PENHORA
REGISTO DA PENHORA
NOVAS CONSTRUÇÕES NÃO DESCRITAS NO REGISTO
SUFICIÊNCIA DOS ELEMENTOS QUE CONSTAM DA DESCRIÇÃO PREDIAL
NULIDADE DO REGISTO DA PENHORA
Sumário

1. A penhora é dirigida aos atos ulteriores de transmissão dos direitos do executado para, através deles, direta ou indiretamente, ser satisfeito o interesse do exequente.
2. Objeto da penhora e da execução são todos os bens do devedor que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda (art.ºs 817º do CC e 735º, n.º 1, do CPC).
3. O exequente não tem o dever de averiguar a configuração real do prédio penhorado no momento em que regista a penhora, podendo bastar-se com os elementos tal como se mostram descritos na Conservatória do Registo Predial, independentemente de qualquer eventual alteração física ou jurídica do imóvel não constante do registo antes da penhora.
4. Caso contrário, os direitos dos credores ficavam na total dependência dos devedores que fariam ou não averbar as construções (e outras modificações) na descrição predial dos seus imóveis conforme melhor conviesse aos seus interesses.
5. Em tais situações, o registo não é nulo já que se não verifica qualquer omissão ou inexatidão, nem outra causa de nulidade, enquadrável na previsão do art.º 16º do Código do Registo Predial.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Moreira do Carmo
                  Luís Cravo

*
                Sumário: (…)

      *

               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

            I. AA, BB e CC, intentaram a presente ação declarativa comum, contra Banco 1..., S. A. (Banco 1...) e DD, pedindo que seja declarada a nulidade do registo de penhora realizado com base na AP. ...9 de 2021/05/06 - sobre quatro prédios registados em nome dos AA. na Conservatória do Registo Predial (CRP), lavrado no âmbito de uma execução instaurada pela Ré e que corre termos sob o n.º 91/21.... - e o consequente cancelamento.

           Alegaram, em síntese: o registo de penhora de quatro bens imóveis, efetuado pela 2ª Ré, na qualidade de agente de execução nomeada no âmbito da execução n.º 92/21...., em que é exequente a Banco 1... e executados os AA. -  sobre: um prédio rústico com a área de 5 400 m2, composto de pinhal com mato e terra de cultura com oliveiras; um prédio urbano composto por uma parcela de terreno para construção com a área de 18 400 m2; um prédio urbano composto de barracão com três divisões que se destina a sanitários, acessórios, forja, reparação e guarda de viatura, máquinas agrícolas e escritório e logradouro, com a área coberta de 1200 m2 e descoberta de 1000 m2; e um prédio urbano composto por barracão que se destina a estação de serviço, armazém, sanitários e casa para pessoal e logradouro, com a área coberta de 440 m2 e descoberta de 1400 m2 -, padece de nulidade, porquanto a realidade que o registo publicita, constante das quatro descrições prediais, não tem qualquer correspondência com a realidade efetiva e atual existente nos prédios em causa e ao tempo da penhora; em parte daqueles prédios e em terrenos contíguos àqueles, passou a existir no local, há mais de 15, 20 ou mais anos, uma outra realidade física corporizada num conjunto de edificações, onde funciona, inclusivamente, uma unidade industrial.

           A Ré Banco 1... contestou, alegando, nomeadamente: instaurou a dita ação executiva contra os AA. e a sociedade A... - SGPS, S. A., no valor de € 13 012 612,74; os AA. figuram como executados por terem avalizado uma livrança subscrita pela A..., entregue à Ré para garantia do cumprimento de responsabilidades assumidas perante esta, e cuja obrigação de pagamento foi incumprida; a 2ª Ré procedeu em conformidade e registou a penhora sobre os referidos imóveis; em 16.01.2017, o A. BB celebrou por escritura pública um contrato de Partilha com Assunção de Dívidas, onde declarou como verbas 29 e 30 do ativo os prédios identificados no art.º 1º da petição inicial (p. i.) dos presentes autos sob as alíneas a) e b), dispondo dos mesmos imóveis, identificando-os ipsis verbis com a descrição que consta nas certidões prediais e matriciais; nos anos de 2017, 2020 e 2021 os AA. dispuseram dos prédios agora penhorados, invocando a composição dos mesmos tal como se encontra registada, sem a questionar e sem nunca antes diligenciar pelos averbamentos à descrição, por forma a corrigir e atualizar a composição dos imóveis, apesar de, em relação a um dos prédios, terem inclusivamente promovido a alteração das respetivas áreas; ao longo de pelo menos 15/20 anos, os AA. mantiveram-se totalmente impassíveis, sabendo que sobre si recaía a referida obrigação de atualizar a descrição dos mesmos prédios na respetiva matriz.

            Concluiu pela improcedência da ação e pediu a condenação dos AA. como litigantes de má fé.

           Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a matéria de exceção invocada pela Ré Banco 1... [inadequação do meio processual escolhido pelos AA. e (in)tempestividade do pedido de declaração judicial da nulidade do registo da penhora e seu cancelamento], declarou a 2ª Ré parte ilegítima - absolvendo-a da instância -, firmou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova[1].

           Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 01.6.2024, julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré Banco 1... do pedido.[2]
Dizendo-se inconformados, os AA. apelaram formulando as seguintes conclusões:

           1ª - A al. c) do art.º 16º do Código do Registo Predial (CRP) determina que o registo é nulo “quando enfermar de omissões ou inexatidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objeto da relação jurídica a que o facto registado se refere”, sendo certo que a respetiva ação judicial de declaração de nulidade do registo pode ser interposta por qualquer interessado e pelo Ministério Público, logo que tome conhecimento do vício (cf. n.º 3, do art.º 17º do mesmo diploma).

           2ª - A ratio deste preceito está em linha com os princípios de natureza registral que norteiam e perpassam todo o CRP e que almejam a certeza e segurança do comércio jurídico imobiliário e a valorização da fé pública registral.

           3ª - À luz dos princípios consagrados neste diploma e dos seus propósitos, cada facto registado deve traduzir, com verdade e certeza, a realidade física existente no prédio a que se refere o registo, realidade esta delimitada, determinável, e referente a um perímetro determinado, não se admitindo qualquer inexatidão quanto ao objeto do facto registado.

           4ª - Por via da presente ação, pretendem os AA./Recorrentes ver declarado nulo o registo de penhora realizado com base na AP. ...9 de 2021/05/06, e que incide sobre quatro prédios registados em nome dos AA. na Conservatória do Registo Predial, pois que, como se deixou demonstrado nos Autos, o mesmo enferma de omissões e inexatidões, das quais resulta incerteza acerca do objeto da relação jurídica a que o facto registado se refere.

            5ª - Contrariamente ao entendimento perfilhado pelo Tribunal “a quo”, os AA. lograram demonstrar, por via da prova efetuada nos Autos (prova documental, prova testemunhal e inspeção ao local), os requisitos de procedibilidade da ação, razão pela qual deveria ter sido julgada procedente, por provada, e, consequentemente, declarada a nulidade do registo de penhora lavrado, ao abrigo da citada al. c) do art.º 16º do CRP.

           6ª - Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 79º do CRP, a “descrição” tem por fim a “identificação física, económica e fiscal dos prédios”, sendo que “de cada prédio é feita uma descrição distinta”.

           7ª - Da sentença resulta que a decisão final proferida tomou como base do seu raciocínio uma área global dos prédios, ou seja, a globalidade da área ocupada pelos ditos quatro prédios (e, ainda, outros prédios contíguos), mas não tomou em consideração que o Registo Predial trata cada um dos imóveis, de per se, sendo certo que o prédio, rectius, cada prédio em concreto, é o centro da atividade registral.

           8ª - Da decisão prolatada resulta expressamente que nenhuma das descrições prediais sujeitas ao registo de penhora, cuja nulidade se pretende ver declarada nesta ação, aponta para qualquer realidade física, económica ou fiscal efetivamente existente. Assim sendo, está posta em causa a verdadeira identidade de cada um dos prédios penhorados, pois que a identidade do prédio exigida pelo Registo Predial, terá que corresponder a uma certa e determinada porção de terreno delimitada no espaço, o que no caso concreto, como decorre dos Autos, não sucede, pondo em causa a certeza e segurança do registo.

            9ª - Entre os factos dados como provados na sentença consta o seguinte: “tal como se encontram descritos nas respetivas fichas prediais junto da Conservatória do Registo Predial, os prédios acima identificados em 1, não têm correspondência com a realidade atual, pois no respetivo espaço físico onde esses prédios se localizam não é possível identificar um “pinhal com mato”, uma “terra de cultura com oliveiras”, uma “parcela de terreno” e “dois barracões”; e ainda “essa falta de conformidade ou de correspondência é consequência de diversas construções levadas a cabo em tais prédios e em terrenos contíguos àqueles, passando a existir no local, há mais de 15, 20 ou mais anos, uma outra realidade física corporizada num conjunto de edificações, onde funciona também uma unidade industrial”.

            10ª - Provado que foi que a realidade publicitada no registo não corresponde à realidade física do seu objeto, e que a atentar no que se mostra “publicitado” não é determinável uma qualquer porção de terreno que possa assemelhar-se à realidade física existente no local, e que as divergências apuradas são de tal modo acentuadas que põem em causa a identidade de cada um dos prédios, impunha-se uma decisão diferente, pois que ficaram demonstrados os requisitos ou pressupostos de procedência da ação.

           11ª - A manutenção do registo de penhora em causa, porque publicita uma realidade que efectivamente não existe, e a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, porque sustenta a manutenção de um registo que comprovadamente não retrata a realidade física dos prédios a que respeita, põem em causa os princípios fundamentais que regem em matéria de Direito Registral e ferem, irremediavelmente, a valorização da fé pública que o Código do Registo Predial pretende estabelecer, a presunção de verdade e exatidão subjacentes a cada registo, pelo que se mostram desconformes com a Lei e o Direito.

           12ª - Apesar de quaisquer alterações que venham a ocorrer, o prédio, enquanto realidade física, terá que manter sempre a sua identidade, pelo que quaisquer construções ou edificações construídas sobre o prédio têm de caber dentro da linha poligonal do imóvel correspondente à descrição predial original.

           13ª - O registo da penhora, nos termos em que se encontra efetuado e por causa das omissões e inexatidões que se apuraram, é objetivamente gerador de dúvidas e incertezas sobre a identidade do seu objeto, pois que as descrições prediais que lhe estão subjacentes não foram objeto dos necessários averbamentos de atualização ou retificação, destinados à sua harmonização com a realidade física existente.

           14ª - Tais divergências, objetivamente enquadráveis no citado art.º 16º, al. c) do CRP, determinam a nulidade do registo de penhora efetuado, nulidade esta que aqui se pretende ver declarada.

            15ª - A factualidade apurada e os factos dados como provados naquele aresto impunham a procedência da ação, pelo que, ao concluir nos termos em que o fez, o Tribunal fez uma errada avaliação do significado e dos propósitos da norma em apreço, não considerando, ainda, as regras e os Princípios que regem o Registo Predial.

            16ª - Nos termos da lei, a penhora tem, necessariamente, de se reportar a um prédio em concreto, nos termos em que o Registo Predial o define: uma realidade física, económica e fiscal, com todos os elementos de identificação que determinem que ele não possa ser confundível com qualquer outro, tudo corporizado numa determinada descrição predial.

            17ª - O registo de penhora lavrado no âmbito da ação executiva instaurada contra os aqui AA. precede o ato de venda judicial que é o seu último propósito, pelo que, se no local o que existe é uma realidade física como a supra-descrita na própria sentença e se as descrições prediais sujeitas à penhora não traduzem aquela realidade, apontando para algo que na verdade não existe, tal registo é, por si, totalmente enganoso, o que não é compatível com a certeza e segurança que o Registo Predial determina, nem com as regras da venda judicial (cf. art.º 838º, n.º 1, do Código de Processo Civil/CPC).

           18ª - Na previsão do art.º 755º, do CPC, a penhora de bens imóveis no âmbito do processo executivo realiza-se através do registo - rectius, do registo de penhora que deve recair sobre o imóvel em causa e concretamente identificado, nos termos previstos no Código de Registo Predial -, pelo que esta penhora, outrora alcançada através do denominado Auto de Penhora, passou a efetuar-se através do registo na Conservatória do Registo Predial, o que determinou – com aliás bem referido na Sentença – que este registo tenha que ser considerado como de efeito constitutivo. Ou seja, é através do registo que se logra a apreensão efetiva do imóvel no âmbito de um processo judicial.

            19ª - Fruto da sua natureza constitutiva, o registo da penhora e o objeto penhorado (o prédio, em concreto), passaram a ser uma realidade inseparável, pois que o Título está consubstanciado no próprio registo.

            20ª - No caso concreto, a apreensão judicial levada a efeito por via do registo de penhora, não tem qualquer correspondência com a realidade, facto este gerador de uma dúvida insanável, pois que só podem ser vendidos no processo os bens imóveis que foram efetivamente identificados no registo de penhora, enquanto ato constitutivo, e não quaisquer outros.

            21ª - No caso em apreço, e contrariamente à conclusão a que chegou o Mm.º Juiz “a quo”, não estamos perante uma mera desconformidade quanto à composição ou área de um certo e determinado prédio: estamos perante inexatidões ou omissões suficientemente graves que põem em causa a verdadeira identidade de cada um dos prédios penhorados, atento o grau de incerteza quanto ao objeto da penhora, corporizado no seu registo.

           22ª - É que, se a edificação tiver lugar para além da linha poligonal do prédio, como é o caso, então está posta em causa a verdadeira identidade do prédio.

            23ª - Demonstrado ficou que estamos perante um vasto conjunto de construções levados a cabo em diversos prédios, não sendo possível identificar cada um deles e aquilo que está implantado no perímetro de cada um – incerteza esta plasmada, inclusive, no edital lavrado pela Sra. Agente de Execução, e no qual esta faz constar a menção “presumindo-se que este artigo faça parte do imóvel em questão, não tendo sido possível confirmar isso mesmo”.

           24ª - Como é consabido, a venda judicial ou extrajudicial de uma herdade, ou a sua penhora, ainda que não haja dúvidas sobre a sua exata localização e identificação e ainda que a mesma se encontre devidamente murada, apenas é possível, à luz do nosso ordenamento jurídico, através da venda e respetivo registo de cada um dos prédios que a compõem, identificados pela respetiva descrição e artigo matricial, não bastando identificar a herdade pela sua designação.

           25ª - O Tribunal “a quo” ao “tratar” os bens imóveis em causa como se de um único imóvel se tratasse, pôs em causa o Princípio da Especialidade e da Individualização, consignado no n.º 2 do Art.º 79 do CRP.

           26ª - Perante as comprovadas divergências existentes entre a realidade física dos prédios penhorados e o respetivo registo, deveria a Exequente ter promovido as diligências necessárias à atualização e harmonização das descrições prediais correspondentes aos prédios penhorados, por forma a que estas passassem a retratar a realidade e pudessem ser objeto de apreensão e venda judicial.

           27ª - O ato omissivo dos AA. (ou do Grupo de Empresas existente no local), ao não ajustarem os prédios à realidade existente, poderá, na perspetiva do credor, ser criticável, mas tal opinião, por comum que fosse, não se sobrepõe à lei e ao dever ou ónus legalmente prescrito (Cf. n.º 2 do art.º 8 do Código Civil/CC). E se as partes recorrem a juízo para a resolução de um litígio, cada uma delas tem o direito de usar a lei em seu benefício.

           28ª - Na verdade, o titular de um imóvel não é legalmente obrigado a registá-lo, a seu favor, na Conservatória do Registo Predial, sendo que tal omissão em nada prejudica o credor, pois que a lei lhe confere a possibilidade de, legitimamente, se substituir ao Executado e proceder ao imediato registo da penhora sobre o bem em causa, de modo a poder pagar-se do seu crédito pelo produto da venda judicial do bem.

            29ª - E se o Devedor não está obrigado a registar os seus bens imóveis, por maioria de razão não está obrigado a promover as suas atualizações no registo, fruto de quaisquer alterações levadas a cabo no imóvel, sendo que uma tal omissão também não prejudica o credor, que goza, também, de toda a legitimidade para, perante a inércia do titular inscrito, se substituir ao proprietário do bem e promover as respetivas alterações no Registo Predial, como decorre do art.º 38 do CRP. Esta, a solução normativa consagrada pelo Legislador!

           30ª - Se os Executados não procederam às referidas atualizações junto do Registo e da Matriz, poderia, rectius, deveria a Banco 1... ter promovido as respetivas alterações, procedendo aos averbamentos respetivos na CRP, através do recurso ao mecanismo previsto na lei e consubstanciado no art.º 38º, n.º 1, alínea c) e art.º 32º, n.º 4, do CRP, e n.º 3 do art.º 130º do CIMI, sob pena de, não dando cumprimento a tal ónus legal, o bem não poder ser alienado para satisfação do seu crédito (visto que a inscrição registral da penhora será nula e, consequentemente, não será legalmente possível a venda (judicial) sem que tal inscrição haja sido feita, e feita validamente).

           31ª - Na sentença em crise, conclui o Tribunal que os AA, atento o seu ato omissivo na atualização da identificação dos bens imóveis, estão “(...) impedidos de lançar mão da presente ação, pois que, a sua eventual procedência, poderia ser paralisada por eventual abuso de direito” – conclusão esta que os AA. não podem aceitar.

            32ª - A relação jurídica decorrente de um processo executivo, e designadamente quando estamos perante a eventual venda judicial de um imóvel, não se confina a um interesse estritamente privado entre o Exequente e Executado, havendo que reconhecer a existência de um Interesse Público a preservar e acautelar.

            33ª - É em nome desse Interesse Público que a lei exige o registo da penhora sobre o bem imóvel, como forma de proteger a segurança do mercado imobiliário e do Cidadão, estando em causa a credibilidade do Estado e a realização da Justiça. A publicidade registral visa o interesse público, facto que justifica estar “nas mãos do estado”.

           34ª - Na sua função publicística - e que no caso concreto é, também, o cerne do ato apreensivo -, o que é anunciado no registo tem de corresponder à realidade, sendo que a publicidade constante do registo há de apontar no sentido de uma tendência permanente para a inteira correspondência entre a realidade jurídica e a realidade tabular.

           35ª - A ideia-força vertida na sentença, mais não representaria do que um ato punitivo para os Executados, na medida em que estes se veriam impedidos de discutir em juízo se um ato de registo é nulo por violação de uma norma contida no Código de Registo Predial.

           36ª - A norma em causa é de Direito Público e, como tal, para além do interesse das Partes no processo, está em causa o interesse público, pelo que não se vislumbra como é que a eventual procedência da ação poderia conduzir à paralisação do direito invocado, pela aplicação do Instituto do Abuso de Direito.

           37ª - O eventual reconhecimento dos pressupostos para a verificação de tal nulidade não interessa apenas aos Autores, mas sim à ordem jurídica e à confiança que esta deve gerar no Cidadão, estando em causa a presunção de verdade que é típica do Registo Predial, pelo que, face aos interesses de natureza pública subjacentes, haverá que reconhecer que não houve qualquer atuação que possa configurar situação de abuso de direito, ou uso de processo ilegítimo, nos termos e para os efeitos consignados no art.º 334º do CC.

            38ª - Os AA., ao instaurarem a presente ação, não excederam, a qualquer título, muito menos manifesta ou abusivamente, o seu direito, não tendo a presente ação perturbado o regular andamento do processo executivo instaurado contra os AA., pelo que nenhum prejuízo acarretou esta ação para a ali Exequente.

            39ª - Ao julgar a ação improcedente, nos termos em que o fez, o Mmo. Juiz “a quo”, violou o disposto no Art.º 16, alínea c); alínea f) do Art.º 101; o Art.º 1º; o Art.º 7º; Art.º 79, n.º 2; Art.º 82, todos do CRP, ao mesmo tempo que não tomou em consideração o disposto nos Art.ºs 38º, n.º 1, alínea c) e 32º, n.º 4 do mesmo CRP, bem como o Art.º 130º, n.º 3 do CIMI; Art.º 755º e Art.º 334º do Cód. Proc. Civil.

           Rematam pedindo a revogação da decisão recorrida e a procedência da ação.

            A Ré respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

           Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa conhecer e/ou reapreciar, apenas, a decisão de mérito.       


*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

           1) Por via da Apresentação 19 de 2021/05/16, no âmbito do processo de execução n.º 92/21...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leira, Juízo de Execução de Ansião, Juiz ... – em que são Exequente a aqui Ré Banco 1..., S. A. e Executados os aqui AA. – foi efetuado, a solicitação da Ré, o registo de penhora de quatro prédios constantes do Auto de Penhora lavrado em 14.5.2021 pela Agente de Execução DD, a seguir identificados:

            a) Prédio rústico, com a área de 5 400 m2, sito na Quinta ..., Freguesia ..., em ..., composto de pinhal com mato e terra de cultura com oliveiras, atravessado pelo caminho, a confrontar do norte com EE; do Sul e Poente com estrada nacional e do nascente com caminho, inscrito na matriz respetiva sob o art.º ...43 e descrito na ... CRP ..., sob o n.º ...20, da Freguesia ...;

           b) Prédio urbano, composto de parcela de terreno para construção, com a área de 18 400 m2, sito na Quinta ..., Rua..., a confrontar do norte com CC; do sul com FF; do nascente com Rua ... e do poente com a EN ...13, inscrito na matriz sob o art.º ...62 e descrito na ... CRP ... sob o n.º ...31, da Freguesia ...;

            c) Prédio urbano, sito na Quinta ..., composto de Barracão com três divisões que se destina a sanitários, acessórios, forja, reparação e guarda de viatura, máquinas agrícolas e escritório e logradouro, com a área coberta de 1200 m2 e descoberta de 1000 m2, a confrontar do Norte com EE; do sul e nascente com GG e do poente com estrada, inscrito na matriz respetiva sob o art.º ...13 e descrito na ... CRP ... sob o n.º ...05, da Freguesia ...; e

            d) Prédio urbano, sito na Quinta ..., composto por Barracão que se destina a estação de serviço, armazém, sanitários e casa para pessoal e logradouro, com a área coberta de 440 m2 e descoberta de 1400 m2, a confrontar do norte com EE; do sul com estrada; do nascente e poente com GG, inscrito na matriz sob o art.º ...14 e descrito na 2ª CRP sob o n.º ...05, da Freguesia ....

            2) O pedido de registo foi lavrado pelo Senhor Conservador do Registo Predial como definitivo.

            3) Tal como se encontram descritos nas respetivas fichas prediais junto da Conservatória do Registo Predial, os prédios acima identificados em 1), não têm correspondência com a realidade atual, pois no respetivo espaço físico onde esses prédios se localizam não é possível identificar um “pinhal com mato”, uma “terra de cultura com oliveiras”, uma “parcela de terreno” e “dois barracões”.

           4) Essa falta de conformidade ou de correspondência é consequência de diversas construções levadas a cabo em tais prédios e em terrenos contíguos àqueles, passando a existir no local, há mais de 15, 20 ou mais anos, uma outra realidade física corporizada num conjunto de edificações, onde funciona também uma unidade industrial.

           5) Os prédios descritos em 1) encontram-se registados a favor dos AA., através das seguintes apresentações:

           5.1. Ap. n.º 847 de 2013/04/07 em relação ao prédio supra descrito no ponto 1)-a);

           5.2. Ap. n.º 1009 de 2013/04/17 em relação ao prédio supra descrito no ponto 1)-b);

           5.3. Ap. n.º 3043 de 2009/11/17, em relação ao prédio supra descrito no ponto 1)-c); e  

           5.4. Ap. n.º 3043 de 2009/11/17, em relação ao prédio supra descrito no ponto 1)-d).

           6) Os AA. são irmãos entre si e acionistas do denominado Grupo B..., atualmente designado por Grupo C..., nomeadamente da sua holding, a A..., SGPS, S. A.

           7) Através da ação executiva identificada em 1), a Ré, na qualidade de exequente, demandou os AA., na qualidade de executados, enquanto avalistas de uma livrança, e, ainda, como executada a sociedade comercial A..., SGPS, S. A., para cobrança coerciva da quantia exequenda de € 13 012 612,74.

           8) Em tal ação executiva a Ré indicou à penhora os quatro imóveis identificados em 1), da propriedade dos AA. e estes, por requerimento de 25.5.2021, indicaram relativamente a cada um desses prédios os direitos, ónus e encargos que recaem sobre eles, comunicando terem sido realizados contratos de comodato entre os AA. e terceiros que identificaram (“D..., S.A.”, “B... – Serviços artilhados ACE”, “B... – Engenharia e Construções, S.A.” e “B... Ambiente – Gestão de Resíduos, S. A.”).

           9) No dia 20.5.2021, a Agente de Execução DD elaborou o auto de penhora e procedeu à sua junção aos autos.

           10) A data de 14.5.2021 constante do auto de penhora deveu-se a lapso de escrita, porquanto esse auto foi efectivamente elaborado em 20.5.2021.

           11) No dia 20.5.2020 os AA. foram notificados das penhoras realizadas e da possibilidade de deduzir oposição à penhora.

           12) A afixação de edital dos bens imóveis penhorados, pela agente de execução, ocorreu no dia 15.12.2021.

           13) Consignou-se no auto de penhora referido em 9), quanto à descrição dos bens penhorados, o seguinte:

            14.1 “Verba 1 - Imóvel – Prédio rústico denominado Quinta ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...42, da Freguesia ..., inscrito na matriz predial com o n.º ...43, da União de Freguesias .... O valor atribuído corresponde ao valor patrimonial determinado em 1989 (última avaliação), conforme consta da caderneta predial consultada na presente data. Código de acesso à Certidão Permanente: ...42”;

            14.2. “Verba 2 - Imóvel – Prédio urbano sito na Quinta ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...72 da Freguesia ..., inscrito na matriz predial com o n.º ...13, da União de Freguesias .... O valor atribuído corresponde ao valor patrimonial determinado em 2018 (última avaliação), conforme consta da caderneta predial consultada na presente data. Código de acesso à Certidão Permanente: ...72;

           14.3. Verba 3 - Imóvel – Prédio urbano sito na Quinta ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...73, da Freguesia ..., inscrito na matriz predial com o n.º ...14 da União de Freguesias .... O valor atribuído corresponde ao valor patrimonial determinado em 2019 (última avaliação), conforme consta da caderneta predial consultada na presente data. Código de acesso à Certidão Permanente: ...73;

            14.4. “Verba 4 - Imóvel – Prédio urbano sito na Quinta ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...64, da Freguesia ..., inscrito na matriz predial com o n.º ...62, da União de Freguesias .... O valor atribuído corresponde ao valor patrimonial determinado em 2019 (última avaliação), conforme consta da caderneta predial consultada na presente data. Código de acesso à Certidão Permanente: ...64.

            14) Em 16.01.2017, o A. BB celebrou por escritura pública um contrato, denominado “Partilha com Assunção de Dívidas”, onde declarou, como verbas 29 e 30 do activo, os prédios supra identificados no ponto 1), alíneas a) e b).

           15) Na data indicada no ponto anterior, o mesmo A. tinha conhecimento de que a realidade material destes prédios já não era coincidente com a realidade constante da descrição predial há mais de 15/20 anos.

            16) Na escritura indicada no ponto 14), o mesmo A. identificou e reconheceu que o imóvel supra identificado no ponto 1), alínea a), correspondia a um “prédio rústico, composto por pinhal com mato e terra de cultura com oliveiras, atravessado por caminho sito na Quinta ...”; e que o imóvel supra identificado no ponto 1), alínea b), correspondia a um “prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção, sito na Quinta ...”.

           17) Em 30.10.2020, o A. CC celebrou por escritura pública um contrato denominado “Partilha por Divórcio, Dação em Pagamento e Penhor”, e declarou com a outorgante HH, “que foram casados entre si (…)” e que “pela presente escritura vão proceder à partilha do seguinte património comum”, indicando a seguir os prédios aludidos no ponto 1), alíneas a) e b), sabendo que a realidade material e a que consta das respetivas descrições prediais não coincidiam há mais de 15/20 anos.

           18) Em 09.3.2021 a A. Maria celebrou escritura pública denominada “Partilha”, subsequente a separação de pessoas e bens, quando já tinha sido citada para a execução acima referida, dispondo de todos os prédios acima identificados em 1), penhorados pela Ré, aí identificando e descrevendo os prédios referidos em 1) tal como estão descritos nas respetivas descrições prediais.

         19) Quanto ao prédio identificado em 1), alínea c), identificado na referida escritura pública de “Partilha” como verba quatro, foi requerida a respetiva atualização mediante a entrega do Modelo 1 do IMI no dia anterior ao da sua celebração, tendo sido solicitada a avaliação do prédio motivada por alteração de áreas.

           20) Os AA. nunca diligenciaram por qualquer alteração ou averbamentos à descrição predial, por forma a corrigir e atualizar a composição dos imóveis supra identificados em 1).

           21) Nos editais referentes aos imóveis penhorados identificados em 1), preenchidos e afixados pela Senhora Agente de Execução, no âmbito do referido proc. executivo n.º 92/21...., manuscreveu aquela, em cada um deles, no campo das “Observações” do certificado de afixação, o seguinte: “O edital foi afixado junto do n.º ...0 da Rua..., Quinta ..., presumindo-se que este artigo faça parte dos imóveis em questão, não tendo sido possível confirmar isto mesmo”.

           22) No âmbito do mesmo processo executivo, no documento KqgrEOqhVJd – Decisão da Venda – com data de 11.01.2023, emitido pela Senhora Agente de Execução, consignou-se, quanto aos bens a vender, referentes aos quatro imóveis identificados em 1), o seguinte: “As verbas 1, 2, 3 e 4 acima identificadas constituem um único lote, com o valor total global de 364 507,23 (…) sendo esse o valor base (…)”.

            2. Cumpre apreciar e decidir.

           Tendo-se por correto o explanado e a solução jurídica encontrada na decisão recorrida, vejamos, desde já, os excertos da mesma que respondem à generalidade das questões suscitadas (agora, também, na apelação):

           - Partindo dos factos enunciados em II. 1. 1), 5), 8) e 13), supra, e tendo presente o preceituado nos art.ºs 1º, 2º, n.º 1, alínea n) - o registo da penhora passou ex vi legis a assumir, no sistema, uma natureza constitutiva[3] -, 4º, n.º 1, 5º, n.º 1,  7º, 16º e 79º do Código do Registo Predial (aprovado pelo DL n.º 224/84, de 06.7) e 755º do CPC, bem como os ensinamentos da doutrina e jurisprudência em matéria de registo predial[4], concluiu-se que «a realidade ´física` atualmente existente e encontrada no local dos prédios supra identificados no ponto 1 dos factos provados ´não é a mesma` que se encontra descrita no registo predial – nas “tábuas do registo” – pois atualmente, por observação direta (e o tribunal pôde constatá-lo com a deslocação que empreendeu ao local: ...) as características e composição atual dos quatro prédios acima descritos não corresponde na íntegra à descrição do registo predial, pois no local, fisicamente, não se encontram propriamente um “prédio rústico composto de pinhal com mato e terra de cultura com oliveiras, atravessado pelo caminho” (art.º matricial 8943), não se encontra um “prédio urbano, composto de parcela de terreno para construção” (art.º matricial 2662), não se encontra um “prédio urbano composto de Barracão com três divisões” (art.º matricial 1113), nem, por último, se encontra um “prédio urbano composto por Barracão que se destina a estação de serviço, armazém, sanitários (…)” (art.º matricial 1114). / O que se encontra atualmente no espaço físico a que correspondem os quatro imóveis é (...) uma zona alcatroada, com áreas de parque de estacionamentos, coberto e descoberto, pavilhões, parque de máquinas, oficinas, edificações várias para refeitório, cafetaria e escritórios. / Contudo, não pode sustentar-se que os imóveis ´não existem`; eles ´existem` e podem ser identificados no local[5], embora com diferentes composição, áreas (elas existem e são mensuráveis, embora não estejam definidas, podendo sê-lo) e ´delimitação` física (ainda que indefinida, mas suscetível de demarcação ou definição material das respetivas estremas), ou seja, os quatro prédios têm hoje outra composição e características físicas, aquela que foram sofrendo por ação dos seus proprietários ao longo dos anos, o que gerou desconformidade entre a realidade e a descrição predial – aquela ´não bate certo` com esta, é certo.»

           - Refere-se, depois: «Mas essa inexatidão, pergunta-se – advinda de diferente composição e características físicas, por via de transformação dos prédios – é de tal modo grave que atinja “o objeto da relação jurídica a que o facto registado se refere”? – não. Esse objeto é conhecidoos prédios ´estão lá`, existem fisicamente ´no terreno`, podem ser apropriados e podem ser objeto de relações jurídicas e, naturalmente, de penhora e posterior venda. / (...) a lei não impede, antes aconselha, a que os interessados – os autores, na qualidade de proprietários, ou a ré na qualidade de credora com registo de penhora inscrito – possam atualizar, por averbamento à descrição, a situação dos quatro prédios penhorados, harmonizando desse modo a realidade física atual com a realidade registal já desatualizada ou, se quisermos, “corrigindo a realidade tabular de harmonia com a realidade jurídica, o que no entanto não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiros de boa fé, se o registo dos factos correspondentes for anterior ao registo da retificação”.[6] / E ainda que se defenda que um qualquer terceiro que venha a comprar, em contexto de venda executiva, os imóveis penhorados, nenhum óbice se descortina face a tal desatualização, porquanto a venda está concretamente anunciada em ´lote`, para aquisição ´conjunta`, razão por que quem adquirir, adquire ´todos` os quatro imóveis ´uno actu`, assinalando-se perfeita sintonia e correspondência entre o que existe no local e o que é comprado/adquirido por via executiva, concentrando-se na mesma pessoa a propriedade plena sobre os quatro imóveis - vd. o ponto 22 dos factos provados. / Aliás, tanto assim é que têm vindo a ser objeto de relações jurídicas de ´partilha` e de ´comodato` sem que, para tal, os autores tenham sentido ´necessidade` de averbar alterações às respetivas descrições.[7] / Aliás, são os próprios autores quem, contraditória, mas sintomaticamente, defendem nos autos que “(...) cada um dos (autores), apesar do que consta da Escritura e do próprio Registo, sabe aquilo que é sua pertença, respeitando, cada um deles, os direitos dos demais relativamente à composição efetiva de cada um dos prédios”, para, de seguida, afirmarem que a penhora se reporta a “uma realidade que não existe de facto, nem de direito (...)”, uma “realidade” que classificam de “inexistente” - vd. os pontos 8, 14 a 20 dos factos provados; vd. os art.ºs 57º e 58º do seu req.º de 10.3.2022 em exercício do contraditório

             - E ainda, nomeadamente: «(...) A ré, na qualidade de exequente, através de agente de execução, limitou-se a registar a penhora dos prédios tal como os encontrou descritos no registo predial, não se afigurando que tenha ´a obrigação de saber ou conhecer` ou que lhe seja de exigir que proceda a uma ´indagação prévia` se no local físico de implantação dos imóveis existe ou não outra realidade edificada, incorporada, plantada ou construída, razão por que o registo de penhora efetuado pela ré não é nulo, pois não há omissão ou inexatidão ou outra causa de nulidade prevista na lei registal, mas sim é um registo plenamente válido pois reporta-se a imóveis que ´existem` efetivamente, têm existência ´real` e isso o tribunal pôde constatar no local, embora existam atualmente, por força de alterações levadas a cabo ao longo dos anos, com outra configuração e características físicas, como se disse – esta questão não é nova nos nossos tribunais: vd. o Ac. da RP de 15.5.2001, rel. Des. Afonso Correia, no proc. n.º 0120628 (...)[8]. / (...) os elementos da descrição predial sempre poderão ser atualizados, até oficiosamente, por averbamento (cf. CRP: art.ºs 79º-1, 88º-1, 89º-c) e 90º), desde logo pelos próprios autores ou por quem tenha legitimidade para o fazer, mesmo após em momento posterior ao registo de penhora. Quer isto dizer que os autores, na sua qualidade de proprietários, (...) nunca deixaram de ter ´legitimidade` para alterar a descrição predial dos quatro imóveis por forma a harmonizar a sua descrição tabular com a sua descrição física, real – cf. CRP: art.º 38º-1-a)-b) – o que nunca fizeram, podendo tê-lo feito, como aliás fizeram em parte com a correção de área quanto a um dos imóveis, supra identificado no ponto 1, alínea c) – vd. ponto 19 dos factos provados. / Nesta decorrência mal se compreende a alegação dos autores de que recai sobre a ré o ónus de promover as alterações às descrições prediais, uma vez que os autores, sendo proprietários, podendo e até devendo fazê-lo, nunca o fizeram. / E mal se compreende por outro lado a alegação dos autores, em sua defesa, tendente a justificar a não atualização das descrições aquando da partilha que incluiu os bens penhorados, de que “(...) ao tempo, não havia possibilidade de aguardar pela atualização das respetivas matrizes (e correspondentes averbamentos), pois que, estas, poderiam ficar sujeitas a verificações, por parte dos Serviços de Finanças, com a morosidade daí decorrente. O que não era condizente com a celeridade pretendida (...)” - vd. o teor dos art.ºs 47º, 54º, 55º e 56º do req.º dos autores de 10.3.2022 no âmbito do contraditório que exerceram face ao teor das exceções alegadas na contestação. / Então se os autores não atualizaram as matrizes e as descrições prediais dos quatro imóveis penhorados por, à altura, segundo alegam, terem ´pressa` e ´não poderem aguardar` pela suposta ´demora` dos serviços públicos competentes para o efeito, então o que dizer da ré, credora de avultada quantia pecuniária mutuada (vd. ponto 7 dos factos provados), na qualidade de exequente nos autos de execução, quanto à necessidade de registar ´rapidamente` uma penhora que lhe daria prevalência sobre eventuais terceiros credores a ver-se paga pelo produto da venda dos bens? Acaso seria de se lhe exigir que antes do registo de penhora ´fosse ver` qual a configuração efetiva dos bens da propriedade do devedor/executado para assim aferir se ocorreria alguma ´inexatidão` de que pudesse resultar ´incerteza` sobre o ´objeto` da relação jurídica? – salvo melhor juízo, não nos parece. / Não tem, portanto, como se disse, o exequente, ora ré, o dever de averiguar qual a situação concreta, isto é configuração real do prédio penhorado no momento em que regista a penhora, podendo bastar-se com os elementos disponíveis no registo, tal como se mostram descritos na Conservatória do Registo Predial respetiva. / A jurisprudência dos tribunais superiores já tratou de casos deste tipo e sustentou em situação análoga: “(…) Não interessa saber se um lote de terreno para construção, penhorado de acordo com os elementos de identificação constantes do registo predial, é um não um prédio, rústico ou urbano, como a lei civil o define (...) ninguém duvida que se trata de imóvel, sujeito a penhora nos termos das leis substantiva e processual, objecto de descrição autónoma como prédio (urbano) no Registo Predial (...). Se a descrição registral tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios – art.º 79º do CRP – quem recorre ao registo deve poder contar com a segurança que é seu fim último – art.º 1º do mesmo Código (...). É evidente que o imóvel penhorado pelo Banco… (...) é o mesmo, de nada valendo o argumento retirado do diferente artigo matricial antes e depois da construção, o maior ou menor valor matricial desta, enfim, qualquer alteração física ou jurídica do imóvel não constante do registo antes da penhora. Se fosse como quer a embargante, os direitos dos credores ficavam na total dependência dos devedores que fariam ou não averbar as construções na descrição predial dos seus imóveis conforme melhor conviesse aos seus interesses, sabido que os averbamentos às descrições só podem ser pedidos pelo proprietário definitivamente inscrito ou com a sua intervenção – art.º 38º do CRP (...). A descrição predial manteve-se a mesma, o imóvel é o mesmo e não deixou de existir pelo facto de nele ser efetuada construção não averbada à data da feitura e registo da penhora. O registo não é nulo já que não se verifica qualquer omissão ou inexatidão – al. c) – nem outra causa de nulidade, como previsto no art.º 16º do CRP” - vd. o Ac. da RP de 15.5.2001, Afonso Correia, proc. n.º 0120628, dgsi. / Os imóveis penhorados existem, são identificáveis, localizáveis e tangíveis na sua existência corpórea e jurídica, pelo que não pode sustentar-se existir inexatidão de que resulte incerteza acerca do objeto da relação jurídica: “Sendo fisicamente identificável o imóvel penhorado, podendo na realidade e em concreto ser apreciado e certificado pelos interessados na venda nas suas características físicas, nomeadamente na sua área, composição, confrontações e estado de conservação, sendo também o imóvel penhorado o que corresponde ao artigo matricial respetivo e à certidão de registo (existentes nos autos) necessária à confirmação da existência de ónus e encargos, a eventual discrepância de área, alteração de artigo matricial não certificada nos autos ou diferente composição não obsta à realização da venda uma vez que a possibilidade de confirmação física do bem penhorado garante a certeza e segurança jurídica na obtenção do preço.”»[9]

            - Concluindo-se: «Em suma, a alegação dos autores, na sua contestação, e em requerimento posterior de que ´inter alia` “aquilo que não existe não pode ser objeto de apreensão”, “tal lote de terreno não existe”, “retratando o ato apreensivo uma realidade que não existe de facto nem de direito”, “nula seria a venda por falta de objeto” (req.º de 10.3.2022, art.ºs 28º, 29º, 58º e 63º), não pode proceder pelas razões acima expostas.

            - Por último - atendendo, sobretudo, à factualidade descrita em II. 1. 1), 5) e 14) a 20, supra -, sempre a invocação de tal pretensa nulidade (e o exercício do correspondente direito) haveria de ser paralisada por funcionamento do instituto do abuso de direito (art.º 334º do CC), «porquanto estaria o tribunal a reconhecer um direito (de ser declarada a nulidade do registo de penhora e cancelamento do mesmo), nessa medida, formalmente válido, mas materialmente injusto. (...) / Ora, fazer proceder o pedido de nulidade do registo de penhora consubstanciaria um reconhecimento judicial de um comportamento contraditório, juridicamente relevante, por banda dos autores: ao arrastar no tempo a não atualização da descrição predial dos imóveis, harmonizando-os ou pondo-os concordes com a realidade material ou física, na sequência das transformações que lhes foram introduzido ao longo dos anos, para depois se fazer valer desse comportamento omissivo para retirar daí uma vantagem – ver declarada nulo um registo de penhora sobre esses mesmos prédios que nunca atualizaram – deliberada ou negligentemente - nas tábuas do registo, redundaria no exercício de um direito pelos autores que excederia manifestamente os limites impostos pelos princípios da boa fé. / (...) Ao invocar essa suposta nulidade, incorre em abuso de direito, ou seja, incorrendo numa situação jurídica que não pode ser reconhecida pelo Direito, pela Ordem Jurídica, nem ratificada pelo Tribunal, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, razão por que integrando-se a sua conduta nas modalidades de ´venire contra factum proprium` (exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida) e de ´tu quoque` (o sujeito que incumpriu um dever jurídico não pode vir depois prevalecer-se desse incumprimento), autorizaria a procedência dessa defesa por exceção material alegada pela ré na sua contestação  (...). / (...) também por esta via sempre improcederia a presente ação

3. Prosseguindo.

Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda (art.º 735º, n.º 1, do CPC).

A penhora de coisas imóveis realiza-se por comunicação eletrónica do agente de execução ao serviço de registo competente, a qual vale como pedido de registo, ou com a apresentação naquele serviço de declaração por ele subscrita (art.º 755º, n.º 1). Inscrita a penhora e observado o disposto no n.º 5, é enviado ou disponibilizado por via eletrónica, ao agente de execução, certidão dos registos em vigor sobre os prédios penhorados (n.º 2). Seguidamente, o agente de execução lavra o auto de penhora e procede à afixação, na porta ou noutro local visível do imóvel penhorado, de um edital, constante de modelo aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça (n.º 3). O registo da penhora tem natureza urgente e importa a imediata feitura dos registos anteriormente requeridos sobre o bem penhorado (n.º 5).

A penhora abrange o prédio com todas as suas partes integrantes e os seus frutos, naturais ou civis, desde que não sejam expressamente excluídos e nenhum privilégio exista sobre eles (art.º 758º, n.º 1)

4. O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (art.º 1º do Código do Registo Predial/CRP).

O registo é nulo: a) Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos; b) Quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado; c) Quando enfermar de omissões ou inexatidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objeto da relação jurídica a que o facto registado se refere; d) Quando tiver sido efetuado por serviço de registo incompetente ou assinado por pessoa sem competência, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 369º do Código Civil e não possa ser confirmado nos termos do disposto no artigo seguinte; e) Quando tiver sido lavrado sem apresentação prévia ou com violação do princípio do trato sucessivo (art.º 16º do CRP, na redação conferida pelo DL n.º 116/2008, de 04.7).

Têm legitimidade para pedir o registo os sujeitos, ativos ou passivos, da respetiva relação jurídica e, em geral, todas as pessoas que nele tenham interesse ou que estejam obrigadas à sua promoção (art.º 36º).

Salvo quando se trate de factos que constem de documento oficial, os averbamentos às descrições só podem ser pedidos: a) Pelo proprietário ou possuidor definitivamente inscrito ou com a sua intervenção; b) Por qualquer interessado inscrito ou com a sua intervenção, não havendo proprietário ou possuidor inscrito; c) Por qualquer interessado inscrito que tenha requerido a notificação judicial do proprietário ou possuidor inscrito, não havendo oposição deste no prazo de 15 dias (art.º 38º, n.º 1). A intervenção referida nas alíneas a) e b) do número anterior tem-se por verificada desde que os interessados tenham intervindo nos respetivos títulos ou processos (n.º 2).

Sem prejuízo do disposto quanto às execuções fiscais, o registo da penhora é efetuado com base em comunicação eletrónica do agente de execução ou em declaração por ele subscrita (art.º 48º, n.º 1).

A viabilidade do pedido de registo deve ser apreciada em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando-se especialmente a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos atos neles contidos (art.º 68º).

A descrição tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios (art.º 79º, n.º 1). De cada prédio é feita uma descrição distinta (n.º 2).

O extrato da descrição deve conter: a) O número de ordem privativo dentro de cada freguesia, seguido dos algarismos correspondentes à data da apresentação de que depende; b) A natureza rústica, urbana ou mista do prédio; c) A denominação do prédio e a sua situação por referência ao lugar, rua, números de polícia ou confrontações; d) A composição sumária e a área do prédio; f) A situação matricial do prédio expressa pelo artigo de matriz, definitivo ou provisório, ou pela menção de estar omisso (art.º 82º, n.º 1).

Os elementos das descrições podem ser alterados, completados ou retificados por averbamento (art.º 88º, n.º 1).

A inscrição pode ser completada, atualizada ou restringida por averbamento (art.º 100º, n.º 1).

5. Considerados os factos dados como provados (materialidade que não se questiona) e os elementos juntos aos autos, é irrecusável que a penhora foi realizada de harmonia com o descrito quadro normativo, sendo que os bens em causa foram adequadamente especificados atenta a respetiva descrição no registo predial, não se suscitando qualquer dúvida sobre a propriedade dos AA. e a razão de ser da correspondente apreensão judicial (em que se traduz a penhora), enquanto ato judicial fundamental do processo de execução para pagamento de quantia certa[10] - cf., sobretudo, II. 1. 1), 2), 5), 8), 9), 12) e 13), supra.

A penhora é dirigida aos atos ulteriores de transmissão dos direitos do executado para, através deles, direta ou indiretamente, ser satisfeito o interesse do exequente. Esta a sua função.

Objeto da penhora e da execução são todos os bens do devedor que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda - cf. art.º 735º, n.º 1 do CPC e, nomeadamente, art.ºs 601º, 817º e 833º do CC.

A penhora, por exemplo, de bem imóvel, «incide sobre a coisa com vista ou em função do direito».[11]

6. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, os AA./recorrentes desenvolveram toda a sua argumentação pretendendo ignorar a razão de ser da execução dita em II. 1. 1), 8), 13) e 22), supra.

           Ademais, ao contrário do que se vem esgrimir, dúvidas não existem de que foi penhorado o que existe e pertence aos AA./devedores; o registo não contém inexatidão que gere incerteza quanto à identificação dos referidos prédios. Quaisquer eventuais desconformidades ou discrepâncias entre o que permanece descrito do registo predial e a realidade física e económica (atual) dos prédios em causa, não se repercute na economia e estrutura da ação executiva (não a poderá/deverá entorpecer ou retardar), como resulta, por exemplo, da factualidade descrita em II. 1. 22), supra, e sempre poderá/deverá ser oportunamente acertado/harmonizado, sendo que os AA./recorrentes, quiçá, apostados em gerir o seu património como se nenhuma dívida existisse, apenas decidiram fazê-lo à medida do seu próprio interesse! - cf. II. 1. 19) e 20), supra, e documento de fls. 248 verso.

7. Reafirma-se - dúvidas não existem quanto à pertença e à identidade dos quatro prédios em causa (a partir do que se acha descrito no registo predial e com as transformações que os AA. bem conhecem); efetuada a penhora, ficaram os mesmos adstritos (na sua atual configuração) à finalidade da execução.

Este, de resto, o entendimento da jurisprudência, como se explicitou na decisão recorrida - posição da jurisprudência claramente expressa e que os AA./recorrentes também decidiram ignorar, nada dizendo a esse respeito.[12]

           8. Atento o descrito enquadramento normativo e o decidido em situações com alguma similitude, também se considera que não impendia sobre a Ré/recorrida o dever de averiguar a configuração real dos prédios penhorados no momento da realização da penhora, tendo-se por suficientes os elementos disponíveis no registo.

           A exequente penhorou e fez registar a penhora dos quatro prédios segundo a descrição predial vigente à data da penhora, nada na lei lhe impondo prévia observação dos imóveis em causa, para verificar eventuais desconformidades com o teor da descrição registral, que tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios (art.º 79º do CRP); e quem recorre ao registo predial deve poder contar com a segurança que é seu fim último (art.º 1º do CRP).

            Não tem o exequente que averiguar a situação concreta do imóvel a penhorar, antes se deve bastar com os elementos constantes do registo, seja da descrição seja das inscrições, independentemente de qualquer eventual alteração física ou jurídica do imóvel não constante do registo antes da penhora.

           Caso contrário, os direitos dos credores ficavam na total dependência dos devedores que fariam ou não averbar as construções (e outras modificações) na descrição predial dos seus imóveis conforme melhor conviesse aos seus interesses, sabido que os averbamentos às descrições só podem ser pedidos pelo proprietário definitivamente inscrito ou com a sua intervenção (art.º 38º do CRP).[13]

           A descrição registral manteve-se a mesma, os imóveis são os mesmos e não deixaram de existir pelo facto de neles terem sido efetuadas novas construções e outras modificações não averbadas à data da feitura e registo da penhora.
            O registo não é nulo já que se não verifica qualquer omissão ou inexatidão - alínea c)[14] - nem outra causa de nulidade, conforme se prevê no art.º 16º do CRP.

            A penhora em causa existiu e subsiste.[15]

           9. Igualmente correto o entendimento de que, na eventualidade de se considerar que o registo é nulo pela verificação das alegadas omissões e inexatidões, a conduta dos AA./recorrentes seria sempre subsumível ao instituto de abuso do direito, paralisando a sua pretensão.

            Na verdade, ao longo dos anos, os AA./recorrentes celebraram, tendo por objeto os referidos imóveis, contratos de partilha e comodato; aquando da sua celebração, tinham conhecimento da desatualização do registo predial, desconformidade entre a realidade física e a registal que nunca os impediu de dispor dos mesmos imóveis, identificando-os, para o efeito, com essa descrição que lhes incumbia atualizar (de acordo com as sucessivas alterações ocorridas na realidade material) - cf., principalmente, II. 1. 4), 8) e 14) a 20), supra, e documentos de fls. 17, 177, 229 verso, 239 e 243 verso.

           Em tal contexto, bem sabendo desse estado de coisas, os AA./recorrentes terão porventura congeminado a possibilidade da sua atuação omissiva poder dificultar a execução do seu património (art.º 817º do CC[16]).

           Mas não poderão, agora, prevalecer de uma situação por si criada, de forma dolosa ou negligente - a invocação da (pretensa) nulidade do registo da penhora por causa imputável aos próprios AA./recorrentes sempre consubstanciaria abuso do direito, com a consequência que, por via subsidiária, a sentença sob censura bem assinala.

10. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais.


*

III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas pelos AA./apelantes.


*

28.01.2025


[1] No despacho saneador, foi enunciado como tema da prova: «1- Se a realidade física, económica e fiscal, constante das descrições prediais dos autos não existe, designadamente se: i. Não existe qualquer pinhal com mato e terra de cultura com oliveiras; ii. Não existe qualquer parcela de terreno. iii. Não existe qualquer realidade física onde possam ser localizados dois barracões. (...)»

[2] E absolveu os AA. do pedido de condenação como litigantes de má fé.

[3] Sobre a atual natureza constitutiva do registo da penhora, e não meramente declarativa, vide Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, 2018, pág. 563 (também citado na decisão recorrida).

[4] Citou-se, nomeadamente, o acórdão da RP de 15.12.2021-processo n.º 772/20.6T8PFR.P1, publicado no “site” da dgsi, que explicita (cf., pontos III e IV do sumário): «(…) a presunção iuris tantum emergente do artigo 7º do Código do Registo Predial (…) não abarca a área, a composição e as confrontações constantes da descrição predial, cingindo-se à existência do direito registado e à sua titularidade, bem como à existência de eventuais ónus registados (…) na medida em que aqueles elementos da descrição, não são percecionados pelo Sr. Conservador do Registo Predial que procede ao registo, antes derivam de declarações dos interessados, ainda que documentadas, mas sem a garantia de fiabilidade dos documentos que titulam a realização dos negócios com eficácia real, por falta da intervenção de uma entidade certificadora e dotada de fé pública na recolha e perceção da emissão das declarações pelos intervenientes
[5] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.

[6] Citou-se Rocheta Gomes, Parecer do Conselho Técnico da D.G.R.N., in Regesta – Boletim da Associação Portuguesa de Conservadores dos Registos, n.º 41, set. 1983, págs. 125 e seguintes e 131.
[7] Cf. toda a factualidade descrita em II. 1. 14) a 20), supra.
[8] A que se alude, infra.

[9] Citação da decisão singular da RC de 14.5.2013-processo n.º 36/09.6TBCVL.C1, publicada no “site” da dgsi.
[10] Vide, designadamente, J. Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. 2º, Reimpressão, Coimbra Editora, 1985, pág. 89 e 115 e seguinte e J. Lebre de Freitas, A Ação Executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 231 e seguinte, 281 e 294.
[11] Cf. Enrico Redenti, Diritto processuale civile, Milano, III (1957), págs. 213 e seguinte, apud J. Lebre de Freitas, A Ação Executiva, cit., pág. 299 e nota (3).

[12] De resto, pretendendo alijar a sua responsabilidade pela desatualização do registo, os AA./recorrentes invocam, inclusive, normas há muito revogadas, como, por exemplo, o art.º 32, do Código do Registo Predial (cf. art.º 34º do DL 116/2008, de 04.7).

[13] À revelia do titular inscrito e contra o mesmo, não pode ser feito qualquer alteração da descrição do prédio (enquanto «imagem verbal do prédio») que prejudique o conteúdo do direito publicitado - vide acórdão da RE de 07.12.2023, processo n.º 682/20.7T8TMR.E1, publicado no “site” da dgsi.

[14] Como se refere na decisão sob censura, seguindo-se de perto o ensinamento de J. A. Mouteira Guerreiro [Noções de Direito Registral (Predial e Comercial), 2ª edição, 1994, Coimbra Editora, pág. 99] a alínea c) do art.º 16º do CRP menciona omissões e inexatidões de que resulte incerteza acerca – no que interessa aos autos – do objeto da relação jurídica a que o facto registado - in casu, a penhora - se refere, ou seja, os imóveis descritos no registo predial, a lei exige que não se trate de uma simples falta ou imprecisão que não ponha em causa a identidade do prédio, exigindo que se trate de uma omissão ou inexatidão “necessariamente grave”, de molde a “atingir aqueles elementos essenciais” da relação jurídica, “inculcando que são outros”.

[15] Cf. acórdão da RP de 15.5.2001-processo 0120628 [com o sumário: «I - Se o exequente promoveu a penhora de um prédio rústico (apto para construção) e fê-la registar tal como estava descrito no Registo Predial, não tinha obrigação legal de previamente indagar se nesse terreno já estaria implantada (como na verdade estava) alguma construção. II - Aquele registo não é nulo, por não se verificar omissão ou inexatidão nem outra causa de nulidade enquadrável na previsão do artigo 16 do Código do Registo Predial. (...)»], citado nos autos, publicado no “site” da dgsi.
[16] Que preceitua: «Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo