia doada no dia 19/01/2018 através de cartão multibanco da instituição bancária do Banco 2..., SA,. ------------------------------------------------------------ no valor de 168,56€
Verba 12 Quantia doada no dia 11/07/2018 através de cartão multibanco da instituição bancária do Banco 2..., SA,. --------------------------------------------------------- no valor de 1 203,29€.
Verba 13 Quantia doada no dia 26/08/2019 através de cartão multibanco da instituição bancária do Banco 2..., SA,. ----------------------------------------------------------- no valor de 637,49€.
Verba 14 Quantia doada no dia 13/01/2020 através de cartão multibanco da instituição bancária do Banco 2..., SA, no valor de ------------------------------------------------------------510,00€.
Verba 15 Quantia doada para compra na Loja LEVIS a 26/02/2017 através de cartão multibanco da instituição bancária da Banco 1..., SA,-no valor de---------------- 135,00€.
Verba 16 Quantia doada nos anos 2016 a 2020 através de cartão multibanco da instituição bancária da Banco 1..., SA, no valor de----------------------------------------- 614,84€.
Verba 17 Quantias doadas que serviram o pagamento de despesas da cabeça de casal, cuja soma perfaz ……………………………………………………………..…………..4.378,68€.
Termos em que requer a V/Exa. se digne admitir a presente reclamação à relação de bens e a avaliação de todos os bens/ direitos/valores/frutos relacionados e reclamados, bem como dos bens legados e doados.
Prova: a) Declarações de parte do reclamante a todos os factos deste articulado, por webex ..........@....., por residir em França; b) Depoimento de parte de todos os herdeiros os factos deste articulado; c) Documentos: Mapa de contas ao Banco de Portugal, extratos bancários, comprovativo de pedido ao centro nacional de pensões e segurança social para se saber a quem foi pago o subsidio de funeral e respetiva despesas, bem como valor, por morte dos inventariados, que em face da falta de resposta, se requer seja oficiado pelo tribunal, ao abrigo do dever de colaboração por serem documentos essenciais à prova e na posse de terceiro, para a sede do ISS E CNP de Viseu. Os extractos bancários são juntos em vários requerimentos, pois que o citius não permite o envio total com este articulado, por não ter capacidade de digitalização, atenta a quantidade.
d) Atentos os extractos bancários juntos das contas dos inventariados e os levantamentos ao balcão, com cartão multibanco, cheques e transferências, movimentos bancários que aí estão documentados de 2010 até à data, sejam oficiados a Banco 1... e Banco 2..., na sua sede, para por ser elemento essencial à prova virem informar para que IBAN e respectivo titular, foram tais montantes pecuniários, datas e juntar documentos comprovativos – ex vi relação de movimentos bancários que são juntos e discriminados;
e) Seja a cabeça de casal notificada ao abrigo de dever de colaboração, da verdade e sob pena de sonegar bens à herança e assim ser condenada, juntar extratos bancários ou documento bancário semelhante das contas em que é titular, desde o ano de 2010 à presente data, a fim de se provar as doações de dinheiro, incluindo mapa de contas do banco de Portugal das suas contas para se saber quantas tinha e em que instituição bancaria.
f) Por testemunha, a indicada no requerimento probatório citius, a notificar e por webex ..........@....., por residir em França.
g) A requerida avaliação a todos os bens/valores/direitos/frutos relacionados e reclamados, por perito único a nomear pelo tribunal. “

*
Em resposta à reclamação, com o requerimento com a ref.ª 41653254, a cabeça de casal , veio em II-A) requerer informação bancaria para apuramento dos saldos bancários existentes à data do óbito dos inventariados, em face do alegado em 4 da reclamação à relação bens; em II;
9.º veio impugnar a existência de doações em dinheiro e os documentos probatórios.
Os restantes herdeiros têm requerimentos e alegações iguais à do recorrente, nos requerimentos que foram juntos aos autos.
Por despacho com a ref.ª 90338802 foi agendada audiência prévia, para realização de tentativa de conciliação e a programar os actos com vista ao prosseguimento dos autos.
Na audiência previa de 12-10-2022 em face da impugnação da cabeça de casal da existência de doações em dinheiro e dos documentos juntos, o recorrente, solicitou que para o efeito se oficiasse o Banco 2... e a Banco 1... para virem informar para que Iban o respectivo titular foram realizadas transferências bancárias desde 2010 até à presente data, ou seja que fossem juntos documentos que provassem a quem os falecidos fizeram em vida doações de dinheiro.
*
A 1.ª instância não se pronunciou sobre o requerido e veio a decidir que se oficiasse o Banco de Portugal para indicar as contas existentes à data de óbito dos inventariados e que vindo essa informação, “oficie todos os bancos para identificarem os respectivos saldos”, sem determinar período de tempo ou qualquer data. Mais ordenou que o cabeça de casal apresentasse uma única relação de bens que respeitasse o disposto no art.º 1099 do CPC.
A cabeça de casal juntou com a ref.ª 44057507 de 6-12-2022, nova relação de bens, tendo o recorrente reclamado da relação de bens em 7.12.2022, com a ref.ª 44092667, além do mais, dando por economia de meios por reproduzida a sua reclamação anterior e a prova aí requerida, o que foi subscrito pelos demais herdeiros em 8.12.2022 em requerimento com a ref. 44100027, ao que responder a cabeça de casal em 3.1.2023, com a ref.ª 44288435, mantendo a relação de bens apresentada em 6-12-2022.
No requerimento com a ref.ª 44288435 a cabeça de casal veio opor-se à prova requerida pelo recorrente no requerimento com a ref.ª 44092667 e ao requerido pelos demais herdeiros no requerimento com a ref.ª 44697456, reiterando o recorrente o seu pedido de prova no requerimento com a ref.ª 44699808 de 11.2.2023, a que respondeu a cabeça de casal com o req. 44789294 de 22.2.2023.
Em 17.2.2023, por despacho com a ref.ª 92404932, acerca da nova relação de bens (req. Ref.ª 5645403), a reclamação do recorrente (req. Ref.ª 5649254) e a reclamação dos demais herdeiros (req. com a ref.ª 5650548), escreve a 1.ª instância:
“ A relação de bens apresentada não cumpre o que preceitua o art.º 1098 do CPC, devendo ser corrigida logo que se mostrem juntas as informações bancarias solicitadas, sempre se adiantando desde já que as doações em vida dos de cujos bem como os legados terão de ser relacionadas pois só assim se poderá aferir da eventual afectação da intangibilidade da legitima e da, também eventual, inoficiosidade de tais doações”- sublinhado e negrito nosso.
Por requerimento do recorrente de 24.4.2023, com a ref.ª 45387701, pugna-se para que a cabeça de casal relacione as doações em vida, mantendo a sua reclamação à relação de bens, ou seja, deve relacionar-se as doações em dinheiro e subscreve o requerimento com a ref.ª 45371534 de 21.4.2023, dos demais herdeiros, a que respondeu a cabeça de casal, e o Juízo de Competência Genérica de Moimenta da Beira - Juiz ... , por despacho de 6.6.2023, assim rematou:
“Como decorre do teor da ata da audiência prévia realizada, as informações bancárias que se pretendem obter respeitam à data do óbito dos inventariados.
Assim, tal como já resultava da audiência prévia, determino que se se solicite às entidades bancárias identificadas pelo Banco de Portugal se dignem informar os saldos das identificadas contas à data de óbito de cada um dos inventariados.”…
*
DD, herdeiro e interessado nos autos em referência e neles mais bem identificado, não se conformando com tal decisão dele recorreu, formulando as seguintes conclusões:
(…).
*
CC, Cabeça de casal nos autos de inventário à margem referenciados, apresenta, assim, as suas conclusões:
(…).
*
2. Do objecto do recurso
2.1 – Da qualidade do despacho;
Na sua resposta alega, desde logo, a Apelada:
A – O Interessado, aqui Recorrente, interpôs recurso do seguinte douto despacho de fls.:
“Como decorre do teor da ata da audiência prévia realizada, as informações bancárias que se pretendem obter respeitam à data do óbito dos inventariados.
Assim, tal como já resultava da audiência prévia, determino que se se solicite às entidades bancárias identificadas pelo Banco de Portugal se dignem informar os saldos das identificadas contas à data de óbito de cada um dos inventariados.”
Ora, S.M..O., o douto despacho em questão é irrecorrível, pelo que deverá ser proferido oportunamente despacho de não admissão do recurso.
Pois, nos termos do artigo 630º, nº 1 do C. Proc. Civil:
‘Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário.’
Salvo o devido e merecido respeito, carece a recorrida de razão.
De facto, nos termos do artigo 630.º n.º 1 do Código do Processo Civil – que será o diploma a citar sem menção de origem - os despachos de mero expediente e os proferidos no uso legal de um poder discricionário não admitem recurso. Ou seja, não são recorríveis os despachos que se destinam a prover ao regular andamento do processo e que, em nada, interferem no conflito de interesses das partes –por isso, os despachos de mero expediente (tendentes a assegurar o andamento regular do processo) ou de agilização processual, proferidos nos termos do art.º 6.º, n.º 1, sendo irrecorríveis, são insusceptíveis de trânsito e, logo, de adquirir valor de caso julgado/arts. 619.º, n.º 1, 620.º, 628.º, 630.º, n.ºs 1 e 2.
Ora, basta ler, neste particular, o teor do encadeamento dos actos processuais, para concluirmos que não estamos perante mero despacho de expediente ou proferido no uso legal de um poder discricionário.
O Apelante apresentou reclamação à relação de bens alegando, além do mais, que falta relacionar legados e doações de dinheiro à filha e cabeça de casal, que estão documentadas em extractos bancários, que especificou no tempo e com valores.
Requereu atentos os movimentos bancários que estão documentados em extractos bancários desde 2010 que sejam oficiados a Banco 1... e Banco 2..., para virem informar para que IBAN e respectivo titular foram tais montantes pecuniários, atentas as datas especificadas e que fosse a cabeça de casal notificada ao abrigo de dever de colaboração, da verdade e sob pena de sonegar bens à herança para juntar extratos bancários das contas em que é titular, desde o ano de 2010 incluindo mapa de contas do banco de Portugal das suas contas (para se saber quantas tinha e em que instituição bancaria).
Na sua resposta, a cabeça de casal, veio em II-A) requerer informação bancaria para apuramento dos saldos bancários existentes à data do óbito dos inventariados, em face do alegado em 4 da reclamação à relação bens e impugnar a existência de doações em dinheiro e os documentos probatórios juntos.
Por despacho com a ref.ª 90338802 agendada audiência prévia, a 12-10-2022, onde o recorrente, solicitou que se oficiasse o Banco 2... e a Banco 1... para virem informar para que Iban e o respectivo titular, foram realizadas transferências bancárias desde 2010 , para prova das doações de dinheiro, sem resposta decisória da 1.ª instância.
A cabeça de casal juntou com a ref.ª 44057507 de 6-12-2022, nova relação de bens, tendo o recorrente reclamado da relação de bens em 7.12.2022, com a ref.ª 44092667, alem do mais, dando por economia de meios por reproduzida a sua reclamação anterior e a prova aí requerida, o que foi subscrito pelos demais herdeiros em 8.12.2022 em requerimento com a ref. 44100027, ao que respondeu a cabeça de casal em 3.1.2023, com a ref.ª 44288435, mantendo a relação de bens apresentada em 6-12-2022.
No requerimento com a ref.ª 44288435 a cabeça de casal veio opor-se à prova requerida pelo recorrente no requerimento com a ref.ª 44092667 e ao requerido pelos demais herdeiros no requerimento com a ref.ª 44697456, reiterando o recorrente o seu pedido de prova no requerimento com a ref.ª 44699808 de 11.2.2023, a que respondeu a cabeça de casal com o req. 44789294 de 22.2.2023.
Em 17.2.2023, por despacho com a ref.ª 92404932, acerca da nova relação de bens (req. Ref.ª 5645403), da reclamação do recorrente (req. Ref.ª 5649254) e da reclamação dos demais herdeiros (req. com a ref.ª 5650548), dita a 1.ª instância:
“ A relação de bens apresentada não cumpre o que preceitua o art. 1098 do CPC, devendo ser corrigida logo que se mostrem juntas as informações bancarias solicitadas, sempre se adiantando desde já que as doações em vida dos de cujos bem como os legados terão de ser relacionadas pois só assim se poderá aferir da eventual afectação da intangibilidade da legitima e da, também eventual, inoficiosidade de tais doações”.
Por requerimento do Apelante de 24.4.2023, com a ref.ª 45387701, pugna-se para que a cabeça de casal relacione as doações em vida, mantendo a sua reclamação à relação de bens, ou seja, deve relacionar-se as doações em dinheiro e subscreve o requerimento com a ref.ª 45371534 de 21.4.2023, dos demais herdeiros, a que respondeu a cabeça de casal, decidindo a 1.ª instância - despacho recorrido com a ref.ª 93180289 de 6.6.2023:
“Como decorre do teor da ata da audiência prévia realizada, as informações bancárias que se pretendem obter respeitam à data do óbito dos inventariados.
Assim, tal como já resultava da audiência prévia, determino que se se solicite às entidades bancárias identificadas pelo Banco de Portugal se dignem informar os saldos das identificadas contas à data de óbito de cada um dos inventariados.”…
Ou seja, é nesta decisão que o julgador se pronuncia (ou não) sobre a pretensão das partes quanto à questão dos legados e doações de dinheiro à filha e cabeça de casal, que estão documentadas em extractos bancários e que o reclamante/apelante especificou no tempo e com valores e, nessa medida, não configura despacho de mero expediente.

2.2 – Da apelação autónoma;
Diz a Apelada:
“Nos termos do artigo 644º, nºs 3 e 4 do C. Proc. Civil:
3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.
4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão.
Avaliando.
Nos termos da norma do artigo 1123.º:
1-Aplicam-se ao processo de inventário as disposições gerais do processo de declaração sobre a admissibilidade, os efeitos, a tramitação e o julgamento dos recursos.
2 - Cabe ainda apelação autónoma:
a) Da decisão sobre a competência, a nomeação ou a remoção do cabeça de casal;
b) Das decisões de saneamento do processo e de determinação dos bens a partilhar e da forma da partilha;
c) Da sentença homologatória da partilha.
3 - O juiz pode atribuir efeito suspensivo do processo ao recurso interposto nos termos da alínea b) do número anterior, se a questão a ser apreciada puder afetar a utilidade prática das diligências que devam ser realizadas na conferência de interessados.
4 - São interpostos conjuntamente com a apelação referida na alínea b) do n.º 2 os recursos em que se pretendam impugnar decisões proferidas até esse momento, subindo todas elas em conjunto ao tribunal superior, em separado dos autos principais.
5 - São interpostos conjuntamente com a apelação referida na alínea c) do n.º 2 os recursos em que se impugnem despachos posteriores à decisão de saneamento do processo.
Nos termos do artigo 644.º:
1-Cabe recurso de apelação:
a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;
c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;
d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;
e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;
f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
g) De decisão proferida depois da decisão final;
h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.
3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.
4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão.
Quanto a esta matéria, seguimos o entendimento que quando tal artigo dispõe caber recurso de apelação do despacho que não admite ou ponha termo a incidente tem em vista, somente os incidentes da instância assim legalmente qualificados e regulados pelo Código de Processo Civil como incidentes da instância - artºs 302º a 380º-A/ artºs 292º a 361º do NCPC ( o sublinhado é nosso); - a verificação do valor da causa, intervenção principal, espontânea ou provocada, intervenção acessória, provocada e do MºPº, assistência, oposição espontânea, provocada ou mediante embargos de terceiro, habilitação e liquidação, falsidade de documentos – art. 544º e sgs/ artºs 444º e sgs do NCPC; falsidade de acto judicial – art. 551º-A/451º do NCPC; prestação de caução – artºs. 696º e 697º; e suspeição – 126º e sgs / artº 119º e sgs do NCPC todos do Código de Processo Civil – e não quaisquer outros incidentes ou ocorrências processuais, anómalas ou não - ou seja os meros incidentes processuais -, pois se também o fossem esgotar-se-ia a previsão do nº 3 do preceito em causa, uma vez que qualquer requerimento poderia considerar-se como iniciando um incidente e o despacho que sobre ele recaiu, não o atendendo, como despacho que não admitiu o incidente ou lhe pôs termo - cfr. Acórdãos deste TRC de 8/3/2012, processo n.º 136/09.2TMCBR-B.C1; de 14/10/2014, proc.º n.º 507/10.1T2AVR-C.C1; decisão singular de 1/4/2014, proc.º n.º 230/11.0TSRFE-A.C1; decisão sumária deste TRC de 10/12/2013, processo n.º 123/13.6TBGRD-B.C1; e do TRG de 26/09/2013 e de 10/11/2016, e do TRE de 20/12/2012, todos disponíveis em www.dgsi.pt); o Acórdão do STJ de 16.06.2015, CJ, III, 123, refere que esses incidentes “são apenas aqueles a que a lei atribui tal processado independentemente do que é próprio das acções em que se possam suscitar, encontrando-se regulados nos art. 296º a 361º: verificação do valor da causa, intervenção de terceiros, liquidação.”
Mais, e no que respeita à d) - quanto à admissão de apelação autónoma do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meios de prova -, tal normativo refere-se a peça processual, e aos respetivos meios de prova, considerada como própria, típica, da normal tramitação do processo ou de incidente com natureza de causa - a rejeição do articulado ou meio de prova reportam-se a situações cujo articulado ou meio de prova não foram judicialmente aceites pelo Tribunal em razão de motivos de ordem meramente formal, não por motivos de natureza substancial.
Ora, o recurso em causa nestes autos tem como objecto a rejeição de meio de prova - atentos os movimentos bancários que estão documentados em extractos bancários desde 2010 que sejam oficiados a Banco 1... e Banco 2..., para virem informar para que IBAN e respectivo titular foram tais montantes pecuniários, atentas as datas especificadas e que fosse a cabeça de casal notificada ao abrigo de dever de colaboração, da verdade e sob pena de sonegar bens à herança para juntar extratos bancários das contas em que é titular, desde o ano de 2010 incluindo mapa de contas do banco de Portugal das suas contas (para se saber quantas tinha e em que instituição bancaria)-, pelo que cabe recurso de apelação autónomo.

2.3-Nulidade do despacho recorrido por omissão de pronúncia;
Invoca o Recorrente que o despacho em crise – “Como decorre do teor da ata da audiência prévia realizada, as informações bancárias que se pretendem obter respeitam à data do óbito dos inventariados. Assim, tal como já resultava da audiência prévia, determino que se se solicite às entidades bancárias identificadas pelo Banco de Portugal se dignem informar os saldos das identificadas contas à data de óbito de cada um dos inventariados.” - é nulo pelo facto da 1.ª instância não se ter debruçado sobre questão que, na sua óptica, devia ter conhecido.
Tem razão o Apelante.
A 1.ª instância deixou de se pronunciar sobre questão que deveria apreciar - a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verificará nos casos em que a omissão de conhecimento, relativamente a cada questão, é absoluta – ocorrendo, por isso, omissão de pronúncia, a qual constitui uma nulidade da decisão judicial – aplicável aos despachos - prevista no art.º 615°n.º 1, al. d) - a omissão de pronúncia está relacionada com o comando contido no art.º 608º n.º 2, exigindo ao julgador que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, “exceptuadas aquelas cujas decisões estejam prejudicadas pela solução dada a outras”.
Como é sabido, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio - O conceito de questão, deve ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de excepção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, dele sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes.
Ora, devassado tal despacho, é clara a omissão por parte do julgador quanto à questão levada à reclamação à relação de bens - falta relacionar legados e doações de dinheiro à filha e cabeça de casal – e aos meios de prova aí indicados - que sejam oficiados a Banco 1... e Banco 2..., para virem informar para que IBAN e respectivo titular foram tais montantes pecuniários, atentas as datas especificadas e que fosse a cabeça de casal notificada ao abrigo de dever de colaboração, da verdade e sob pena de sonegar bens à herança para juntar extratos bancários das contas em que é titular, desde o ano de 2010 incluindo mapa de contas do banco de Portugal das suas contas – pelo que, decorre nulidade por omissão, o que se declara.
Resta, uma última nota sobre as restantes questões formais levantadas pela Apelada.
Como é sabido, as chamadas conclusões excessivas, nomeadamente reproduzindo-se nas conclusões do recurso da respectiva motivação, não equivale a uma situação de alegações com falta de conclusões. Nestas circunstâncias, não há lugar à prolação de um despacho a rejeitar liminarmente o recurso, impondo-se antes um convite ao seu aperfeiçoamento, nos termos do nº3 do artigo 639º, se o relator assim o entender, atenta a sua complexidade e/ou prolixidade e dificuldade no contraditório.
Ora, sendo verdade a repetição argumentaria do Apelante, a verdade é que a questão é muito simples e foi devidamente indicada nas alegações e entendida pela Apelada, pelo que, entendemos ser desnecessário fazer tal convite.
Mais, mostra-se paga a obrigação de custas por parte do Apelante.
*
2.4 – Do objecto da Apelação;
Determina o art.º 665.º, que, ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação (n.º 1); e, se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, deve delas conhecer no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários (n.º 2).
Defende-se, assim, que, ainda que a Relação confirme a arguição de alguma das (…) nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo. Ao invés, deve prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art.º 665º, nº 2. Logo, a anulação da decisão (v.g. por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objecto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários, já que só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo - António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, pág. 261.
Ora, os autos contêm todos os elementos necessários para a boa decisão sendo que na instância de recurso foi observado o contraditório, pelo que, passamos ao conhecimento da questão de mérito.
Como é sabido, o cabeça-de-casal relacionará todos os bens da herança que hão-de figurar no inventário, ainda que a respetiva administração lhe não pertença, sendo que, em termos gerais, a reclamação à relação de bens visa acusar a falta de bens que devam ser relacionados, a exclusão de bens que se reputem indevidamente relacionados por não fazerem parte do acervo a partilhar ou a arguição de alguma inexatidão na descrição de bens que releve na partilha -cfr. artigo 1348.º, n.º 1.
Dispõe o artigo 1342.º, n.os 1 e 3, no que por ora nos interessa, que acusando-se a falta de bens na relação de bens apresentada, e negando-se a cabeça-de-casal a obrigação de os relacionar, o juiz, produzidas as provas oferecidas e por ele julgadas necessárias, decide se os bens devem ou não ser relacionados. Consagra-se, assim, uma ampla liberdade de produção de provas, admitindo-se quer a prova documental, quer de outra natureza - assim, e em regra, sempre que a questão prejudicial respeite apenas a bens que integram o acervo a partilhar é o juiz do processo de inventário quem deve dirimir as questões controvertidas suscitadas em obediência ao art.º 91º - o processo de inventário é hoje uma verdadeira acção, obrigando a que os interessados concentrem os meios de defesa no articulado que apresentam e indiquem aí todos os meios de prova, sob pena de preclusão.
Como se pode ler, no acórdão desta Relação de Coimbra de 7.5.2024, pesquisável em www.dgsi.pt:
“No inventário, não sendo caso do previsto no art. 1092, nº 1, b), do Código de Processo Civil, as partes apenas podem ser remetidas para os meios comuns quando, nos termos do art. 1093, nº 1, da referida lei, a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes.
No caso, admitidos os movimentos bancários, discutido apenas se o dinheiro é economia do casal, transferido, por acordo de pais e filho, para este, para o “esconder”, considerando que a prova se limita aos documentos aceites e aos depoimentos desta família, não se justifica aquela remessa”.
O art.º 417.º prevê no seu n.º 1, como princípio, a obrigatoriedade de todos - ainda que não sejam partes na causa - terem o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.
Alega o Apelante:
“18.º Assim mal andou o tribunal a quo, pois que esqueceu que há nova relação de bens posterior à audiência previa, pelo que não pode socorrer-se desta, aliás após tal audiência previa há despacho transitado em julgado, em que o tribunal ordena à cabeça de casal que relacione as doações em vida dos de cujos.
19.º Ademais, nenhuma decisão existe na audiência prévia à cerca da prova das doações em dinheiro, pois que o tribunal a quo não deferiu ou indeferiu o requerido pelo recorrente.
20.º O recorrente para prova das doações em dinheiro, em vida dos de cujus (obviamente) e para que a partilha seja justa e não haja sonegação de bens requereu os extractos bancários das contas desde 2010, bem como requereu que viessem os bancos juntar os documentos bancários com as ordens de movimento ou transferência e que fosse identificado o Iban e a titularidade desse Iban ou seja, o IBAN destinatário das quantias em dinheiro remetidas pelos inventariados (claro, quando eram vivos).
21.º Aliás o recorrente juntou os extratos bancários, que vieram a ser impugnados, daí ser essencial o meio de prova documental para aferir das doações, oficiando o tribunal directamente os bancos.
22.ºPara efeitos de cálculo do acervo hereditário é imperativo saber que doações foram feitas, ora e não tendo o aqui interessado acesso ás contas da cabeça de casal, terá o tribunal de oficiar as instituições bancárias de forma a comprovar-se que os extractos bancários juntos são verdadeiros, que as doações de dinheiro existem, ordenando que sejam relacionadas, a fim de haver colação ou a ser o caso, vir o recorrente a deduzir incidente de inoficiosidade
23.º Nos extratos bancários juntos há avultadas quantias em dinheiro e tendo a cabeça de casal impugnado tais documentos alegando que não correspondiam à verdade, deve o tribunal ordenar a junção dos extratos bancários e das ordens de movimentação de dinheiro, bem como a identificação do titular beneficiário da doação, oficiando os bancos, pois que foi o próprio tribunal que ordenou à cabeça de casal que relacionasse as doações, para que a partilha seja justa e equitativa.
24.º Obviamente que para haver doações tiveram de ser feitas em vida dos inventariados e por isso foram juntos extractos anteriores à morte, pelo que errado está o despacho em crise, ao determinar que para efeitos de prova, esta se cinja à data do óbito dos inventariados.
25. Tal despacho é deveras injusto, determinando que todos os documentos bancários, até para prova de doações, se restringem à data do óbito dos inventariados.
26. Sem os extractos bancários provindos dos bancos, já que os juntos foram impugnados na sua autenticidade, originalidade e assinatura, é negado ao recorrente a prova da existência de doações em dinheiro, que o próprio tribunal a quo, em despacho anterior ordenou que fossem relacionados, o que se reitera.
27.ºO processo de inventario destina-se a por termo à comunhão hereditária e tal só se consegue se a partilha permitir a aplicação do instituto da colação e da inoficiosidade, relacionando-se todas as relações jurídicas patrimoniais dos falecidos.
28.ºReclamada a relacionação de doações em dinheiro, com despacho a corroborar tal pedido, é pertinente a prova desses factos por inspecção à conta bancaria do doador e do donatário, de modo a localizar e a chamar à colação os montantes pecuniários que foram doados à cabeça de casal pelos inventariados.
29.ºViolou assim o tribunal a quo o princípio do inquisitório, consagrado no art. 411 do CPC.
30.ºO direito à prova, como direito à tutela jurisdicional efectiva, está previsto no art. 20 da CRP e o tribunal a quo veio sem fundamento de facto e legal, e em contradição com despacho anterior e esquecendo que há uma nova relação de bens posterior à audiência previa, a dificultar arbitrariamente e de forma desproporcionada o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.
31.º O despacho em crise é uma grave condicionante processual na garantia à justiça, ademais desprovido de fundamento racional e sem conteúdo útil.
32.ºO tribunal a quo impossibilita a equidade do processo, trata as partes de forma desigual, não permitindo meios de defesa e prova efectivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e ofende a paridade entre as partes na dialética que elas protagonizam no processo.
No Acórdão desta Relação de Coimbra de 28.11.2018 - pesquisável em www.dgsi.pt -, pode ler-se:
“I - Em processo de inventário os interessados não são, na relação jurídica de depósito entre banco e o de cujus, terceiros, sendo, assim, a recusa de informação impetrada ao banco, relativa a contas bancárias formalmente tituladas pelos mesmos, ilegítima.
II – Em todo o caso, o sigilo bancário não é um direito absoluto, devendo, se ao interessado na sua quebra não for possível ou razoavelmente exigível operar a prova dos factos pertinentes por outro meio probatório, ceder perante outros interesses ou direitos axiologicamente mais relevantes como seja a descoberta da verdade e a realização da justiça.
III- Ocorre tal situação quando, em processo de inventário para separação de meações, está em causa apurar qual o saldo de contas bancárias tituladas em nome dos interessados, maxime do interessado que, versus o outro, se recusa a dar o seu consentimento para a informação sobre as mesmas” - esta decisão pode ser consultada em www.dgsi.pt.
Ora, nos presentes autos, a informação pretendida pelo Apelante - para efeitos de cálculo do acervo hereditário é imperativo saber que doações foram feitas, ora e não tendo o aqui interessado acesso ás contas da cabeça de casal, terá o tribunal de oficiar as instituições bancárias de forma a comprovar-se que os extractos bancários juntos são verdadeiros, que as doações de dinheiro existem, ordenando que sejam relacionadas, a fim de haver colação ou a ser o caso, vir o recorrente a deduzir incidente de inoficiosidade - é absolutamente essencial para o prosseguimento dos autos.
Por isso, na procedência da apelação, anulamos o despacho em crise nestes autos, substituindo-o por outro que defere o requerido pelo Apelante na sua reclamação - atentos os movimentos bancários que estão documentados em extractos bancários desde 2010 que sejam oficiados a Banco 1... e Banco 2..., para virem informar para que IBAN e respectivo titular foram tais montantes pecuniários, atentas as datas especificadas e que fosse a cabeça de casal notificada ao abrigo de dever de colaboração, da verdade e sob pena de sonegar bens à herança para juntar extratos bancários das contas em que é titular, desde o ano de 2010 incluindo mapa de contas do banco de Portugal das suas contas.

Sumário:
(…).

3.Decisão
Assim, na procedência do recurso, anulamos a decisão/despacho proferido no Juízo de Competência Genérica de Moimenta da Beira - Juiz ..., substituindo-o nos termos supra descritos - - atentos os movimentos bancários que estão documentados em extractos bancários desde 2010 que sejam oficiados a Banco 1... e Banco 2..., para virem informar para que IBAN e respectivo titular foram tais montantes pecuniários, atentas as datas especificadas e que fosse a cabeça de casal notificada ao abrigo de dever de colaboração, da verdade e sob pena de sonegar bens à herança para juntar extratos bancários das contas em que é titular, desde o ano de 2010 incluindo mapa de contas do banco de Portugal das suas contas.

As custas ficam a cargo da Apelada.

Coimbra, 28 de Janeiro de 2025

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(Catarina Gonçalves - 1.ª adjunta)

(Maria João Areias - 2.ª adjunta)