UNIÃO DE FACTO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
CESSAÇÃO DA UNIÃO DE FACTO
TERMO INICIAL PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO
Sumário

1. A ação por enriquecimento sem causa depende da verificação de um enriquecimento à custa de outrem, que careça de causa justificativa, por nunca a ter tido ou por a ter perdido, tornando-se, assim, injusto e inaceitável para o direito.
2. - Vista a natureza subsidiária do enriquecimento sem causa, é imprescindível a inexistência de outro meio jurídico de satisfação da pretensão do demandante na ação de enriquecimento (casos em que a lei não permite ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, como resulta do art.º 474.º do CCiv.).
3. - Fundando-se a ação interposta em duas autónomas causas de pedir – uma principal/prioritária, por incumprimento de deveres de mandato, e outra por subsidiário enriquecimento injustificado –, o caráter subsidiário do enriquecimento sem causa obsta à procedência da ação de enriquecimento sem (prévio) conhecimento e improcedência da causa de pedir principal.
4. - Ocorrida compra de um imóvel, efetuada exclusivamente pela ré/compradora (por si e para si), com dinheiros das autoras, por estas disponibilizados àquela, no âmbito de uma relação de união de facto entre a ré e um familiar das autoras, só pode haver enriquecimento sem causa (da ré) após a cessação da união de facto.
5. - Com efeito, tendo as autoras sabido da compra e venda e dos fundos usados para o pagamento do preço ao tempo do negócio de aquisição e consabido, por outro lado, que tal negócio tem como efeito a imediata transferência da propriedade do bem para o comprador – no caso, unicamente para a ré, que se tornou, ipso jure, a exclusiva dona do imóvel –, foi então (em 2014) que ocorreu o seu empobrecimento, com o correspondente enriquecimento da ré, e não no posterior momento da cessação da união de facto (em 2018), posto esta cessação em nada alterar o direito de propriedade, anteriormente adquirido em termos definitivos e exclusivos.
6. - Porém, esse enriquecimento era justificado, por dotado de uma causa, constituída pela união de facto, em que viviam o familiar das autoras e a ré, união essa que motivou a atribuição patrimonial/pecuniária, apenas se tornando injustificado quando a causa deixou de existir (cessação dessa união de facto).
7. - Só então, perdida a causa justificativa, o direito à restituição por enriquecimento passou a poder ser exercido.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***
I – Relatório

AA e BB, ambas com os sinais dos autos,

intentaram ação declarativa condenatória – por invocado abuso de mandato/poderes de representação e, subsidiariamente, enriquecimento sem causa, bem como, em qualquer caso, responsabilidade por danos não patrimoniais –, com processo comum, contra

CC, também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação da R. a pagar-lhes a quantia de € 99.880,22, acrescida dos juros de mora, à taxa supletiva legal civil, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegaram, em síntese, e para além do mais, que:

- a R. usou abusivamente dos poderes que lhe foram conferidos pelas AA., as quais autorizaram tal R. a movimentar contas bancárias, conferindo-lhe poderes para tanto, através de procuração, poderes que aquela usou no interesse exclusivo dela própria, violando os princípios e interesses que nortearam a concessão dos poderes de representação;

- através de conta titulada pela R. e ao longo de vários anos, as AA. cederam o valor total acima referido, por forma a assegurar, nomeadamente, as despesas de DD – filho e irmão daquelas, respetivamente, o qual, encontrando-se em reclusão, mantinha uma relação amorosa com a R. –, bem como a aquisição, a 27/05/2014, pela R. da casa em que a mesma e o referido DD passaram a viver enquanto casal (em união de facto);

- «Nesse sentido e usando a quantia de 90.000€ (…) dinheiro existente nas contas supra identificadas a Ré em 27 de Maio de 2014 adquiriu em nome próprio o seguinte imovel: Prédio Urbano (…)» (art.º 9.º da petição);

- «Da mesma conta, efectuou pagamentos ao estado, mormente IMT e IS, e as despesas do acto com a compra» (art.º 10.º da petição);

- «Desde então a Ré, usa o imóvel que adquiriu usando o dinheiro das AA, a seu bel-prazer, disfrutando de todas as comodidades» (art.º 11.º);

- «Não prestando contas a ninguém, usando-o em proveito próprio e em exclusivo» (art.º 12.º);

- «A vantagem obtida no montante referido (…) é obtida na aquisição do imóvel referido (…)» (art.º 49.º);

- cessada a união de facto, «(…) tal vantagem patrimonial obtida pela ré mostra-se totalmente injustificada, isto é, carece causa de justificativa. A ré viu aumentado o seu património com dinheiro pertença das AA.» (art.º 50.º);

- termos em que, caso não procedesse aquela matéria de abuso/incumprimento de mandato/poderes de representação, teria de proceder a matéria de enriquecimento sem causa, no montante de € 90.880,22 (art.ºs 39.º, 48.º e 53.º da petição);

- a conduta da R. causou às AA. danos não patrimoniais (angústia, tristeza, perda de vontade de viver, desgosto/“pesadelo”), a deverem ser reparados com o montante total de € 9.000,00 (correspondente a € 4.500,00 para cada uma).

Contestou a R., impugnando, no essencial, a factualidade alegada pelas AA. e excecionando a prescrição do direito invocado, pelo decurso do prazo legal de três anos para o efeito (art.º 482.º do CCiv.), assim concluindo pela procedência da exceção, com decorrente improcedência da ação, e condenação incidental das demandantes como litigantes de má-fé.

Pronunciaram-se as AA., pugnando pela falência da deduzida exceção e do incidente de litigância de má-fé, assim concluindo pela procedência da ação.

Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador – onde foi relegado para final o conhecimento da exceção da prescrição, por se tratar de matéria ainda controvertida –, fixando-se o objeto do litígio e os temas de prova.

Foi realizada audiência final, seguida da prolação de sentença (datada de 04/11/2022), julgando verificada a exceção perentória da prescrição, com consequente absolvição da R. do peticionado, e declarando improcedente o pedido de condenação das AA. como litigantes de má-fé.

Tendo as AA. interposto recurso, esta Relação (doravante, TRC), por decisão singular datada de 11/07/2023 – transitada, entretanto, em julgado –, julgou «procedente a apelação, na improcedência da deduzida exceção de prescrição, revogando-se, em consequência, a sentença absolutória recorrida», assim determinando «a baixa dos autos à 1.ª instância para cabal conhecimento do mérito da ação (atentas as respetivas causas de pedir)».

Na sequência, foi proferida nova sentença pelo Tribunal recorrido (datada de 10/10/2023), julgando assim:

«A. Condeno a ré (…) a pagar às autoras (…) a quantia total de € 35.000,00 (…), a que acrescem juros de mora, calculados à taxa supletiva legal civil, e contabilizados desde a data de citação, bem como os juros moratórios que se vencerem até ao efectivo e integral pagamento.

B. Absolvo a ré do remanescente peticionado pelas autoras.

C. Declaro improcedente o pedido de condenação das autoras como litigantes de má-fé.

(…).» (destaques subtraídos).

Ainda inconformadas, as AA., mas também a R., recorreram para este TRC, em cujo acórdão, de 09/04/2024, foi decidido:

«(…) revoga-se a sentença recorrida, para que seja proferida nova sentença, (…) que aprecie em plenitude as causas de pedir da ação (desde logo, a causa de pedir principal, de cuja improcedência, a ocorrer, dependerá a apreciação da causa de pedir subsidiária).».

Em nova sentença do Tribunal de 1.ª instância (datada de 09/06/2024), julgou-se assim:

«A. Condeno a ré (…) a pagar às autoras (…) a quantia total de € 35.000,00 (…), a que acrescem juros de mora, calculados à taxa supletiva legal civil, e contabilizados desde a data de citação, bem como os juros moratórios que se vencerem até ao efectivo e integral pagamento.

B. Absolvo a ré do remanescente peticionado pelas autoras.

C. Declaro improcedente o pedido de condenação das autoras como litigantes de má-fé.».

Novamente inconformadas, vieram ambas as partes recorrer, de apelação.

Assim, recorre a R., oferecendo alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([1]):

«I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls. dos autos que condenou a Ré, ora Recorrente, a pagar às Autoras a quantia de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros).

II. Da factualidade provada consta que a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) foi disponibilizada pelo pai de DD – Sr. EE, conforme resulta dos pontos 19 e 20 dos factos provados.

III. A obrigação de restituição fundada no enriquecimento sem causa, instituto consagrado no artigo 473º do Código Civil, pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes três requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) o enriquecimento carece de causa justificativa; c) a obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.

IV. O terceiro requisito referido exige uma correlação entre a situação dos dois sujeitos, traduzida no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro, verificando-se, assim, a necessidade de existência de um nexo (causal) entre a vantagem patrimonial auferida por um e o sacrifício sofrido por outro.

V. À luz do artº 342º, nº 1 do Código Civil, é sobre o autor, alegadamente empobrecido, que impende o ónus de alegação e prova dos correspondentes factos que integram cada um daqueles requisitos, o que não se verificou.

VI. Resulta inequívoco da factualidade provada, nos pontos 19 e 20, que o valor de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), pertencia a EE e não a nenhuma das Autoras, as quais, como se apurou em audiência, não dispunham de quaisquer rendimentos, nem desenvolviam qualquer atividade remunerada que lhes permitisse amealhar tal quantia, pelo que não ficaram as Autoras empobrecidas em tal montante.

VII. Assim, considerando que o enriquecimento não foi obtido à custa de quem requereu a restituição não existe qualquer obrigação de restituir, por falta de preenchimento do terceiro requisito supra referido.

VIII. Estamos, in casu, em presença de um enriquecimento por prestação, pelo que tal pressuposto normativo se dissolve na própria autoria da prestação, sendo essa autoria que determina a legitimidade do credor da pretensão de enriquecimento. Assim, tendo a prestação sido realizada por EE, era este que teria legitimidade para deduzir tal pedido de restituição.

IX. Em face do disposto no artigo 342º, n.º 1 do Código Civil, recaia sobre as Autoras o ónus de provar que a referida quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) lhes pertencia, o que não se verificou, uma vez que ficou demonstrado e provado que a referida quantia pertencia ao pai e marido das Autoras, EE, e foi por este disponibilizada à Recorrente.

X. Não se verifica uma unidade do processo de enriquecimento, ou seja, uma deslocação patrimonial direta entre o património das Recorridas e o da Recorrente, que constitui requisito essencial de aplicação do instituto do enriquecimento sem causa.

XI. O requisito da imediação, ou da unidade do procedimento de enriquecimento, significa que, entre empobrecimento e enriquecimento, não deve encontrar-se um facto intermédio ou, em todo o caso, não deve encontrar-se um património intermédio, de terceiro.

XII. O Tribunal a quo, ao decidir da forma que o fez, violou o disposto no artigo 473º do Código Civil.

Termos em que,

Deve ser julgado totalmente procedente, por provado, o presente recurso e, em consequência, substituída a decisão recorrida por outra que absolva integralmente a Recorrente do pedido, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!».

E recorrem as AA., em matéria de facto e de direito, apresentando alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([2]):

«A. Nos presentes autos, o Meritíssimo Juiz "a quo", em nosso entendimento, erroneamente valorizou as declarações da Ré e das testemunhas apresentadas por ela, todas elas testemunhas indiretas que apenas confirmaram o que a Ré alegou, sem detalhar o como, o porquê, o quando ou as circunstâncias envolvidas, em detrimento do depoimento direto das testemunhas apresentadas pelas recorrentes.

B. A douta sentença proferida julgou provados factos que não foram objeto de qualquer prova produzida, nem valorizou prova produzida em sede de audiência de julgamento, com o que o juízo final a produzir, seria distinto daquele que se encontra consagrado na referida sentença, o que levaria ao deferimento da pretensão das recorrentes.

C. Com efeito, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos ou a ausência da mesma, temos que:

D. O ponto 11 da matéria dada como provada deverá ser redigido da seguinte forma:”11. A conta acima referida foi aberta pelas autoras a solicitação da ré, para a mesma gerir o dinheiro, das autoras, com vista a beneficiar o Sr. DD.” (pela motivação explanada nos pontos 28 a 41)

E. O ponto 13 dos factos dados com o assentes, deverá passar a ter o seguinte teor:”13. No momento da abertura da referida conta (15-12-2009), a ré depositou na mesma a quantia de € 9.000,00, pertencente às autoras (cfr. talão de depósito, junto pela ré a fls. 52, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).” (pela motivação explanada nos pontos 42 a 70)

F. O ponto 14 da matéria de facto assente deve ser reformulado da seguinte maneira: “14. A 23-3-2010, as autoras depositaram a quantia de € 10.892,02, com vista a fazer face às despesas de DD (cfr. talão de depósito, junto pela ré a fls. 52 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido), nomeadamente: a. Entregas em numerário no estabelecimento prisional (documentos n.ºs 62 a 65 da contestação, cujo teor aqui se considera reproduzido).” (pela motivação explanada nos pontos 71 a 82)

G. O ponto 16 dos factos dados com o assentes, deverá passar a ter o seguinte teor: “16. Os aludidos depósitos foram efetuados por força das entregas em numerário feitas pelas autoras e pelo marido da Autora à Ré, bem como da venda de eucaliptos proveniente de prédios rústicos integrados na herança da mãe da ré“(pela motivação explanada nos pontos 83 a 108)

H. O ponto 19 dos factos provados deveria ser corrigido da seguinte forma: “19. Uma vez que as economias das recorrentes e o valor de 11.000€ da venda de eucaliptos proveniente de prédios rústicos integrados na herança da mãe da ré não eram suficientes para adquirir a casa acima identificada no ponto 10 dos factos provados, tal aquisição foi concretizada pelo recurso a todas economias bem como com o valor de € 35.000,00 disponibilizados pelo marido da autora – Sr. EE.” (pela motivação explanada nos pontos 109 a 127)

I. No presente caso a atribuição do enriquecimento da Ré resultou da união de facto estabelecida entre ela e o mencionado filho/irmão das recorrentes, o Sr. DD.

J. Foi precisamente devido a esta união de facto que ocorreram as atribuições patrimoniais, que resultaram no suposto enriquecimento da Ré.

K. Caso esta não tivesse mantido essa união de facto com o filho/irmão das recorrentes, estes obviamente não agiriam de forma a enriquecê-la, da maneira como ocorreu.

L. Todo o numerário entregue pelas recorrentes e família à ré tinha um único objetivo que era beneficiar o seu filho/irmão.

M. Pelo que, é válido argumentar que, ao deixar de existir tal união de facto, também deixa de existir a justificativa para a manutenção desse enriquecimento por efeito das quantias entregues pelas recorrentes.

N. Ora, a ré não fez prova de que o dinheiro era seu, sendo que, a totalidade dos supostos depósitos da ré, resumem-se a um talão de depósito, assinado pela mesma ao balcão da instituição bancária.

O. Ao contrário as recorrentes fizeram prova bastante das entregas do dinheiro, através da prova produzida.

P. Pelo exposto, e ao contrário do que concluiu a douta sentença da qual se recorre, as recorrentes demonstraram factos e produziu meios de prova que não foram tidos em consideração pelo tribunal a quo, sendo que a sê-lo, como se requer, afastam os fundamentos da recorrida, levando ao deferimento do peticionado, o que se requer a V/ Exªs, com as devidas e legais consequências.

Atento todo o exposto, entendemos que a decisão proferida, ao ter decidido, como decidiu, violou as normas e princípios expostos quer quanto ao instituto do enriquecimento sem causa previsto no artigo 473º e ss do Código Civil e bem assim, os artigos 411º, 526.º, 601.º, 638.º, 640.º do CPC, devendo ser substituída por uma outra, nos termos suprarreferidos, que, a final, condene a Ré no peticionado.

Termos em que e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a decisão de 1.ª Instância ser revogada e, em consequência ser a ação julgada procedente, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.».

Apenas a R. contra-alegou, concluindo pela total improcedência da apelação da contraparte.

Os recursos foram admitidos como de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida imediata, tendo sido ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem.

Cumpridos os vistos e nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito dos recursos, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito recursivo

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado em sede de articulados – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, está em causa saber ([4]):

a) Se ocorre erro de julgamento em matéria de facto, quanto aos pontos 11, 13, 14, 16 e 19 da matéria dada como provada, a deverem ser alterados [conclusões D) a H) da apelação das AA.];

b) Se, em matéria de direito, deverá a ação proceder integralmente (como pretendem as AA./Recorrentes) ou, ao invés, improceder in totum (como defende a R./Recorrente, por não verificação do requisitório da ação de enriquecimento, especificamente não ter o enriquecimento sido obtido à custa de quem requer a restituição).

III – Fundamentação

         A) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

As AA./Recorrentes pugnam por uma diversa decisão relativa a parte determinada da matéria de facto julgada provada.

Assim – e recapitulando – pretendem a reformulação/alteração dos pontos 11, 13, 14, 16 e 19 do quadro dado como provado.

Vejamos.

Do ponto 11 consta: “A conta acima referida foi aberta pelas autoras; contudo a ré, receando que as suas contas bancárias, por ser namorada do então recluso DD, pudessem ser afectadas, acordou com as autoras a abertura de tal conta”.

É a seguinte a redação alternativa proposta pelas impugnantes:

«11. A conta acima referida foi aberta pelas autoras a solicitação da ré, para a mesma gerir o dinheiro, das autoras, com vista a beneficiar o Sr. DD.».

Diz-se na sentença, em termos de justificação da convicção:

«O fino enquadramento das razões inerentes à abertura e à manutenção da conta  ...70, bem como no que respeita à concretização dos respectivos depósitos, bem como ao diverso e contínuo uso dado a tais quantias adveio das declarações, claras, concisas e credíveis, apresentadas pela ré CC, tudo nos termos acima expostos nos pontos 5, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 dos factos provados.» (itálico aditado).

Ou seja, o Tribunal recorrido convenceu-se essencialmente com base nas ditas declarações da R..

Contrapõem as AA. com alguns excertos da gravação áudio das declarações da A. BB ([5]), das declarações da R. ([6]) e do depoimento da testemunha DD ([7]).

Perante estes excertos da prova pessoal, nota-se haver versões contraditórias, sendo que o Tribunal recorrido acreditou na versão da R., que prestou declarações de parte (cfr. ata da sessão de audiência final de 22/09/2022, a fls. 175 v.º e seg.), em detrimento da versão das AA., acompanhada por alguns depoimentos testemunhais, a que o mesmo Tribunal não conferiu credibilidade.

Ora, é seguro que, perante a prova pessoal, é a 1.ª instância que beneficia da total imediação, diversamente da Relação, que apenas tem acesso à gravação áudio, o que não impede que esta deva formar a sua própria convicção perante as provas, no âmbito localizado da impugnação. Todavia, com as necessárias cautelas, posto a Relação apenas dever alterar a decisão sobre a matéria de facto se, quanto ao caso, a prova produzida impuser – não apenas sugerir ou possibilitar – decisão diversa, só nesse caso podendo concluir-se que ocorreu erro de julgamento de facto, a dever ser corrigido (cfr. art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Por outro lado, é bem conhecida a comum fragilidade da prova por declarações de parte, mormente se não corroborada por outra prova independente e credível: nas declarações de parte temos a própria parte a requerer a (sua) prestação de declarações sobre factos em discussão (art.º 466.º, n.º 1, do NCPCiv.), sendo essa prova objeto da livre apreciação do juiz, salvo se constituir confissão (n.º 3 do mesmo art.º).

Ou seja, usualmente, as declarações de parte traduzem-se na afirmação pela parte de factos que a favorecem e desfavorecem a contraparte (ao contrário da prova por confissão, em que a parte – confitente – reconhece a realidade de factualidade que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária).

Assim, muito embora, só por si, em casos excecionais, as declarações de parte, pelo modo como prestadas, possam convencer o Tribunal, no comum das situações demanda-se prova corroborante idónea.

Assim sendo, e tudo ponderado, esta Relação forma convicção, quanto ao facto 11, no sentido de que:

«11. A conta acima referida foi aberta pelas autoras, com o acordo e a solicitação da ré, para que o dinheiro ali depositado beneficiasse DD.».

Procede, pois, em parte esta vertente da impugnação.

Na sequência, o ponto 12 – não impugnado – tem a seguinte redação (que subsiste): «Sem prejuízo do especificado infra, alguns dos valores depositados na referida conta pretendiam ajudar DD não apenas com as despesas do mesmo no decurso da sua reclusão, mas também com vista a ajudá-lo a recomeçar a vida, findo tal período de reclusão».

Sendo, pois, pacífica esta asserção, já o seguinte ponto 13 mereceu impugnação, com o seguinte teor originário: «No momento da abertura da referida conta (15-12-2009), a ré depositou na mesma a quantia de € 9.000,00, que lhe pertencia (cfr. talão de depósito, junto pela ré a fls. 52, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido)».

O Tribunal a quo, para formação da sua convicção positiva, valeu-se do dito documento de fls. 52, na sua conjugação com as declarações da R. e com alguns elementos de prova testemunhal (mormente, FF e GG).

Ora, a fls. 52 do processo físico consta, efetivamente, documento bancário (da Banco 1...), referente a tal depósito de € 9.000,00.

Contrapõem as AA. que esse dinheiro não pertencia à R., que nem era co-titular da conta, nem sequer pessoa autorizada a movimentá-la, pelo que o depósito (efetuado pela R.) foi satisfeito com fundos que lhe foram entregues (pelas demandantes e EE).

É certo que, no momento da abertura da referida conta (15-12-2009), a R. nem era co-titular da conta bancária, nem sequer pessoa autorizada a movimentá-la, posto só mais tarde ter passado a pessoa autorizada a movimentar e depois a co-titular (cfr. factos 7 e 8, não impugnados).

Titulares eram apenas as AA., razão pela qual não parece crível que a R., sem mais, depositasse a elevada quantia de € 9.000,00 na conta de outrem, sem sequer um documento de salvaguarda.

Outro tanto não se diria se a conta fosse conjunta ou solidária; porém, trata-se de conta alheia, em que se deposita aquela quantia, o que vai ao arrepio das regras da lógica, do comum acontecer e da experiência comum.

Seria necessário um motivo forte para se depositar € 9.000,00 na conta bancária de outrem e se continuar a pretender que se tratava de dinheiro pertença do/a depositante.

Assim, na falta de um documento de salvaguarda, não se mostra credível a versão da R., no sentido de que tais € 9.000,00 lhe pertenciam.

Por isso, o ponto 13, na procedência em parte da impugnação, passa a ter a seguinte redação:

«No momento da abertura da referida conta (15-12-2009), a ré depositou na mesma a quantia de € 9.000,00, que as AA. lhe tinham entregue para o efeito (cfr. talão de depósito, junto pela ré a fls. 52, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido)».

Passando ao ponto 14, este tem a seguinte redação: «A 23-3-2010, as autoras depositaram a quantia de € 10.892,02, com vista a fazer face às despesas de DD (cfr. talão de depósito, junto pela ré a fls. 52 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido), nomeadamente:

a. Entregas em numerário no estabelecimento prisional (documentos n.ºs 62 a 65 da contestação, cujo teor aqui se considera reproduzido).

b. Despesas diversas associadas ao próprio DD, nomeadamente com a aquisição de aparelho de correcção dentária, de vestuário e deslocações da ré para visitas no estabelecimento prisional, bem como despesas associadas à economia comum de ambos.

c. Despesas inerentes à frequência e à conclusão da licenciatura em ..., na Universidade ..., por parte de DD.».

Pretendem as AA. que, por falta de prova – o ónus da prova caberia à R. –, se suprimam as al.ªs b) e c), ficando apenas a al.ª a) daquele ponto 14, como provada.

Ora, sobre esta matéria, com o Tribunal recorrido a convencer-se pelas declarações da R. e prova testemunhal corroborante a que alude, é certo estar provado – de forma incontroversa – que, desde outubro de 2008, DD (o familiar das AA.) e a R. iniciaram relação amorosa, que só viria a ser terminada (pela R.) em novembro de 2018 (facto 5).

E, a partir do ano de 2009, não obstante a aludida situação de reclusão daquele DD, o mesmo e a R. passaram a ter vida em comum, como se de marido e mulher se tratasse (facto 6).

Resulta de excertos/transcrições das gravações apresentadas pelas AA. que tal DD admitiu que a “abertura dessa conta deveu-se ao facto de eu estar detido [h]à muito tempo, na altura já, já pensava em tirar uma licenciatura, seria necessário dinheiro para, para pagar as propinas portanto, e como eu já na altura, já se tinha assumido o namoro com a CC e a CC já era conhecida da família, a minha mãe achou por bem abrir uma conta com as suas economias e também com economias da minha irmã, elas são reformadas ambas e abriram uma conta ... e portanto no contexto familiar porque a CC já visitava a casa a CC ofereceu-se para auxiliar na abertura dessa conta”.

Ou seja, num tal contexto de vida em comum, mas também de reclusão em estabelecimento prisional, com estudos para licenciatura e outras despesas, pessoais ou comuns da união de facto, é crível a ocorrência das despesas aludidas em b) e c) do ponto 14, razão pela qual o mesmo permanece inalterado, improcedendo, pois, nesta parte, a impugnação das AA./Apelantes.

Prosseguindo.

O ponto 15 está provado sem controvérsia, com o seguinte teor: «A ré procedeu a diversos depósitos, cujos respectivos talões constam de fls. 53 a 77 verso (documentos juntos com a contestação e identificados com os n.ºs 3 a 42), sendo que o teor dos mesmos aqui se considera integralmente reproduzido, no total de € 79.950,00.».

Controverso, por impugnado, é o ponto que se lhe segue, com a seguinte redação:

«16. Os aludidos depósitos foram efectuados por força do vencimento da ré, das ofertas monetárias efectuadas tanto pelo pai como pela mãe da mesma ré (documento n.º 43 junto com a contestação, a fls. 78, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido); da venda de eucaliptos proveniente de prédios rústicos integrados na herança da mãe da ré (€ 11.000,00); bem como da venda da casa onde inicialmente residira a ré, a qual foi pela mesma vendida em Março de 2014 (cfr. cópia da respectiva escritura pública, junta como documento n.º 44 da contestação, a fls. 78 verso a 80 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).».

Ora, nesta parte, cabe dizer que, para além da prova documental aludida, voltamos a confrontar-nos, no que à prova pessoal respeita, com depoimentos de pendor oposto, tendo o Tribunal recorrido conferido maior credibilidade a um conjunto uniforme de depoimentos em detrimento do outro, pelo que fez vingar, neste particular, a versão da R..

As AA. invocam, para além do mais, a existência de transferências em dinheiro, entregas em numerário, para depósito em conta, o que impede o estabelecimento de um circuito dos dinheiros/fundos em causa e o conhecimento da sua concreta origem.

Aliada essa circunstância à relativa confusão de procedimentos e acumulação de dinheiros em conta, cuja proveniência não se logra estabelecer com rigor, no sentido de as entregas respetivas terem sido feitas pelas AA. (e marido de uma delas) à R., não pode esta Relação concluir que a 1.ª instância ajuizou erradamente a respeito, nem que as testemunhas arroladas pelas demandantes foram mais credíveis que as trazidas pela R., ao que acresce que o depoimento de parte das AA. se destinava, por natureza, à obtenção de prova por confissão, vista esta como o reconhecimento da realidade de um facto que é desfavorável ao confitente e favorece a contraparte (cfr. art.ºs 452.º e 463.º do NCPCiv. e art.º 352.º do CCiv.).

Pretendendo as impugnantes que se desse nesta parte como provado que «Os aludidos depósitos foram efetuados por força das entregas em numerário feitas pelas autoras e pelo marido da Autora à Ré, bem como da venda de eucaliptos proveniente de prédios rústicos integrados na herança da mãe da ré (€ 11.000,00)», resta concluir que as provas convocadas – na sua confrontação com aquelas em que se fundou a sentença – não impõem decisão diversa.

Termos em que é de manter esta parte da decisão de facto.

As AA. aceitam – não lhe movendo impugnação – a factualidade dos pontos 17 e 18, onde se assentou em que:

«17. Em tal gestão da conta, a ré procedeu à concretização de diversas aplicações financeira[s], conforme consta dos documentos n.ºs 41, 42, 45 a 61 juntos com a contestação, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

18. Perante a possibilidade de DD beneficiar de saídas do Estabelecimento Prisional, bem como com a aproximação do fim da pena de prisão, a ré procedeu à venda da sua casa, conforme acima referido.».

Impugnação é deduzida – isso sim e finalmente – ao ponto 19, este com o seguinte teor:

«19. Uma vez que as economias da ré não eram suficientes para adquirir a casa acima identificada no ponto 10 dos factos provados, tal aquisição foi concretizada pelo recurso a todas as suas economias, bem como com o valor de € 35.000,00 disponibilizados pelo pai de DD – Sr. EE».

As impugnantes pretendem a seguinte resposta alternativa:

«Uma vez que as economias das recorrentes e o valor de 11.000€ da venda de eucaliptos proveniente de prédios rústicos integrados na herança da mãe da ré não eram suficientes para adquirir a casa acima identificada no ponto 10 dos factos provados, tal aquisição foi concretizada pelo recurso a todas economias bem como com o valor de € 35.000,00 disponibilizados pelo marido da autora – Sr. EE».

As AA. voltam a insistir na invocada maior credibilidade das testemunhas que depuseram a seu favor, perante as que testemunharam no sentido da versão da R..

Como já dito, tratando-se de versões contraditórias – só uma delas podendo ser verdadeira –, havia que optar por conferir maior credibilidade a um conjunto de depoimentos homogéneos perante o outro, o que a 1.ª instância fez, no exercício pleno do seu poder/benefício da total imediação face à prova pessoal, imediação essa que falta a esta Relação.

A leitura da prova efetuada pelo Tribunal recorrido parece-nos correta, ressalvando apenas as correções supra mencionadas, quanto a alguns pontos de facto.

Assim, em leitura crítica e conjugada, é de dar como provado, nesta parte – com adequação/compatibilização da al.ª a) dos factos não provados –, o seguinte:

«19. Uma vez que as economias das AA. e da R. não eram suficientes para adquirir a casa acima identificada no ponto 10 dos factos provados, tal aquisição foi concretizada pelo recurso a todas as essas economias, bem como com o valor de € 35.000,00 disponibilizados pelo pai de DD – EE».

B) Quadro fáctico da causa

1. - Sindicada pela Relação a decisão de facto, é a seguinte a factualidade julgada provada a atender:

«1. A autora BB nasceu a ../../1966, é filha da autora AA e do seu marido EE (cfr. cópia da certidão do respectivo assento de nascimento, junta a fls. 12 a 13 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

2. DD nasceu a ../../1971, é filho da autora AA e do seu marido EE (cfr. cópia da certidão do respectivo assento de nascimento, junta a fls. 14 a 15 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

3. DD e a autora BB são irmãos.

4. DD cumpriu efectiva pena de prisão no período compreendido entre 03-11-2006 e 26-3-2019 (cfr. cópia da decisão de 26-3-2019 no âmbito do respectivo processo de liberdade condicional, proferida pelo Mm.º Juiz de Direito do Tribunal de Execução de Penas de Évora, junta a fls. 16 a 26 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

5. No ano de Outubro de 2008, DD e a ré iniciaram relação amorosa, a qual foi terminada pela ré no mês de Novembro de 2018.

6. A partir do ano de 2009 e não obstante a aludida situação de reclusão, DD e a ré CC passaram a ter vida em comum, como se de marido e mulher se tratassem.

7. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento junto a fls. 27, com o timbre da Banco 1..., Sa., do qual se transcreve o seguinte excerto:

“Declaração

A pedido de uma das titulares da conta  ...70, AA, e conforme informou, para efeitos de tribunal, serve a presente para declarar que a cliente CC era autorizada a movimentar a conta identificada desde 2010-03-23 até 2011-03-17 e desde 2011-06-03 até 2014-12-12. A partir de 2014-12-12, a cliente CC passou à condição de co-titular até 2018-02-05, data do encerramento da conta.

..., 30 de Outubro de 2019 (…)”.

8. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento junto a fls. 28, com o timbre da Banco 1..., Sa., do qual se transcreve o seguinte excerto:

“Aditamento

Relativamente à declaração datada de 30 de Outubro de 2019 e a pedido de uma das titulares da conta  ...70, AA, (…) e conforme informou, para efeitos de tribunal, serve a presente para acrescentar a seguinte informação:

- A movimentação da conta à ordem acima mencionada por CC (…), nos períodos indicados na declaração emitida no dia 30/10/2019, inclui as contas associadas, nomeadamente ...20 – conta de depósito a prazo; ...78 – conta poupança; e ...51 – conta poupança.

..., 27 de Novembro de 2019 (…)”.

9. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento junto a fls. 29, com o timbre da Banco 1..., Sa.. Em síntese, tal documento elenca os movimentos da conta  ...70 no período compreendido entre 11-5-2014 e 29-5-2014.

10. A 27-5-2014, foi outorgado o “Título de Compra e Venda”, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (fls. 39 a 41). No referido título consta como compradora a ora ré, sendo o objecto de tal compra o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel ... sob o n.º ...31/.... O preço declarado de tal compra ascendeu a € 90.000,00.».

«11. A conta acima referida foi aberta pelas autoras, com o acordo e a solicitação da ré, para que o dinheiro ali depositado pudesse beneficiar DD.» [ALTERADO].

«12. Sem prejuízo do especificado infra, alguns dos valores depositados na referida conta pretendiam ajudar DD não apenas com as despesas do mesmo no decurso da sua reclusão, mas também com vista a ajudá-lo a recomeçar a vida, findo tal período de reclusão.».

«13. No momento da abertura da referida conta (15-12-2009), a ré depositou na mesma a quantia de € 9.000,00, que as AA. lhe tinham entregue para o efeito (cfr. talão de depósito, junto pela ré a fls. 52, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido)» [ALTERADO].

«14. A 23-3-2010, as autoras depositaram a quantia de € 10.892,02, com vista a fazer face às despesas de DD (cfr. talão de depósito, junto pela ré a fls. 52 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido), nomeadamente:

a. Entregas em numerário no estabelecimento prisional (documentos n.ºs 62 a 65 da contestação, cujo teor aqui se considera reproduzido).

b. Despesas diversas associadas ao próprio DD, nomeadamente com a aquisição de aparelho de correcção dentária, de vestuário e deslocações da ré para visitas no estabelecimento prisional, bem como despesas associadas à economia comum de ambos.

c. Despesas inerentes à frequência e à conclusão da licenciatura em ..., na Universidade ..., por parte de DD.

15. A ré procedeu a diversos depósitos, cujos respectivos talões constam de fls. 53 a 77 verso (documentos juntos com a contestação e identificados com os n.ºs 3 a 42), sendo que o teor dos mesmos aqui se considera integralmente reproduzido, no total de € 79.950,00.

16. Os aludidos depósitos foram efectuados por força do vencimento da ré, das ofertas monetárias efectuadas tanto pelo pai como pela mãe da mesma ré (documento n.º 43 junto com a contestação, a fls. 78, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido); da venda de eucaliptos proveniente de prédios rústicos integrados na herança da mãe da ré (€ 11.000,00); bem como da venda da casa onde inicialmente residira a ré, a qual foi pela mesma vendida em Março de 2014 (cfr. cópia da respectiva escritura pública, junta como documento n.º 44 da contestação, a fls. 78 verso a 80 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

17. Em tal gestão da conta, a ré procedeu à concretização de diversas aplicações financeira[s], conforme consta dos documentos n.ºs 41, 42, 45 a 61 juntos com a contestação, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

18. Perante a possibilidade de DD beneficiar de saídas do Estabelecimento Prisional, bem como com a aproximação do fim da pena de prisão, a ré procedeu à venda da sua casa, conforme acima referido.».

«19. Uma vez que as economias das AA. e da R. não eram suficientes para adquirir a casa acima identificada no ponto 10 dos factos provados, tal aquisição foi concretizada pelo recurso a todas as essas economias, bem como com o valor de € 35.000,00 disponibilizados pelo pai de DD – EE» [ALTERADO].

«20. Dá-se aqui por reproduzido o teor do documento bancário junto com a contestação com o n.º 42 (fls. 77 verso), o qual alude à transferência efectuada a 14-5-2014 – e acima referida no ponto 19 – no montante de € 35.000,00 por parte do Sr. EE.

21. As autoras tiveram conhecimento da aquisição da casa acima identificada no ponto 10 no decurso das negociações de compra da mesma, ou seja em dia não concretamente apurado, mas que antecedeu o dia 27-5-2014».

2. - E foi julgado como não provado:

«(…) resultam como não provados quaisquer outros aspectos alegados nos articulados e acima não indicados, nomeadamente:

a) Que na conta acima referida e identificada pelo n.º  ...70 tivessem as autoras depositado dinheiro que não pertencesse a DD, «salvo o que consta do facto 13.» [ALTERADO].

C) Substância jurídica dos recursos

1. - Apelação das AA.

Na sentença reconheceu-se às demandantes o direito a receber da R. a quantia de € 35.000,00, a que acrescem juros moratórios, por via de enriquecimento sem causa.

As AA., inconformadas, pretendem a condenação da R., com fundamento, apenas, naquele instituto do enriquecimento sem causa ([8]), em tudo o peticionado (€ 99.880,22, acrescidos de juros de mora), por considerarem ter ficado provado que fizeram (elas) entregas de dinheiro até àquele montante, o qual agora deve ser devolvido, uma vez cessada a união de facto, a causa das atribuições patrimoniais, com o que deixou de existir causa justificativa para a manutenção do enriquecimento da R..

Comecemos por relembrar, em jeito de enquadramento, o que foi expresso pelo relator na decisão sumária proferida no âmbito do primeiro recurso dos autos.

Assim:

Estamos no âmbito, subsidiariamente, da ação de enriquecimento, fundada, pois, na figura do enriquecimento sem causa, tendo como pano de fundo uma invocada relação de união de facto entre a R. e um familiar das AA. (respetivamente, filho e irmão destas, ao tempo em situação de reclusão em cumprimento de pena da prisão), o que, na versão das AA., motivou diversas atribuições patrimoniais/pecuniárias, de que viria a beneficiar a R. (permitindo-lhe adquirir e, assim, pagar o preço, de um prédio urbano, que é a sua atual casa de habitação), sem causa que o justifique, uma vez dissolvida a união de facto (separação).

No âmbito da figura do enriquecimento sem causa, do que se trata da verificação quanto a um injusto locupletamento, por destituído de causa justificativa, de uma parte à custa do património da outra, com o decorrente dever de restituição daquilo com que injustamente se enriqueceu – compreendendo tudo quanto se obteve à custa do(s) empobrecido(s) ou, não sendo possível a restituição em espécie, o valor correspondente (cfr. art.ºs 473.º e 479.º, ambos do CCiv.) –, independentemente da prática de um qualquer facto culposo ([9]).

Assim, o enriquecimento sem causa depende (cumulativamente) da verificação da existência de (i) um enriquecimento, (ii) que seja obtido à custa de outrem, (iii) faltando uma causa justificativa.

Em sede de enriquecimento sem causa, é pacífico que a vantagem em que o enriquecimento ([10]) se manifesta pode traduzir-se no evitar de uma despesa – por exemplo, evitar pagar certo montante de renda de casa por se utilizar uma casa de que se não paga renda ou de que se paga uma renda abaixo do valor locativo –, mas também na aquisição de um novo direito ou no acréscimo de valor de um direito já existente – a propriedade de um bem ou “a mais-valia trazida a um prédio por trabalhos nele efectuados” ([11]).

Essa vantagem, auferida por um sujeito, por repercutida no seu património, tem sempre de ocorrer para que haja enriquecimento sem causa, sendo suportada por outrem, com inerente, por regra, diminuição patrimonial, a qual pode traduzir-se, por exemplo, numa renda que se não cobra. Todavia, pode até “não se verificar qualquer efectivo empobrecimento”, já que “… o instituto abrange situações em que a vantagem adquirida por uma pessoa não resulta de um correspondente sacrifício económico sofrido por outra – diminuição patrimonial ou simples privação de um aumento –, embora se haja produzido a expensas desta, à sua custa. Recordem-se, por exemplo, certos casos de uso de coisa alheia sem prejuízo algum para o proprietário” ([12]).

Cabem aqui as situações denominadas de lucro por intervenção (ou por ingerência ou intromissão), atinentes ao uso não lícito de bens ou direitos alheios ([13]), podendo a intervenção causar ao dono do bem um dano excedente ou equivalente à medida do lucro do interventor, ou, em vez disso, um dano inferior ou mesmo nenhum dano causar. Em tais situações, pressuposta a ilicitude do uso (por contrária ao direito de propriedade do titular), haverá que distinguir entre intervenção culposa e intervenção não culposa, sendo que, no caso de intervenção culposa e danosa, o interventor ficará constituído no dever de indemnizar nos termos gerais (art.º 483.º, n.º 1, do CCiv.).

Se, ao contrário, a intervenção não é culposa, excluída fica, por isso, a obrigação de indemnizar (por responsabilidade extracontratual), mas não a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa – que prescinde da culpa –, podendo esta subsistir mesmo que não haja prejuízo para o proprietário (pode prescindir-se, pois, também do dano), com o interventor a ter de satisfazer o proprietário pelo “valor objectivo do uso ou fruição do prédio, «ex vi» do art. 473.º …” ([14]).

Ponto é que o enriquecimento – à custa de outrem – se verifique e careça de causa justificativa, ou por nunca a ter tido ou por a ter perdido ([15]), tornando-se, por isso, injusto e, como tal, inaceitável para o direito.

Imprescindível é ainda a ausência de outro meio jurídico – se a lei não faculta ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído –, pois que estamos perante obrigação com natureza subsidiária, como resulta do art.º 474.º do CCiv. ([16]).

A obrigação de restituir abrange, segundo o preceituado no art.º 479.º do CCiv., tudo quanto o enriquecido obteve à custa do empobrecido ou, não sendo possível a restituição em espécie, o correspondente valor em dinheiro (n.º 1), não podendo, porém, exceder-se a medida do locupletamento efetivo (n.º 2), do enriquecimento patrimonial obtido, nem o montante do empobrecimento do lesado, se inferior àquele.

E ali se prosseguiu (com interesse para a compreensão do caso):

É certo que as AA. tomaram conhecimento do seu alegado empobrecimento (e correspondente enriquecimento da R.), sabendo, assim, a identidade da pessoa enriquecida, logo ao tempo da própria compra do imóvel pela R..

Com efeito, tendo aquelas conhecimento da compra, realizada exclusivamente pela R., que foi a única outorgante compradora, logo souberam do seu empobrecimento (nos termos em que alegado) e correspondente enriquecimento (também alegado) da R..

É que a compra e venda tem como efeito – consabidamente – a transmissão do direito de propriedade da coisa vendida [cfr. art.ºs 874.º e 879.º, al.ª a), ambos do CCiv.]. Por isso se diz que o contrato de compra e venda «tem eficácia obrigacional – por engendrar a obrigação de entrega da coisa e a obrigação de pagamento do preço [art. 879.º, al.ªs b) e c)] – e eficácia real – por transmitir a propriedade da coisa ou a titularidade do direito [al. a)].» ([17]).

Como, no caso, a única compradora era/foi a R. – foi ela quem outorgou, sozinha, como compradora no instrumento da venda (por si e para si) –, para ela, e só para ela, se transmitiu o direito de propriedade do imóvel.

Ou seja, mediante tal venda, ficou claro que a R. se tornou a proprietária única/exclusiva do imóvel assim adquirido, termos em que o seu então companheiro ficou, logicamente, afastado, desde o início/compra, da propriedade do bem (tal como as próprias AA.).

Por isso, desde o tempo da compra que as AA. sabem que a única proprietária é a R., em consequência do que alegadamente ficaram empobrecidas e a R. enriquecida.

Desde a compra, pois, se sabia do empobrecimento e da pessoa enriquecida, o que as AA. não ignoravam (em termos de «conhecimento fáctico», sendo este que aqui importa).

A invocada «transferência de património» […] deu-se com a celebração do contrato de compra e venda – por efeito deste contrato – e não por via/efeito da posterior separação entre a R. e o filho/irmão das AA..

Ou seja, quando ocorreu tal separação e dela tiveram conhecimento as AA. (em novembro de 2018), há muito tinha ocorrido a dita «transferência de património», resultante do contrato de compra e venda (cujo preço foi alegadamente pago com dinheiros disponibilizados por tais AA.), como efeito necessário/legal deste contrato, por via do qual a R. ficou exclusiva proprietária do imóvel adquirido (com exclusão, pois, de outrem, sejam as AA. seja o respetivo filho/irmão).

Não foi por efeito da separação que a R. adquiriu qualquer direito patrimonial, nem foi por isso que o seu (ex-)companheiro – ou a mãe e irmã deste – perdeu qualquer direito correspondente ou as aqui AA. ficaram empobrecidas.

O empobrecimento, a ter ocorrido, deu-se aquando da compra e venda do imóvel pela R., o qual (prédio), assim, se tornou, ipso jure, sua propriedade exclusiva, com o inerente empobrecimento para a contraparte, se o preço foi pago com dinheiros desta, sem que houvesse uma intenção de liberalidade subjacente.

Em suma, se é líquido que o enriquecimento ocorreu desde o ano de 2014 (tempo da compra e venda, de que as AA. tomaram conhecimento, mormente no concernente à posição da R. como única adquirente/compradora e, por isso, exclusiva proprietária, e aos fundos/dinheiros usados), tal enriquecimento era, então, justificado, por dotado de causa.

A causa do enriquecimento da R. era a união de facto que então mantinha com o aludido filho e irmão das AA. (DD).

Na verdade, prova-se que a relação amorosa, iniciada em outubro de 2008, evoluiu para união de facto em 2009, posto os dois (R. e aquele DD) terem passado, desde então, a manter vida em comum, como se de marido e mulher se tratasse, mesmo em tempo de reclusão do filho e irmão das AA., vida em comum essa a que apenas foi posto fim em novembro de 2018 (cfr. factos provados 5 e 6).

E foi por causa dessa união de facto que ocorreram as atribuições patrimoniais que geraram o dito enriquecimento da R., posto se a demandada não mantivesse a dita vida em comum com o filho e irmão das AA., estas não agiriam, obviamente, por forma a enriquecê-la, pelo modo como tal ocorreu.

É que as AA. pretendiam ajudar DD, não apenas com as despesas do mesmo no decurso da sua reclusão, mas também com vista a ajudá-lo a recomeçar a vida, findo tal período de reclusão (facto 12), para o que careceria de casa de habitação, tanto mais que já vivia em situação/relação de união de facto com a R..

Aliás, em sintonia, perante a possibilidade de DD beneficiar de saídas do Estabelecimento Prisional, bem como com a aproximação do fim da pena de prisão, a R. até procedeu à venda da sua casa (facto 18).

E diligenciou pela compra de nova casa/imóvel: não sendo as suas economias suficientes para tal aquisição (...).

Tudo mostra, pois, que foi por causa dessa união de facto – foi este o fundamento, a razão, o motivo – que ocorreram as atribuições patrimoniais que geraram o dito enriquecimento da R..

Assim, se o enriquecimento já era antigo (ocorrido/consumado aquando da compra do imóvel aludido, em maio de 2014, pelo preço declarado de € 90.000,00), tal enriquecimento tinha então uma causa que o justificava (a união de facto).

Por isso, era um enriquecimento justificado, justificação que lhe advinha daquela causa operante ([18]).

Por então, não haveria motivo algum para restituição dos montantes determinantes do enriquecimento, fossem eles quais fossem.

As AA., enquanto se manteve tal união de facto, não tinham direito à restituição por enriquecimento, visto que, embora empobrecidas e a R. enriquecida, o enriquecimento era justificado, em face da causa (vida em comum, em união de facto) que motivou a atribuição patrimonial/pecuniária.

Nesta perspetiva, o direito à restituição por enriquecimento só surge/nasce quando cessou a causa que motivou esse enriquecimento.

E a causa justificativa – que existia e deixou de existir – cessou quando foi posto fim à união de facto, a qual foi terminada pela R. no mês de novembro de 2018 (facto 5).

Só então – a partir de então – é que as AA. poderiam exigir a restituição por enriquecimento, tornado injustificado por ter desaparecido (deixado de existir) a causa que o motivou.

Antes disso – até novembro de 2018 –, apenas existia enriquecimento, mas sem direito à restituição do prestado (sublinhados aditados).

Prosseguindo, com reporte aos factos agora provados.

Apura-se que foram usados pela R., para compra da (sua) casa, os mencionados € 35.000,00 que EE transferira, em 14/05/2014, para a conta bancária aludida das AA. (de que estas eram titulares, dispondo então a R. apenas de autorização para movimentar, como tudo decorre dos factos 7, 19 e 20).

Assim, enquanto titulares da conta – e, também, por consequência, dos fundos que a integravam –, as AA./Recorrentes encontram-se efetivamente empobrecidas naquele valor de € 35.000,00, enquanto a R., por sua vez, se encontra enriquecida no mesmo montante ([19]).

Mas provou-se ainda (atual facto 13) que, no momento da abertura da referida conta (15-12-2009), a R. ali depositou € 9.000,00, que as AA. lhe tinham entregue para o efeito.

Trata-se, pois, de dinheiros pertencentes às AA., depositados na sua conta bancária, sendo que o facto de a R. ter efetuado o depósito, como lhe havia sido solicitado, não fazia dela, obviamente, titular dos fundos.

O que tem de ser conjugado com o facto 19 (atual): por as economias das AA. e da R. não serem suficientes para adquirir a casa mencionada é que tal aquisição foi concretizada pelo recurso a todas as essas economias, para além do referido valor de € 35.000,00.

Ou seja, também aqueles € 9.000,00, pertença das AA., foram aplicados na aquisição da casa de habitação da R., com o consequente empobrecimento/perda das AA./Recorrentes e correspetivo enriquecimento, agora injustificado, da demandada.

O que tudo perfaz o montante de € 44.000,00, em que as AA. mostram estar empobrecidas e a R. enriquecida.

No mais, os dinheiros foram usados em benefício da pessoa a quem se destinavam, o aludido DD [facto 14, a) a c)], razão pela qual não há aqui injustificado locupletamento da R..

2. - Apelação da R.

Como resulta do acervo conclusivo da sua apelação, a R. só questiona matéria de direito:

a) Pressupostos do enriquecimento sem causa (nexo de causalidade entre a vantagem patrimonial de um sujeito e o sacrifício sofrido pelo outro);

b) Ilegitimidade das AA. (por ter sido outrem quem dispôs do dinheiro, num caso de enriquecimento por prestação, pelo que só o disponente/empobrecido, EE, poderia acionar por enriquecimento).

Ora, adianta-se desde já, com todo o respeito devido, que não assiste razão à R./Apelante.

Como dito, a R. só passou a co-titular da conta bancária a partir de 12/12/2014 (e até 05/02/2018).

Logo, quando foi feita a transferência dos € 35.000,00, em 14/05/2014, a conta era exclusivamente das AA.. A R. apenas tinha uma autorização para movimentação.

Assim, a transferência desses € 35.000,00, feita pelo mencionado EE, foi para as AA., para a conta de que eram titulares. Esses fundos foram, então, disponibilizados a tais AA., que passaram, consequentemente, a poder dispor deles (titulados por aquelas e já não por quem lhos havia transferido).

E dispuseram, como titulares, em favor da R., que os usou para compra da mencionada casa de habitação.

Assim, não foi o dito EE quem efetuou qualquer atribuição patrimonial para a R.. Razão pela qual não é ele, na situação, o empobrecido.

Ele efetuou a atribuição patrimonial para as AA. (para a conta de que eram as exclusivas titulares) e estas é que, na sequência, efetuaram a atribuição para a R.. São, pois, as demandantes as efetivas empobrecidas.

E, por isso, eram elas quem devia – como fizeram –, e não aquele EE, lançar mão da ação de enriquecimento.

Em suma, não só há nexo de causalidade entre a vantagem patrimonial da R. e o sacrifício sofrido pelas AA. (quanto ao dito montante total de € 44.000,00), como assiste a estas toda a legitimidade no quadro da ação de enriquecimento.

Donde, pois, a procedência em parte da apelação das AA. e a improcedência do recurso da R.

As custas da apelação das AA. serão suportadas pelas partes, na proporção do respetivo decaimento (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

Vencida no seu recurso, a R./Recorrente suportará as custas da respetiva apelação.

***

IV – Síntese conclusiva ([20]):

(…)


***

V – Decisão

Pelo exposto, julgando-se em parte procedente a apelação das AA./Recorrentes, altera-se a sentença recorrida, indo, consequentemente, a R. condenada a pagar às AA. a quantia total de € 44.000,00 (quarenta e quatro mil euros), a que acrescem juros moratórios como fixado na sentença, e absolvida do mais peticionado.

E julga-se improcedente a apelação da R./Recorrente.

As custas da apelação das AA. serão suportadas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.

Vencida, a R./Recorrente suportará as custas da respetiva apelação.

Coimbra, 28/01/2025

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (relator)

Fernando Monteiro

Luís Cravo


([1]) Cujo teor se deixa transcrito.
([2]) Cujo teor se deixa transcrito (destaques retirados).
([3]) Excetuando, logicamente, questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([4]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão das precedentes.
([5]) «09:48 - 10:15 - Autor: BB: 27m07s de gravação:
Ex.mo Juiz: Quem é que teve a ideia de criar a conta?
Autora BB (11:12): Foi ela (Ré) que insistiu, ela é que insistiu porque o meu pai é que tratava disso da conta dele, para quando ele saísse ter alguma coisa, ela é que foi insistindo, insistindo até a ponto de o meu pai ter que lhe passar tudo e depois a gente é que ficámos como titulares...».
([6]) «11:02 - 11:46 - Réu: CC: 43m36s de gravação:
(…)
Ex.mo Juiz: A ideia de abrir conta foi sua?
Ré CC (14:02): Foi sim senhora porque o dinheiro era meu e elas tinham também algum dinheiro do DD e juntámos um mealheiro.
Ré CC (22:47) e só feito assim porque me disseram que eu poderia ficar sem nada era um alarido muito grande uma coisa nova para mim eu não sabia de nada, mais tarde soubemos que não era bem assim e por isso ficou aí o meu nome.
Mandatário das recorrentes (31:08): Disse há pouco a instâncias do Meritíssimo Juiz que a ideia de abrir uma conta foi sua?
Ré CC: Sim correto.
Mandatário das recorrentes (31:11) E quem é que sugeriu que a conta ficasse em nome da D. AA e da D. BB?
Ré CC: Na altura até foi um advogado o Dr. HH.».
([7]) «14:12 - 14:50 - Testemunha: DD: 38m43s de gravação.
Mandatário das AA: A abertura dessa conta em concreto deveu-se a que e em que circunstâncias?
Testemunha DD (04:13) A abertura dessa conta deveu-se ao facto de eu estar detido à muito tempo, na altura já, já pensava em tirar uma licenciatura, seria necessário dinheiro para, para pagar as propinas portanto, e como eu já na altura, já se tinha assumido o namoro com a CC e a CC já era conhecida da família, a minha mãe achou por bem abrir uma conta com as suas economias e também com economias da minha irmã, elas são reformadas ambas e abriram uma conta ... e portanto no contexto familiar porque a CC já visitava a casa a CC ofereceu-se para auxiliar na abertura dessa conta ... tanto mais que nunca na vida as contas as contas da minha família sempre foram em ... naquele dia foi aberta na Banco 1... na ... porque ela residia lá na ... e dava-lhe mais jeito e ela ofereceu-se logo para poder gerir esse dinheiro, digamos assim.».
([8]) Ficou agora ultrapassada a suscitada questão de mandato, matéria de que as AA. não recorrem.
([9]) Já, por exemplo, na obrigação indemnizatória por responsabilidade civil extracontratual está, diversamente, em causa a reparação de um dano, causado a outrem, decorrente de facto ilícito e culposo, como tal imputável ao lesante (art.º 483.º, n.º 1, do CCiv.).
([10]) Visto como um enriquecimento real ou patrimonial, traduzindo-se este último na “diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (situação real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado (situação hipotética)”, sendo certo que, nesta sede, “a obrigação de restituir se pauta pelo efectivo alcance das vantagens no património do enriquecido” – assim M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 492 e seg..  
([11]) Cfr. Almeida Costa, op. cit., p. 492.
([12]) Assim Almeida Costa, op. cit., p. 492. Também Pires de Lima e Antunes Varela aludem, neste âmbito, ao uso ou consumo de coisa alheia, como, por exemplo, a instalação em casa alheia (cfr. Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 454).
([13]) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., p. 455, quando aludem a “… um acto de intromissão do enriquecido em direitos ou bens jurídicos alheios”.
([14]) Vide ainda Almeida Costa, op. cit., ps. 495 e seg., sendo que o Autor cita também Pereira Coelho, na sua obra O Enriquecimento e o Dano, Coimbra, 1970. 
([15]) Cfr., por todos, Almeida Costa, op. cit., p. 499, e Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., p. 454.
([16]) Ver ainda Almeida Costa, op. cit., p. 501.
([17]) Cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira, Contrato de Compra e Venda, Almedina, Coimbra, 2007, p. 24.
([18]) Reitera-se que, não fosse a vida em comum da R. com o filho e irmão das AA., estas não procederiam por forma a enriquecer a R., para o que não teriam qualquer motivo visível e razoável.
([19]) De notar – em reforço – que a conta era pertença das AA., pois eram elas as titulares (facto 20 e fls. 77 e v.º do processo físico). Em 14/05/2014, quando foram transferidos os € 35.000,00 para essa conta (pelo pai de DD, o dito EE), conforme factos 19 e 20, a conta tinha duas titulares, as AA. (fls. 77). E só elas. Então, a R. era (apenas) pessoa autorizada a movimentar a conta (autorização pelas titulares, as AA.) – facto 7. A R. só passou a co-titular a partir de 12/12/2014 (e até 05/02/2018). Logo, quando foi efetuada a transferência dos € 35.000,00, em 14/05/2014, a conta era exclusivamente da titularidade das AA., o mesmo ocorrendo com os respetivos fundos. A R., por seu lado, apenas detinha uma autorização para movimentação, pelo que a transferência desses € 35.000,00, feita pelo aludido EE, foi a favor das AA., para a conta de que eram exclusivas titulares.
([20]) Da responsabilidade do relator, nos termos do art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv..