i) Numa acção de demarcação, fixada a linha de divisão entre os prédios, é inócuo recorrer-se com o argumento que a parte do recorrente fica sem acesso à via publica, se tal facto não se provou;
ii) Ainda que provado, face aos normativos legais aplicáveis – arts. 1353º e 1354º -, não relevaria para impedir a demarcação alcançada, tanto mais que nessa situação o recorrente tem possibilidade de lançar mão de outros expedientes judiciários para ultrapassar tal eventual situação.
(Sumário elaborado pelo Relator)
I – Relatório
1. AA, residente em ..., intentou acção declarativa contra BB e mulher CC, residentes em ..., DD, residente em ..., EE, residente em ..., FF, residente em ..., GG, viúva, HH e II, todos residentes em ..., JJ, residente em ..., KK, residente em ..., LL, residente em ..., MM, residente em ..., NN, residente em ..., OO, residente no ..., e PP, residente em ..., peticionando o seguinte:
1) a demarcação dos prédios identificados em 1º e 6º da petição inicial, devendo os réus ser citados para contestarem, querendo, a linha delimitadora definida no art. 13º da petição inicial, indicando para tanto uma linha alternativa, sob pena de não o fazendo, serem condenados a reconhecer que é pela linha indicada pelo autor que se delimitam os mencionados prédios;
2) reconhecimento do direito de propriedade do autor sobre o prédio identificado no art. 1º da petição inicial até à linha delimitadora que vier a ser fixada, abstendo-se, consequentemente de praticar qualquer ato que, de qualquer modo, impeça, dificulte ou diminua o livre exercício do direito do autor sobre tal prédio até tal linha delimitadora;
3) a demolição e retirada de tudo o que, depois de definida a linha delimitadora, estiver a ocupar o prédio do autor, no prazo de 15 dias, entregando-o ao autor completamente livre e desimpedido;
4) a condenação dos réus a pagar ao autor, a título de sanção pecuniária, a quantia de 100 € por cada dia além dos 15 dias acima referidos, que demorarem a limpar e desimpedir o prédio deste.
Para tanto, alegou em síntese que: o autor é proprietário do prédio urbano sito em ..., freguesia ..., inscrito na matriz sob o art. ...49, prédio que lhe adveio por compra a QQ e mulher, tendo estes últimos adquirido em venda judicial, na qual figurava como executado II. Após tomada de posse do prédio, QQ e RR aperceberam-se que faltavam 450 m2 de área de superfície descoberta do seu prédio, tendo após acção declarativa de condenação e sentença transitada em julgado, sido restituída parcela de terreno demarcada com ferros, na qual se encontra um ponto de abastecimento de água (furo) e o tanque de rega que abastece de água o resto da propriedade, encontrando-se o contador e ramal de água do saneamento que abastece a casa de habitação. Mais alegou que o furo em causa foi aberto por SS, que era dono do prédio rústico sito no ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...67, secção BF, tendo o falecido SS partilhado verbalmente o prédio pelos cinco filhos, e ocupando os réus o terreno resultante dessa divisão; parte desse prédio ficou para GG, que aí construiu a sua casa, parcela que veio a ser vendida ao aludido QQ e esposa; o prédio dos Autores possui superfície coberta de 117,20 m2, superfície descoberta de 1.150,00 m2, e confronta pelo norte com herdeiros de SS, os ora réus, e pelo sul com LL, nascente com caminho público e poente com TT. No processo que correu termos no Juízo Local Cível de Castelo Branco, sob o nº 1496/10...., não se apurou a quem pertence a aludida parcela de terreno na qual se integra o furo, tendo-se apenas determinado a quem pertencia a água do furo artesiano aberto. Em relação ao prédio do autor e do prédio situado a norte, pertencente aos herdeiros de SS, inexiste linha divisória, sendo a mesma objecto de controvérsia entre as partes; uma vez que o prédio do autor tem menos 450 m2 do que a área a que o título faz referência, sendo tal área a que está em frente à sua habitação, onde se encontra o furo, por ter sido utilizado pelo II até à data da penhora pela AT e vendido judicialmente, sendo o lugar onde aparcava camiões e outros veículos, que se encontrava vedado a estranhos.
Suscitou ainda o incidente de intervenção provocada de UU, residente em ..., casada com o autor, por ser comproprietária do prédio descrito no art. 1º da petição, o que foi admitido, como sua associada
Os réus BB e MULHER contestaram, invocando a excepção de ilegitimidade, porquanto doaram o quinhão hereditário, que o Réu em causa detinha na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de SS, a BB (seu sobrinho e afilhado).
Foi julgada válida a desistência da instância quanto aos réus BB e MULHER.
Ordenou-se a citação de BB, por o mesmo ser o actual proprietário do quinhão hereditário objecto de doação.
BB contestou, suscitando excepção de caso julgado. No mais, impugnou a generalidade dos factos alegados na petição inicial, designadamente área de superfície descoberta. No que respeita à partilha verbal feita por SS há mais de 30 anos, por via da qual dividiu o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...67, com a área de 3.280 m2, pelos seus cinco filhos, os quais demarcaram os prédios de forma a confinar com o caminho público, por forma a evitar onerar com servidão de passagem qualquer um dos prédios. De acordo com essa divisão, a sorte situada a poente ficou a pertencer a EE, e a confrontar com esta, a nascente, ficou a sorte pertencente a VV, marido da ré DD. A confrontar com a parcela desta ré situam-se as sortes que ficaram a pertencer a FF, BB e CC. Na parcela pertencente a FF, situa-se a casa de habitação do autor da herança, razão pela qual ficou esta com uma área mais pequena, sensivelmente de 200 m2. A sul e nascente desta, situa-se a parcela pertencente a BB, cuja área é de 760,00 m2, confrontando do Norte com FF, sul com GG, Nascente com estrada e poente com DD. Por escritura de doação de quinhão hereditário, BB e mulher, doaram ao aqui réu, o quinhão hereditário que possuíam na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de SS. Este prédio que pertence ao aqui réu tem a única entrada por um portão situado a Nascente do prédio, e encontra-se delimitado a sul pelo prédio dos autores, nomeadamente pela casa de habitação dos autores e pelo logradouro composto de terra de cultivo e árvores de fruto, que se situa num plano inferior em relação ao prédio do réu, a norte pelo prédio que pertenceu a FF e a poente pela vedação do prédio que pertence à ré DD. Mais alegou que os prédios estão perfeitamente delimitados, sendo que todos os confinantes sabem onde começa e termina os seus prédios.
Foi formulado convite aos autores para juntar nova petição inicial aperfeiçoada, ao qual os autores corresponderam.
Julgou-se improcedente a excepção de caso julgado invocada.
Julgou-se improcedente o pedido formulado sob 4) pelos autores, absolvendo-se os réus do mesmo.
*
A final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, decidiu:
1) Delimitar o prédio urbano referido no facto provado 5) [denominado ... sito em ..., freguesia ... e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...49, composto por edifício de R/C, 1.º andar, quintal e um anexo, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...11], do prédio rústico referido no facto provado 10) [sito no ..., Freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...67 da secção VF], pelo lado Norte do primeiro e pelo lado Sul do segundo, através de três segmentos de recta:
a. considerando o sentido nascente-poente, por uma recta que se inicie no ponto 555,84 e finde no tracejado verde paralelo ao anexo no ponto 553.64 do levantamento topográfico junto aos autos com o e-mail de 01-03-2024 de referência n.º 3522621, de fls. 492, implantando-se um marco neste último ponto;
b. considerando o sentido sul-norte, por uma recta que se sobreponha/corresponda ao tracejado verde, e que se inicia no ponto 553,64 do levantamento topográfico junto aos autos com o e-mail de 01-03-2024 de referência n.º 3522621, de fls. 492 (inscrito no tracejado verde paralelo ao anexo) e que culmina na intersecção entre as linhas azul e verde, onde se colocará um marco;
c. considerando o sentido nascente-poente, por uma recta que se inicia na intersecção das linhas tracejadas verde e azul do levantamento topográfico junto aos autos com o e-mail de 01-03-2024 de referência n.º 3522621, de fls. 492, e que se sobreponha com a linha tracejada azul, culminando no fim desse tracejado no ponto mais a poente, onde se colocará um marco.
2) Reconhecer o direito de propriedade do A. sobre o prédio identificado no facto provado 5) até às linhas delimitadoras referidas no ponto 1) do decisório;
3) Absolver os RR DD, JJ, BB, DD, LL, MM, e OO do demais peticionado pelo A.
*
2. O R. BB recorreu, concluindo que:
I - O presente recurso tem por objeto a parte da sentença que decidiu “Delimitar o prédio urbano referido no facto provado 5) [denominado ... sito em ..., freguesia ... e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...49, composto por edifício de R/C, 1.º andar, quintal e um anexo, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de
... sob o n.º ...11], do prédio rústico referido no facto provado 10) [sito no ..., Freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...67 da secção VF], pelo lado Norte do primeiro e pelo lado Sul do segundo, através de três segmentos de recta: a. considerando o sentido nascente-poente, por uma recta que se inicie no ponto 555,84 e finde no tracejado verde paraleloao anexo no ponto 553.64 do levantamento topográfico junto aos autos com o e-mail de 01-03-2024 de referência n.º 3522621, de fls. 492, implantando-se um marco neste último ponto; b. considerando o sentido sul-norte, por uma recta que se sobreponha/corresponda ao tracejado verde, e que se inicia no ponto 553,64 do levantamento topográfico junto aos autos com o e-mail de 01-03-2024 de referência n.º 3522621, de fls. 492 (inscrito no tracejado verde paralelo ao anexo) e que culmina na intersecção entre as linhas azul e verde, onde se colocará um marco; c. considerando o sentido nascente-poente, por uma recta que se inicia na intersecção das linhas tracejadas verde e azul do levantamento topográfico junto aos autos com o e-mail de 01-03-2024 de referência n.º 3522621, de fls. 492, e que se sobreponha com a linha tracejada azul, culminando no fim desse tracejado no ponto mais a poente, onde se colocará um marco.
II - No iter lógico de aplicação do direito aos factos provados, concluiu o Exmo. Sr. Juíz a quo que, segundo os critérios a atender para proceder à demarcação dos prédios em cofinancia, não estando verificados no caso sub judice os pressupostos para aplicação dos critérios previstos nos n.º 1 e 2 do art.º 1354 do CC, o critério utilizado foi a aplicação da regra salomónica.
III - Quantos aos prédios dos AA. e dos RR. a delimitar, bem como quanto à área em litígio, o Exmo. Sr. Juíz a quo considerou provados os seguintes factos: - que o terreno em litígio tem uma área de cerca de 635,00 m2, - que o terreno em litígio tem uma configuração geométrica irregular, conforme se constata do cruzamento dos levantamentos topográficos de fls. 492, 493 e 494 (constantes do e-mail de 01-03-2024 de referência n.º 3522621).
IV - O Exmo. Sr. Juíz a quo considerou provado que, procedendo-se à delimitação dos prédios conforme alegado pelos Autores, o prédio dos Autores confronta com o prédio descrito em 10) através de uma linha imaginária paralela ao lado menor do anexo (referido em 9)), que se inicia no contador de água e se prolonga no sentido nordeste-sudoeste por cerca de 21,25 metros., o prédio dos AA. perfaz uma área de 1.190,00 m2
e o prédio dos RR. perfaz a área de 450,00 m2.
V – Considerou ainda provado que procedendo-se à delimitação dos prédios conforme alegado pelos Réus, o prédio dos Autores confronta com o prédio dos RR. através de uma linha imaginária irregular, inicialmente paralela ao lado maior do anexo (referido em 9)), distando o anexo dessa linha cerca de 0,50 metros, e que se inicia a Norte e prossegue até Sul por cerca de 19,75 metros, até distar um metro da casa de habitação, seguindo posteriormente para Este/Nascente de forma paralela à casa de habitação dos Autores por cerca de 5 metros, e após prosseguindo por 9,25 metros até à extremidade norte do portão identificado no levantamento topográfico de fls. 492.., que o prédio referido dos AA. perfaz uma área de 1.005,00 m2 e o prédio dos RR. uma área de 635,00 m2.
VI. Resulta ainda dos factos provados que a soma das áreas dos dois prédios referidos em 5) e 10) é de 1.640,00 m2.
VII - Aplicando o Direito aos factos, o Exmo. Dr. Juíz a quo procedeu pela demarcação através da distribuição do terreno em litígio por partes iguais (artigo 1354.º, n.º 2, do Código Civil), ou seja, a divisão salomónica.
VIII - Conforme resulta da prova produzida, nomeadamente, dos levantamentos topográficos de fls. e fls. 492 a 494, bem como da motivação dos factos não provados, especificamente, dos factos j), l), m) e n), que foram considerados não provados, atento o que ficou provado em 15) a 19), sendo certo que o Exmo. Juíz a quo considerou a sorte de EE (ante possuidora do prédio dos AA.) a que se encontra mais a Norte (e o levantamento topográfico e a deslocação ao local assim o confirmam – sendo certo que deverá prevalecer as coordenadas e pontos cardeais do levantamento topográfico, que se encontram melhor definidos), e a sorte de BB se encontrava inicialmente a Norte da de CC e a Sul de VV, não tendo qualquer contacto com a via pública nos primeiros tempos após a partilha verbal referida em 13.
IX - Da inspeção ao local realizada a 20/01/2022, ficou assente, entre AA. e RR, que sobravam apenas 2 (duas) parcelas que compunham o “prédio mãe”, a saber: - A parcela de GG – atualmente dos Autores e, que corresponde ao ponto 5) dos factos provados e a parcela que originalmente coube a BB e que atualmente pertence a BB, que corresponde ao ponto 10) e 16) dos factos provados, sendo sobre esses dois prédios que vieram a incidir os levantamentos topográficos constantes dos autos, e sendo estes os prédios objeto da demarcação.
X – A decisão proferida quanto à linha divisória não se harmoniza com a distribuição tendencialmente igualitária dos terrenos, pelo facto de, conforme supra demonstrado, o prédio dos RR. fica sem acesso à via pública, confrontando o mesmo em resultado da demarcação operada, a sul com o prédio dos AA., a Nordeste com a parcela atribuída a FF e a Norte com a vedação da sorte atribuída a VV e a poente com TT.
XI - Resulta à saciedade que, ficando o prédio dos RR. sem acesso à via pública, ficará o mesmo desvalorizado, implicando a demarcação, conforme decisão recorrida, um desequilíbrio económico gritante entre os prédios dos AA. e RR. com claro prejuízo para o prédio dos RR.
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Excias., deverá a douta sentença sob recurso ser revogada, e, em sua substituição, ser proferida decisão que fixe uma linha divisória que garanta o prédio dos RR. fique com acesso à via pública., assim se fazendo INTEIRA JUSTIÇA.
3. Inexistem contra-alegações.
II – Factos Provados
1) No Processo n.º 1496/10...., que correu termos no Juízo Local Cível de Castelo Branco, figuraram como Autores habilitados os aqui Autores AA e UU, e como Réus BB e DD, os primeiros peticionaram:
a. que os Autores fossem declarados donos e legítimos possuidores do prédio urbano, sito em ..., Freguesia ..., concelho ..., com a superfície coberta de 117,20 m2, superfície descoberta de 1150,00 m2, e um anexo com a superfície coberta de 21,50 m2, inscrito na respectiva matriz sob o art. ...49, com tudo o que o compõe, com exclusão de qualquer outra pessoa;
b. a condenação dos Réus a reconhecer tal direito e a absterem-se de entrar no prédio dos Autores e por qualquer forma turbar a posse destes;
c. a condenação dos Réus a pagar aos Autores a quantia de € 2.800,00 a título de danos morais.
2) Os Réus BB e DD peticionaram em sede reconvencional que:
a. Os Réus fossem declarados donos e legítimos possuidores da parcela de terreno em causa na acção;
b. Os Réus fossem declarados comproprietários na proporção de 1/5 do furo e da água dele extraída por destinação de pai de família;
c. Os Autores fossem condenados a reconhecê-los como tal e a abster-se de impedir os Réus de utilizarem tal água.
3) Por sentença proferida a 24-10-2016, transitada em julgado a 30-11-2016, no âmbito do Processo n.º 1496/10...., que correu termos no Juízo Local Cível de Castelo Branco, decidiu-se julgar totalmente improcedente o peticionado pelos Autores e julgar parcialmente procedente a reconvenção, declarando os aí Réus BB e DD comproprietários na proporção de 1/5 do furo e da água dele extraída sito no prédio rústico sito no ..., Freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...67 da Secção BF, tendo-se condenado AA e UU a reconhecê-los como tal e a abster-se de impedir aqueles de utilizar tal água, absolvendo-se os Autores do demais peticionado.
4) Da fundamentação da sentença a que se alude em 3) consta:
«A) Factos provados
(…)
9) SS era dono de um prédio rústico sito no ..., Freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...67 da Secção BF.
10) Por partilha verbal ainda em vida do falecido SS dividiram os seus cinco filhos o prédio identificado em 9).
(…)
Questões a resolver:
1. propriedade dos Autores sobre a parte do terreno em causa;
(…)
3. propriedade dos réus relativa à divisão que resultou do prédio originário descrito em 9) dos factos provados;
(…)
No que concerne à propriedade dos prédios (questões 1 e 3).
No que concerne aos Autores, os mesmos reclamam a propriedade do prédio com as áreas e confrontações constantes do registo predial para ver reconhecido o seu direito sobre todo o logradouro que se encontra na frente da sua casa.
Pois bem.
Relativamente a esta questão resultou apenas demonstrado que os AA. são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, sito em ..., Freguesia ..., concelho ... e que o mesmo se encontra inscrito na matriz sob o art. ...49. Tal resultou demonstrado devido à existência de registo a favor dos Autores, sendo que, nos termos do artigo 7º do Código de Registo Predial "o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define".
No entanto, os Autores não lograram provar nem a área do terreno nem as suas confrontações, razão pela qual não poderá ser reconhecido o direito de propriedade nos moldes peticionados, improcedendo assim este pedido.
No que respeita ao direito de propriedade dos réus, diremos o que se segue, atendendo a que estes fundaram a sua aquisição de modo originário, com base na usucapião. Vejamos.
A "posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real" (art. 1251° CC). A doutrina e a jurisprudência largamente dominantes (P. Lima e A. Varela, CC Anotado, vol. III 2ª ed. p.5, M. Pinto, Direitos Reais, pp.180 ss, H. Mesquita, Direitos Reais, pp.68 ss, O. Carvalho, RLJ 122° pp.68-69 e, entre muitos, AcRP 9Mar00, CJ 2° p.187) convergem na exigência de dois elementos:
_o "corpus": elemento objectivo (material) da posse, concebido como o exercicio efectivo de poderes materiais sobre a coisa;
_o "animus": elemento subjectivo (psicológico) da posse, concebido como a consciência de actuação como verdadeiro dominus, de tal forma que o possuidor exerce o poder de facto com a intenção de agir como beneficiário do direito (e não apenas aproveitando-se da mera tolerância do titular do direito, como sucede com o detentor ou possuidor precário).
Dispõe o art.1287° CC que "A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião" (cf. também o art.1316° CC), sendo que "Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé" (art.1296° CC).
Em face deste quadro e da matéria que ficou provada, o Tribunal não pode concluir pela presença dos mencionados elementos da posse em relação aos prédios de cuja propriedade os réus reconvintes se arrogam, já que nenhuma prova resultou nesse sentido, motivo pela qual a sua pretensão, será, nesta parte, julgada improcedente.»
5) O prédio urbano denominado ... sito em ..., freguesia ... e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...49, composto por edifício de R/C, 1.º andar, quintal e um anexo, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...11 e registado a favor do Autor AA, pela AP. ...87 de 2015/08/03, por compra a QQ e RR.
6) O prédio descrito em 5) é composto por uma casa de habitação com rés-do-chão e primeiro andar, quintal, garagem e um anexo.
7) A casa de habitação tem uma área de 136,20 m2.
8) A garagem tem uma área de 65,00 m2.
9) O anexo tem uma área de 37,80 m2.
10) O prédio rústico sito no ..., Freguesia ..., encontra-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...67 da secção VF a favor de SS.
11) O prédio misto sito em ..., Freguesia ..., composto pelos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana sob os n.ºs ...57 e ...52, e prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o n.º ...67, composto por terra de cultura arvense, vinha, citrinos, figueiras e dois edifícios de rés-do-chão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...25 encontra-se registado a favor de SS, GG, BB, FF, WW, por aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito, constando como causa a sucessão hereditária e dissolução da comunhão conjugal em relação ao sujeito passivo XX, casada com JJ no regime de comunhão geral.
12) O prédio descrito em 5) confronta de Norte com o prédio referido em 10).
13) Em data não concretamente apurada, mas seguramente há cerca de 30 anos, JJ declarou verbalmente partilhar o prédio referido em 10), em cinco partes/sortes, por GG, BB, FF, WW e VV, o que o fez perante estes últimos, e os quais declararam aceitar tal partilha.
14) A partir do momento referido em 13), GG, BB, FF, WW e VV começaram a demarcar as cinco parcelas entre si de acordo com as declarações de partilha proferidas por JJ.
15) Na sorte atribuída a FF, situava-se a casa de habitação de JJ.
16) A sul da sorte atribuída a FF situa-se a parcela/sorte atribuída a BB.
17) A parcela referida em 16), atribuída a BB, confrontava do Nascente com a parcela atribuída FF, e de Norte com a parcela atribuída a VV.
18) A parcela referida em 16), atribuída a BB, confronta de Sul com o prédio referido em 5), nomeadamente pela casa de habitação dos Autores e pelo logradouro composto de terra de cultivo e árvores de fruto, que se situa num plano inferior em relação à referida parcela.
19) A parcela referida em 16), atribuída a BB, confronta do Nordeste com a parcela atribuída a FF e a Norte com a vedação da sorte atribuída a VV.
20) O terreno em litígio tem uma área de cerca de 635,00 m2.
21) O terreno em litígio tem uma configuração geométrica irregular, conforme se constata do cruzamento dos levantamentos topográficos de fls. 492, 493 e 494 (constantes do e-mail de 01-03-2024 de referência n.º 3522621), os quais se dão aqui por reproduzidos, e desdobra-se em dois polígonos, o primeiro com quatro lados, e o segundo com dez lados, e que as partes se encontram de acordo que pertence aos Réus o terreno que se inicia no contador de água e se prolonga até ao portão mais a Norte, perfazendo um polígono de quatro lados com uma área de cerca de 225,00 m2.
22) A área litigiosa é delimitada pelos seguintes pontos:
a. Quanto ao polígono de quatro lados situado a Noroeste no levantamento topográfico de fls. 494, o mesmo é balizado pelas seguintes linhas:
i. Linha que se inicia na extremidade a Noroeste com o número 549,70 até alcançar o ponto com o número 551.65;
ii. Linha imaginária paralela à linha referida em i., no sentido Nordeste-Sudoeste, que vai desde a linha azul até à linha verde, e que se se prolongasse para além do tracejado verde, coincidiria com o contador de água a nordeste;
iii. Linha azul que se inicia com o número 549,70 até encontrar a extremidade sudoeste da linha referida em ii.;
iv. Linha que se inicia no ponto 551,65 e que coincide com o tracejado a verde até embater com a extremidade nordeste da linha referida em ii.
b. Quanto ao polígono de dez lados, o mesmo é balizado pelos seguintes lados visíveis no levantamento topográfico fls. 494:
i. Prolongamento da linha imaginária referida em 25) a. ii., desde o tracejado verde até ao contador de água, no sentido Sudoeste-Nordeste.
ii. Linha formada pelo contador de água até ao ponto 555.84.
iii. Linha entre os pontos 55.84 e 555.24;
iv. Linha entre os pontos 555.24 e 555.04;
v. Linha formada entre os pontos 555.04 e 558.29.
vi. Linha formada entre os pontos 558.29 e 556.69;
vii. Linha formada entre os pontos 556,69 e 555.66;
viii. Linha que se inicia no ponto 555.66 e se prolonga por 9,00 metros no sentido Sudeste-Noroeste, marcada com tracejado verde a fls. 494;
ix. Linha que se inicia na extremidade Noroeste da linha referida em viii., e se prolonga por 5,00 metros no sentido Nascente-Poente até junto do anexo (ponto 553,64).
x. Linha que se inicia na extremidade Poente referida em ix. e culmina na extremidade Sudoeste da linha referida em i.
23) Procedendo-se à delimitação dos prédios conforme alegado pelos Autores, o prédio dos Autores confronta com o prédio descrito em 10) através de uma linha imaginária paralela ao lado menor do anexo (referido em 9)), que se inicia no contador de água e se prolonga no sentido nordeste-sudoeste por cerca de 21,25 metros.
24) Na hipótese referida em 23), o prédio referido em 5) perfaz uma área de 1.190,00 m2 e o prédio referido em 10) perfaz a área de 450,00 m2.
25) Procedendo-se à delimitação dos prédios conforme alegado pelos Réus, o prédio dos Autores descrito em 5) confronta com o prédio descrito em 10) através de uma linha imaginária irregular, inicialmente paralela ao lado maior do anexo (referido em 9)), distando o anexo dessa linha cerca de 0,50 metros, e que se inicia a Norte e prossegue até Sul por cerca de 19,75 metros, até distar um metro da casa de habitação, seguindo posteriormente para Este/Nascente de forma paralela à casa de habitação dos Autores por cerca de 5 metros, e após prosseguindo por 9,25 metros até à extremidade norte do portão identificado no levantamento topográfico de fls. 492.
26) Na hipótese referida em 25), o prédio referido em 5) perfaz uma área de 1.005,00 m2 e o prédio referido em 10) perfaz a área de 635,00 m2.
27) Na área em litígio, a Nascente da casa de habitação dos Autores, encontra-se um ponto de abastecimento de água, vulgo furo, e um tanque de rega.
28) O furo referido em 27) foi aberto por SS.
29) Na sorte atribuída a GG, foi construída a sua casa de residência, inscrita na matriz predial da Freguesia ... sob o artigo ...49 na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...11.
30) No terreno em litígio encontra-se o contador e ramal de água do saneamento que abastece a casa de habitação dos Autores.
31) A soma das áreas dos dois prédios referidos em 5) e 10) é de 1.640,00 m2.
32) A Nascente da casa de habitação dos Autores encontra-se uma floreira por estes usada e que dista do furo cerca de 8,83 metros.
33) Do muro que cerca a parcela que coube a FF, e que se encontra a Norte da área em litígio, ao furo distam 8,85 metros.
34) Do furo à parede de cimento que se encontra a Nascente, junto à Estrada, distam 8,00 metros.
35) Do furo à vedação fixa a Sul daquele distam 5,90 metros.
36) A 3,20 metros da parede norte do anexo, no sentido Norte, encontra-se um muro com o comprimento de 7,90 metros, erguido por QQ, no sentido Nascente-Poente.
37) Em 09-10-2000 foi instaurado no Serviço de Finanças ... o processo de liquidação de Imposto sobre as Sucessões e Doações n.º ...87, por óbito de SS, no âmbito do qual foi apresentada a relação de bens em 30-11-2000 da qual consta que o prédio rústico sito em ..., inscrito na matriz da freguesia ..., sob o artigo ...67 tem a área de 0,3280 hectares.
38) No dia 27-12-2006, QQ adquiriu o prédio descrito em 5) pelo preço de € 25.500,02 mediante venda judicial pela modalidade de propostas em carta fechada, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...40 que a Fazenda Nacional moveu contra II
39) No dia 29-03-2010, no Cartório Notarial ..., sito no ..., Lote ...27, rés-do-chão esquerdo, na freguesia e concelho ..., perante a Sr.ª Notária YY foi outorgada escritura pública intitulada «Doação de Quinhão Hereditário», por via da qual ZZ, na qualidade de primeira outorgante, em representação de BB e esposa CC, declarou que os seus representados doam a BB, segundo outorgante, o quinhão hereditário que possuem na herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de, respectivamente, pai e sogro dos representados, SS, o que o segundo outorgante declarou aceitar.
40) Na escritura atrás referida, foi exibida apenas a certidão do processo de imposto sucessório n.º ...87 do ano de 2000, emitida em ../../2010 pelo Serviço de Finanças ....
41) Por escritura pública de habilitação notarial, outorgada no dia 21-08-2017, perante o Notário AAA no Cartório na ..., ..., ..., BB declarou perante Notário o seguinte:
«[…] que, por acordo, lhe incumbe o cargo de cabeça de casal na herança a seguir referida e nessa qualidade declara:-
Que no dia vinte e um de Setembro de dois mil, faleceu na freguesia e concelho ..., SS, natural da referida freguesia ..., no estado civil de viúvo, com última residência habitual na Rua ...., ...;
Que o falecido não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade tendo-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros:-
---a) seus filhos:-
b.1) GG, viúva, natural da referida freguesia ..., residente na Rua ...., ...,
b.2) BB, o outorgante nos precisos termos em que acima está identificado;-
b.3) FF, casado com NN sob o regime da comunhão de adquiridos, natural da referida freguesia ..., residente na Rua ...., ..., ..., ...,
b.4) WW, casada com PP sob o regime da comunhão de adquiridos, natural da referida freguesia ..., residente na Rua ..., ..., ..., ...;-
c) seus netos, (filhos de seu filho pré-falecido VV):
c.1) JJ, casado com MM sob o regime da comunhão de adquiridos, natural da referida freguesia ..., residente na Quinta ..., ..., ...;
c.2) BB, natural da referida freguesia ..., à data da abertura da sucessão, solteiro, tendo posteriormente casado com OO, sob o regime da comunhão de adquiridos, de quem se encontra presentemente divorciado, residente no ..., ..., ..., e
c.3) KK, casada com LL sob o regime da comunhão de adquiridos, natural da referida freguesia ..., residente na Rua ..., ..., ...;
Que não há outras pessoas que com os indicados herdeiros possam concorrer ou lhes prefiram nesta sucessão.»
42) Da escritura referida em 41) consta que foram arquivadas:
«a) Certidão do assento de óbito do autor da herança;
b) Certidões dos assentos de nascimento dos indicados filhos e netos».
*
Factos Não Provados:
-Da petição inicial
a) Após acção declarativa de condenação e sentença transitada em julgado, foi restituída uma parcela de terreno devidamente demarcada com ferros precisamente na zona que se estende a nascente desde a casa de habitação dos Autores até à estrada delimitada a norte pela cota de terreno mais elevada.
b) O tanque de rega referido em 27) abastece de água o resto da propriedade dos Autores.
c) Os seus cinco filhos, os RR., adquiriram por óbito de SS o prédio referido em 11) o qual se encontra inscrito a seu favor pela ap. n.º 01 de 25/05/1998.
d) Os Réus ocupam o terreno por serem filhos ou descendentes de SS, o qual passaram a limpar e a cultivar, designadamente lavrando-o, colhendo uvas, laranjas, maçãs, à vista de toda a gente, como se de coisa sua se tratasse, de forma duradoura e sem oposição, excepto quanto à estrema em litígio.
e) O prédio dos Autores possui uma superfície coberta de 117,20 m2, superfície descoberta de 1150 m2 e um anexo com a superfície coberta de 21,50 m2 e confronta pelo norte com herdeiros de SS (delimitada numa linha recta, no sentido Nascente/poente, com início no socalco a nascente terminando junto ao socalco existente a poente intercepcionando a parede exterior norte do anexo que serve de divisória e marca da estrema), os ora RR., pelo sul com LL, pelo nascente com caminho público e pelo poente com TT.
f) O prédio do Autor tem menos 450,00 m2 do que a área a que o título faz referência.
g) O local onde se encontra o furo foi sempre utilizado pelo II, onde aparcava camiões e outros veículos, e que se encontrava vedado a estranhos, até à data em que foi penhorado pela AT e vendido judicialmente no âmbito do processo executivo n.º ...40,
h) Os anteriores proprietários reclamaram junto da AT a resolução do litígio, porém esta nada fez.
-Da contestação (a fls. 406)
i) A partir do momento referido em 13), GG, BB, FF, WW e VV, demarcaram de molde a que todos os prédios confinassem com o caminho público por forma a evitar onerar, com servidão de passagem, qualquer um dos prédios que resultaram daquela divisão.
j) A sorte situada a poente ficou a pertencer a EE.
k) A sorte atribuída a FF tem uma área de sensivelmente 200,00 m2.
l) A nascente da sorte atribuída a FF situa-se a parcela/sorte atribuída a BB.
m) A parcela referida em 16), atribuída a BB, confrontava de Nascente com a Estrada.
n) A parcela referida em 16), atribuída a BB, tem a única entrada por um portão situado a Nascente do prédio.
o) A parcela referida em 16), atribuída a BB, tem uma área de cerca de 760,00 m2.
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III - Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.
Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.
- Demarcação das estremas da parcela actualmente dos AA e a parcela actualmente do R./recorrente BB.
2. Sendo certo que o recorrente não deduziu qualquer impugnação da decisão da matéria de facto (vide as conclusões de recurso, bem como o corpo das alegações do mesmo), resta-nos apenas apreciar a fundamentação jurídica da sentença recorrida.
Na mesma exarou-se o seguinte:
“Nos termos do artigo 1353.º do Código Civil, «[o] proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e os deles».
(…)
A lei não define o que é demarcação, podendo entender-se esta como «a operação material de colocar marcos ou sinais exteriores permanentes e visíveis, que assinalem diversos pontos da linha divisória entre dois prédios contíguos, sendo lícito também aproveitar para o mesmo fim sinais naturais já existentes, tais como um rochedo, um combro, uma árvore, na qual podem ser gravadas as iniciais de um dos proprietários» (ANTÓNIO CARVALHO MARTINS, Demarcação, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1999, p. 18). …..
A causa de pedir, nas acções de demarcação, é complexa e constituída pelas circunstâncias da existência de propriedades confinantes, a pertença dos mesmos a donos diferentes, e a incerteza, controvérsia, ou tão só desconhecimento sobre a localização da linha divisória entre eles, ou seja, estremas incertas ou discutidas. ….. A linha divisória entre dois prédios confinantes é duvidosa e incerta quando não existem marcos, muros, sebes nem quaisquer sinais exteriores que indiquem as estremas de cada prédio. Como se constata no Acórdão do TRP, de 15-11-1993, in BMJ, n.º 431, p. 548: « A acção de demarcação tem como pressuposto uma incerteza relevante, como a que resulta de as versões das partes não coincidirem quanto à implantação da linha de demarcação [sublinhado nosso], a ponto de restar uma parcela de terreno a que ambos os interessados se arrogam um direito», bastando ainda o mero desconhecimento para se lançar mão da acção (veja-se Acórdão do TRC, de 13-05-2014, Processo n.º 3779/10.8TBVIS.C1).
Ora, a demarcação tem precisamente lugar quando existem dúvidas quanto ao local de passagem da linha divisória de um prédio relativamente a outro, pertencente a dono diferente (é a denominada actio finium regundorum). Isto é, com a demarcação não se visa constituir, reconhecer, adquirir ou modificar um direito real de propriedade.
Sobre esta acção, escrevem os Professores PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume III, Coimbra Editora, 1972, p. 179: «À acção de demarcação, que teve até 1966 também o nome de tombamento, correspondem em algumas legislações duas acções distintas: uma, que tem por finalidade a simples colocação de marcos nos extremos, sendo os limites certos e indiscutíveis […]; outra, a actio finium regundorum, a fixação das estremas de cada prédio, que se destina à regulamentação dos confins, ou seja, à determinação das estremas dos prédios confinantes, quando haja dúvidas acerca dos limites dos prédios. Esta última acção, ao contrário da primeira, tem natureza real. O novo Código refere-se apenas a esta, […]».
Esta acção de demarcação é assim «uma acção de acertamento ou de declaração da extensão da propriedade, sem que estejam em causa os títulos de aquisição. É por isso que, segundo a tradição justinianeia, esse acertamento pode ter lugar por uma repartição equitativa do terreno em causa», PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume III, Coimbra Editora, 1972, p. 181.
(…)
Na actio finium regundorum haverá mesmo casos «em que o proprietário não reivindica nenhuma faixa especial do prédio, mas pretende apenas, como é próprio das acções de mera apreciação ou declaração, que sejam esclarecidas as dúvidas suscitadas pelos títulos, ou por outros factos, acerca dos limites do prédio», PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume III, Coimbra Editora, 1972, p. 181.
O concurso dos donos dos prédios confinantes traduz-se numa «obrigação de contribuir para o afastamento das dúvidas, isto é, para o acto determinativo da linha divisória», ANTÓNIO CARVALHO MARTINS, Demarcação, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1999, p. 24. Feita a determinação, tal fica a passar por onde se provou que sempre passou, nada se alterando em termos de propriedade, nada se tendo constituído, modificado ou extinguido. Funciona desta forma quando se conseguiu, através dos elementos probatórios fornecidos, reconstituir a estrema.
Dispõe, por sua vez, o artigo 1354.º do Código Civil, cuja epígrafe é «Modo de proceder à demarcação»: «1. A demarcação é feita de conformidade com os títulos de cada um e, na falta de títulos suficientes, de harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova.
2. Se os títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário, e a questão não puder ser resolvida pela posse ou por outro meio de prova, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais.
3. Se os títulos indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, atribuir-se-á a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um.»
Sobre esta norma, escrevem RUI PINTO e CLÁUDIA TRINDADE, in Código Civil Anotado, volume II, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 176 que «a delimitação das estremas dos proprietários confinantes será feita com base: a) Nos títulos de cada um – contratos, autorizações, testamentos, sentenças; b) Na posse ou, em igualdade, segundo o que resultar de outros meios de prova (p. ex., registo, testemunhas), se os títulos se revelarem insuficientes; c) Caso nem os títulos nem os meios de prova permitam a demarcação, esta será feita de modo salomónico: distribuindo o terreno em litígio por partes iguais. Se os títulos indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, atribui-se a falta ou o acréscimo em proporção da parte de cada um.».
Às descrições prediais a lei não concede qualquer prioridade. Concede esta apenas às «inscrições» e nem sempre com base na antiguidade ou na ausência de conflito de interesses.
As demarcações são feitas pela linha indicada pelos próprios confinantes, estando de acordo ou pelas informações que os louvados colhem de pessoas idosas, conhecedoras dos prédios confinantes, tais como os feitores, pastores, porqueiros, trabalhadores rurais, que sabem até onde é de uso pastorear o gado ou lavrar a terra, por conta de cada proprietário confinante. Haverá que perscrutar também a planta do prédio, o retrato do terreno e fotografia aérea.
Não havendo títulos, ou sendo insuficientes os títulos existentes, a posse será «um elemento que, tal como quaisquer outros elementos, ajuda a fixar a convicção do Tribunal», ANTÓNIO CARVALHO MARTINS, Demarcação, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1999, p. 53. …..
(…)
No caso, os Autores (ou o Autor e a chamada) só teriam de alegar e provar os factos constitutivos do direito à demarcação, a saber: a confinância dos prédios, a titularidade do respectivo direito de propriedade na pessoa do autor e do demandado e a inexistência, incerteza, controvérsia ou tão só desconhecimento sobre a localização da respectiva linha divisória – Acórdão do STJ, de 10-05-2022, Proc. 725/04.1TBSSB.L1.S1.
Tais factos, porque constitutivos do direito dos autores à demarcação, isto é, do direito potestativo de obrigar os proprietários dos terrenos confinantes a concorrer à marcação dos prédios, deverão ser alegados e provados por aqueles, de acordo com o disposto no artigo 342.º do Código Civil.
Vejamos se tais pressupostos se verificam no caso em apreço.
A presunção de registo (art. 7.º do Código do Registo Predial), dispensa assim os Autores da prova que remonte a um título originário de aquisição do direito real invocado, nomeadamente a prova por usucapião.
Refira-se, por fim, que tal presunção se limita ao direito inscrito, não se estendendo à descrição do prédio, designadamente quanto às suas confrontações, limites ou área, já que, tratando-se de elementos que provêm de declarações dos próprios interessados, nada e ninguém poderá garantir a sua exatidão (cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do TRP, de 21-03-2013, proc. n.º 731/09.0TBMDL.P1 e do STJ, de 12-01-2006 Proc. n.º 05B4095).
Aqui chegados, não pode deixar de notar-se que os Autores beneficiam da presunção de propriedade sobre o prédio identificado em 5).
Resulta do supra exposto que o prédio identificado em 5) é propriedade dos Autores.
Resulta igualmente provado – e também do supra exposto - que os prédios identificados em 10) e 11) se encontram registados a favor de SS, que faleceu – vd. facto 41) -, pelo que tais prédios pertencem à herança aberta por óbito de SS.
Provou-se que os Réus sobrantes são herdeiros de SS (factos 39) e 41)). Beneficiam, pois, igualmente da mesma presunção.
Isto é, os prédios referidos em 5) e em 10) e 11) pertencem a donos diferentes.
Por outro lado, compulsada a matéria de facto, resulta igualmente provado que os prédios identificados 5) e 10) confinam um com o outro – vd. facto 12).
Ora, ressalta dos autos que as partes se mostram em desacordo quanto à localização da linha de estrema dos respectivos prédios, não tendo resultado provado que existam no terreno quaisquer marcos.
Mais resultou provada a existência de muro, não estando, todavia, as partes de acordo quanto ao significado de tal sinal no que concerne à referida delimitação – vd. facto 36).
Tudo para concluir que se verifica o terceiro dos pressupostos, pelo que nos encontramos em condições de prosseguir para a delimitação material do terreno.
Entramos assim, no segundo momento processual da acção de demarcação que se estrutura no plano da efectivação da delimitação dos prédios e opera em torno da aplicação dos critérios sequenciais de demarcação indicados no artigo 1354.º do Código Civil.
Cumprirá, todavia, referir que a cada um destes momentos correspondem regras probatórias específicas, gerando estas regras de decisão diferentes.
No primeiro momento, como referimos, em que apreciámos a causa de pedir da ação e os respetivos pressupostos, vale, em matéria de ónus da prova, o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil e a correspondente regra de decisão decorrente do artigo 414.º do Código de Processo Civil.
Ora, no segundo momento (concretização da demarcação), valem, independentemente da forma de demarcação proposta por cada uma das partes, os critérios sucessivamente plasmados no artigo 1354.º do Código Civil (cfr. neste sentido o Acórdão do TRC, de 16-09-2008, Proc. n.º 139/05.6TBVZL.C1).
Em primeira linha, e de acordo com o disposto no n.º 1 do citado preceito, a demarcação é feita de conformidade com os títulos de cada um, no caso de estes determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário. Na falta ou insuficiência de títulos, será feita de harmonia com a posse ou com o que resultar de outros meios de prova. Por fim, a inconcludência destes critérios conduz à chamada “solução salomónica” do n.º 2, operando-se uma distribuição em partes iguais pelos dois interessados do terreno em litígio.
E que títulos são estes? Desde logo, deverá ter-se em atenção os títulos de propriedade, que, de acordo com o disposto no artigo 1316.º do Código Civil, são o contrato, a sucessão por morte, a usucapião, a ocupação, a acessão e demais modos previstos na lei.
Contudo, e como refere CUNHA GONÇALVES (citado por PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume III, p. 201 e por MARIANA CRUZ, Comentário ao Código Civil: Direito das Coisas, UCE, 2021, p. 274), o n.º 1 do artigo transcrito será, a maioria das vezes, «ineficaz para a quase totalidade dos casos, uma vez que os títulos de aquisição… não contêm jamais, nem podem conter a linha divisória, onde os marcos possam ser cravados; porque as descrições dos prédios são feitas, sempre, pela simples indicação dos confinantes na direção dos quatro pontos cardeais – norte, sul, leste, oeste –, mencionando-se os respectivos nomes, se os têm, ou os nomes dos proprietários, que o fossem na data da descrição, e podem ser outros ao tempo da demarcação».
Quanto às inscrições matriciais e descrições prediais, as mesmas também não são títulos para os efeitos do disposto no artigo 1354.º do Código Civil.
Estes detalhes não descritivos não são percepcionados oficiosamente pelas autoridades e resultam de declaração dos próprios interessados (vd. MARIANA CRUZ, Comentário ao Código Civil: Direito das Coisas, UCE, 2021, p. 274).
Como se refere no Acórdão do TRP, de 15-01-2008, Proc. n.º 0722611, «as primeiras relevam apenas no plano fiscal. De facto, é sabido que a finalidade das inscrições matriciais é essencialmente de ordem fiscal, não lhes sendo reconhecidas virtualidades para definir o conteúdo ou a extensão do direito de propriedade sobre qualquer prédio. Baseiam-se em participações dos interessados nas respetivas Repartições de Finanças, não sujeitas, em regra, ao controlo destas entidades - v. Ac. Relação de Coimbra, de 05.06.1984, CJ, Ano IX, tomo 3, pág. 60 e Ac. Relação do Porto, de 07.11.1995, processo n.º 9520439, em www.dgsi.pt».
Por sua vez, continua o citado aresto: «As descrições prediais constantes do registo, por seu lado, também não têm o condão de definir, em definitivo, as confrontações ou as áreas dos prédios a que respeitam, até porque estes elementos podem ser completados, retificados, restringidos, ampliados ou inutilizados, por meio de averbamentos. Assim, com base no registo predial não se pode afirmar que determinado prédio tem esta ou aquela constituição, só por tal constar da respetiva descrição – v. Ac. Relação de Coimbra, de 05.06.1984, CJ, Ano IX, tomo 3, pág. 60 e Ac. Relação do Porto, de 07.11.1995, processo n.º 9520439, em www.dgsi.pt.»
Revertendo ao caso, e operacionalizando os critérios acima referidos, não se vislumbram títulos que possam abonar a pretensão de delimitação ab initio proposta por cada uma das partes.
(…)
Dos factos provados nada consta quanto a títulos invocáveis.
Passando ao segundo critério, atinente à posse, o resultado no caso vertente é similar.
Os Autores não fizeram prova de posse sua (dos seus antecessores – CC e marido e após QQ) de forma a abranger a área pretendida, em termos tão latos. A factualidade provada é inequívoca quanto à posse daqueles sobre casa de habitação, garagem e anexo – facto 29).
Mas esses elementos não integram a área em litígio.
Quanto à área em litígio, a factualidade nada oferece quanto a posse (simples ou qualificada) – vd. facto 22).
Compulsando a matéria de facto provada e não provada, inequivocamente se conclui no sentido de que nenhuma das partes logrou fazer a correspondente prova – factos d), e), g), i). Prosseguindo nesse trilho de hipóteses subsidiárias oferecidas pelo artigo 1354.º do Código Civil, inexistindo outro meio de prova de que se possa lançar mão (está plasmado nos autos prova pericial, existiu inspecção ao local, existem imagens do local), não resulta a existência de outros meios de prova para a solução da questão. A simples posse poderá efectivamente constituir um outro meio de prova (vd. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. III, pág. 202): «a simples posse não havendo tempo necessário para a usucapião (caso em que o problema que se suscita é outro), não deve ter o relevo bastante para se sobrepor a qualquer outra prova (...). A posse pode ser arbitrária ou abusiva. Ela será assim um elemento que, tal como quaisquer outros elementos, ajuda a fixar a convicção do tribunal».
Mas inexiste nos factos provados uma situação de posse de boa fé tanto pelos Autores (e antecessores) como pelos Réus que possibilite o estabelecimento dos limites dos prédios em causa.
Haverá que proceder, então, pela demarcação através da distribuição do terreno em litígio por partes iguais (artigo 1354.º, n.º 2, do Código Civil), ou seja, a divisão salomónica.
A esta luz, cremos que importa ponderar que a parcela de terreno em litígio tem uma área de cerca de 635,00 m2, tem uma configuração geométrica irregular conforme se constata dos factos 21) e 22), e procedendo-se da forma aí descrita, tem quase uma configuração de «papagaio de vento».
Na distribuição salomónica poderão ser ponderados outros elementos.
Designadamente, que os formatos geométricos dos terrenos distribuídos sejam idênticos. Ou que se permita um melhor aproveitamento económico dos terrenos (Acórdão do TRC, de 07-05-2024, Proc. 1193/21.9T8CVL.C2).
Diremos nós: que se faça uma justa distribuição, sem ter qualquer efeito ftártico nas potencialidades agrícolas e económicas dos terrenos.
Sucede que, no presente caso, vislumbrando-se os levantamentos topográficos levados aos factos, de fls. 492-494, não será possível proceder a uma repartição geométrica igual.
Por outro lado, nada se apurou quanto aos aproveitamentos económicos de tais terrenos. A preocupação latente dos Réus prende-se com o acesso ao furo, direito esse já reconhecido na sentença referida nos factos provados.
Mas esse acesso ao furo não pode condicionar a delimitação de terrenos. Até porque em caso de impedimento de acesso a tal furo, haverá certamente possibilidade de lançar mão de outros expedientes judiciários.
Por outras palavras, não é pelos Réus terem um reconhecido direito de acesso ao furo inscrito na área em litígio que isso deverá implicar que a delimitação se faça de forma a que o terreno com o furo fique do lado da propriedade dos Réus.
Portanto, quanto a essa questão, parece-nos que pela configuração dos prédios em apreço, o terreno imediatamente à frente da casa de habitação dos Autores deverá ficar acoplado à sua propriedade.
Haverá que salvaguardar uma distribuição equitativa de áreas até ao máximo possível, no que respeita à área em litígio.
Ora, do ponto 555,84 até à intersecção das linhas azul e verde perfaz cerca de 13 metros (calculados à escala do levantamento topográfico).
Significa que a área do triângulo idealizado formado pela linha atrás mencionada e pelas linhas azuis provenientes do contador de água estará à volta dos 48,75 m2 (base x altura/2). Significa isto que a área do quadrado idealizado (formado pelos vértices: i) intersecção linha azul e verde; ii) contador de água; iii) ponto 555,84; iv) ponto no tracejado verde precisamente paralelo ao limite sudeste do anexo) é de cerca de 97,50 m2.
Ora a soma dessa área com a do polígono de quatro lados referido em 22) a) dará à volta de 322 m2. Está encontrada cerca de metade da área em disputa.
Finalmente, não se deve olvidar que a demarcação é a operação material de colocar marcos ou sinais exteriores permanentes e visíveis, que assinalem diversos pontos da linha divisória entre dois prédios contíguos.
Por assim ser, a delimitação entre os prédios referidos em 5) e 10) deverá ser feito através de três segmentos de recta: i) considerando o sentido nascente-poente, por uma linha que se inicie no ponto 555,84 e finde no tracejado verde paralelo ao anexo no ponto 553.64; ii) um segundo segmento de recta, no sentido sul-norte, que corresponde ao tracejado verde, e que se inicia do ponto 553,64 (inscrito no tracejado verde paralelo ao anexo) e culmina na intersecção entre as linhas azul e verde; iii) um terceiro segmento de recta, no sentido nascente-poente, que se inicia na intersecção dos tracejados verde e azul e que coincide com a linha tracejada azul, culminando no fim desse tracejado no ponto mais a poente.
A concreta localização destes segmentos de recta consta definida na planta de fls. 492, 493 e 494 (dos autos em papel), elaborada no contexto da perícia que teve oportunamente lugar nos autos.
(…)
Haverá, pois, que implantar marcos nesses pontos charneira das linhas divisórias.
Assim, determinar-se-á que se implante um marco no ponto 553.64, outro na intersecção entre as linhas azul e verde de fls. 492 (visíveis as cores no processo electrónico).
E ainda se determina a implantação de um marco no final do percurso feito no tracejado azul (na linha provinda do contador de água), no seu ponto mais a sudoeste (na sua extremidade sudoeste).
Não existe aqui nenhuma violação do princípio do pedido, sendo de relevar, nesse aspecto, que «o juiz não está vinculado ao critério ou mesmo ao traçado da linha divisória indicada pelas partes, posto que, a esse respeito, a lei é imperativa: se essa linha não puder ser fixada a partir dos títulos de cada um dos proprietários, será sucessivamente estabelecida por recurso à posse ou outros meios de prova e, no limite, não podendo ser determinada por nenhum desses meios, será equitativamente dividida pelos proprietários confinantes» (Acórdão do TRG, 24-11-2016, Proc. n.º 2078/13.8TBVCT.G1). Tal solução tem em atenção as consequências que adviriam para a delimitação de prédios no caso de improcedência pura do pedido dos AA.: «[n]o caso particular da acção de demarcação – e também por estar em causa o exercício de um direito potestativo – duas consequências desse ponto de vista se assinalam: não pode nunca a acção terminar com uma decisão de improcedência, por falta de prova quanto aos limites ou área dos prédios, sob pena de ficar definitivamente comprometida (por força do caso julgado) a possibilidade de as partes obterem a concretização do seu direito de demarcação», Acórdão do TRG, de 02-05-2016, Proc. 2515/12.9TJVNF.G1. Ver também no mesmo sentido, Acórdão do TRL, de 10-05-2018, Proc. n.º 4678/14.0TCLRS.L1 e do TRG, de 18-12-2017, Proc. n.º 1955/15.6T8BR.G1, disponíveis em www.dgsi.pt.”.
O apelante diverge (cfr. as suas conclusões de recurso). Essencialmente por a decisão proferida quanto à linha divisória não se harmoniza com a distribuição tendencialmente igualitária dos terrenos, pelo facto de o prédio do R. ficar sem acesso à via pública, e que assim sendo ficará o mesmo desvalorizado, implicando a demarcação, conforme decisão recorrida, um desequilíbrio económico gritante entre os prédios dos AA. e R. com claro prejuízo para o prédio deste (cfr. conclusões de recurso VIII, X e XI.). Mas não tem razão, por duas ordens de motivos, de facto e de direito.
Em primeiro lugar, o recorrente, para tentar demonstrar a sua razão, apesar de não ter impugnado a decisão de facto, acolhe-se, na dita conclusão VIII, à motivação da mesma quanto aos factos não provados. Nesta o julgador fez constar que:
“O facto i) foi dado como não provado em face dos depoimentos de FF e de BB, que confirmaram o contrário, isto é, que uma das parcelas provenientes da partilha em vida de SS não tinha comunicação directa com a via.
(…)
Quanto aos factos j), l), m) e n), foram os mesmos considerados não provados, atento o que ficou provado em 15) a 19), sendo certo que se considera a sorte de EE a que se encontra mais a Norte (e o levantamento topográfico e a deslocação ao local assim o confirmam – sendo certo que deverá prevalecer as coordenadas e pontos cardeais do levantamento topográfico, que se encontram melhor definidos), e a sorte de BB se encontrava inicialmente a Norte da de CC e a Sul de VV, não tendo qualquer contacto com a via pública nos primeiros tempos após a partilha verbal referida em 13).”.
Ora, a motivação judicial de factos não provados, não pode servir para tentar demonstrar o inverso dos mesmos.
Quer isto significar que, face aos factos não provados i), m) e n), ao contrário do que o R. tinha alegado na sua contestação, o mesmo não logrou demonstrar que a sua parcela tinha acesso à via pública. Pelo que se não tinha nenhuma surpresa ou prejuízo advém para ele com a decidida demarcação. Ao invés, se tinha, não o demonstrou nos autos, pelo que igual juízo de prejuízo não podendo ser feito.
Em segundo lugar, verifica-se que o julgador na distribuição salomónica, a que procedeu, considerou a ponderação de outros elementos, como se pode ver da transcrição da fundamentação jurídica que se efectuou.
Ponderou-se, designadamente, que os formatos geométricos dos terrenos distribuídos sejam idênticos. Ou que se permita um melhor aproveitamento económico dos terrenos. Em suma, que se faça uma justa distribuição, sem ter qualquer efeito nas potencialidades agrícolas e económicas dos terrenos.
Sucede que, no caso, vislumbrando-se os levantamentos topográficos levados aos factos, de fls. 492-494, não era possível proceder a uma repartição geométrica igual.
Por outro lado, nada se apurou quanto aos aproveitamentos económicos de tais terrenos.
De sorte que por aqui inexiste censura a opor a tal fundamentação de direito, que convocou as normas de direito positivo aplicáveis e, perante a matéria apurada, as interpretou e aplicou correctamente.
Certo é que a eventual não existência do bocado de terreno, distribuído salomonicamente ao R., a acesso a via pública, não é motivo, face ao teor das mencionadas normas legais para condicionar a delimitação de terrenos. Até porque em caso de impedimento de acesso a tal via pública, há possibilidade de lançar mão de outros expedientes judiciários.
Não procede o recurso.
3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC).
(…)
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, assim se confirmando a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente.
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Moreira do Carmo
Fonte Ramos
Fernando Monteiro