1. Tendo o perito (eng.º civil) prestado esclarecimentos verbais na audiência final, relevantes para a compreensão e análise dos relatórios juntos aos autos, o incumprimento dos ónus da impugnação previstos no art.º 640º do CPC, nomeadamente, omitindo as passagens da gravação em que se funda o recurso (ou a sua transcrição), poderá obstar à reapreciação da decisão relativa à matéria de facto na parte impugnada.
2. O direito de retenção, previsto no art.º 754º do CC, traduz-se na faculdade que tem o devedor, de diferir a entrega de uma coisa na sua posse, como meio de levar o credor a cumprir uma obrigação em que se encontra para com ele, existindo, assim, uma relação de conexão entre o crédito à restituição da coisa e o crédito garantido.
3. Para que a recusa de entrega da coisa ao dono (ou seu legítimo possuidor) seja legítima, torna-se necessário que o crédito do recusante sobre o titular da coisa tenha resultado de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados - v. g., o arrendatário, obrigado a restituir o imóvel após a cessação do contrato de arrendamento, gozará do direito de retenção se o seu crédito resultar de obras de conservação do prédio.
4. Se a causa da não restituição pontual não é imputável ao arrendatário, porquanto no exercício do seu direito de retenção [só é obrigado a abrir mão da coisa retida no momento em que o crédito por benfeitorias for satisfeito], a compensação/indemnização ao senhorio deverá corresponder ao valor da renda convencionada (art.º 1045º, n.º 1, 1ª parte, do CC), até ao momento da restituição do prédio.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Em 08.01.2021, AA, instaurou a presente ação declarativa comum, contra BB e mulher CC, pedindo que sejam condenados a: a) reconhecer a cessação do contrato de arrendamento realizado com os Réus e respeitante ao “locado” identificado nos art.ºs 1º e 2º da petição inicial (p. i.), por denúncia pelo arrendatário, com efeitos a partir do dia 15.6.2020; b) pagar-lhe a quantia de € 78 304,71 por mais-valias incrementadas no imóvel e rendas pagas para lá da cessação do contrato de arrendamento, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento; c) reconhecer à A. o direito de retenção sobre o “locado” até ao momento em que fique satisfeita do crédito por benfeitoras que realizou no imóvel.
Alegou, em síntese: celebrou com os Réus um contrato de arrendamento dos espaços indicados nos art.ºs 1º e seguintes da p. i., onde manteve instalado um estabelecimento comercial de café e restaurante; de 1997 a 2005, com a anuência dos senhorios, submeteu-o a várias obras de conservação e preservação, que passaram a integrar a estrutura do prédio arrendado; no circunstancialismo descrito nos art.ºs 44º e seguintes da p. i., denunciou o contrato e invocou o direito a ser compensada pelo custo das obras e que iria exercer, no final do contrato, o direito de retenção sobre o “locado” como garantia do pagamento do crédito por benfeitorias; os Réus exigiram a entrega do local arrendado até 15.7.2020 e consideraram as obras ilícitas e insuscetíveis de compensação; assiste-lhe o direito de retenção até ser compensada das benfeitorias.
Os Réus contestaram e deduziram reconvenção, pugnando pela improcedência da ação na parte que exceda o reconhecimento da cessação do contrato de arrendamento, e pedindo a condenação da A./reconvinda a reconhecer que o seu direito de retenção do arrendado é ilegítimo e abusivo e em consequência ser condenada a entregar o arrendado livre e devoluto de pessoas e bens e bem assim, condenada a pagar aos reconvintes, a quantia de € 293,12, a título de indemnização por cada mês de ocupação abusiva, desde a data em que se constituiu em mora na entrega do arrendado (16.7.2020) até à sua entrega, descontando-se o montante de € 512,96 (rendas pagas até outubro de 2020).
Alegaram, em síntese: o contrato celebrado foi verbal, entre o pai do Réu e a mãe da A.; todas as intervenções foram realizadas de má fé, não tendo de suportar qualquer compensação por benfeitorias; a A. não tem direito de retenção.
A A. replicou pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
Foi proferido despacho saneador que firmou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 22.4.2024, julgou a ação parcialmente procedente, e, em consequência: declarou cessado o arrendamento, com efeitos a partir de 15.7.2020 (“I”) e condenou os Réus a pagar à A. a quantia global de € 39 698 (trinta e nove mil, seiscentos e noventa e oito euros), acrescida de juros de mora, à taxa de 4 % ao ano, desde 22.02.2021, até integral pagamento, absolvendo-os das demais quantias peticionadas (“II”); reconheceu à A. o direito a levantar a benfeitoria a que se reporta o ponto 15.14. dos factos provados (um móvel/louceiro encastrado), no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de, findo este prazo, o perder a favor dos Réus (“III”); reconheceu à A. o direito de retenção sobre o locado, até que os Réus procedam ao pagamento do crédito indicado no ponto II do dispositivo (“IV”). E julgou parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência, condenou a A./reconvinda a entregar aos Réus-reconvintes o imóvel arrendado, livre e devoluto de pessoas e bens (“V”) e a pagar-lhes, a título de indemnização pela não restituição do imóvel, a quantia no montante de € 293,12 (duzentos e noventa e três euros e doze cêntimos) por cada mês de retenção do imóvel, vencida desde 16.7.2020 (sendo quanto ao mês de julho de 2020 de apenas € 146,56), e nas vincendas, até à sua entrega efetiva (“VI”). Decidiu, ainda, que ao valor da indemnização indicado no ponto VI do dispositivo deve ser descontado o valor já pago pela autora-reconvinda no montante de € 659,52 (“VII”) e que ao valor indicado no ponto II do dispositivo, deve ser descontado o valor indicado no ponto VI que cabe à autora-reconvinda pagar aos réus-reconvintes até ao momento em que entregue o imóvel (“VIII”).
Dizendo-se inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões:
1ª - O presente recurso versa sobre matéria de direito e tem por objeto a parte da sentença que condenou a recorrente ao pagamento de uma indemnização aos recorridos, calculada de acordo com o n.º 2, do art.º 1045º, n.º 2, do Código Civil/CC (ou seja, o pagamento em dobro do valor correspondente às rendas mensais, desde o momento em que a denúncia do contrato de arrendamento produziu os seus efeitos e a efetiva entrega do locado).
2ª - Apurou-se, na matéria de facto dada por provada, que a recorrente, na sequência da comunicação para aumento das rendas por atualização que lhe foi feita pelos senhorios, denunciou o contrato de arrendamento por carta a eles remetida em 13.4.2020, reclamando o direito a ser compensada por benfeitorias realizadas no locado.
3ª - Apurou-se ainda que, na falta de resposta a essa missiva, a recorrente no dia 26.6.2020 remeteu nova carta aos senhorios, relembrado a aproximação do fim do prazo do contrato, reiterando a sua posição em não prescindir da compensação pelas ditas benfeitorias e de que no final do contrato e tendo em vista garantir esse pagamento, exerceria o seu direito de retenção sobre o locado.
4ª - Tal direito de retenção veio a ser-lhe julgado legítimo pelo Tribunal “a quo”, nos termos do ponto IV do dispositivo da sentença.
5ª - A mora a que se reporta o n.º 2, do art.º 1045º, do CC, implica e pressupõe, por um lado, que a não entrega seja injustificada e, por outro, que advenha da adoção de uma conduta culposa e deliberada por parte do obrigado na restituição, ou seja do locatário.
6ª - O direito real de retenção, devidamente exercido por quem dele beneficia, e que, na prática implica a não restituição atempada do locado, afasta a culpabilidade e ilicitude como pressupostos à operatividade da mora a que se reporta o n.º 2, do art.º 1405º, do CC.
7ª - Pelo que, a indemnização pela privação da coisa por parte do locador, quando a restituição da coisa se não dá por motivo justificado (como o é o exercício do direito de retenção), deverá ser calculada de acordo com a primeira parte do n.º 1, do art.º 1045º, ou seja, pelo computo das rendas mensais acordadas entre as partes, em singelo, durante o tempo que medeia o momento em a coisa deveria, em termos normais, ser restituída, e o momento em que essa restituição é efetivada.
8ª - Logo, no caso em apreço e por força da legitimidade com que a recorrente não procedeu à restituição do locado, no momento para o qual foi interpelada pelos recorridos, a indemnização devida a estes pela consequente privação, deverá ser calculada nos termos dessa norma, ou seja, o valor das rendas em singelo.
9ª - Deve, pois, ser reformulada a sentença na parte que aqui se impugna, alterando-se o dispositivo de forma a que a indemnização devida aos senhorios pela retenção do locado por parte da recorrente, seja no montante do valor da renda, em singelo e que à data da cessação do contrato era de € 146,56.
10ª - Consequentemente, também deverá ser reformulada a condenação em custas da reconvenção.
Os Réus/reconvintes também recorreram, concluindo:[1]
1ª - Na parte que interessa ao objeto do presente recurso (ponto II da Decisão) e em face dos factos que considerou como provados e da aplicação do direito -aos mesmos o MMº Juiz proferiu a Decisão que infra se transcreve: II – Condenar os Réus a pagar à Autora a quantia global de 39 698€ (trinta e nove mil, seiscentos e noventa e oito euros), acrescida de juros de mora legais, calculados à taxa de 4 % ao ano, desde 22-02-2021, até efetivo e integral pagamento, absolvendo-os das demais quantias peticionadas.
2ª - Com interesse para o objeto do recurso assumem relevo os factos 1, 2, 8, 9, 11, 13, 15, 16, 26 a 29, 32 e 33 dos factos dados como provados e as alíneas a) a e) dos factos não provados e a respetiva motivação de ambos.
3ª - O Tribunal deu como provados os factos 15 e 16 referentes aos elenco das obras efetuadas e respetivo custo no valor de 41 198€, com base nos elementos documentais, designadamente os Relatórios elaborados e esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito Eng.º DD, nas declarações de parte da A. (a qual referiu a abertura de uma vala para esgoto, os pisos em madeira, as pinturas de paredes, as casas de banho, as portas de entrada, a instalação elétrica, a canalização), e nos depoimentos prestados pelas testemunhas, como EE (que esclareceu em linhas gerais as obras de que o estabelecimento “precisava para poder funcionar”; viu ter sido “remodelado” (em parte com a execução e vários trabalhos pelo próprio marido da A.) com a colocação de portas, parede divisória, balcões, casas de banho, pinturas, etc.) e de FF (canalizador e eletricista, o qual referiu as obras que fez no estabelecimento, colocando tomadas, abrindo roços, aplicando louças sanitárias, ligando-as ao esgoto existente, intervenções que se lembra que eram à altura necessárias para que o município pudesse dar “licença de utilização”).
4ª - Para a convicção do Tribunal foi de igual modo considerado o depoimento de GG, marido da A. que referiu que aplicaram rebocos nas paredes, colocando casas de banho, alargando uma escada em madeira e fazendo outra de cimento, colocou azulejos, betonilha, malha sol e mosaico em toda a área do piso do restaurante, com pilares de madeira a sustentar por baixo, cimentou-se fora do portão, instalou-se canalização com tubagem galvanizada, iluminação, fez pinturas, substituiu lambris, colocou teto falso suspenso no restaurante, colocou um móvel com encastre numa cavidade preexistente da parede da sala, colocou portas interiores e portas de madeira da entrada de mogno, mais resistentes, substitui-se um portão de ferro, bem como outro de acesso à garagem, colocou betonilha até à entrada da cave que antes era de terra batida, tendo o mesmo esclarecido ainda que o conjunto de obras foi executado em 1997/98 “para pôr aquilo em condições” e que depois cederam a exploração do estabelecimento a terceiros até 2020.
5ª - Os factos 27 a 32 resultaram provados do conjunto global da prova produzida, assumindo relevo o depoimento do marido da A. que admitiu em audiência que os trabalhos foram, na sua maioria, executados por si e que por isso não passou à A. qualquer fatura, nem esta a si qualquer recibo; tendo ainda o mesmo e a demais prova testemunhal produzida, esclarecido que as obras tinham por finalidade aumentar a rentabilidade do estabelecimento explorado pela A., o que se veio a refletir no valor mensal de € 750 que exigiu aos seus cessionários, valor esse substancialmente superior ao valor mensal de € 146,56 que a A. pagava aos senhorios/Recorrentes.
6ª - No que concerne ao facto 33, os custos elencados no mesmo “resultaram apurados em face do teor dos relatórios periciais (o primeiro junto aos autos em 06.3.2022 e o segundo em complemento, de 12.12.2023, em conjugação com esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pelo Sr. Perito).
7ª - Quanto às alíneas a. a e. dos factos dados como não provados, o Tribunal considerou que os mesmos não resultaram apurados, já que nenhum dos meios de prova os corroborou ou confirmou. O valor de custo das obras resultou do teor do relatório de avaliação no seu somatório (=”total”:; cf. relatório pericial complementar ou “corrigido” juntos aos autos em 12.12.2023), desconsiderando o IVA que a A. não pagou, já que na sua esmagadora maioria foram executados pelo seu marido, que nas palavras no próprio era “biscateiro”, não se tendo apurado que a A. tenha procedido ao arranjo de dois pequenos quartos de dormir, situados no piso superior intermédio rebocando-os e pintando-os, no valor de € 500.
8ª - Mais resultando ainda da motivação de tal conjunto de factos não provados que não foram levados em consideração, por imprecisos e aleatórios, “encargos e lucros”, “valores a novo” e “ depreciação”, sendo precisamente este o ponto da sentença com o qual os Réus/Recorrentes não se podem conformar, na medida em que os fatores “valores a novo” e “depreciação” deveriam sim ter sido levados em conta e ter sido dados como provados pelo Tribunal a quo, que ao dar os mesmos como não provados, proferiu uma decisão que merece reparo, nomeadamente no seu ponto II, nos termos do qual os Réus foram condenados a pagar à A. a quantia global de € 39 698 (trinta e nove mil seiscentos e noventa e oito euros).
9ª - O Tribunal deu os factos 16 e 33 como provados única e exclusivamente considerando o teor dos relatórios periciais do Sr. Perito, porquanto, o valor de 41.198€ indicado no facto provado 16 resulta da subtração ao valor de 41.698€ indicado no Relatório pericial datado de 11.12.2023 (desconsiderando o valor do IVA, encargos e lucros e depreciação) do valor de 500€ referente aos quartos cujo arranjo não se provou correspondente a c) dos factos não provados, sendo que cada um dos valores elencados no ponto 33 é exatamente o mesmo de cada um dos valores dos respetivos trabalhos constantes no mesmo relatório.
10ª - Assim, o Tribunal deu como certa e bastante a prova pericial realizada, considerando corretos e válidos os valores determinados pelo Sr. Perito em relação a cada um dos trabalhos elencados, dando os mesmos valores como provados no facto 33) e assentando fundamentalmente a Sentença no dito relatório pericial.
11ª - Andou bem a decisão em desconsiderar o valor do IVA e de encargos e lucros, determinados pelo Sr. Perito, à taxa de 23 % e de 20 %, respetivamente, porquanto, conforme resultou provado foi o marido da A. quem realizou a esmagadora maioria dos trabalhos em apreço, daí que não tenha procedido à emissão de faturas e tenha ocorrido pagamento de IVA por parte da A., razão pela qual não existe fundamento legal para que a mesma recebesse o que quer que fosse a esse a título, igual linha de raciocínio servindo no que tange à taxa de encargos e lucros já que os mesmos dizem respeito aos custos e proveitos das empresas que realizam o trabalho, o que no caso de igual modo não se verificou, tendo sido o marido da A. a realizar o grosso dos trabalhos, não se tendo provado ou sequer sido antes alegado que qualquer dos trabalhos tenha sido realizado com recurso a empresas ou comerciantes que tivessem um preço incluindo o seu lucro, sendo que e ao invés, foi confessadamente o marido da A., como bem reconheceu a Sentença, que em regime de “biscate” fez a maioria dos trabalhos, carecendo assim por completo de fundamento e de prova a aplicação de qualquer taxa, percentagem ou valor referente a encargos e lucros.
12ª - Porém, o mesmo não pode dizer-se no que toca aos fatores de valores a novo e depreciação de 27 %, os quais deveriam ter sido considerados pelo Tribunal, na medida em que constam de ambos os Relatórios do Sr. Perito DD, bem como, dos seus esclarecimentos, prestados na data de 29.5.2022, sendo parte intrínseca dos mesmos.
13ª - Do somatório dos valores elencados pelo Sr. Perito na página 2/2 do seu Relatório datado de 12.11.2023, que o Tribunal deu como provados (com exceção do valor de 500€ referente à c) dos factos não provados), resulta o valor de 41 198€, sendo que a tal valor, entendeu e bem, o Tribunal descontar o valor de 1 500€ referente ao móvel louceiro que a A. pode levantar (cf. facto provado 15.14), o que resulta no montante de 39 698€ (cf. ponto II da decisão), sendo a este valor que deve ser descontada a taxa de depreciação de 27 %, o que resulta no valor final de 28 979,54€ (vinte e oito mil e setenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos), devendo ser esse o valor a pagar pelos Réus à A. no ponto II da decisão da Sentença ora Recorrida, mantendo-se a decisão na parte restante.
14ª - Contrariamente ao que sucede aos valores referentes ao IVA e aos encargos e lucros que, in casu, conforme supra exposto, não têm razão de ser o fator valores a novo e a taxa de depreciação fazem todo o sentido, sendo parte intrínseca do valor final obtido pelo Sr. Perito, o que aliás resulta notório dos esclarecimentos prestados pelo mesmo a 29.5.2022 quando afirma “ (de referir que foi considerada uma depreciação de 27 %, que tem precisamente em conta o estado atual das obras realizadas)”.
15ª - Resulta claro que a Sentença de que se recorre deu como bons os Relatórios Periciais em todas as suas componentes e, bem assim, no seu valor geral e em todas as suas parcelas e mais, mesmo nas partes em que o trabalho foi considerado como não provado e como tal negada a razão à A., como é o caso do móvel louceiro que o Tribunal considerou que a A. pode e deve retirar e, bem assim, no que tange aos trabalhos referentes a dois quartos cuja realização não resultou provada, mesmo nessas partes o Tribunal e a Sentença recorrida dão como boas as avaliações respetivas que o mesmo relatório pericial fez do móvel louceiro e dos trabalhos não provados.
16ª - A única coisa que o Tribunal e a Sentença atacam no Relatório Pericial é a consideração do pagamento de uma taxa de IVA sobre os trabalhos realizados e o pagamento de uma taxa de encargos e lucros que o mesmo relatório pericial aplica mas que foi desconsiderado pelo MMº Juiz a quo na sequência da contestação e reclamação dos Réus/Recorrentes, que sempre se opuseram a tal consideração, conforme resulta dos seus articulados e reclamações e que Sentença desconsiderou, dizendo e bem, que nada se provou em termos da existência de faturas ou do pagamento de IVA, assim como nada se provou e nem sequer foi reclamada pela A. ou alegada pela mesma qualquer taxa, percentagem ou valor referente a encargos e lucros, já que e como diz e bem a Sentença com a referência a ambos os casos, tal matéria é desconsiderada porque além de não se fazer prova da sua existência, é o próprio marido da A. que confessa que a maioria dos trabalhos foram feitos por si em regime de “biscate”.
17ª - Assim, e nesta única parte em que o relatório foi desconsiderado pelo Tribunal, essa desconsideração resulta da falta de prova em como tais valores e recebimentos correspondentes tenham sido efetivamente pagos ou tenham sequer existido.
18ª - Noutra sede, o relatório pericial apenas não foi considerado no caso dos trabalhos por si descritos e avaliados porque constavam dos quesitos da prova, mas que a Sentença considerou como não provados, sendo que no mais o relatório pericial é tido como bom e nele se fundamenta a Sentença.
19ª - Porém e no tocante à referência fundamental que é a definição no mesmo relatório pericial de “valores a novo” e depreciação, a Sentença limita-se a desconsiderar sem mais estes valores e fatores do relatório pericial, dizendo apenas que não foram levados em consideração “por imprecisos e aleatórios”.
20ª - Acontece que se os encargos e lucros são de facto imprecisos e aleatórios, já que não foram reclamados, contabilizados e muito menos se provou que tenha sido qualquer empresa ou comerciante a realizar as ditas benfeitorias, altura em que o mesmo certamente teria encargos e lucros a incluir nos orçamentos e faturas, o mesmo não sucede com os “valores a novo” e a depreciação, cuja referência, ao invés, é feita no relatório pericial com grande precisão e com valores certos e com explicação da sua razão de ser pelo Sr. Perito, nomeadamente nos seus esclarecimentos à reclamação que: “(de referir que foi considerada uma depreciação de 27 % que tem precisamente em conta o estado atual das obras realizadas)”.
21ª - Na resposta aos pedidos de esclarecimentos solicitados em audiência de julgamento, esclarece ainda o Sr. Perito, que o valor de 43.508€ atribuído ao valor dos trabalhos refere-se ao: “(valor a novo à data atual depreciado em função do seu estado de conservação e idade)”, sendo que na parte final do seu quadro em que avalia cada um dos trabalhos e coloca os respetivos valores é considerado pelo mesmo um valor de 16.092€ a título de depreciação numa taxa apurada de 27 %, o mesmo se diga em relação ao relatório pericial inicial de 06.3.2022, no âmbito do qual o Sr. Perito já havia feito constar a tal taxa de depreciação de 27 % nessa altura no valor de 15 120€, justificando ainda em parágrafo anterior, nomeadamente no parágrafo segundo da página 20, a consideração de tal taxa de depreciação com valores precisos, informando que os valores indicados para cada um dos trabalhos era o seu valor a novo à data atual aos quais haveria que aplicar a depreciação em função do seu estado de conservação e idade, explicitando o mesmo ainda nesse seu parágrafo segundo, que havia achado o valor a novo em função da data indicada para a realização das obras que a própria Sentença deu como provado que terão ocorrido no período compreendido entre 1997 e 2005, embora o marido da A. tenha referido que as mesmas foram realizadas em 1997/1998, isto é, há mais ou pelo menos há cerca de 20 anos.
22ª - Assim, considerando que as obras em causa foram realizadas há pelo menos cerca de 20 anos e foram sujeitas a um uso do prédio onde as mesmas existem exigente, intenso e permanente, porque aí sempre funcionou um restaurante, dúvidas não restam, mesmo sem o relatório pericial, de que tais obras foram sujeitas a alguma degradação e depreciação até porque conforme resulta da matéria dada como provada, as mesmas não foram realizadas com recurso ao melhor do estado da arte da altura, mas com recurso ao marido da A. em regime de “biscate.
23ª - Acresce que nunca por nunca, nem a A. nem os Réus/Recorrentes pediram qualquer esclarecimento quanto à taxa de depreciação de 27 % ou sobre os valores calculados em função dessa mesma depreciação de 15.120€ no relatório de 06.3.2022 e de 16.092€ no relatório de 12.12.2023, sendo que tal questão da depreciação, da taxa de 27 % e dos valores aí apurados não só não mereceu qualquer reclamação das partes ou pedido de esclarecimentos, como nunca foi objeto de questionamento em audiência de julgamento ao Sr. Perito nem pelas partes nem pelo MMº Juiz.
24ª - Sendo com grande estupefação e surpresa que se vê na Sentença ser desconsiderada sem mais tal rubrica do relatório pericial, quando é evidente que existe uma degradação e depreciação do valor a novo apurado em função de benfeitorias realizadas há mais de 20 anos e sujeitas ao uso permanente e intenso com restaurante aberto ao público a funcionar quase diariamente.
25ª - As obras apreço não se encontram assim num estado novo mas degradado designadamente os trabalhos de reboco, pinturas, eletricidade, esgotos, entre outros, degradação essa que o Sr. Perito constatou no local e daí que tenha referido isso mesmo nos seus relatórios e esclarecimentos e que tenha feito a avaliação com o recurso a valores a novo e a valores atuais com depreciação, especialmente atendendo às datas da realização das obras, há mais de 20 anos (cf. facto provado 12) e cujo valor atual tem que ser o valor a novo considerando a taxa de depreciação de 27 % apontada pelo Sr. Perito, por forma a que o valor das mesmas obras reflita a sua idade e estado de conservação.
26ª - A questão e rubricas do valor a novo e depreciação na taxa de 27 % é parte integrante e intrínseca do relatório pericial, devidamente fundamentada e justa dados os 20 anos decorridos da data da realização das benfeitorias, pelo que a sua retirada e desconsideração sem mais, sem qualquer reclamação e sem qualquer fundamentação retira por completo a lógica e o valor do relatório pericial no seu todo.
27ª - Os Réus devem pagar uma quantia à A. a título de benfeitorias, já que salvo o móvel louceiro, as obras realizadas passaram a integrar material e permanentemente o imóvel, no entanto, não é correto ou justo, que procedam ao pagamento do valor a novo das obras em causa, sem a aplicação de uma taxa de depreciação das mesmas quando as obras foram realizadas segundo o próprio marido da A. em 1997/98 ou seja, há cerca de 26/27 anos – e mesmo que se admita a realização de parte das mesmas até ao ano de 2005, estamos a falar de obras realizadas há cerca de 20 anos –, sobretudo tratando-se de obras relativas a um estabelecimento comercial, sujeito a ampla movimentação de clientes e mercadorias, o que implica necessariamente um maior e mais rápido desgaste do imóvel onde o mesmo estabelecimento funciona.
28ª - Porém o que decorre do ponto II da Sentença recorrida, é precisamente o pagamento de tais obras a novo sem considerar o estado atual de conservação e idade das mesmas – considerações essas que só se refletem no valor das obras em causa após a aplicação da taxa de depreciação que o Tribunal a quo não considerou.
29ª - O valor final obtido pelo Sr. Perito teve sempre em conta a depreciação, sendo claro que o valor total dos trabalhos é respeitante ao valor “a novo”, pois do seu primeiro Relatório resulta “considerando as obras efetuadas pela Autora indicadas nas respostas aos quesitos, considera-se que o seu valor à data em que terão sido realizadas seria de 40.974,41€ (considerando o valor a novo calculado à data atual e atualizando o mesmo com base nas taxas de variação do Índice de Preços do Consumidor, publicado pelo INE, para 2001, atualização entre 2021 e 2001, valor 1/1,36670668005683) e que as mesmas incrementam o valor de 40 880€ ao imóvel (valor a novo à data atual, depreciado em função do seu estado de conservação e idade)”, pelo que, o somatório dos trabalhos no valor de 39 150€ não contempla qualquer depreciação.
30ª - De igual modo, do segundo Relatório – sendo os valores constantes deste a relevar para a Sentença – resulta que “estima-se o valor dos trabalhos à data em terão sido realizados em 43.608,48€ (considerando o valor a novo calculado à data atual e atualizando o mesmo com base nas taxas de variação do Índice de Preços no Consumidor, publicado pelo INE, para 2001, atualização entre 2021 e 2001, valor: 1/1,36670668005683) e que as mesmas incrementam o valor de 43.508€ ao imóvel (valor a novo à data atual, depreciado em função do seu estado de conservação e idade).”
31ª - Sendo que o Sr. Perito, à semelhança do ocorrido na estimativa orçamental constante do seu primeiro relatório, obteve tal valor considerando o valor de 500€ relativos a obras em quartos - que não resultaram provadas – bem como o valor de 1.500€ referente ao móvel louceiro a ser levantado pela A. e considerando uma taxa de IVA a 23 % e outra de 20 % a título de encargos e lucros, cujo somatório resultou no valor de total a novo em 2022 de 59.600€, sendo o valor de 43.508€ o produto da subtração de taxa de depreciação de 27 % ao valor total a novo das obras em 2022 com a inclusão de IVA e de Encargos e Lucros.
32ª - Conforme já demonstrado in casu não existe fundamento quer para a inclusão de IVA quer para a inclusão de Encargos e Lucros, assim deve a taxa de depreciação ser aplicada diretamente ao valor total dos trabalhos dados como provados, ou seja, ao valor de 39.698€ (o qual se traduz conforme resulta do Relatório Pericial em apreço no valor das obras a novo em 2022, com a subtração dos valores de 500€ (cf. c) dos factos não provados e de 1.500€ (cf.15.4 factos provados - benfeitoria móvel) o que resulta no valor total das obras a novo à data atual depreciadas em função do seu estado de conservação e idade de 28.979,54€ (vinte e oito mil e setenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos).
33ª - O fator valores a novo e a taxa de depreciação são intrínsecos aos valores obtidos pelo Sr. Perito sendo claro que o valor considerado provado no facto 16 dos factos dados como provados se trata do valor a novo dos trabalhos elencados no facto 15 dos factos provados, encontrando-se o mesmo inflacionado.
34ª - A depreciação tem imperativamente de ocorrer para uma justa composição do litígio sendo intrínseca aos valores obtidos pelo Sr. Perito, ainda para mais, quando resultou provado, que na feitura de tais obras, foram utlizadas práticas de construção há muito em desuso, como foi o caso da colocação de vigas de madeira no piso de baixo como solução para uma necessidade estrutural do locado, a qual o Sr. Perito admitiu que pudesse funcionar face ao regulamento do betão em vigor nos anos 70 do século XX – ou seja, há mais de 50 anos – admitindo também que tal necessidade estrutural do imóvel poderia ter sido satisfeita de outra forna, nomeadamente com betão armado e vigas de cimento, até porque nas palavras do marido da A. as obras se realizaram em 1997/98 não existindo assim, razão de ser para o recurso a técnica tão arcaica.
35ª - Resulta também dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito na referida data de 29.5.2022, a admissão da existência no locado de “fichas e fios pendurados, soltas e até colocadas em zonas com humidade e escorrências, e bem assim fios elétricos velhos e fichas pendurados e mal seguros em partes de madeiras velhas”, sendo precisamente de seguida a tal menção que o Sr. Perito refere que a depreciação de 27 % tem precisamente em conta o estado atual das obras realizadas.
36ª - Acresce que o marido da A. não tem qualquer formação especifica na área da construção civil intitulando-se a ele mesmo como “biscateiro”, pelo que e também por aí deve ser considerada a taxa de depreciação em apreço porquanto os trabalhos em causa não foram sequer realizados por profissional especializado.
37ª - Assume ainda relevo e resultou provado nos factos 12 e 13, que as obras eram necessárias para a exploração da atividade comercial da A., sendo que boa parte das mesmas lhe foram exigidas pela Câmara Municipal ... por forma à mesma conformar o locado às normas que regem a atividade de restauração, tendo sido as obras realizadas por iniciativa da própria A., em seu proveito e no seu exclusivo interesse por forma a tentar aumentar a rentabilidade do negócio (cf. facto provado 28), o que conseguiu, já que tais obras lhe permitiram cobrar a título de cessão de exploração do locado, o valor mensal de € 750 quando pagava aos Réus uma renda mensal do valor de 146,56€ (cf. facto provado 29) o que em termos anuais, se traduz numa margem de lucro do valor de 7.241,28€, pelo que só por aí, já viu a A. um bom retorno do seu investimento, o qual realizou para adaptar o imóvel à exploração sua atividade, por sua iniciativa e no seu exclusivo interesse.
38ª - Por todo o exposto a Sentença recorrida no ponto II da sua decisão deve ser objeto de reparo, passando o referido ponto II a ter a seguinte redação: Condenar os réus a pagar à autora a quantia global de 28.979,54€ (vinte e oito mil e setenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora legais, calculados à taxa de 4 % ao ano, desde 22.02.2021, até efetivo e integral pagamento, absolvendo-os das demais quantias peticionadas, no mais se mantendo integralmente a decisão ora Recorrida.
Remata dizendo que deve ser alterado o ponto II da decisão recorrida, condenando os Réus no pagamento à A. do valor de € 28 979,54 o qual contempla a taxa de depreciação de 27 % referida nos Relatórios e esclarecimentos Periciais.
A. e Réus responderam concluindo pela improcedência do recurso da parte contrária.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto dos recursos[2], importa conhecer e/ou reapreciar: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova, máxime, quanto à não consideração da desvalorização do valor das obras efetuadas pela A.; ónus da impugnação); b) decisão de mérito (máxime, medida das compensações aos Réus pela não entrega do local arrendado e, à A., pelas obras/benfeitorias realizadas - relevando a eventual alteração da decisão de facto); c) alcance do direito de retenção.
1) Entre a autora e os réus foi realizado um acordo, denominado contrato de arrendamento, incidindo sobre os espaços correspondentes à cave e rés-do-chão que, no conjunto, formam uma unidade com utilização independente, afeta ao comércio, com os números de polícia ...6, ...8 e ...0.
2) Tal espaço/unidade faz parte integrante do prédio urbano, em propriedade total, mas com andares/divisões suscetíveis de utilização independente, sito na Rua ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...64.
3) Os réus são os senhorios do espaço referido supra em 1).
4) A autora manteve instalado nesse espaço um estabelecimento comercial de café e restaurante, denominado “A...”, a coberto da licença de utilização titulada pelo Alvará n.º ...05, emitido pela Câmara Municipal ... no dia 06.4.2005.
5) O qual, conjuntamente com o arrendamento, lhe foi transmitido por falecimento de sua mãe HH, ocorrido em 17.8.1997.
6) A sua mãe, por sua vez, havia adquirido o estabelecimento – com inclusão do citado arrendamento – a II e mulher JJ, através de trespasse formalizado por escritura pública outorgada no Cartório Notarial ... no dia 28.4.1988.
7) A autora teve sempre como senhorios daquele espaço os réus.
8) O imóvel onde se situa o locado foi construído antes de 07.8.1951.
9) A última renda do espaço referido em 1) foi no montante mensal de € 146,56.
10) Durante vários anos, até cerca do final do ano de 2006, o pagamento da renda foi efetuado no próprio locado, onde o réu se descolava mensalmente para o receber e entregar o correspondente recibo.
11) Desde então esse pagamento foi efetuado por transferência bancária para a conta bancária dos réus indicada por eles.
12) Durante os primeiros anos em que esteve na posse do locado - entre os anos de 1997 a 2005 - a autora, com a anuência dos senhorios, submeteu-o a várias obras por estar deteriorado, bem como para lhe conferir condições de higiene e salubridade exigidas para a atividade de comércio.
13) Foi exigido à autora pela Câmara Municipal ... a execução de algumas obras para conformar o locado às normas que regem a atividade de restauração.
14) A autora executou tais obras a expensas suas, com a autorização dos senhorios.
15) A autora procedeu às seguintes intervenções:
15.1) Ao desmonte de uma escada em madeira, situada na cozinha e que dava acesso aos quartos e casa de banho situados no piso intermédio superior, a qual tinha sinais de apodrecimento e executou um novo acesso a esse piso, em alvenaria;
15.2) Demoliu paredes em tabique que outrora formavam um pequeno cômodo situado na sala do restaurante;
15.3) Reforçou todo o pavimento do piso do rés-do-chão através da colocação de pilares de suporte em madeira maciça na cave;
15.4) Aplicou betonilha armada, com malha-sol, em todo o piso do rés-do-chão e revestimento cerâmico em toda essa área (cerca de 150 m2);
15.5) Procedeu ao descasque (picagem) dos revestimentos das paredes e tetos das instalações sanitárias e da cozinha;
15.6) Nos tetos destas divisões aplicou esboço estanhado;
15.7) Nas paredes aplicou revestimento cerâmico até à altura dos respetivos tetos (+/- 2,80 m);
15.8) Executou nova e integral instalação elétrica nos dois pisos do locado, com substituição de todas as armaduras, aparelhagens e a inclusão de detetores de incêndio, alarme, sinalização de saídas e iluminação de emergência;
15.9) Reformou toda a canalização, tanto no rés-do-chão como na cave, através de nova e integral instalação predial de águas (fria e quente) e nova rede predial de esgotos domésticos;
15.10) Nas casas de banho do estabelecimento, aplicou loiças sanitárias novas, designadamente três sanitas, quatro lavatórios, um urinol, um bidé e uma base de duche em PVC, incluindo autoclismos, torneiras e demais acessórios necessários;
15.11) Nas paredes da sala do restaurante e na despensa anexa (por debaixo da escada que dá acesso ao piso superior do imóvel) aplicou também lambrim com 1,20 m de altura, rematado na parte superior com perfil em madeira de mogno;
15.12) Pintou todas as paredes não revestidas com o lambrim e dos tetos;
15.13) No rés-do-chão, na área do restaurante, aplicou teto falso suspenso, executado em placas de gesso de 0,60 m x 0,60 m;
15.14) Na parede da sala do restaurante, encastrou um móvel/louceiro, executado em madeira de mogno, com 1,40 m de largura, por 2,40 m de altura;
15.15) Procedeu à substituição das sete portas interiores, que apresentavam sinais de apodrecimento, por portas novas, em madeira de mogno, incluindo os respetivos aros e ferragens;
15.16) Na fachada principal do restaurante procedeu ao desmonte das duas portas de entrada (de duas folhas), bastante degradadas, substituindo-as por portas novas, completas, de 1,05 m de largura por 2,10 m de altura, com bandeira fixa em arco na parte superior, tudo em madeira de mogno, incluindo aros e ferragens;
15.17) À entrada do restaurante, pelo lado interior, aplicou uma antecâmara em alumínio e vidro, com 1,45 de largura por 2,60 m de altura, com uma porta;
15.18) Na cozinha, procedeu ao desmonte da porta de acesso ao exterior, por se encontrar degradada, substituindo-a por uma porta nova 6 com uma parte fixa, completa, tudo em madeira de mogno, incluindo os respetivos aro e ferragens;
15.19) Procedeu à substituição das três janelas existentes no locado, duas na cozinha e uma na despensa anexa (a primeira com 1,20 de largura, por 1,10 de altura e as demais com 0,50 m de largura por 0,60 m de altura), por janelas novas também em madeira de mogno, incluindo os aros e ferragens;
15.20) Desmontou o portão que dava acesso pelo exterior à cave e ao logradouro situado nas traseiras do imóvel, o qual era em madeira e encontrava-se em mau estado de conservação, substituindo-o por um novo, de duas folhas, executado em ferro metalizado, lacado à cor preta, com 2,10 m de largura por 2,50 m de altura e uma bandeira fixa na parte superior, engradada e com rede e acabamento em arco;
15.21) No acesso à cave, aplicou um portão de duas folhas, com estrutura em ferro e painéis em chapas zincadas, com 1,60 m de largura por 1,70 m de altura;
15.22) Mandou forrar todo o teto do interior da cave com madeira de pinho e rebocar e pintar as paredes;
15.23) No pavimento do interior da cave, originariamente em terra batida, aplicou betonilha que posteriormente pintou;
15.24) Aplicou betonilha em toda a área do pavimento que dá acesso à cave pela rua (rampa) e no pátio da cave, originariamente em terra batida.
16) Estas obras importaram um custo para a autora de, pelo menos, € 41 198.
17) Por carta datada de 12.3.2020, os réus comunicaram à autora, entre o mais que, com a entrada em vigor do novo regime jurídico do arrendamento urbano, pretendiam sujeitar o arrendamento vigente ao novo regime, atualizar a renda, alterar o prazo do arrendamento e reduzir o respetivo contrato a escrito.
18) Para esse efeito, propuseram-lhe: “7. Que o valor atual da renda, que é de 146,56 € por mês, passe para € 800 mensais. 8. E bem assim, que o contrato de arrendamento passe de contrato de arrendamento para fins não habitacionais com prazo certo e com duração de 5 anos”.
19) Mais informaram que o valor do locado é atualmente de € 68 619,98.
20) A autora, por carta enviada aos réus com data de 13.4.2020 e recebida pelos réus no dia 15, comunicou-lhes a sua impossibilidade de pagar renda superior a € 200 mensais e que denunciava o contrato, reclamando ainda dos réus o direito a ser compensada pelo custo das obras que fez no local arrendado, no valor de € 80 000.
21) No dia 04.6.2020 a autora enviou aos réus nova carta registada, recebida em 10.6.2020, relembrando-os da aproximação do termo do prazo do contrato de arrendamento e reiterando a sua posição de não prescindir da compensação pelas benfeitorias que realizou no locado e que no final do contrato exerceria o seu direito de retenção sobre o locado, tendo em vista garantir o pagamento daquele crédito por benfeitorias.
22) Por carta de resposta datada de 26.6.2020, os réus comunicaram à autora que nada tinham a opor à denúncia do contrato, exigindo-lhe que entregasse o locado, devoluto de pessoas e bens e de “obras estranhas” até ao dia 15.7.2020, sob pena de lhe moverem ação judicial.
23) Os réus exigiram à autora, no que diz respeito à substituição das portas (exteriores e interiores) e janelas do locado, que as substitutas fossem em madeira maciça de mogno, para não “desvirtuar a traça original do edifício”.
24) O réu deslocava-se ao locado mensalmente para receber a renda e presenciou a execução de todas as apontadas obras, nunca se tendo a elas oposto por qualquer forma.
25) Antes da execução das obras no locado, acima referidas, o locado apresentava-se bastante degradado, com os materiais de acabamento com décadas de uso, evidenciando sinais de envelhecimento.
26) A autora encontra-se presentemente na posse do locado e procedeu ao pagamento das rendas respeitantes a metade do mês de junho de 2020 e aos meses de julho, agosto, setembro e outubro, no valor global de € 659,52.
27) A autora não apresentou aos réus recibo, fatura, vendas a dinheiro ou qualquer outro documento comprovativo das despesas feitas no locado.
28) As obras supra descritas no ponto 15) foram realizadas pela autora por sua própria iniciativa, em seu proveito e exclusivamente no seu interesse por forma a tentar aumentar a rentabilidade do negócio que explorava.
29) A autora cobrou o montante mensal de € 750 pela cessão de exploração e pagava aos réus, de renda mensal, o montante de € 146,56.
30) O arrendamento comercial ora em apreço foi celebrado de forma verbal, entre o pai do réu, BB, e a mãe da autora, HH.
31) Desde a data do falecimento de BB, pai do réu, que este assume com a ré a qualidade de senhorios e a autora assume a qualidade de arrendatária desde 17.8.1997, data em que faleceu a referida HH, sua mãe e anterior arrendatária.
32) A autora não entregou até hoje aos réus o local arrendado suprarreferido nos pontos 1) e 2).
33) São os seguintes os valores de cada um dos trabalhos supra identificados no ponto 15, considerando os materiais e a respetiva mão-de-obra:
33.1. Quanto ao ponto 15.1.: € 100;
33.2. Quanto ao ponto 15.2.: € 100;
33.3. Quanto ao ponto 15.3.: € 408;
33.4. Quanto ao ponto 15.4.: € 3 000;
33.5. Quanto aos pontos 15.5, 15.6 e 15.7.: € 1 560;
33.6. Quanto ao ponto 15.8.: € 12 000;
33.7. Quanto ao ponto 15.9.: € 6 000;
33.8. Quanto ao ponto 15.10.: € 1 780;
33.9. Quanto ao ponto 15.11.: € 4 680;
33.10. Quanto ao ponto 15.12.: € 800;
33.11. Quanto ao ponto 15.13.: € 1 875;
33.12. Quanto ao ponto 15.14.: € 1 500;
33.13. Quanto ao ponto 15.15.: € 1 750;
33.14. Quanto ao ponto 15.16.: € 900;
33.15. Quanto ao ponto 15.17.: € 300;
33.16. Quanto ao ponto 15.18.: € 325;
33.17. Quanto ao ponto 15.19.: € 320;
33.18. Quanto ao ponto 15.20.: € 1 500;
33.19. Quanto ao ponto 15.21.: € 300;
33.20. Quanto ao ponto 15.22.: € 940;
33.21. Quanto ao ponto 15.23.: € 660;
33.22. Quanto ao ponto 15.24.: € 400.
2. E deu como não provado:
a) Que o tabique referido no ponto 15.2. estivesse insalubre.
b) Que o pavimento referido no ponto 15.3. apresentasse risco de ruir.
c) Que a autora tenha procedido ao arranjo dos dois pequenos quartos de dormir, situados no piso superior intermédio, rebocando-os e pintando-os, no valor de € 500.
d) Que com as obras supra descritas no ponto 15) a autora tenha suportado um custo no montante global de € 80 000.
e) Que o locado se apresentasse bastante degradado em termos estruturais e insalubre, evidenciando sinais de apodrecimento e com o próprio piso do ré-do-chão em risco de ruir.
f) Que se não fossem as obras e os melhoramentos realizados pela autora acima referidos, o locado teria um valor de apenas cerca de € 69 017,94.
g) Que atualmente e após as obras de beneficiação realizadas pela autora, o valor do locado tenha aumentado para € 146 663,13.
h) Que as obras supra descritas no ponto 15) tenham sido realizadas sem o conhecimento, consentimento ou autorização dos réus.
i) Que as obras acima descritas no ponto 15) dos factos provados não tenham valorizado o prédio.
3. Cumpre apreciar e decidir.
Os Réus/recorrentes dizem que a apelação “versa sobre a matéria de facto, a qual influiu na tomada de decisão final, designadamente no que concerne ao valor a que os Recorrentes foram condenados a pagar à A.”.
No seu longo arrazoado, pretendem, sobretudo, que se atenda à “depreciação de 27 %”, a incidir sobre o valor global indicado em II. 1. 16), supra (cf., por exemplo, “conclusões 12ª, 32º, 33º e 35º”, ponto I., supra).
Conjugados os elementos disponíveis e considerada a forma da impugnação, afigura-se que não é possível deferir tal pretensão, o que se explicitará.
4. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art.º 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil/CPC[3]).
No caso previsto na citada alínea b), observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes (n.º 2 do mesmo art.º).
5. Tais requisitos da impugnação da decisão de facto justificam-se pela simples razão de que importa alegar o porquê da discordância, devendo o recorrente concretizar as suas divergências.
Trata-se da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, por um lado, porque ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto, indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância [pelo que deverá indicar com exatidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos] e qual a concreta divergência detetada [e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas], e, por outro lado, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar, garantindo o efetivo cumprimento do princípio do contraditório [art.ºs 638º, n.º 5 e 640º, n.º 2, alínea b)], obviando-se, assim, à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.[4]
A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão de facto deve verificar-se quando, nomeadamente, falta a indicação dos concretos pontos da discordância quanto à decisão sobre a matéria de facto, a indicação exata das passagens da gravação em que o recorrente se funda ou a posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, tratando-se de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.[5]
6. Os Réus/recorrentes afirmam, insistentemente, a redução do valor em “27 %”, conforme se refere em II. 3., supra, mas, invocando a prova pessoal produzida em audiência de julgamento (cf., por exemplo, “conclusões 3ª e 4ª”, ponto I., supra), não indicam ou transcrevem quaisquer excertos da gravação dos depoimentos e esclarecimentos aí prestados, bem sabendo que o Tribunal a quo atendeu à prova pessoal produzida na audiência de julgamento.
Considerados os “ónus” da impugnação da decisão relativa à matéria de facto previstos no art.º 640º, verifica-se (na alegação de recurso e respetivas “conclusões”) que os recorrentes não concretizaram, pelo menos, os meios probatórios, constantes do processo (exceto quanto ao relatório pericial junto em 06.3.2022 e subsequentes esclarecimentos por escrito) ou de registo ou gravação nele realizada, e, em bom rigor, também, a decisão (de facto) que, no seu entender, deve ser proferida e as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
7. Pese embora a relevância atribuída pelos Réus/recorrentes ao relatório pericial de 06.3.2022 e ulteriores esclarecimentos, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo, conjugando toda a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento, decidiu não acolher algumas das conclusões/soluções apontadas naquele relatório, justamente, em face da prova pessoal produzida em julgamento e da falta de prova documental tida como essencial para a dilucidação de determinados factos, mormente segundo a perspetiva delineada ou admitida pelo Sr. Perito.
Daí, independentemente da questão de saber se a essencialidade da prova pessoal apresentada determina(ria), necessariamente, a total rejeição do recurso da decisão relativa à matéria de facto, certo é que, ante as descritas circunstâncias da impugnação, não é possível a sua reapreciação.
Na verdade, seria importante verificar, nomeadamente, os esclarecimentos “do perito – eng.º DD - feitos em audiência quanto aos trabalhos que presenciou e sobre os quais se pronunciou quanto às suas características físicas e valor”, relativamente ao “critério de apuramento dos valores das benfeitorias por referência ao valor das respetivas matérias primas e mão-de-obra em valores ´aproximados` (...)”, etc.[6], naturalmente, em confronto/conjugação com o teor dos relatórios periciais (de 06.3.2022, complementado em 29.5.2022 e 12.12.2023), como, de resto, também se refere na motivação da decisão relativa à matéria de facto.
Não sendo possível reapreciar, designadamente, a matéria relativa a “IVA”, “Encargos e Lucros”, “valor a novo em 2022” e “Depreciação - 27 %” (cf., sobretudo, os quadros de fls. 140 e 247 verso e o explicitado no relatório complementar de 29.5.2022)[7] - porquanto, além do mais, ficamos limitados ao que existe no processo físico -, não é, obviamente, possível modificar a decisão de facto proferida em 1ª instância - v. g., dando uma nova redação ao facto 16) ou aditando um novo facto -, além de que também não se vislumbra situação enquadrável na previsão do art.º 662º.
Assim, mantém-se o decidido na 1ª instância.
8. Prosseguindo.
Não se questiona que as partes estavam vinculadas por um contrato de arrendamento para comércio, e bem assim que a A. denunciou o contrato e pretende ser compensada pelo valor das benfeitorias/obras que realizou no imóvel onde esteve implantado o seu estabelecimento comercial.[8]
Relativamente à compensação por benfeitorias subsistia a questão da determinação do seu montante[9], pugnando a A. pela manutenção do valor fixado em 1ª instância[10] e os Réus pela sua redução em 27 %, dependente da eventual modificação da decisão sobre a matéria de facto.
Assim, cessado o arrendamento comercial e mantida a factualidade fixada na 1ª instância, a divergência das partes que subiste, e releva, prende-se agora, apenas, com a indemnização devida aos Réus-senhorios pela retenção do prédio pela A./arrendatária (desde 16.7.2020 até à sua entrega efetiva), sabendo-se que a A. se conformou com a atribuição de montante correspondente ao valor das rendas em singelo, mas discorda do montante (duplicado) fixado na 1ª instância.
Esta a questão de direito que cumpre analisar.
9. O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados (art.º 754º do CC)
Recaindo o direito de retenção sobre coisa imóvel, o respetivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor (art.º 759º, n.º 1, na sua redação primitiva, aqui aplicável). O direito de retenção prevalece neste caso sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente (n.º 2). Até à entrega da coisa são aplicáveis, quanto aos direitos e obrigações do titular da retenção, as regras do penhor, com as necessárias adaptações (n.º 3).[11]
A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (art.º 804º, n.º 1). O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (n.º 2).
Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida (art.º 1045º, n.º 1). Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro (n.º 2).
10. Quem efetua benfeitorias numa coisa (art.º 1273º do CC), tem o direito de a reter até ser reembolsado das mesmas.[12]
O direito de retenção, previsto no art.º 754º do CC, traduz-se na faculdade de alguém, que está obrigado a entregar certa coisa, a poder manter em seu poder enquanto, por seu turno, não for pago de um crédito que tem sobre o titular dessa coisa, resultante de despesas feitas com ela ou de danos por ela causados - faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele; direito, que tem o devedor, de diferir a entrega de uma coisa na sua posse, como meio de levar o credor a cumprir uma obrigação em que se encontra para com ele -, existindo, assim, uma relação de conexão entre o crédito à restituição da coisa e o crédito garantido.
Para que a recusa de entrega da coisa ao dono (ou seu legítimo possuidor) seja legítima, torna-se necessário que o crédito do recusante sobre o titular da coisa tenha resultado de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados - v. g., o arrendatário, obrigado a restituir o imóvel após a cessação do contrato de arrendamento, gozará do direito de retenção se o seu crédito resultar de obras de conservação do prédio.
11. O credor titular do direito de retenção pode pagar-se à custa da coisa retida com preferência sobre os demais credores; moldado sobre o regime da hipoteca, quando incida sobre imóveis (art.º 759º do CC), constitui assim um verdadeiro direito real de garantia (dotado das caraterísticas do caráter absoluto, da inerência, da sequela e da prevalência).
12. O direito de retenção assume, além do mais, uma função compulsória, visando compelir o devedor a realizar a prestação devida, em ordem a recuperar o objeto retido; o dono da coisa retida, para obter a sua restituição, sentir-se-á compelido a pagar a sua dívida para com o retentor.[13]
13. O ius retentionis não constitui apenas uma garantia do crédito do retentor (com os poderes dimanados dos art.ºs 754º, 758º e 759º, do CC) mas funciona também como uma causa legitimadora do não cumprimento da obrigação de entrega da coisa.[14]
14. Na sentença sob censura foi reconhecido à A. “o direito de retenção sobre o locado (...) até que os Réus procedam ao pagamento do crédito indicado no ponto II deste dispositivo” (sic), de harmonia com o entendimento de que o arrendatário goza de direito de retenção quando haja lugar a indemnização por benfeitorias no prédio arrendado (art.ºs 216º, 1074º, n.º 5 e 1273º, do CC), solução tida como a mais razoável e que resulta do princípio geral do art.º 754º do CC.[15]
Contudo, importa determinar o quantum que A./arrendatária deverá pagar aos Réus/senhorios a título de indemnização pela não restituição do local arrendado no termo do arrendamento, ainda que exerça o direito de retenção (atuando a respetiva função compulsória) até pagamento do valor das benfeitorias em causa.
15. Como vimos, ninguém questiona o pagamento de determinado montante mensal e falta apenas determinar qual seja.
Tendo presente o estatuído no art.º 1045º do CC e a factualidade apurada [cf., principalmente, II. 1. 9), 14), 16), 20), 21), 22), 26) e 32), supra], afigura-se que a causa da não restituição pontual não é imputável ao arrendatário, porquanto no exercício do seu direito de retenção [só é obrigado a abrir mão da coisa retida desde que lhe seja paga a dívida - no momento em que o crédito por benfeitorias for satisfeito[16]; limitou-se a reter o imóvel, no legítimo exercício do direito de retenção que a lei lhe confere para pagamento do seu crédito de despesas feitas com o imóvel; ao contrário, se se trata de causa imputável ao arrendatário/inquilino, este constitui-se em mora - art.º 804º, n.º 2, do CC; a obrigação de restituir a coisa surge quando não houver já lugar para o direito de retenção[17]], razão pela qual a compensação/indemnização ao senhorio deverá corresponder ao valor da renda convencionada (€ 146,56 mensais), sem qualquer acréscimo (cf. art.º 1045º, n.º 1, 1ª parte, do CC), até ao momento da restituição do prédio (soma das rendas em singelo e pelo tempo em que essa não restituição perdure).[18]
16. Assim, ao valor das benfeitorias (€ 39 698) deverá ser deduzida a importância indicada no ponto anterior, desde 16.7.2020 até à efetiva entrega do local arrendado, com as demais operações de cálculo mencionadas na 1ª instância e que não vêm impugnadas.
17. Procede, desta forma, o recurso interposto pela A. e improcede o recurso dos Réus.
Custas, na 1ª instância, da ação e da reconvenção, por A. e Réus em partes iguais; na 2ª instância, a cargo dos Réus.
28.01.2025
[2] Admitidos com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
[3] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[4] Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 15.09.2011-processo 1079/07.0TVPRT.P1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[5] Vide A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 127 e seguintes.
[6] Ademais, na sua resposta à alegação dos Réus, também a A. se reporta ao “explicado pelo Sr. Perito aquando da sua prestação de esclarecimentos, em sede de audiência” ...
[7] Sendo notórias as divergências manifestadas nos autos sobre a atendibilidade dos mencionados critérios/fatores de cálculo indicados pelo Sr. Perito, verifica-se que, na motivação de facto da sentença recorrida, os relativos a “encargos e lucros”, “valor a novo em 2022” e “depreciação” foram qualificados como “imprecisos e aleatórios”; o IVA foi totalmente desconsiderado.
[8] Decorre do relatório pericial complementar, de 29.5.2022, que o estabelecimento em causa deixou de funcionar (cf. fls. 161).
[9] Por exemplo, na sua resposta à alegação de recurso da A., os Réus afirmam: “concordam que devem pagar uma quantia à A. a título de benfeitorias”.
[10] Concluindo o Tribunal a quo que a A. “tem direito a haver para si o valor das benfeitorias elencadas nos pontos 15.1. a 15.13. e 15.16. a 15.24. (nos valores indicados no ponto 33. dos factos provados) e tem direito a levantar o móvel/louceiro identificado no ponto 15.14. dos factos provados e não o seu valor. / Ou seja (...) a ser paga pelo valor das benfeitorias úteis no montante global de € 39 698. (...).»
[11] O DL n.º 48/2024, de 25.7, veio dar a seguinte (atual) redação aos n.ºs 1 e 2: «Recaindo o direito de retenção sobre coisa imóvel, o respetivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de, nos casos em que o crédito assegura o reembolso de despesas para a conservar ou aumentar o seu valor, ser pago com preferência aos demais credores do devedor (n.º 1). Nos casos previstos na parte final do número anterior, o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente (n.º 2).»
Cf. “nota 15”, infra.
[12] Vide, nomeadamente, L. Menezes Leitão, Direitos Reais, Almedina, 2022, pág. 512.
[13] Relativamente aos pontos II. 10 a 12., vide, nomeadamente, Vaz Serra, Direito de Retenção, BMJ 65º, págs. 103, 108, 138, 143 e 153; Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, págs. 741 e seguintes; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II., Reimpressão da 7ª edição, Almedina, 2004, pág. 579 e seguintes; L. M. Menezes Leitão, ob. cit., págs. 515 e seguinte e L. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6ª edição (reimpressão), Quid Juris, 2010, págs. 163 e seguinte.
[14] Cf. acórdão do STJ de 07.10.1982, in RLJ, 119º, pág. 184.
[15] Sabendo-se que com a atual redação do art.º 759º do CC, conferida pelo DL n.º 48/2024, de 25.7, o legislador teve em vista «condicionar a prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca anteriormente registada à circunstância de o crédito garantido assegurar o reembolso de despesas feitas com o imóvel que tenham contribuído para o conservar ou para aumentar o respetivo valor» (cf. preâmbulo do referido diploma), afigura-se, contudo, que em matéria de contrato de arrendamento, e no domínio de aplicação da anterior redação ou de anteriores codificações, perspetiva similar já seria então defendida por, nomeadamente, Vaz Serra, estudo citado, pág. 104; F. M. Pereira Coelho, Arrendamento, Lições ao curso do 5º ano de Ciências Jurídicas no ano letivo de 1986/87, pág. 141 e L. M. Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 4ª edição, Almedina, 2010, pág. 87.
[16] Vide Vaz Serra, estudo citado, págs. 177 e 187.
[17] Ibidem, pág. 227.
[18] Vide F. M. Pereira Coelho, Arrendamento, cit., págs. 192 e seguinte.