EXECUÇÃO
OMISSÃO DA PUBLICITAÇÃO DA VENDA
ARGUIÇÃO DE NULIDADE DA VENDA
SANAÇÃO DA NULIDADE POR OMISSÃO DE ARGUIÇÃO
Sumário

i) Pedindo-se a anulação da venda, nos termos dos arts. 839º, nº 1, c), e 195º, do NCPC, com fundamento em nulidade/irregularidade de acto processual anterior à venda, propriamente dita, de que esta dependa absolutamente, tal pedido de anulação improcede, se o arguente/executado não observou o prazo legal de arguição na situação prevista no art. 199º, nº 1, 2ª parte, in fine.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

*

1. AA, residente em ..., intentou acção executiva contra BB, residente em ..., para pagamento de quantia certa, no montante de 37.981,27 €, juros vincendos e sanção pecuniária compulsória, com base em sentença condenatória.

Foi efectuado auto de penhora (em 20.3.2019) da meação do executado, no património do ex-casal do executado e CC, ainda não partilhado, do qual fazem parte todos os bens pertença do mesmo, designadamente a fracção “B” de prédio identificado nos autos, descrito na 1ª Conserv. Reg. Predial de ..., sob o nº ...82, inscrita na matriz urbana com o nº ...86, tendo o executado sido notificado. A referida CC também foi notificada (nos termos do art. 781º, nº 1, do NCPC) da penhora do direito que o executado possui no imóvel.

Foi determinada a venda (em 17.11.2023), em leilão electrónico, de tal imóvel, por 85% do valor base de 37.907,81 €, ou seja 32.221,63 €, decisão notificada ao executado por registo do mesmo dia.

O AE informou da publicidade do bem a vender e valor da venda (em 11.12.2023), tendo notificado o executado, por registo desse dia.

Tal venda ocorreu, em 7.3.2024, tendo o executado sido notificado do teor da certidão do encerramento do leilão (por registo de 11.3.2024). Nessa certidão constava como bem submetido a vender em leilão o seguinte:

Direito

Proponentes: A... Unip., Lda - 50.00%; B..., UNIPESSOAL LDA - 50.00%;

Valor mínimo 32.221,63 €

Melhor Proposta: 32544,22 €

Meação que o executado detém em virtude do seu casamento com CC, casamento este dissolvido por divórcio, do qual fazem parte PREVISIVELMENTE todos os bens pertença ainda do casal e que ainda não foram objecto de partilha, designadamente a Fração Autónoma designada pela letra "B" do prédio em regime de propriedade horizontal, respeitante ao primeiro andar direito, lado Sul, com terraço e arrecadação no sótão identificada com a letra B, e um estacionamento para um automóvel na cave, destinada a garagem, sita na Rua ..., Lugar ..., ... ..., com área do terreno integrante de 00.00m2, área bruta dependente de 15.00m2, e área bruta privativa de 104.00m2, inscrita na matriz no ano de 1981, conforme Modelo 1 do IMI com o número ...93, entregue em 2007/04/20, com o valor patrimonial atual (CIMI) de 74.139,15 euros, determinado no ano de 2016, melhor descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...82 "B" / ..., respeitante ao artigo matricial urbano com o número ...86 "B" da freguesia ..., ..., ... e ....”.

O AE (em 17.4.2024) proferiu decisão de aceitação da proposta apresentada, que afirmou ter sido sobre a venda do direito à meação, o qual abrangia mais 2 imóveis, decisão notificada ao executado por registo do mesmo dia.

Os proponentes vieram (em 24.4.2024) requerer que fosse proferida decisão a ordenar o cancelamento da notificação do AE considerando que o único prédio licitado e que foi adjudicado aos mesmos é a mencionada fracção “B”, porquanto aqueles dois outros referidos prédios não constavam da publicação no e-leilão e nem sequer foram penhorados. Pelo que o AE deve proceder à rectificação da notificação e consequentemente ser apenas adjudicado o imóvel publicado no E-leilão cuja proposta dos proponentes foi aceite, correspondente à dita fracção B. O que foi indeferido.

Por sua vez, o executado (em 2.5.2024) veio arguir a nulidade do acto de venda, por omissão da publicitação da venda, porquanto a penhora incidia sobre a meação em património comum, que abrangia mais bens, e que o AE diz terem sido todos vendidos, sendo que a dita meação ascende a 70.063,09 €, o que significa que o AE está a prejudicar o executado, pois não se sabe o valor que a meação poderá atingir em leilão, no mínimo em 27.331,99 € (70.063,09 € x 85% = 59.553,63 € - 32.221,63 €). E como ao respectivo adquirente apenas se garante a aquisição dos bens que o executado vier a adquirir na partilha do património do ex-casal, os bens que integram o património comum devem ser sumariamente mencionados na publicitação da venda (só um foi identificado), ainda por cima com o valor anunciado errado.    

*

Foi proferido despacho que julgou improcedente a arguida nulidade por omissão de publicitação da venda e, consequente, nulidade da venda.

*

2. O executado recorreu, concluindo que:

1.ª - O Tribunal a quo decidiu pelo indeferimento da pretensão do Recorrente de ver anulado o acto da venda da sua meação no património comum do dissolvido casal, que foi constituído por si e por DD, por entender que não ocorreu “qualquer omissão de acto ou de formalidade que a lei prescreva” (sic).

2.ª - Entendimento com o qual o Recorrente não pode concordar pelas razões que a seguir se aduzirão:

3.ª - Em 07.03.2019, por comunicação electrónica do Sr. AE foi penhorada a favor do Exequente, na sua totalidade, a fracção autónoma (bem comum do dissolvido casal) descrita na ... C.R.P. ... sob o número ...82/“B” e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo número ...86 “B” da União das Freguesias ..., ..., ... e ... (AP ... de 2019/03/07) – cfr. pág. 6 da consulta ao registo predial (AE) junta aos autos no dia 03.05.2024 (ref.ª citius 10765012).

4.ª- No dia 20.03.2019 foi elaborado um auto de penhora onde consta a penhora da “Meação que o executado detém em virtude do seu casamento com CC, casamento este dissolvido por divórcio, do qual fazem parte todos os bens pertença ainda do casal e que ainda não foram objecto de partilha, designadamente a Fracção Autónoma designada pela letra “B” (…), sita na Rua ..., Lugar ..., ... ... (…) descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...82 “B”/ ..., respeitante ao artigo matricial urbano com o número ...86 “B” da freguesia ..., ..., ... e ....”

5.ª- Com data de 20.03.2019, Sr. AE dirigiu, nos termos do art.º 781.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, notificação à ex-mulher do Executado a informá-la que o direito que o Executado possui no imóvel melhor descrito no auto de penhora que se anexa, fica à ordem do AE (…)” (destaque e sublinhado nosso).

6.ª- Sem ter dado cumprimento ao ordenado na douta sentença proferida no Apenso B, cancelando a penhora que incidia (já não incide porque em 23.04.2024 a penhora foi oficiosamente cancelada – cfr. pág. 8 da consulta ao registo predial junta aos autos no dia 03.05.2024) sobre a fracção supra identificada,

7.ª- o Sr. AE diligencia pela venda da “Meação que o executado detém em virtude do seu casamento com CC, casamento este dissolvido por divórcio, do qual fazem parte todos os bens pertença ainda do casal e que ainda não foram objecto de partilha, designadamente a Fracção Autónoma designada pela letra “B” do prédio em regime de propriedade horizontal (…) descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...82 “B”/ ..., respeitante ao artigo matricial urbano com o número ...86 “B” da freguesia ..., ..., ... e ...”, pelo valor correspondente a 85% de metade do valor patrimonial actual do imóvel em apreço (75 815,62€: 2 x 85% = 32 221,63€) – cfr. publicação de anúncio junta a fls. … (ref.ª citius 10503960).

8.ª- Findo o leilão, o Sr. AE elabora decisão a adjudicar o direito à meação do Executado/Recorrente “do qual fazem parte os seguintes bens imóveis: a Fracção Autónoma designada pela letra “B” do prédio em regime de propriedade horizontal (…) com o valor patrimonial atual (CIMI) de 75.815,62€, (…), inscrita na matriz predial urbana sob o artigo urbano com o número ...86 “B” da freguesia de “União das Freguesia ..., ..., ... e ..., melhor descrita na ... C.R.P. ... sob o número ...82 “B” / ...; b Prédio Urbano em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente (…) com o valor patrimonial atual (CIMI) de 63.160,63€, (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo urbano com o número ...92 da freguesia ..., melhor descrito na CRP ... sob o número ...982 / ...; c Prédio Rústico composto por terra de horta, vinha, olival, figueiral e leito de curso de água (…) com o valor patrimonial atual de 1.149,93€, (…), inscrito na matriz predial rústica sob o artigo rústico com o número ...80, Secção “H” da freguesia ... e ..., melhor descrito na CRP ... sob o número ...64/ ...” (sic) – cfr. decisão de adjudicação junta aos autos no dia 17.04.2024 (ref.ª citius 10718247).

9.ª- Resulta do exposto que apesar de a penhora e a venda terem incidido sobre um bem concreto e determinado - a fracção autónoma descrita na ... C.R.P. ... sob o número ...82“B”/... e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo número ...86 “B” da União das Freguesia ..., ..., ... e ...,

10.ª O que foi adjudicado foi a meação do Executado no património comum.

Senão vejamos,

11.ª- O Sr. AE elaborou um auto de penhora no qual identifica a penhora da “Meação que o executado detém em virtude do seu casamento com CC (…), EE do qual fazem parte todos os bens pertença ainda do casal e que ainda não foram objecto de partilha, designadamente a Fracção Autónoma designada pela letra “B” (…) do prédio (…) descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...82 “B”/ ..., respeitante ao artigo matricial urbano com o número ...86 “B” da freguesia ..., ..., ... e ...”.

12.ª- Contudo, quando a venda ocorreu o que se encontrava penhorado nos autos era o próprio imóvel.

13.ª- Pois, de acordo com o disposto no art.º 755.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, a penhora dos bens imóveis realiza-se por comunicação eletrónica do agente de execução ao serviço de registo competente. O que foi feito!

14.ª- E, como é do conhecimento dos profissionais do foro, passou a ser possível penhorar os bens comuns do casal nos casos em que, apesar do divórcio, a comunhão conjugal ainda subsista, por ainda não ter havido partilha (art.º 740.º do Cód. Proc. Civil).

15.ª- Quando a penhora incide sobre um quinhão em património autónomo (património comum do dissolvido casal), e ainda que deste façam parte bens imóveis, a diligência consiste unicamente na notificação do facto ao ex-cônjuge, considerando-se a penhora efetuada com tal notificação (artigo 781º, nº1 do CPC).

16.ª- In casu, ainda que o Sr. AE tenha remetido à ex-mulher do Recorrente uma notificação nos termos do art.º 781.º do Cód. Proc. Civil certo é que nela vem referido que o que foi penhorado foi o direito que o Executado possui no imóvel melhor descrito no auto de penhora”, e não a meação deste no património comum.

17.ª- Pelo que não se pode considerar que a penhora tenha incidido sobre a meação do Recorrente no património comum do dissolvido casal.

18.ª- Logo, não podia o Sr. AE ter decidido, como decidiu, adjudicar aos Proponentes um bem que não estava penhorado.

19.ª- Chamada a intervir, e tendo presente o estado dos autos, à Mma. Juiz a quo incumbia anular a venda e:

20.ª- Se entendesse que o que foi penhorado foi um bem concreto e determinado, adequar os autos e ordenar a citação da ex-mulher do Recorrente, nos termos art.º 740.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil;

21.ª- Se, por outro lado, entendesse que a penhora incidiu sobre a meação do Recorrente em património comum, ordenar a anulação do acto da venda, por ter sido omitida a identificação sumária dos bens que compõem o acervo patrimonial do dissolvido casal e o valor anunciado não corresponder a 85% do valor da meação do Executado no património comum.

22.ª- Ao invés, a Mma. Juiz a quo caucionou a decisão do Sr. AE, que prejudica o Recorrente em, pelo menos, em 27 331,99€ (70 063,09€ x 85% = 59 553,63€ -32 221,63€).

23.ª- Uma vez que o Sr. AE anunciou como valor para a venda 85% de metade do valor patrimonial da fracção autónoma inscrita na matriz predial urbana sob o artigo número ...86 “B” da União das Freguesias ..., ..., ... e ... (37 907,81€ x 85% = 32 221,63€), quando se sabe agora que a meação do Recorrente no património comum ascende a 70 063,09€ (valor correspondente a metade do valor patrimonial dos imóveis que integram o património comum).

24.ª- Mas não foi só o Recorrente que viu os seus direitos violados, também aos Proponentes foi vedada a possibilidade de decidirem de forma livre e esclarecida, como resulta dos requerimentos que juntaram aos autos no dia 24.04.2024.

25.ª- Ao contrário do entendimento perfilhado pela Mma. Juiz a quo no douto despacho de 24.05.2024 (ref.ª citius 1073077349) os nossos Tribunais Superiores entendem que os bens que integram o património comum devem ser mencionados, quer no auto de penhora, quer na publicitação da venda, para que o potencial comprador possa fundar, livre e esclarecidamente, a sua decisão de adquirir.

26.ª- Veja-se, neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 09.11.2023, proc. 5132/21.9T8FNC-C.L1-2, disponível em www.dgsi.pt: “a menção dos bens que integram a herança a que pertence o quinhão hereditário penhorado em processo executivo não só não está legalmente vedada, como, pelo contrário, é aconselhável para assegurar os fins da própria execução”.

27.ª- O douto despacho recorrido violou, por errada interpretação, o disposto nos art.ºs 195.º, 740.º, n.º 1, 753.º, n.º 1, 755.º, n.º 1, 766.º, n.º 1, 781.º, n.º 1, 812.º, 817.º, n.º 3, 837.º, n.º 2, e 839.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.

Termos em que, atendendo ao supra vertido, houve clara violação das normas e a jurisprudência citadas,

pelo que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que anule o acto da venda da meação do Recorrente no património comum do dissolvido casal, que foi constituído por si e por DD, ficando a venda sem efeito.

Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

3. Inexistem contra-alegações.

4. A factualidade a considerar era a que resulta do Relatório supra, sob pontos 1. e 2.

*

Foi proferida decisão singular que julgou o recurso improcedente e confirmou a decisão recorrida.

*

5. Nessa decisão singular escreveu-se que:

“III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC).

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Anulação do acto da venda.

2. No despacho recorrido escreveu-se que:

Vejamos assim, os fundamentos da alegada nulidade por omissão da publicitação de venda, com consequente anulação do ato de venda, nos termos do artigo 195.º, 817.º, n.º 3 e 839.º, n.º 1, al. c) do CPC.

Como alega o Executado, nos autos foi penhorado um direito à meação.

A venda do referido direito foi publicitada, pelo que, não há qualquer omissão, porquanto o ato foi praticado.

Aliás, o Executado foi notificado da abertura do leilão que poderia consultar através do sitio da internet indicado pelo Senhor Agente de Execução.

E, foi ainda notificado do encerramento do leilão e dos seus termos, cfr. referências 10605097 de 11 de março de 2024 e 10605098 de 11 de março de 2024.

Em anexo a esta notificação encontra-se a certidão de encerramento de leilão.

A referida certidão tem o seguinte conteúdo:

(…)

Assim, pelo menos nesta data – 11 de março de 2024 -, o Executado tomou conhecimento que o Senhor Agente de Execução, em sede de publicitação da venda, exemplificou apenas um dos bens (a fração B) a integrar, previsivelmente, o direito à meação em venda.

Mas o Executado nada disse.

Pelo que qualquer eventual irregularidade (que não omissão!) no conteúdo do anúncio, sempre se mostraria sanada por não ter sido tempestivamente arguida após o seu conhecimento, i. é, após 11 de março de 2024.

O valor base de venda e, por inerência, o valor mínimo, encontra-se estabilizado, pelo que, para além de não fazer sentido, mostra-se intempestiva qualquer reclamação encapuzada ao valor base / mínimo de venda.

Nestes termos, não tendo ocorrido qualquer omissão de ato ou de formalidade que a lei prescreva, julgo improcedente a arguida nulidade por omissão de publicitação da venda e, consequente, nulidade da venda.”.

O executado discorda, pelos motivos constantes das suas conclusões de recurso (cfr. as 1ª a 25ª). Os motivos apresentados pelo recorrente para pedir (em 2.5.2024) a nulidade da venda foram 2: na sua publicitação foi omitida a identificação sumária dos bens que compõem o acervo patrimonial do dissolvido casal, só tendo sido identificado e descrito 1 imóvel, em desrespeito ao art. 817º, nº 3, do NCPC; e o valor anunciado não corresponde a 85% do valor da meação do executado no património comum. E são ora repetidos em sede de recurso. 

Mas sem razão. Vejamos brevitatis causa.

O recurso, para obter a anulação da venda, funda-se no art. 839º, nº 1, c), do NCPC, que determina que a venda fica sem efeito se for anulado o acto da venda, nos termos do art. 195º do NCPC.

Este fundamento de anulação integra tanto a nulidade da própria venda (art. referido mais o art. 195º, nº 1), como a nulidade de acto anterior de que a venda dependa absolutamente (mesmo artigo mais o art. 195º, nº 2) – vide Lebre de Freitas, A Ação Executiva, À Luz do CPC de 2013, 6ª Ed., págs. 395 e 399).

Estão neste último caso os vícios processuais que afectem os actos-sequência que compõem a fase da venda, como por exemplo a nulidade da publicidade da venda, por omissão ou irregularidade da mesma, susceptíveis de influenciar o preço obtido e, consequentemente, prejudicar as partes, credores reclamantes ou proponentes (vide Rui Pinto, em A Ação Executiva, Reimpressão 2019, págs. 921/922).

Assim, o prazo de arguição das nulidades/irregularidades rege-se pelo art. 199º, nº 1, do NCPC, que dispõe que as mesmas devem ser arguidas no momento se a parte estiver presente, ou, caso isso não aconteça, o prazo geral de 10 dias para a arguição conta-se do dia e, que depois de cometida a nulidade a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.

É a 2ª situação que nos interessa e dentro desta é a 2ª situação que devemos convocar.

Ora, o executado/recorrente e a sua patrona foram notificados do teor da certidão do encerramento do leilão, por registo de 11.3.2024, certidão da qual constava o anúncio do bem a vender em leilão, a saber: o direito à meação que o executado detém em virtude do seu casamento com CC, casamento este dissolvido por divórcio, do qual fazem parte PREVISIVELMENTE todos os bens pertença ainda do casal e que ainda não foram objecto de partilha, designadamente a fracção autónoma designada pela letra "B", sendo o valor mínimo o de 32.221,63 € e a melhor proposta a de 32544,22 €.

Atenta a data do registo, executado e patrona consideram-se notificados em 14.3.2024, nessa data se devendo, claramente, presumir que então tomaram conhecimento da nulidade ou dela puderam conhecer, agindo com normal diligência.

Quer dizer que ambos tinham até 2.4.2024 (ou com multa até 5.4) para arguir a acusada nulidade de omissão – que não se verifica patentemente – ou erro/insuficiência/irregularidade do anúncio dos bens a vender e do valor anunciado. Mas só o fizeram em 2.5.2024, ou seja, intempestivamente.

Inexiste, por isso causa processual/procedimental para anular a venda, não procedendo, por isso o recurso.

Convém deixar mais duas notas sumárias.

O recorrente vem tecer várias considerações sobre erros da penhora, mas se assim foi a seu tempo os devia ter invocado, não podendo agora em recurso, com outros fundamentos, tentar reactivar tal questão.

Por outro lado, afirma que os proponentes viram os seus direitos violados, mas isso é matéria estranha à legitimidade da sua invocação. Sempre se dirá, no entanto, que os ditos proponentes, como mais acima mencionado, arguiram, em 24.4.2024, essa problemática, tendo a mesma sido indeferida.”.

6. O recorrente veio reclamar, pedindo que o recurso interposto seja julgado procedente. O fundamento é o seguinte: cotejando o teor da certidão de encerramento do leilão, da qual constava o anúncio do bem a vender, com o da decisão do AE de 17.4.2024, que incluiu mais 2 imóveis, resulta evidente que só quando o recorrente teve conhecimento de tal decisão do AE, é que estava em condições de se aperceber da irregularidade/nulidade do acto. Consequentemente, a arguição da nulidade foi feita tempestivamente.

Não houve resposta.

7. Apreciando.

Como acima se referiu, no Relatório constante do ponto 1., o executado/reclamante veio, em 2.5.2024, veio arguir a nulidade do acto de venda, por verificação do vício de omissão da publicitação da venda, nos termos do arts. 195º e 839º, nº 1, c), do NCPC, porquanto a penhora incidia sobre a meação em património comum, que abrangia mais bens, e que não foram publicitados, e que o AE diz terem sido todos vendidos,

Na decisão recorrida, também foi essa omissão de publicitação que foi considerada e analisada, como se vê do seguinte passo da mesma, que agora voltamos a transcrever:

A venda do referido direito foi publicitada, pelo que, não há qualquer omissão, porquanto o ato foi praticado.

(…)

E, foi ainda notificado do encerramento do leilão e dos seus termos, cfr. referências 10605097 de 11 de março de 2024 e 10605098 de 11 de março de 2024.

(…)

Assim, pelo menos nesta data – 11 de março de 2024 -, o Executado tomou conhecimento que o Senhor Agente de Execução, em sede de publicitação da venda, exemplificou apenas um dos bens (a fração B) a integrar, previsivelmente, o direito à meação em venda.

Mas o Executado nada disse.

Pelo que qualquer eventual irregularidade (que não omissão!) no conteúdo do anúncio, sempre se mostraria sanada por não ter sido tempestivamente arguida após o seu conhecimento, i. é, após 11 de março de 2024.”.

E mesmo no recurso interposto o executado/reclamante, no seu introito afirma recorrer por não se conformar com o despacho que julgou improcedente a arguida nulidade por “omissão de publicitação da venda” e, consequente, nulidade da venda.

E, igualmente, na fundamentação jurídica da decisão reclamada foi este objecto do recurso que foi levado em conta, como decorre do seu texto, que em parte voltamos a transcrever:

“Este fundamento de anulação integra tanto a nulidade da própria venda (art. referido mais o art. 195º, nº 1), como a nulidade de acto anterior de que a venda dependa absolutamente (mesmo artigo mais o art. 195º, nº 2) – vide Lebre de Freitas, A Ação Executiva, À Luz do CPC de 2013, 6ª Ed., págs. 395 e 399).

Estão neste último caso os vícios processuais que afectem os actos-sequência que compõem a fase da venda, como por exemplo a nulidade da publicidade da venda, por omissão ou irregularidade da mesma, susceptíveis de influenciar o preço obtido e, consequentemente, prejudicar as partes, credores reclamantes ou proponentes (vide Rui Pinto, em A Ação Executiva, Reimpressão 2019, págs. 921/922).

Assim, o prazo de arguição das nulidades/irregularidades rege-se pelo art. 199º, nº 1, do NCPC, que dispõe que as mesmas devem ser arguidas no momento se a parte estiver presente, ou, caso isso não aconteça, o prazo geral de 10 dias para a arguição conta-se do dia em que depois de cometida a nulidade a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.

É a 2ª situação que nos interessa e dentro desta é a 2ª situação que devemos convocar.

Ora, o executado/recorrente e a sua patrona foram notificados do teor da certidão do encerramento do leilão, por registo de 11.3.2024, certidão da qual constava o anúncio do bem a vender em leilão, a saber: o direito à meação que o executado detém em virtude do seu casamento com CC, casamento este dissolvido por divórcio, do qual fazem parte PREVISIVELMENTE todos os bens pertença ainda do casal e que ainda não foram objecto de partilha, designadamente a fracção autónoma designada pela letra "B", sendo o valor mínimo o de 32.221,63 € e a melhor proposta a de 32544,22 €.

Atenta a data do registo, executado e patrona consideram-se notificados em 14.3.2024, nessa data se devendo, claramente, presumir que então tomaram conhecimento da nulidade ou dela puderam conhecer, agindo com normal diligência.

Quer dizer que ambos tinham até 2.4.2024 (ou com multa até 5.4) para arguir a acusada nulidade de omissão – que não se verifica patentemente – ou erro/insuficiência/irregularidade do anúncio dos bens a vender e do valor anunciado. Mas só o fizeram em 2.5.2024, ou seja, intempestivamente.” – o itálico, sublinhados e negrito são da nossa autoria.

Do exposto, resultam duas evidências:

Primeiro, não existiu nenhuma omissão de publicitação da venda do direito à meação do executado/reclamante, pois a venda foi efectivamente publicitada.

Segundo, se estava a vender-se o direito à meação que o executado detém em virtude do seu casamento com CC P. dos Santos, casamento este dissolvido por divórcio, do qual fazem parte PREVISIVELMENTE todos os bens pertença ainda do casal e que ainda não foram objecto de partilha, designadamente a fracção autónoma designada pela letra "B", e sabendo, naturalmente, o executado quais os seus bens que ainda não tinham sido partilhados e que integravam previsivelmente todos os bens pertença do casal, só por negligência manifesta ou distracção ostensiva, que vai dar ao mesmo, se pode candidamente afirmar, como faz o reclamante, que só quando teve conhecimento da decisão do AE de 17.4.2024, é que estava em condições de se aperceber da irregularidade/nulidade do acto.   

O que significa e implica que, a invocada nulidade da venda por omissão de publicitação da venda, não se verificou.

E que a nulidade da mesma por eventual erro/irregularidade de publicitação da venda foi intempestiva, inexistindo, por isso, causa processual/procedimental para anular a venda, pelo que o recurso não podia proceder, sendo de manter, assim, a decisão reclamada.

8. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

(…)

9. Decisão

Pelo exposto, julga-se a reclamação improcedente, assim se confirmando a decisão singular reclamada.

*

Custas pelo recorrente/reclamante.

*


Coimbra, 28.1.2025

Moreira do Carmo

Carlos Moreira

Fonte Ramos