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INVENTÁRIO
LICITAÇÕES
Sumário
I - Em inventário o licitante que licitou em excesso não pode escolher verbas que excedam em muito o seu quinhão para não se manter a situação de desequilíbrio que levou ao requerimento de composição do quinhão pelo não licitante, nem inverter a situação passando o não licitante a devedor de tornas. II - Aos juiz compete averiguar a correcção do exercício do direito de escolha.
Texto Integral
ACORDAM NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
I - Relatório
Nos autos de inventário em sequência de divórcio instaurados por José..... contra o seu ex-cônjuge Teresa....., exercendo esta as funções de cabeça de casal, não tendo sido possível obter acordo na conferência de interessados quanto à composição dos quinhões, foram declaradas abertas as licitações quanto aos bens relacionadas, à excepção da verba n.º 1 por se tratar de dinheiro.
O interessado José..... licitou as verbas n.ºs 2, 3, 9, 25 e 39, pelos valores de, respectivamente, 3.000.000$00, 4.500.000$00, 41.000$00, 6.000$00 e 6.000$00;
E a interessada Teresa..... licitou as verbas nºs 6, 43, 44 e 45, pelos valores de, respectivamente, 21.000$00, 27.000$00, 15.500$00 e 2.500$00.
As verbas nºs 4 , 5, 17, 18, 23, 26, 27, 30, 31, 32, 37,38, 40, 41 42, 46, 47 e 48, relacionadas pelos valores de, respectivamente, 50.000$00, 35.000$00, 5.000$00, 15.000$00, 20.000$00, 1.000$00, 100.000$00, 10.000$00, 10.000$00, 10.000$00, 20.000$00, 20.000$00, 5.000$00, 5.000$00, 5.000$00, 10.000$00, 15.000$00 e 10.000$00, não foram licitadas por nenhum dos interessados.
Proferido despacho sobre a forma da partilha (fls.136) a secretaria organizou o mapa constante de folhas 137, informando que o interessado José..... licitou bens que excedem em 3.149.500$00 o valor da sua meação.
Cumprido disposto no n.º 1, do artigo 1377º, do Código de Processo Civil, a interessada Teresa..... veio requerer que para além das verbas por ela licitadas a sua meação seja integrada pela verba n.º 2, licitada pelo interessado José.........., uma vez que excede a meação deste e cabe no valor da meação da requerente que, a ser-lhe adjudicada a dita verba pelo valor da licitação, ainda tem a receber tornas.
Notificado do requerimento da interessada Teresa..... o interessado José.......... opôs-se tendo, nos termos e para efeitos do n.º 3, do artigo 1377º do CPC, indicado para a composição do seu quinhão as verbas n.º 2, 3, 9, 25 e 39.
Por despacho proferido a folhas 156 e v.º foi determinado que na elaboração do mapa de partilha fosse tida em conta a escolha do licitante feita no requerimento de fls. 142, adjudicando-se a verba n.º 1 (dinheiro) à cabeça de casal face ao teor da relação (da qual consta tratar-se dinheiro em poder da cabeça de casal) e repartindo-se os demais bens não licitados nos termos do artigo 1374º, alínea c), do CPC.
A interessada Teresa..... interpôs recurso do referido despacho que foi admitido como agravo, com subida diferida e efeito meramente devolutivo.
Conclui a respectiva alegação com as seguintes conclusões:
- O processo de composição de quinhões tem por fundamento corrigir as licitações e acautelar os interessados menos afortunados;
- O requerente ex-marido, financeiramente muito mais poderoso que a requerida recorrente, licitou cerca de 85% dos bens licitáveis;
- O que é manifestamente desproporcional;
- No exercício do seu direito a requerer a composição dos quinhões a recorrente pretendeu e pretende que lhe seja adjudicada a verba n.º 2;
- É que, embora não lhe assista o direito de escolher é a única verba que a deixa em posição de equilíbrio e sem exceder o seu quinhão;
- Ao tribunal compete quando a parte o requeira, equilibrar os quinhões;
- A douta decisão recorrida não teve em atenção o equilíbrio que a lei prossegue;
- A pretensão de ver o seu quinhão composto tem de proceder para se realizar o escopo legal;
A decisão recorrida violou o n.º 2 do artigo 1377º do C.P.C.
O M.º Juiz “a quo” sustentou o despacho recorrido e mandou elaborar o mapa de partilha nos termos constantes do despacho recorrido.
Organizado o mapa, foi proferida sentença que homologou a partilha constante do mapa de folhas 195 a 187, adjudicando ao interessado José..... as verbas nºs 2, 3, 9, 25 e 39 e à interessada Teresa..... os restantes bens relacionados, recebendo esta tornas do interessado José..... no montante de € 15.709,64.
A interessada Teresa..... interpôs recurso de apelação da sentença homologatória da partilha, tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões:
1- A composição de quinhões tem por fundamento corrigir as licitações e acautelar os mais fracos economicamente;
2 - A partilha, querendo-o os interessados, deve ser o mais equilibrada possível em bens;
3 - É dever do Estado Português adequar a legislação para promover a igualdade entre os cidadãos independentemente das desigualdades económicas;
4 - A norma do artigo 1377º n.º 2, do CPC permite alcançar o desiderato acima referido;
5 - A adjudicação da verba n.º 2 à apelante, ao abrigo da norma referida na conclusão anterior, cuja inclusão no seu quinhão foi atempadamente requerida é a única solução nestes autos para equilibrar, em bens, os quinhões;
6 - E cumpre a “ratio” e o “texto” do n.º 2 do artigo 1377º e respeita os requisitos do n.º 3 da mesma norma;
7 - Esta solução além de respeitar a lei ordinária e de fazer Justiça, respeita o principio constitucional da igualdade (artigo 13º, n.º 2);
8 - Em causa neste recurso está apenas e só o direito à habitação da recorrente e da filha do casal já que a sociedade (a que respeitam as quotas relacionadas sob as verbas 2 e 3) tem esta casa no seu património e já está desactivada há inúmeros anos;
9 - A decisão impugnada, viola, assim o disposto no artigo 65º n.º 1 da Constituição da República;
10 - A decisão recorrida viola também as normas do artigo 13º nº2 da Constituição e o artigo 1377º n.º 2 do CPC, inconstitucionalidade que aqui se arguiu para todos os efeitos legais.
O interessado José..... contra-alegou defendendo a improcedência do recurso e pedindo a condenação da apelante como litigante de má fé por serem “escandalosamente improcedentes as conclusões que formulou”.
II – Questões a decidir
Estando o objecto de cada recurso limitado nas conclusões da respectiva alegação (artigo 684º n.º 3, do CPC), a questão a decidir tanto no agravo como na apelação é a de saber se a verba n.º 2, licitada pelo interessado José..... e escolhida por este para preencher a sua meação, mas que excede o valor desta, deve ser adjudicada à recorrente.
III – Apreciação do mérito do recurso
Divergem os interessados quanto à adjudicação da verba n.º 2, licitada pelo interessado José..... e escolhida por este para preencher a sua meação.
O interessado José..... defende que tendo sido por ele licitada e escolhida, a dita verba deve ser-lhe adjudicada. Pretensão a que se opõe a recorrente, defendendo que foi excedido pelo recorrido o direito de escolha dos bens necessários ao preenchimento da sua meação que fica preenchida e mesmo excedida com as restantes verbas licitadas e por ele escolhidas. Conclui que por exceder a meação do recorrido a referida verba deverá ser adjudicada à recorrente, sem o que seria violado o principio da igualização na participação de cada categoria de bens a partilhar.
Vejamos:
Em principio os bens licitados são adjudicados ao respectivo licitante – art.º 1374º al. a), do CPC.
Aos não licitantes são atribuídos quando possível, bens da mesma espécie e natureza dos licitados (é o chamado principio da igualização na participação de cada categoria de bens a partilhar – v. R. Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, 2ª ed., II, p. 257.
Não sendo isso viável, os não licitantes são inteirados em outros bens da herança, mas se estes forem de natureza diferente dos licitados, podem exigir a composição em dinheiro, vendendo-se em hasta pública os bens necessários para obter as quantias devidas – art. 1374ºal. b)
Se algum interessado tiver licitado em mais verbas do que as necessárias para preencher a sua quota, pode qualquer dos respectivos credores de tornas requerer que as verbas em excesso ou alguma delas lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão (art.º 1377º, n.º 2).
Requerida, assim, a composição do quinhão do interessado não licitante, dispõe o licitante em excesso do direito de escolher “de entre as verbas que licitou, as necessárias para preencher a sua quota”- art. 1377º n.º 3.
Porém, os termos em que deve exercer-se esse direito estão circunscritos a duas condicionantes:
- A escolha deve ser feita entre as verbas em que licitou;
- E deve recair só nas verbas necessárias para preenchimento do respectivo quinhão.
Como escreve Lopes Cardoso “o escopo legal reside na atribuição ao licitante de verbas que preencham quantitativamente a sua quota, ou, não sendo possível – como raras vezes o será – as que com menos diferença a excedam, pois as outras deixam de lhe pertencer para se adjudicarem aos que, por preenchidos a menos, requereram a composição quantitativa dos seus quinhões no uso de um inquestionável e justificado direito” – ob. cit., II, pág. 424.
“Daqui vem que não pode o licitante escolher verbas que excedam em muito o seu quinhão, como também lhe fica defeso a escolha restrita a verbas que o não preencham” para não se manter a situação de desequilíbrio que levou ao requerimento de composição do quinhão pelo não licitante, nem se inverter essa situação passando o não licitante de credor a devedor de tornas (v. Lopes Cardoso, ob. e loc. cit. e os Acs. do STJ de 4-12-96, CJ-STJ, Ano IV, Tomo III, pág. 121 e de 5-6-97, CJ, Tomo V, p.115).
Exercido o direito de escolha cumpre ao juiz do processo averiguar se aquele foi exercido correctamente e se necessário, tomar as medidas aconselháveis para obter o falado equilíbrio de quinhões (cit. Ac. do STJ de 5-6-97).
Pode, pois, concluir-se que, embora a lei admita a licitação ilimitada, estabelece limites ao exercício do direito de escolha, conferido aos licitantes no n.º 3, do artigo 1377º.
A escolha só pode incidir sobre as verbas licitadas e só podem ser escolhidas as que sejam “necessárias para preencher a sua quota”
No caso dos autos o licitante escolheu bens que excedem em muito a sua meação. Ainda que, como pretende a recorrente, seja adjudicada a esta a verba n.º 2, as restantes verbas escolhidas pelo licitante ainda excedem a meação deste. E adjudicando-se aquela verba à recorrente, além das indicadas no mapa de partilha de folhas 185 a 187, esta terá ainda tornas a receber.
Assim, em face do apontado principio da igualização na participação de cada categoria de bens a partilhar, dado que a dita verba n.º 2 não é necessária para preencher a meação do licitante e tendo este excedido o direito de escolha, o equilíbrio de quinhões quanto à natureza das verbas que os devem constituir, impõe a adjudicação da referida verba n.º 2 à recorrente.
Procedem, pois, ambos os recursos e carece por completo de fundamento o pedido de condenação da recorrente como litigante de má fé.
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação procedente e em conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho e a sentença recorridos e determinando-se que seja organizado novo mapa de partilha, passando a dita verba n.º 2 a integrar a meação da recorrente.
Custas do agravo e da apelação pelo recorrido.
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Porto, 14 de Outubro de 2003
Alziro Antunes Cardoso
Albino de Lemos Jorge
Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves