Tendo sido proferido despacho acerca de um requerimento a exercer o direito de remição, o segmento desse despacho «(…) deverá o Sr. Agente de Execução avançar para a concretização da venda por esse montante. Notifique e comunique ao Agente de Execução.», configura uma decisão judicial a autorizar a venda, pelo que ficou esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto a tal matéria, sendo inadmissível decisão posterior sobre a mesma questão em sentido contrário (artigo 613º, nos 1 e 3 do C.P.Civil).
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]
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1 – RELATÓRIO
Nos autos de acção executiva, para pagamento de quantia certa, a correr termos no Juízo de Execução de Soure, que a “A..., Lda.” instaurou contra AA, foi determinada a venda, por negociação particular, do direito penhorado (quinhão pertencente ao Executado na herança indivisa aberta por óbito de BB), sendo encarregado da venda o Agente de Execução (AE).
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A Exequente, por requerimento de 28/9/2022, veio oferecer, como comprador, a firma “B..., Lda”, juntando uma proposta em que esta oferecia 1.000,00 € (mil euros), para a compra do direito penhorado.
Tendo havido apenas essa proposta de aquisição, da “B..., Lda”, devidamente notificadas o efeito, as partes não se opuseram à venda pelo valor oferecido por essa proponente.
Com informação sobre o acima descrito circunstancialismo, o AE, em 17/10/2022 e 02/11/2022, solicitou à Mma. Juiz de Execução, autorização para proceder à venda pelo aludido preço oferecido, inferior a 85% do valor base do bem em venda.
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A Mma. Juiz da Execução, na sequência de tal solicitação, proferiu o despacho de 10/11/2022, em que autorizou a venda pelo preço oferecido pela “B..., Lda”, consignando literalmente «(…) deverá o Sr. Agente de Execução avançar para a concretização da venda por esse montante. Notifique e comunique ao Agente de Execução.»
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Em 21/11/2022, veio CC, filha do Executado, exercer o direito de remição sobre a aquisição do quinhão hereditário de seu pai pelo valor de mil euros (€ 1000,00) comprovando a realização do depósito desse montante e a relação familiar invocada.
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A Exequente, em 22/11/2022, veio apresentar requerimento com o seguinte teor:
«(…) A..., Lda., Exequente nos autos à margem referenciados, notificada do exercício do direito de remição de uma descendente do Executado, vem aos mesmos expor e requerer a V. Exa. O seguinte: A Exequente requereu a venda por negociação particular nos termos do artigo 832º do Código de Processo Civil, oferecendo um comprador e um preço, não tendo havido oposição do Executado. Verifica-se, agora, porque razão o Executado não se opôs ao oferecimento do preço – pretende, por interposta pessoa, não liquidar a divida exequenda. Assim sendo, a Exequente vem desistir do seu requerimento datado de 28.09.2022 onde oferece um comprador, tendo em conta que o direito de remição, nos termos do artigo 842º do Código Civil só pode ser exercido depois de feita a adjudicação ou a venda.
Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.
De facto, nem a adjudicação nem a venda foram ainda efectuadas, pelo que, deverá o Sr. Agente de Execução diligenciar pela venda por negociação particular, prosseguindo a execução os seus normais termos. (…)».
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Na sequência desse requerimento da Exequente, foi proferido pela Mma. Juiz de Execução, em 4/1/2023, o seguinte despacho:
«(…) Requerimento da exequente de 22-11-2022: O “direito de remição constitui um verdadeiro direito de preferência, que, na sua base, tem uma relação de carácter familiar” e certo é que quem pretenda remir deve fazer a prova do parentesco, por via documental, como o exige o artigo 211º do Código de Registo Civil .
Ora, de acordo com o disposto no artº. 845, nº. 1, do CPC, “O direito de remição pertence …em segundo lugar aos descendentes (…)” e pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta (cfr. artº. 843, nº. 1, al. b), do CPC).
Deste modo, tendo presente as normas citadas e o estado dos autos executivos, não se compreende a posição da exequente, já que o exercício do direito de remição implica o pagamento do preço – o que, aliás, já foi feito com o requerimento de 21-11-2022.
Em conclusão, indefiro o requerido pela exequente por ausência de fundamento legal.
Notifique.
Alerte o Sr Agente de Execução para apreciar e decidir o pedido de remição formalizado em 21-11-2022. (…)».
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Tal despacho, de 4/1/2023, foi notificado às partes, e não foi objeto de recurso ou de reclamação.
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Em 13/01/2023 foi apresentada ao AE, dirigida pela empresa “C..., Lda.”, uma nova proposta de compra do quinhão hereditário, do valor de 10.000,00 €, tendo disso sido notificados Exequente e Executado.
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Face às posições divergentes e contrapostas assumidas pelas partes intervenientes quanto à validade/admissibilidade dessa nova proposta, nos concretos termos que historiou, em 6/2/2023, o AE solicitou à Mma. Juiz de Execução «(…) que sejam apreciadas e decididas as questões acima referidos, apresentadas pelas partes intervenientes. (…)»
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Em 13/2/2023, a Mma. Juiz, face à comunicação do AE de 6/2/2023, proferiu despacho com o seguinte teor:
«(…) Comunicação antecedente do Agente de Execução: deverá ser o Sr. Agente de Execução, através de decisão fundamentada, tal como decorre do despacho de 04-01-2023, a decidir sobre o pedido de remição formalizado.(…)».
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Tal despacho de 13/2/2023, foi notificado ao AE em 14/2/2023, com cópia do despacho de 4/1/2023.
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No dia 23/2/2023, veio a Exequente requerer aos autos que previamente à decisão sobre o direito de remição exercido, o Tribunal se pronunciasse sobre a proposta apresentada e referida pelo Agente de Execução e que este, posteriormente, declarasse encerrada a fase de negociação particular.
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No dia 16/03/2023, foi proferido despacho do qual consta que é o Agente de Execução que pratica todos os atos executivos respeitantes à venda, mormente, por negociação particular e analisa e decide as questões colocadas nesta fase, pelo que manteve o despacho anterior.
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Na sequência processual oportuna, por decisão datada de 15/03/2024, o AE, depois de historiar os termos processuais, concluiu nos seguintes concretos termos:
«(…)
Em face do exposto, só nesta data, o Agente de Execução, pode decidir quanto à remição, apresentada nos presentes autos.
Assim, o Agente de Execução, decide a não aceitação, da remição apresentada no dia 21-11-2022, pela filha do executado: CC, sobre a aquisição do quinhão hereditário do seu pai, acima referido, por, apesar de cumprir os requisitos legais previstos na Lei, no que diz respeito à sua apresentação, ainda não havia decisão de venda ou adjudicação do mesmo quinhão, e após a entrada da referida remição e antes, de decorrido o prazo para a decisão da venda e aceitação da mesma remição, deu entrada nos autos, uma nova proposta de valor superior (10.000,00 €), a qual foi notificadas às partes, e que, salvo melhor entendimento, deve ser esta ultima aceite, por ser de valor muito superior, à anterior proposta (1.000,00 €) e ainda, não ter sido decidida a sua aceitação e consequentemente aceitação da remição, podendo vir a remidora remir após a decisão de venda da proposta aceite (10.000,00 €).
A presente decisão vai ser notificada às partes.»
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O Executado veio impugnar essa decisão do AE tomada em 15/03/2024, porquanto entendeu que devia ser admitido o pedido de remição da filha do executado para aquisição do quinhão hereditário que o executado possui na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB pelo valor de mil euros.
A exequente pronunciou-se desfavoravelmente.
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Esta impugnação foi julgada improcedente por despacho da Mma. Juiz de Execução proferido em 15/05/2024, mais concretamente do seguinte teor:
«(…)
o Agente de Execução decidiu não aceitar a remição apresentada no dia 21-11-2022 pela filha do executado: CC, sobre a aquisição do quinhão hereditário do seu pai, acima referido, por, apesar de cumprir os requisitos legais previstos na Lei, no que diz respeito à sua apresentação, ainda não havia decisão de venda ou adjudicação do mesmo quinhão, e após a entrada da referida remição e antes de decorrido o prazo para a decisão da venda e aceitação da mesma remição, deu entrada nos autos uma nova proposta de valor superior (10.000,00 €), a qual foi notificadas às partes, e que deve ser esta última aceite, por ser de valor muito superior à anterior proposta (1.000,00 €) e ainda não ter sido decidida a sua aceitação e, consequentemente, pode a remidora vir remir após a decisão de venda da proposta aceite (10.000,00 €).
Com efeito, o artigo 843.º do Código de Processo Civil prevê que:
“ 1 - O direito de remição pode ser exercido:
a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º;
b) Nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta. “.
No caso em análise, antes da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, foi apresentada uma nova proposta para adquirir o quinhão hereditário, pelo que o pedido de remição já não deverá versar a proposta anterior, que se tornou desatualizada, mas sim a nova proposta de valor superior.
Face a todos os elementos acima carreados, que se mostram em sintonia com o histórico do processo, o pedido de remição da filha do executado mostra-se validamente não aceite, já que entrou uma proposta de valor superior no montante de dez mil euros e deve ser após a aceitação dessa proposta que o pedido de remição deverá ser apresentado.
Deste modo, a decisão do Agente de Execução é válida e legal.
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Decisão:
- pelo exposto, julga-se totalmente IMPROCEDENTE a impugnação/reclamação da decisão do AE de 15-03-2024, ao abrigo do disposto no art.º 723, n.º 1, al. c), do CPC.
Notifique e comunique. »
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Inconformados com esse despacho, apresentaram o Executado e requerente da remição recurso de apelação contra o mesmo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«1-Vem o executado interpor recurso do douto despacho com a referência 94247891 despacho proferido pela Meritíssima Juíza de Primeira Instância o qual decidiu em suma, o seguinte:
“ Face a todos os elementos acima carreados, que se mostram em sintonia com o histórico do processo, o pedido de remição da filha do executado mostra-se validamente não aceite, já que entrou uma proposta de valor superior no montante de dez mil euros e deve ser após a aceitação dessa proposta que o pedido de remição deverá ser apresentado. Deste modo , a decisão do Agente de Execução é válida e legal. Pelo exposto julga-se totalmente improcedente a impugnação / reclamação da decisão do agente de execução de 15/03/24, ao abrigo do disposto no artigo 723 n.º 1 alínea c) do CPC:”
2-O executado vem impugnar a decisão do AE tomada em 15/03/2024, porquanto entende que deve ser admitido o pedido de remição da filha do executado para aquisição do quinhão hereditário que o executado possui na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB pelo valor de mil euros. Senão vejamos
3- No âmbito dos presentes autos foi penhorado o Direito à ação e herança (bem indiviso/quinhão em património autónomo) artigo 781º, 783º e 773º do CPC, pertencente ao executado AA, NIF ...53..., na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, com o NIF da herança ...34, cujos bens se presumem ser os indicados no Imposto de Selo/ Imposto Sucessório, entregue pelo Cabeça de Casal no Serviço de Finanças Competente, conforme auto de penhora de 19/02/2019.
4-No dia 22/10/2019 foram as partes notificadas nos termos do n.º 1 do artigo 812º do CPC, para audição com vista à decisão da modalidade de venda, tendo o exequente indicado o valor de 50.000Euros, a ser realizada na modalidade de leilão eletrónico e o executado não se pronunciou. O senhor Agente de Execução proferiu decisão de venda mediante leilão eletrónico, com valor base de 50.000 Euros.
5-A venda em leilão eletrónico decorreu entre os dias foi determinada na modalidade de leilão eletrónico, o qual terminou com o resultado “deserto” conforme consta na decisão de 29/6/2021, pelo que, na mesma data, se procedeu à inserção do bem penhorado nos autos (bem indiviso/ quinhão em património autónomo) em venda por negociação particular na plataforma e leilões e no escritório do Agente de Execução sendo encarregado da venda o agente de Execução.
6-No dia 21/09/2022 foi apresentada uma proposta pela proponente B..., Lda, NIF ...99..., com sede na Zona Industrial ..., Lote ..., ... ... no valor de 1000 Euros. O senhor Agente de Execução notificou os mandatários da exequente e executado da referida proposta o dia 29/09/2022, não tendo a mesma recebido oposição.
7-Posteriormente em 02/11/2022 Senhor Agente de Execução solicitou despacho da Meritíssima Juiz pela aceitação da proposta pelo valor em causa, mesmo sendo inferior a 85 % do valor base do bem em causa.
8-Ora face a este requerimento a Meritíssima Juiz proferiu a 10/11/2022 o seguinte despacho: “No caso dos autos, uma vez que o AE notificou todas as partes e nenhuma veio deduzir oposição expressa à proposta para aquisição do quinhão hereditário do executado AA na herança indivisa aberta por óbito de BB, com o NIF da herança ...34, apresentada por “ B..., Lda” , NIF ...99..., com sede na Zona Industrial ..., Lote ..., ... ..., no valor de 1000 Euros- inferior a 85% do Valor base antes fixado – Cfr. artigo 821 n.º 3 do CPC, deverá o Senhor Agente de Execução avançar para a concretização da venda por esse montante.
Notifique e comunique ao Agente de Execução.”
9-Portanto no dia 10/11/2022 foi proferido despacho no sentido do Sr. Agente de Execução avançar para a concretização da venda pelo valor de 1000 Euros.
10- A exequente não discordou da venda particular pelo preço de 1000 Euros oferecido pela proponente B..., Lda, que ela mesma indicou como compradora, nada tendo dito sobre esta proposta quando foi notificada pelo agente de Execução para esse efeito, nem tendo impugnado o despacho de 10/11/2022 que determinou ao agente de execução que avençasse para a concretização da venda por esse montante.
11- Só em 22/11/2022 depois de exercido, pela filha do executado, o direito de remição, com o depósito do montante daquele preço, é que a exequente, para obviar a essa remição – que diz ser uma forma de o executado, “por interposta pessoa , não liquidar a dívida exequenda”, veio dizer que desistia do seu requerimento , datado de 28/09/20222, onde ofereceu um comprador, e requerer que o Sr. Agente de execução diligenciasse pela venda por negociação particular, prosseguindo a execução os seus normais termos .
12- Refira-se que foi a própria exequente, em requerimento de 28/09/2022 dirigido ao Agente de Execução que indicou como proponente B..., lda, juntando a proposta desta, onde consta como valor oferecido para a compra 1000 uros. E em concordância com esse preço foi reafirmada, quando notificada pelo Agente de Execução para querendo se por à venda por esse preço e a exequente nada disse, nada tendo dito também quando notificada do despacho que autorizou que o agente de execução avançasse com a venda nessas condições.
13- Em 22/11/2022 veio a exequente desistir da proposta apresentada, sendo que tal foi indeferido pelo despacho de 04/01/20223 que afastou a desistência.
14- Esta bem claro e implícito através do despacho de 04/01/2023, em parte reafirmado no despacho de 13/02/2023, que lhe faz referencia – que foi entendimento do tribunal que as diligencias de negociação particular- aí se compreendendo, pois, a apreciação de outras propostas que, eventualmente, viessem a ser apresentadas- não prosseguiriam sem que posse apreciado e decidido pelo Agente de Execução o pedido de remição efetuado pela aludida CC em 21/11/2022, subsistindo , logicamente , a proposta de 1000 Euros relativamente á qual fora exercido o direito de remição.
15-Ora, o que a exequente veio requerer em 23/02/2023, antes de proferida, pelo Agente de execução, decisão quanto ao pedido de remição formulado pela filha do executado, foi precisamente, que fosse apreciada pelo Tribunal (e, depois pelo Agente de Execução), antes de decidido o referido pedido, uma nova proposta, com o preço de 10.000 Euros apresentado em 13/01/2023 pela empresa D..., LDA.
16-Refira-se que por despacho de 04/01/2023, o prosseguimento dos autos com a venda particular, e, por conseguinte, a apreciação de novas propostas que eventualmente fossem apresentadas, foi negado, com indeferimento dessa pretensão constante do requerimento da exequente de 22/11/2023. Tendo estes despachos transitado em julgado.
17-Foi decidida pelo despacho de 04/01/2023, não poderia dar acolhimento às pretensões constantes ao requerimento da Exequente de 23/02/2023, designadamente, quanto á apreciação de nova proposta de compra no quinhão hereditário do valor de 10.000,00 Euros apresentada pela C..., previamente á apreciação pelo Agente de Execução, da remição levada a efeito pela referida CC , pois se o fizesse , estaria a contrariar o decido nesse despacho de 04/01/2023 quanto ao indeferimento do prosseguimento da venda e á indicação ao Agente para proceder à apreciação da aludida remição formalizada em 21/11/2022.
18-Existe despacho datado de 04/01/2023 no sentido de admitir o pedido de remição formalizado em 21/11/2022.
19-Assim, deveria o Senhor agente de execução ter cumprido o doutamente ordenado pelo douto despacho, já transitado em julgado, e adjudicar à filha do executado o quinhão hereditário que o executado detinha na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB.
20-Foi proferido despacho no sentido do Sr. Agente de Execução avançar para a concretização da venda pelo valor de 1000 Euros, tendo por base a melhor e única proposta apresentada.
21-A exequente teve oportunidade de se pronunciar sobre o valor proposto para aquisição do quinhão hereditário, nada dizendo, permitindo, deste modo, que a venda prosseguisse e que a proposta fosse aceite.
22-O direito de remição encontra a sua origem na ideia de proteção do património familiar. Trata-se de um direito com origem processual, que se constitui no momento da venda ou da adjudicação dos bens, que no seu exercício tem os mesmos efeitos do direito real de preferência e que permite aos familiares mais próximos do executado obter a adjudicação dos bens penhorados deste e vendidos, preterindo a proposta de compra apresentada por terceiros.
23-No caso em presença, foi tentada a venda do bem através de propostas em carta fechada; não tendo havido propostas passou-se para a modalidade de venda por negociação particular; a filha do executado estava em tempo para exercer o direito de remição, quando se apresentou a tal, por ainda não ter tido lugar a entrega do bem, nem a assinatura da escritura, tendo efetuado o depósito imediato do preço quando apresentou a proposta.
24-No caso concreto a filha do executado observou um dos requisitos necessários ao exercício do seu direito, pelo que pode ter-se o mesmo como validamente praticado- vd. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24/05/2011, in. www.dgsi.pt
25-Portanto e dado que no dia 10/11/2022 foi proferido despacho no sentido do Sr. Agente de Execução avançar para a concretização da venda pelo valor de 1000 Euros e posteriormente existe despacho datado de 04/01/2023 no sentido de admitir o pedido de remição formalizado em 21/11/2022 o senhor agente de execução deve cumprir o doutamente ordenado, já transitado em julgado, e adjudicar á filha do executado o quinhão hereditário que o executado detinha na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB.
26- Caso assim não se entenda assim estamos perante um caso de abuso de direito manifesto na modalidade de venire contra factum proprium.
Termos em que se deve dar-se provimento ao recurso apresentado por haver violação entre outra das normas constantes do artigo 628 do CPC , devendo revogar-se o douto despacho e substituí-lo por outro que reconheça e declare o direito de remição de CC como é de elementar
JUSTIÇA»
*
A Exequente apresentou as suas contra-alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões:
«1ª
O Executado AA carece da necessária legitimidade para recorrer, porquanto, o douto despacho de que recorre em nada o prejudica; antes pelo contrário, favorece-o, porquanto, permite que o bem imóvel seja vendido por um preço superior ao oferecido pela Remidora CC.
2ª
Por outro lado, quem verdadeiramente ficou vencida com a prolação do douto despacho ora recorrido foi a Remidora CC.
3ª
Logo, é vedado ao Executado AA insurgir-se contra o douto despacho ora em recurso por força do disposto nos artigos 30º e 631º ambos do Código de Processo Civil.
4º
Também é verdade que os autos encontram-se na fase da venda por negociação particular que ainda não terminou, não havendo ainda decisão proferida pelo Sr. Agente de Execução nesse sentido.
5º
O que implica que, apesar de ter havido o exercício do direito de remição por parte da Remidora CC, tal exercício não preclude a possibilidade de serem apresentadas e apreciadas outras propostas de
aquisição dos bens.
6º
Pelo que, não existe qualquer violação do principio do abuso do direito como alegado pelos Recorrentes, nem violação de qualquer norma processual.
7º
Devendo ser mantidos os efeitos do douto despacho ora recorrido.
JUSTIÇA»
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A Exma. Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando oportunamente pela sua subida devidamente instruído.
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Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:
- desacerto da decisão que entendeu não ser de admitir o pedido de remição da filha do executado para aquisição do quinhão hereditário em venda por negociação particular, face a uma proposta de € 1.000, com o fundamento de que ainda não tinha havido decisão de venda face a essa proposta.
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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a ter em consideração para a decisão são os que decorrem do relatório supra.
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4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Entremos diretamente na apreciação da questão do alegado desacerto da decisão que entendeu não ser de admitir o pedido de remição da filha do executado para aquisição do quinhão hereditário em venda por negociação particular, face a uma proposta de € 1.000, com o fundamento de que ainda não tinha havido decisão de venda face a essa proposta.
Quanto a nós, a resposta para a questão em apreciação está dependente e interrelacionada com o considerar-se (ou não) ter existido in casu esgotamento do poder jurisdicional”.
Sendo que a resposta é inequivocamente – e releve-se o juízo antecipatório! – no sentido de que estava efetivamente esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto à questão suscitada [decisão da venda por negociação particular face à proposta de € 1.000, e consequente oportunidade/legitimidade do exercício do direito de remição apresentado].
Senão vejamos.
Na verdade, salvo o devido respeito, face à sequência temporal de atos processuais supra relatada, parece-nos de meridiana clareza a conclusão de que em 10/11/2022 houve uma decisão judicial de autorização da venda pela Mma. Juiz de Execução, pelo preço oferecido pela “B..., Lda”, pois que foi consignado expressa e literalmente no despacho adrede proferido «(…) deverá o Sr. Agente de Execução avançar para a concretização da venda por esse montante. Notifique e comunique ao Agente de Execução.».
Sendo que foi na sequência desta decisão judicial que, em 21/11/2022, veio a filha do Executado e ora recorrente exercer o direito de remição.
Sucede que relativamente a este direito de remição também houve na sequência imediata uma decisão judicial da Mma. Juiz de Execução [em 4/1/2023] a considerar legítimo e tempestivo o seu exercício – tendo sido por isso que foi indeferida a desistência da proposta de compra que a Exequente [em 22/11/2022] havia apresentado, mais determinando que «(…) Alerte o Sr Agente de Execução para apreciar e decidir o pedido de remição formalizado em 21-11-2022. (…)».
Acresce que a decisão judicial de viabilização desse exercício do direito de remição foi reiterada com uma subsequente decisão judicial [de 13/2/2023], através da qual a mesma Mma. Juiz de Execução determinou que «(…) deverá ser o Sr. Agente de Execução, através de decisão fundamentada, tal como decorre do despacho de 04-01-2023, a decidir sobre o pedido de remição formalizado.(…)».
Neste contexto processual, como compreender/tutelar a prolação do despacho recorrido, a saber, através do qual se considerou que o pedido de remição apresentado pela filha do executado se mostrava validamente não aceite, com o fundamento de que ainda não tinha havido decisão de venda face à proposta de € 1.000 [assim confirmando/sancionando a decisão do AE nesse mesmo sentido]?
A nossa resposta é claramente que não se pode aceitar nem tutelar o despacho recorrido.
Pois que a isso se opõem as regras processuais.
Na verdade, tendo a questão sido apreciada e decidida pelos despachos anteriores vindos de citar, independentemente de os mesmos se mostrarem ou não transitados em julgado (por não terem sido objeto de qualquer reclamação ou recurso![2]), era inadmissível decisão posterior sobre a mesma questão que deles tinha sido objeto.
É que não obstante o inconformismo eventualmente assumido pelas partes, é muito limitado o poder de alteração das decisões judiciais pelo Tribunal que as profere, pois que, “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa” (cf. art. 613º, nº 1, do n.C.P.Civil)[3], o que se aplica “com as necessárias adaptações aos despachos” (cf. nº 3 do mesmo preceito).
Daqui naturalmente decorre que a via normal de impugnação das decisões judiciais é a do recurso, se admissível, dirigido a outro Tribunal, de hierarquia superior (cfr. art. 627º e segs. do mesmo n.C.P.Civil).
Dito de outra forma: a impugnação para reapreciação dos fundamentos da decisão, com vista à sua alteração ou anulação, só pode obter-se normalmente através da interposição de recurso.
Ao Tribunal que profere a decisão resta a possibilidade de aplicação, de si excecional, do disposto no art. 613º, nº 2, do dito n.C.P.Civil, tratando-se da retificação de erros materiais, suprimento de nulidades, esclarecimento de dúvidas existentes na decisão, bem como a sua reforma, nos termos dos artigos seguintes.
O que significa que o juiz da causa não pode, em regra, rever a decisão proferida, a não ser, nos casos excecionais previstos no nº2 do art. 613º e nº1 do art. 614º – ou seja, em caso de erro material, nulidade, obscuridade ou ambiguidade, ou reforma por lapso manifesto.
O que tudo serve para dizer que deveria a Exequente ter reconhecido que tinha havido uma pronúncia vinculativa da Exma. Juíza de 1ª instância sobre autorização de venda por negociação particular (pelo indicado montante de € 1.000), face à qual era inviável suscitar/requerer a desistência dessa proposta que ela mesma Exequente havia anteriormente apresentado, com concomitante pedido de apreciação/viabilização de uma nova proposta de venda, nomeadamente sob a sustentação de que ainda estava em tempo...
Debruçando-se sobre a questão, o nosso mais alto Tribunal já entendeu que o vício aqui em causa é o da falta de poder jurisdicional de quem profere a decisão modificativa de outra anteriormente proferida, gerando a inexistência jurídica da decisão proferida em segundo lugar.[4]
Com efeito, não há dúvida de que, proferido o despacho ou a sentença, se esgota o poder jurisdicional do juiz, sendo que isso mesmo é afirmado de forma clara pelo legislador, sendo certo que a razão pragmática do princípio da extinção do poder jurisdicional, do qual decorre, como se referiu, a impossibilidade do juiz, por sua iniciativa, proceder à modificação da decisão proferida «consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional (…) sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.».[5]
Parece-nos ter sido com este sentido que nas alegações recursivas, ainda que de forma não dogmaticamente mais correta, se sustentou existir «abuso de direito manifesto na modalidade de venire contra factum proprium»…
Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerações, procedem as alegações recursivas e o recurso, isto é, seja pela via da inexistência jurídica, seja por via da mera ineficácia, a decisão modificativa proferida em violação do princípio da extinção do poder jurisdicional do juiz consagrado no artigo 613º do n.C.P.Civil, e ainda não transitada, não produz quaisquer efeitos jurídicos.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA
(…)
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6 - DISPOSITIVO
Pelo exposto, decide-se a final, julgar procedente o recurso, declarando que o despacho impugnado não produz quaisquer efeitos.
Custas a cargo da Exequente/recorrida.
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Luís Filipe Cravo
Fernando Monteiro
João Moreira do Carmo