RESOLUÇÃO
TERMO FINAL RESOLUTIVO IMPRECISO
Sumário

O termo resolutivo deverá ser explícito e preciso, esclarecendo qual a obrigação cujo não cumprimento, pela sua relevância, dará direito à imediata resolução.
No caso, a mera referência a “data limite”, no conjunto dos demais elementos apurados, não permite assegurar que as partes tenham querido uma resolução automática em 30.9.2017.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

AA intentou ação contra “A..., Lda., pedindo (em síntese) a condenação desta a pagar-lhe € 25.000,00, dobro do sinal da promessa, por esta violada.

Alegou para tanto, em síntese;

Celebraram contrato promessa a 29 de março de 2017, pelo preço global de 81 820 €; foi pago, como sinal e princípio de pagamento, a importância de cinco mil euros, ficando de pagar os restantes 76820,00 € no acto de assinatura da escritura definitiva de compra e venda, deveria a escritura ser outorgada até ao final de junho de 2017; tal data, por acordo celebrado em 22 de junho de 2017, foi prorrogada para dia 30.09.2017; a ré não facultou os documentos necessários à marcação da escritura, impedindo a autora de

fazer essa marcação; manteve sempre interesse em que o negócio se cumprisse, nunca desistindo do mesmo; a ré nunca lhe manifestou qualquer perda de interesse na sua realização, nem lhe concedeu qualquer prazo admonitório para que o cumprisse; nunca dela tendo recebido qualquer carta ou notificação judicial em tal sentido; veio a constatar que a mesma vendeu a indicada fracção a terceiros, impossibilitando o cumprimento do acordado consigo.

A Ré contestou e reconveio, pedindo se declare verificado o incumprimento definitivo, por culpa da Autora, se declare o acordo válida e legitimamente resolvido e se declare que a Ré legitimamente exerceu o seu direito de reter o valor recebido da Autora, a título de sinal.

Alegou, em síntese: ultrapassado o prazo inicialmente estabelecido para a outorga da referida escritura pública, a Autora pediu adiamento da data inicialmente estipulada, ao que a ré anuiu sob condição de, na data da assinatura do aditamento, aquela Autora realizar transferência bancária para a conta da ré no valor de € 17.000,00, a título de reforço de sinal e pagamento parcial do preço acordado; apenas mediante o pagamento, naquela data (07.08.2017), do referido valor de € 17.000,00, a título de reforço de sinal e nesse pressuposto, é que a ré declarou aceitar prorrogar para o dia 30.09.2017 a data limite para a outorga da escritura pública de compra e venda; o referido aditamento foi outorgado em data em que a Autora já se encontrava em mora, tendo as partes acordado como prazo para o incumprimento definitivo a data de 30.09.2017 se uma ou outra parte não cumprisse; a ré concedeu à autora a faculdade de marcar a escritura de compra e venda, o mais tardar, até ao dia 30.09.2017, tudo sob pena de o contrato promessa ser resolvido, com perda do sinal pago; nessa data (07.08.2017), a autora apenas transferiu para a conta da ré, a quantia de € 2.500,00; dias depois, em 10.08.2017, foi transferida para a conta da Ré a quantia de € 5.000,00, os únicos valores pagos a título de reforço do sinal, nunca tendo sido pago o remanescente; a autora nunca chegou a marcar a escritura, nem dentro daquele prazo estipulado como “data limite”, nem posteriormente, o que indicia a sua perda de interesse no negócio e a sua desistência do mesmo; aquando da outorga do aditamento, ficou a autora expressamente advertida de que a não marcação da escritura pública em causa até à referida data (30.09.2017) implicaria automaticamente a conversão da mora da autora em incumprimento definitivo, bem como a perda de interesse da ré na celebração do contrato definitivo; tratava-se já de um termo essencial do contrato, que se aproxima da natureza de prazo limite e absoluto; não se impunha qualquer outra interpelação adicional; qualquer credor minimamente informado e diligente no lugar da ré interpretaria o comportamento da autora como uma declaração negocial tácita de não cumprimento; assim, considerou a ré definitivamente não cumprido e, em consequência, resolvido o dito contrato-promessa.

Realizado o julgamento, foi proferida decisão a julgar a parcial procedência da ação e improcedência da reconvenção, reconhecendo a outorga e termos de contrato promessa celebrado com a ré e a sua violação por ambas as partes, sendo a ré mediante venda a terceiros, sem haver previamente manifestado perda de interesse no negócio e concedido prazo admonitório para cumprir, e a autora por não marcação da escritura até ao prazo “limite” designado em aditamento contratual, não procedendo ao pagamento da globalidade do reforço do sinal a que se obrigou, nem justificando a sua omissão, e condenando a ré a devolver à autora os valores de sinal e reforço de sinal pagos, - isto é a quantia global de €12.500 euros (doze mil e quinhentos euros) acrescida de juros de mora desde a citação, do mais absolvendo as partes.


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Inconformada, a Ré recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

(…)

2.ª O objecto do litígio consiste no incumprimento de contrato promessa que as partes se imputam reciprocamente, sendo que a questão principal consiste em aferir se o prazo de alteração da data para realização da escritura, fazendo constar uma “data limite” em (segundo) aditamento contratual, constitui um prazo peremptório absoluto e se a conduta da Autora/Recorrida - de não pagamento da totalidade dos valores referidos em aditamento para reforço do sinal e de não marcação do contrato definitivo - consubstanciou uma resolução negocial tácita.

3.ª Inconformada está a ora Apelante com a decisão recorrida quanto à matéria de facto e de direito.

4.ª Quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, considerou o Tribunal a quo erradamente, no seu julgamento sobre a matéria de facto, que não ficaram provados determinados factos que, no entendimento da ora Recorrente, deveriam ter merecido uma resposta diferente por estarem em clara contradição com a prova documental produzida nos presentes autos e com as regras do normal acontecer e da experiência, assim como com a prova testemunhal.

5.ª Dos concretos pontos de facto que a recorrente considera incorrectamente julgados – factos que o tribunal a quo considerou não provados sob os itens 2. e 3. que se transcrevem: 2- As partes acordaram como prazo para incumprimento definitivo a data de 30.09.2017; se uma ou outra parte não cumprisse - cf. doc. 1 da contestação-, ao consignarem ser 30.09.2017 a “data limite para a outorga da escritura de compra e venda” – cf. doc. nº 1 da contestação, significando que a não marcação da escritura pública em causa até à referida data (30.09.2017) implicaria automaticamente a conversão da mora da autora em incumprimento definitivo, bem como a perda de interesse da ré na celebração do contrato definitivo. 3- O não pagamento da totalidade dos valores pela autora significou uma declaração negocial tácita de não cumprimento.

6.ª O tribunal a quo considerou erradamente não se poder inferir da prova produzida que as partes tenham convencionado e considerado que se desvinculavam definitiva e automaticamente pelo facto de não ter sido pago o reforço do sinal na sua totalidade e pelo facto de não ter a Autora/Recorrida marcado a escritura no novo prazo designado no aditamento como “data limite” como lhe incumbia; considerou o tribunal a quo erradamente que a expressão “data limite” inserta no dito aditamento contratual não permite considerar que se tratava de termo resolutivo instantâneo.

7.ª No que respeita à interpretação da vontade das partes que esteve subjacente à outorga do aditamento em causa ao contrato-promessa, resulta da motivação da decisão da matéria de facto que o tribunal a quo fundou a sua convicção essencialmente nas declarações de parte da Autora, aqui Recorrida.

8.ª A valoração da prova por declarações de parte obedece às regras gerais da apreciação da prova no ordenamento jurídico português, o que significa que a mesma será livremente apreciada, nos termos do disposto no art. 466.º n.º 3 do CPC, salvo se as mesmas configurarem confissão.

9.ª O julgador, ao apreciar livremente a prova por declarações de parte, não poderá afastar a consideração de que a parte tem um interesse direto na causa, e uma vantagem patrimonial elevada, numa eventual procedência, tendo as declarações de parte uma função eminentemente integrativa e subsidiária, enfatizando-se a maior fragilidade deste meio de prova na demonstração dos factos.

10.ª No caso concreto, não existe o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, que corroborem as declarações prestadas pela Autora/recorrida quanto à vontade das partes que esteve subjacente ao estabelecimento de “data limite” no dito aditamento contratual, pelo que não poderia o tribunal a quo dar como não provados os factos em causa apenas por terem os mesmos sido contraditados pela Autora/Recorrida.

11.ª Descurou, nomeadamente, o tribunal a quo o depoimento das TESTEMUNHAS BB e CC - bastando para tal atentar na súmula que destes depoimentos testemunhais é feita na sentença recorrida -, assim como descurou o tribunal a quo as REGRAS DO NORMAL ACONTECER E DA EXPERIÊNCIA e os DOCUMENTOS JUNTOS AOS AUTOS (DESIGNADAMENTE, O CONTRATO-PROMESSA DATADO DE 29.03.2017, O ADITAMENTO CONTRATUAL DE 22.06.2017 E O ADITAMENTO CONTRATUAL DE 07.08.2017), que impunham uma interpretação diferente da vontade das partes.

12.ª Desde logo, tal como também consta da motivação da decisão de facto da decisão recorrida, a testemunha BB - sócio da empresa imobiliária B... Lda. que redigiu o aditamento, - declarou, nomeadamente, o que se passa a transcrever da súmula realizada pela sentença recorrida: (…) - era concedida prorrogação no pressuposto de um reforço do sinal; (…) - Data limite : significava que era para resolver a questão do incumprimento… era um prazo peremptório; ficou convicto de que ela estava livre de assinar e ficou de pagar o reforço de sinal….colocou no contrato o que foi dito pelas partes - ela estava esclarecida; - Mais refere ser este contrato um aditamento ao anterior e veio resolver o problema do anterior - com prazo limite para fazer a escritura - resolvia o problema do incumprimento do anterior - o reforço foi só parcialmente pago e não cumprida a obrigação de marcar a escritura. A ré nunca marca escrituras - em 90% dos casos como há recurso ao crédito, é o banco que marca a escritura. - Após o prazo, a autora nunca contactou a dar qualquer satisfação ou interesse em cumprir - e passou quase um ano- não sabe se comunicou diretamente à vendedora; não cobraram comissão porque o negócio se frustrou.”

13.ª Assim, o depoimento da TESTEMUNHA BB, cuja súmula é feita na própria sentença recorrida, suporta em absoluto a versão dos factos trazida aos autos pela Ré, aqui Recorrente, no sentido de que o estabelecimento de “data limite” em (segundo) aditamento contratual corresponde à estipulação pelas partes de que, ultrapassado este prazo, o incumprimento seria definitivo, o mesmo se verificando em relação ao não pagamento da totalidade do reforço de sinal estipulada como condição para a prorrogação do referido prazo.

14.ª O que também decorre do depoimento da testemunha da TESTEMUNHA BB, cuja súmula também é feita na sentença recorrida e que se passa a transcrever: “(…) A testemunha CC, reformado, trabalhou em área de crédito, primo por afinidade da autora, sendo marido da testemunha anterior, corrobora que ela telefonou à prima, explicou a situação - teria necessidade de reforço de sinal de aquisição de apartamento e perderia o que tinha dado de sinal se não o conseguisse.”

15.ª E, mesmo que se entendesse que tais depoimentos por si só não eram suficientes para se considerar demonstrada a vontade das partes invocada pela Recorrente – o que não se aceita e apenas se equaciona por mera hipótese de raciocínio -, na interpretação dessa vontade das partes, deveria o tribunal a quo ter recorrida às REGRAS DO NORMAL ACONTECER E DA EXPERIÊNCIA, o que não sucedeu.

16.ª Tal como provado, através do contrato-promessa de compra e venda outorgado em 29.03.2017, a Ré/Recorrente obrigou-se a vender à Autora/Recorrida, livre de ónus ou encargos, o imóvel descrito no art. 2.º da P.I., pelo preço global de € 81.820,00, tendo sido, em 30.03.2017, efectuada transferência pela Autora para conta bancária da Ré, a título de sinal e princípio de pagamento, da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), e tendo sido acordado entre as partes que a escritura pública de compra e venda deveria ser outorgada até ao final do mês de Junho de 2017, ficando a promitente-compradora, a

Autora/Recorrida, com a obrigação de marcar a escritura pública de compra e venda e de informar a promitente-vendedora, aqui Ré/Recorrente, com a antecedência mínima de 15 dias da data e hora designadas.

17.ª A pedido da Autora/Recorrida, por acordo das partes, o prazo inicialmente estipulado para a outorga do referido contrato definitivo (final do mês de Junho de 2017) foi prorrogado até 30.09.2017, conforme um primeiro aditamento celebrado em 22.06.2017 (incumprido pela Autora/Recorrida) e conforme um segundo aditamento ao mencionado contrato-promessa celebrado entre as aqui Autora/Recorrida e Ré/Recorrente em 07.08.2017 (cf. DOCUMENTO QUE SE JUNTOU COM O N.º 1 À CONTESTAÇÃO e transcrito em f. dos Factos Provados).

18.ª Tal como assente, tal prorrogação de prazo foi pedida pela Autora/Recorrida, que – já em mora, após ter sido ultrapassado o prazo inicialmente estabelecido para a outorga da referida escritura pública - pediu o adiamento da data inicialmente estipulada, tendo a Ré/Recorrente anuído sob condição de, na data da assinatura do acordo de aditamento referido (07.08.2017), a Autora/Recorrida realizar transferência bancária para a conta da Ré no valor de € 17.000,00 (dezassete mil euros), a título de reforço de sinal e pagamento parcial do preço acordado (cf. DOCUMENTO QUE SE JUNTOU COM O N.º 1 À CONTESTAÇÃO e transcrito em f. dos Factos Provados).

19.ª Contrariamente ao entendimento do tribunal a quo, da leitura e análise do referido documento, em consonância com as REGRAS DO NORMAL ACONTECER E DA EXPERIÊNCIA COMUM, resulta que as partes acordaram a referida “data limite” de 30.09.2017 como prazo para a conversão automática em incumprimento definitivo da mora em que já se encontrava a Autora/Recorrida na hipótese de aquela voltar a não cumprir; o que, conforme supra alegado, foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas BB e CC (cuja súmula é efectuada na sentença recorrida).

20.ª O referido aditamento e a respectiva redacção – designadamente o recurso à EXPRESSÃO “DATA LIMITE” – devem, de acordo com as REGRAS DA EXPERIÊNCIA, ser interpretados no sentido de que, nesse momento, ficou a Autora/Recorrida expressamente advertida de que a não marcação da escritura pública em causa até à referida data (30.09.2017) implicaria automaticamente a conversão da mora em que a Autora/recorrida já se encontrava em incumprimento definitivo, bem como a perda de interesse da Ré/Recorrente na celebração do contrato definitivo.

21.ª Sucede que, tal como provado, a Autora/Recorrida, contrariamente ao acordado, não efetuou na data da outorga do referido aditamento – nem posteriormente – transferência do reforço do sinal acordado de € 17.000,00, apenas tendo transferido para a conta bancária da Ré/Recorrente a quantia de € 7.500,00; e, tal como também se encontra assente, a Autora/Recorrida nunca chegou a marcar a escritura pública para a celebração do contrato prometido, nem dentro daquele prazo estipulado como “data limite”, nem posteriormente.

22.ª O que, contrariamente ao entendimento do tribunal recorrido, manifestamente indicia a perda de interesse da Autora/Recorrida no negócio e a sua desistência do mesmo, sendo isto que se infere do seu comportamento tácito; acresce que, contrariamente ao entendimento do tribunal recorrido, assente se deve considerar que também a Ré/Recorrente manifestou perda de interesse na outorga do contrato definitivo.

23.ª É inquestionável que o contrato prometido tinha um prazo certo para ser concretizado: inicialmente final do mês de Junho de 2017, tendo tal prazo sido prorrogado - através do dito aditamento de 07.08.2017 e numa altura em que a autora/recorrida já se encontrava em mora - para o dia 30.09.2017, como data limite e sob condição de, na data da outorga do dito aditamento, a Autora/Recorrida transferir para a conta bancária da Ré/Recorrente, a título de reforço do sinal, a quantia de € 17.000,00, o que, conforme provado, não se verificou.

24.ª Nos termos do artigo 236.º, n.º 1 do Código Civil, que fixa como critério da interpretação da declaração negocial o PRINCÍPIO DA IMPRESSÃO DO DECLARATÁRIO, ali se estabelecendo que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; e, nos termos do n.º 2 do citado artigo 236.º do Código Civil, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida, hipótese em que valerá então esta vontade.

25.ª Ora, no caso concreto deve concluir-se que, em face das circunstâncias do negócio em causa e do uso da expressão “data limite”, o prazo previsto no aditamento constituiu um termo essencial e rígido; acrescendo que, no caso concreto, a Recorrida conhecia a real vontade da Recorrente.

26.ª A expressão utilizada no aditamento - “data limite” - inculca que as partes, para além de fixar o terminus do prazo, pretenderam conceder uma especial importância à data fixada para a realização do contrato definitivo (30.09.2017), no sentido de ser a mesma improrrogável, com o sentido de que, ultrapassada tal data, o contrato deixaria de subsistir, verificando-se a imediata resolução; a inclusão na cláusula da expressão "data limite" impõe que se tire tal consequência da ultrapassagem desse dia.

27.ª As REGRAS DA INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL DAS PARTES impõem que se considere apurado que a Recorrente (promitente-vendedora) pretendeu estipular uma data derradeira, improrrogável, para a escritura.

28.ª Nesta sede importa atentar na diferente redacção dada no contrato-promessa e no referido aditamento a este: enquanto no primeiro se exarou que “a escritura de compra e venda do prédio acima indicado realizar-se-á a(té) ao final de Junho de 2017”, no mencionado aditamento exarou-se que "em consequência do valor entregue e nesse pressuposto, a data limite para a outorga da escritura de compra e venda passará ser o 30/09/2017” - a apontada diferença de redacção dada à cláusula relativa à data da realização da escritura, com o uso no aditamento da expressão "data limite” para a sua outorga, inculcando a ideia num declaratário normal que no aditamento ao contrato-promessa se estabeleceu um prazo fixo essencial.

29.ª No caso concreto, a interpretação que um declaratário normal, colocado na posição da Recorrida, poderia fazer da cláusula em apreço, e com um sentido correspondente ao texto do documento, é a de que a celebração da escritura definitiva deveria ocorrer impreterivelmente até ao dia 30.09.2017 e que o não cumprimento desse prazo - isto é a não realização da escritura até essa data (escritura esta, de acordo com o contrato, a marcar pela Autora/Recorrida) -, determina que o contrato-promessa se considere resolvido de imediato, automaticamente, sem necessidade de qualquer interpelação.

30.ª Contrariamente ao entendido pelo tribunal a quo, trata-se de um termo essencial do contrato, que se aproxima da natureza de prazo limite, peremptório e absoluto; dentro do prazo suplementar fixado no referido aditamento ao contrato promessa - prazo razoável e peremptório -, incumbia à promitente compradora, nos termos do acordado, marcar a respectiva escritura pública, para a formalização do contrato prometido de compra e venda, dando, desse modo, cumprimento ao contrato promessa.

31.ª O que, conforme provado, não se verificou, não tendo a Autora/Recorrida procedido à marcação da escritura pública, nem no prazo convencionado, nem posteriormente, nada tendo comunicado à Ré/Recorrente, vindo depois aquela instaurar a acção em epígrafe em 08.09.2020, decorridos mais de três anos após a celebração do contrato-promessa e decorridos mais de dois anos após a venda do imóvel a terceiros, sendo que, tal como consta da sentença recorrida, não demonstrou a Recorrida que, na data da alienação do dito imóvel a terceiro – quase um ano decorrido após a dita “data limite” – estivesse a mesma em condições de outorgar a escritura!

32.ª E, de igual modo, não procedeu a Autora/Recorrida ao pagamento do reforço do sinal que era condição da referida prorrogação.

33.ª O que manifestamente importou o incumprimento definitivo do contrato promessa exclusivamente por parte da Autora/Recorrida.

34.ª Pelo exposto, contrariamente ao entendido pelo tribunal a quo, o incumprimento do contrato promessa não pode ser imputado (também) à promitente vendedora aqui Recorrente, sendo-o única e exclusivamente à promitente-compradora aqui Recorrida.

35.ª E, tal como se deve considerar provado, estando a Autora/Recorrida expressamente advertida, no momento da assinatura do aditamento que foi celebrado a seu pedido, das consequências do não cumprimento das obrigações de reforço do sinal e de marcação do contrato definitivo dentro do prazo suplementar acordado, não se impunha qualquer outra interpelação adicional por parte da Recorrente.

36.ª Qualquer credor minimamente informado e diligente colocado no lugar da Ré/Recorrente interpretaria o comportamento da Autora/Recorrida como uma declaração negocial tácita de não cumprimento.

37.ª Competia à Autora/Recorrida marcar a escritura pública, para a formalização do contrato prometido, sendo que o prazo era certo, essencial, peremptório, absoluto, pelo que, nesta circunstância, contrariamente ao entendido pelo tribunal recorrido, para a Autora/Recorrida incorrer em incumprimento definitivo, bastou o não pagamento do reforço do sinal acordado ou o simples decurso do prazo suplementar fixado sem a outorga da escritura pública de compra e venda.

38.ª Contrariamente ao entendido pelo tribunal recorrido, a conduta da Autora/Recorrida implicou o vencimento imediato da obrigação e permitiu à credora, a aqui Recorrente, resolver o contrato sem necessidade de qualquer interpelação adicional, pelo que, contrariamente ao entendido pelo tribunal recorrido, legitimamente, considerou a Recorrente definitivamente não cumprido e, em consequência, automaticamente resolvido o dito contrato-promessa.

39.ª Por todo o exposto, tendo por base a reanálise da prova produzida - designadamente a prova documental e os depoimentos das testemunhas BB e CC -, conciliada com as regras do normal acontecer e da experiência, e com fundamento numa desconformidade das mesmas com a decisão tomada em primeira instância, sendo notória a existência de um erro na apreciação dos meios de prova, mesmo salvaguardando, claro está, o princípio da livre apreciação da prova, haverá que alterar a resposta dada aos Pontos da matéria de facto supra identificados (factos que o tribunal a quo considerou não provados sob os itens 2. e 3.) nos seguintes termos: Provado que as partes acordaram como prazo para incumprimento definitivo a data de 30.09.2017; se uma ou outra parte não cumprisse - cf. doc. 1 da contestação-, ao consignarem ser 30.09.2017 a “data limite para a outorga da escritura de compra e venda” – cf. doc. nº 1 da contestação, significando que a não marcação da escritura pública em causa até à referida data (30.09.2017) implicaria automaticamente a conversão da mora da autora em

incumprimento definitivo, bem como a perda de interesse da ré na celebração do contrato definitivo; Provado que o não pagamento da totalidade dos valores pela autora significou uma declaração negocial tácita de não cumprimento.

40.ª Assim, contrariamente ao entendido pelo tribunal recorrido, a Recorrente não incumpriu o contrato-promessa, verificando-se tal incumprimento definitivo exclusivamente da parte da Recorrida, o que possibilitou à Recorrente, nos moldes legais, considerar legitimamente resolvido o dito contrato promessa com a consequente legitimidade da posterior venda a terceiros.

41.ª No referido aditamento ao contrato promessa, a promitente-vendedora, ora Recorrente, pretendeu estipular uma data derradeira, improrrogável para a celebração da escritura, o que era do conhecimento da Recorrida.

42.ª Contrariamente ao entendido pelo tribunal a quo, no caso concreto encontramo-nos perante um termo essencial subjetivo absoluto, na medida em que se elege, por convenção das partes nesse sentido, o prazo para a realização da escritura pública como um elemento essencial na economia do contrato, e que a não observância desse prazo implica o incumprimento definitivo da obrigação.

43.ª E, no caso concreto, tal como considerado provado, a Autora/Recorrida incumpriu a obrigação que sobre si impendia de marcação da escritura pública, não a tendo marcado até ao dia 30.09.2017 (e nem posteriormente).

44.ª O Tribunal recorrido violou, pois, as normas dos artigos 236.º, n.ºs 1 e 2, 237.º, 238.º, 405.º, 432.º, n.º 1, 436.º, 442.º, n.º 2, 801.º, 808.º do Código Civil e 466.º, n.º 3 do CPC.

45.ª Razão pela qual, fazendo-se uma correta interpretação das normas legais invocadas, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, em sua consequência, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra em que se absolva a Ré/Recorrente dos pedidos contra si formulados pela Autora/Recorrida e em que se julgue procedente, por provada, a reconvenção e, em consequência, seja declarado verificado o incumprimento definitivo exclusivo da Recorrida/Autora-reconvinda, por culpa a esta imputável, do contrato-promessa entre as partes outorgado em 29.03.2017, declarando-se que, com fundamento no dito incumprimento definitivo exclusivamente imputável à Recorrida/Autora-reconvinda, se encontra válida e legitimamente resolvido o referido contrato-promessa, e mais se declarando que a Recorrente/Ré-reconvinte legitimamente exerceu o seu direito de reter o valor recebido da Autora-reconvinda, a título de sinal, na quantia de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), assim se fazendo Justiça!


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            A Autora contra-alegou, defendendo a correção do decidido.

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Questões a decidir:

A reapreciação da matéria de facto impugnada (factos não provados 2 e 3);

A existência de prazo final, perentório, absoluto, que permite atribuir à Autora, em exclusivo, o incumprimento definitivo da promessa; a resolução tácita da Autora.


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A reapreciação da matéria de facto.

A Recorrente questiona os factos não provados em 2 e 3.

Aquela invoca a insuficiência das declarações da Autora e os testemunhos de BB e CC, invocando ainda os termos do contrato e “o normal acontecer”.

A prova disponível, a reconsiderar, está sujeita à livre apreciação do julgador.

Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº1, do Código de Processo Civil).

Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados.

Lembremos que a aplicação do regime processual em sede de modificação da decisão da matéria de facto conta necessariamente com a circunstância de que existem fatores ligados aos depoimentos que, sendo passíveis de influir na formação da convicção, não passam nem para a gravação nem para a respectiva transcrição. É a imediação da prova que permite detetar diferenças entre os depoimentos, tornando possível perceber a sua maior ou menor credibilidade.

Reapreciadas a prova pessoal indicada e a prova documental, a nossa convicção manifesta-se no mesmo sentido do decidido, não encontrando razões para alterar a decisão sobre a matéria de facto, julgando assim improcedente a impugnação feita pela Recorrente.

Vejamos:

           Ao contrário do afirmado, o Tribunal recorrido não se bastou com as declarações de parte, embora tenha afirmado e bem, que apesar do interesse direto subjacente, não devemos esquecer que são as partes que têm contato privilegiado com os factos e, em determinadas circunstâncias, a única prova deles.

            Em certos casos, a prova por declarações de parte pode até ser autossuficiente.

            O depoimento da Autora, tido por sincero, espontâneo e lógico, na ausência de corroboração documental, revela, pelo menos, que ela atuou no sentido de segurar o negócio, criando o seu testemunho dúvidas sérias sobre o que tenha sido esclarecido no momento do adiamento da data limite para a escritura.

Devemos notar, no caso, ocorre total ausência de correspondência escrita entre as partes, sendo as comunicações meramente orais, o que dificulta a percepção do que se passou.

A Autora reconhece que o atraso era seu, pois diligenciava pela concessão de crédito bancário dificultado por ter atingido a sua taxa de esforço; ela pretendia a tolerância da Ré, pois, apesar de não ter pago a totalidade do reforço do sinal, ainda assim pagou cerca de 7500 €.

As dúvidas resultantes do seu depoimento não são sanadas, em contrário, pelos testemunhos invocados agora.

CC nada diz de relevante a este respeito, tendo apenas uma menção de ouvir dizer, não atendível (ela telefonou à prima a dizer…).

BB não diz sequer que discutiram o significado do adiamento, resultando antes que ele está a fazer a sua interpretação do clausulado.

Podemos ainda assinalar:

O depoimento de DD revela que houve 3 “conversas residuais”, não referindo que tivessem falado em prazo final, com o significado de termo final absoluto, perentório; o adiamento foi concedido em troca de um reforço de sinal.

Neste contexto, não é possível assegurar, como dado para além do mero teor literal, que as partes acordaram o prazo como data para o incumprimento definitivo, se uma ou outra parte não cumprisse; que elas tenham querido a data como uma automática conversão da mora da Autora em incumprimento definitivo ou a perda de interesse da Ré na celebração da venda.

Importa destrinçar o que é a interpretação do clausulado, com este, e a obtenção de dados de facto exteriores e auxiliares para tal interpretação, nomeadamente da vontade real das partes e esta fica por apurar.

O facto não provado em 3 (o não pagamento da totalidade dos valores pela autora significou uma declaração negocial tácita de não cumprimento) tem ainda feição conclusiva, cabendo retirar as ilações desse não pagamento na análise jurídica infra a realizar.

Pelo exposto, julgamos improcedente a impugnação feita pela Recorrente, mantendo a matéria de facto como decidido em 1ª instância.


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Os factos provados são os seguintes:

a- No dia 29 de março de 2017, foi celebrado e assinado, entre autora e ré, um “Contrato Promessa de Compra e Venda”, nos termos do qual, a ora ré prometia vender, e a ora autora comprar,” … a fracção autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano sito na Rua ..., ..., na vila e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o nº ...68..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...99, correspondente a uma habitação tipo T3, no 2º andar lado nascente, bem como, uma garagem na cave do dito edifício, terceira a contar do lado nascente…” (cláusulas 1ª e 2º do dito contrato), pelo preço global de 81 820 € (oitenta e um mil oitocentos e vinte euros), a liquidar pela aqui autora;

b- Como sinal e princípio de pagamento, ficou estabelecido que a ora autora liquidaria a importância de 5000 € (cinco mil euros), a efetuar por transferência para a conta bancária da ré no prazo de vinte e quatro horas, pagando os restantes 76 820,00 € no acto de assinatura da escritura definitiva de compra e venda, (cláusula 3ª do mesmo).

c- A autora efetuou transferência da indicada importância de cinco mil euros (5000 €), em 30.03.2017, dia seguinte, para conta bancária da ré, a título de sinal e princípio de pagamento.

d- A escritura definitiva de compra e venda seria outorgada até ao final de junho de 2017, tal como estabelecido na cláusula 4ª do dito contrato.

e- De acordo com a cláusula 4.ª, a promitente-compradora, aqui autora, assumiu a obrigação de marcar a escritura pública de compra e venda e de informar a promitente vendedora, aqui ré, com a antecedência mínima de 15 dias da data e hora designadas.

f- Por acordo das partes, o prazo inicialmente estipulado para a outorga do referido contrato definitivo (final do mês de junho de 2017) foi prorrogado até 30.09.2017, conforme aditamento ao mencionado contrato- promessa celebrado entre as aqui autora e ré em 07.08.2017, do seguinte teor:

Daí decorrendo que a autora entregaria €17000,00 nessa data por transferência bancária, a titulo de reforço do sinal e pagamento parcial do preço acordado e a data limite para outorga da escritura seria 30-09-2017.

g- Ainda nessa data (07.08.2017), a autora apenas transferiu para a conta da ré, a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros);

h- E em 10.08.2017, foi transferida para a conta da ré a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), únicos valores pagos à ré pela autora a título de reforço do sinal, nunca tendo sido pago o remanescente valor de € 9.500,0 (nove mil e quinhentos euros) para perfazer o montante acordado de € 17.000,00.

i- A autora não chegou a marcar a escritura pública para a celebração do contrato prometido nem no prazo convencionado no contrato e seu aditamento, nem posteriormente.

j- A ré não veio marcar a escritura pública para a celebração do contrato prometido nem no prazo convencionado no contrato e seu aditamento, nem posteriormente.

k- Em 19.06.2018, a ré vendeu a terceiros a fracção autónoma em causa.

l- A data convencionada para a data de escritura definitiva foi pelo aditamento celebrado no dia 07 de agosto de 2017, ainda prorrogada até 30 de setembro de 2017, pedindo a autora adiamento da data inicialmente estipulada;

m- Ao que a ré anuiu sob condição e no pressuposto de na data da assinatura do acordo de aditamento referido (07.08.2017), a autora reforçar o sinal, realizando transferência bancária para a conta da ré no valor de € 17.000,00 (dezassete mil euros), a título de reforço de sinal e pagamento parcial do preço acordado.

n- Já em 22.06.2017, a alguns dias do termo do prazo fixado no contrato inicial, as partes subscreveram aditamento, a solicitação da autora, prorrogando a data limite de outorga até esse mesmo dia 30 de setembro de 2017, prevendo um reforço de sinal de € 21000,00 - incumprido por falta de condições financeiras da ré, que aguardava a aprovação de crédito/ou o pagamento de tornas em inventario sequente a divorcio- , sendo substituído pelo aditamento de 7 de Agosto de 2017, mencionado em f), - e com o seguinte teor clausulado (aditamento de 22-06-2017):

o- A autora manteve interesse na outorga do negócio definitivo, além da data de 30 de setembro, até lhe ter sido dito informalmente pela ré que já alienara a fracção a terceiros- mas não justificou, atingida a data, a sua omissão.

p- Com vista a equipar a fracção, a autora comprou à sociedade “C..., Lda.”, em 20 de junho de 2017, uma placa de encastrar Teka-IG 620 1G AI AL DR CI e um lava louça Teka Premium 1C 1E–IX, para aplicação na cozinha do imóvel, e pela importância de 684,80 €.

q- Os documentos foram entregues à ré pela agência imobiliária encarregue de promover a venda do imóvel em causa no momento anterior à outorga do contrato-promessa, sendo que nunca a autora comunicou à ré que faltaria qualquer documento.

r- Ultrapassado o prazo inicialmente estabelecido para a outorga da referida escritura pública –foi outorgado novo aditamento (07.08.2017), que substituiu aquele, na condição de a autora realizar transferência bancária para a conta da ré no valor de € 17.000,00 (dezassete mil euros), a título de reforço de sinal e pagamento parcial do preço acordado.

s- Desse valor de € 17.000,00 €, a autora apenas efetuou o pagamento de reforço de € €5000 e €2500 (a 7 e 10 de agosto), remetendo-se ambas as partes ao silêncio, nos meses seguintes.


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Comecemos por dizer que, porque não recorreu, a Autora aceitou a decisão de restituição do sinal em singelo (e não no dobro como queria).

A decisão recorrida entendeu que a violação da promessa é de ambas as partes, sendo a da Ré porque vendeu o bem a terceiros, sem haver previamente manifestado perda de interesse no negócio e concedido prazo admonitório para cumprir, e no caso da Autora porque não marcou a escritura até ao prazo “limite” designado em aditamento contratual, não procedendo ao pagamento da globalidade do reforço do sinal a que se obrigou, nem justificando a sua omissão.

A Recorrente, para não pagar o valor do sinal em singelo, entende que a “data limite” no contrato configura um prazo final absoluto, resolutivo.

Vejamos:

O termo resolutivo deverá ser explícito e preciso porque está em causa estabelecer que um determinado incumprimento será considerado grave e constituirá fundamento de resolução, eliminando assim de antemão qualquer dúvida ou incerteza quanto à importância de tal inadimplemento e subtraindo esse ponto a uma eventual apreciação do juiz. A função normal da cláusula resolutiva é justamente a de organizar ou regular o regime do incumprimento mediante a definição da importância de qualquer modalidade deste para fins de resolução. Deve dizer-se que esta liberdade das partes no que respeita à definição da importância do inadimplemento para efeitos de resolução não pode ser absoluta – isto é, não pode ir ao ponto de permitir estipular que até um inadimplemento levíssimo, de todo insignificante na economia do contrato, possa dar lugar à resolução. Pois que a cláusula resolutiva não pode ser tal que, pela sua exorbitância, entre em conflito com o princípio da boa fé contratual – nem tal que se traduza numa fraude ao princípio do art. 809.”  (B. Machado, “Pressupostos da resolução por incumprimento”, in obra dispersa, pág. 186-187, C. da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Almedina, Coimbra, 1987, págs. 321 e segs.)

A fixação de uma data, como termo final do prazo para a celebração da escritura, pode ser entendida com dois sentidos: como prazo-limite, absoluto ou improrrogável, cujo decurso determina o incumprimento definitivo do contrato e a sua imediata resolução ou caducidade ou como prazo relativo ou não essencial, apenas determinante de uma situação de mora e conferindo ao credor o direito de pedir o cumprimento do contrato, sob pena de sua resolução.

O sentido dado à data limite terá que ser deduzido do material interpretativo fornecido pelas partes, da natureza da promessa, do comportamento posterior dos promitentes ou de outras circunstâncias coadjuvantes.

No caso, não nos parece que as partes tenham previsto um prazo absoluto e improrrogável.

Em caso de dúvida até, será de ter o prazo como relativo, por estar mais de harmonia com a vontade hipotética das partes e por ser a menos onerosa para o devedor.

Milita a favor de se tratar de um prazo relativo o seguinte:

1.Não foram exaradas expressões admonitórias (sob pena de …, advertidos de…).

2.O sentido dos factos não provados, conforme supra analisados.

3.A Ré aceitou a prorrogação do prazo (ocorre um duplo aditamento, com alteração do valor do reforço do sinal). Conforme os factos f) e n), a data inicial já era um prazo limite, mas “passava a ser” (expressão usada) outro em troca do reforço de sinal, o que faz supor que a Ré, caso a Autora lho pedisse e manifestasse essa intenção com o aumento do sinal, aceitaria alargar mais o limite.

Podemos encontrar outro sentido para a prorrogação: a mora da Autora (que já existia no momento do aditamento) seria eliminada com o reforço do sinal e a nova data; não havendo aquele reforço (integral), a mora voltava, o que já facultava à Ré uma interpelação admonitória.

4.A Ré sabia que para a Autora estava em causa a obtenção de um financiamento bancário dificultado. Apesar disso, a Autora manifestava-lhe interesse no negócio.

5.A Ré não clarificou a resolução. No contexto, sendo certo que a Autora até pagou parte do reforço de sinal, seria exigível que a Ré esclarecesse a resolução. O incumprimento, naqueles moldes, não a dispensava de clarificar a sua resolução.

            Por fim, em face do facto o), além do mais, a invocada resolução tácita da Autora não pode ser aceite.

           Em conclusão: a Ré, na demora da Autora, com a venda a terceiros, violou definitivamente a promessa, o que legitima a sua condenação. Esta condenação, como assinalado, não foi a repor o sinal em dobro, mas apenas em singelo, porque se considerou, o que não sofreu recurso da parte da Autora, que esta também teve culpa no sucedido.


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Decisão.

           Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pela Recorrente, vencida (art.527º, nº 2, do Código de Processo Civil).

            Coimbra, 2025-01-28


(Fernando Monteiro)

(Vítor Amaral)

(Luís Cravo)